Capítulo 3




Capítulo 3

«A força do vampiro reside em que ninguém acredita nele».

Obrigado, doutor Van Helsing, pensou Potter deixando a um lado seu exemplar de “Drácula”. Ficou com os olhos fixos na biblioteca, escutando o segundo concerto para piano de Brahms, com um copo de uísque na mão direita e um cigarro na esquerda.

Em efeito. O livro era um compêndio de superstições e convencionalismos
simples mas essa linha dizia a verdade. Ninguém havia acreditado neles, e como se podia lutar contra algo inverossímil?

Assim havia sido. Algo obscuro e noturno havia se cruzado nas sombras medievais. Algo impossível e inconsistente, algo que só existia em feitos e idéias, nas páginas da literatura fantástica. Os vampiros pertenciam à outra época, como os romances de Summers ou os melodramas de Stoker. Eram apenas umas linhas na Enciclopédia Britânica ou possivelmente material para escritores ou filmes de média qualidade.

Uma débil lenda que havia se transmitido de séculos em séculos.
Bom, pois agora tinha certeza.

Tomou um gole de uísque e fechou os olhos, deixando descer o líquido gelado pela garganta até esquentar-lhe o estômago. Era certo, pensou, mas ninguém tinha conseguido averiguá-lo. Oh sabiam que existia algo, mas de maneira nenhuma podia ser isso. Isso era algo imaginário, uma mera superstição, não havia nada semelhante na vida real.

E antes que a ciência tivesse destruído a lenda, a lenda devoraria a ciência e todo o resto. Esse dia não havia procurado madeira. Não tinha revisado o gerador. Não havia recolhido os pedaços de espelho quebrados. Nem sequer tinha jantado; não tinha apetite.

Acontecia freqüentemente. Não podia fazer aquilo e comer logo despreocupadamente. Nem ainda depois de cinco meses.
Pensou nos meninos que havia visto aquela tarde e tomou sua bebida.
Piscou e as paredes da casa dançaram um pouco diante dele. Está embebedando-se homem, disse a si mesmo. E o que importa?, Replicou. Tinha alguém, mais direito? Lançou o livro ao outro extremo do quarto. Adeus, Van Helsing, Mina, Jonathan, e você, Conde de olhos sanguinolentos. Ficções, extrapolações estúpidas de um tema sombrio.
Tossiu engasgando-se. Lá fora, Ben Cortman o convidava a sair uma noite mais. Espera aí, Benny, não vá, pensou. Espera que eu ponho o smoking.
Espera, Benny... Bom, por que não?, Perguntava-se. Por que não sair agora? Só assim poderia livrar-se definitivamente deles.

Convertendo-se em um deles.

Riu entre dentes. Era muito simples. Levantou-se e se aproximou cambaleando-se ao bar. Por que não? Por que sofrer tanto, quando que com apenas o abrir uma porta e descer uns degraus se solucionaria tudo em seguida?

Havia, é obvio, uma ínfima possibilidade de que existissem outros como ele em alguma parte, tentando sobreviver, esperando poder encontrar algum dia a gente de sua espécie.

Mas como podia encontrá-los, se viviam a mais de um dia de viagem?
Encolhendo-se de ombros, encheu de novo o copo com uísque. Qual era sua
atividade, fazia meses, desde então? Pôr colares de alho nas janelas, colocar redes na estufa, queimar os corpos, tirar as pedras e, pouco a pouco, ir reduzindo aquela multidão. Por que se enganar a si mesmo? Nunca havia encontrado a ninguém mais.

Deixou-se cair pesadamente no sofá. Aqui estou, acomodadíssimo, acossado por um regimento de sedentos de sangue que só aspiram a beber livremente o meu. Tomem um gole, cavalheiros, este é realmente por minha conta.
Uma careta de ódio apareceu em seu rosto. Bastardos! Matarei-os a todos antes de ceder! Apertou com força a mão direita e o copo quebrou-se em pedaços.
Baixou os olhos e olhou aturdidamente os vidros no chão, o resto ainda seguia em sua mão, e o sangue diluído em uísque gotejava lentamente.
Gostariam de vê-la?, Perguntou-se. Levantou-se, furioso, de um salto, e quase
abriu a porta. Seria bons lhes esfregar a cara com a mão e ouvi-los uivar.
Fechou em seguida os olhos, sacudindo-se. Se controle, amigo, pensou. Vai enfaixar essa mão condenada.

Entrou no banheiro dando uns tropeções e lavou cuidadosamente a mão, estremecendose quando a tintura de iodo entrava na ferida. Enfaixou-se em seguida torpemente. Respirava com dificuldade e o suor lhe banhava a testa. Desejava um cigarro. Voltou para a sala, trocou Brahms por Bernstein e acendeu um cigarro.

O que farei se um dia me faltam os pregos para os ataúdes?, Perguntou-se observando a lenta coluna de fumaça azul. Bom, seria difícil que isso ocorresse. Tinha mil caixas no armário da Kathy...
Na despensa, corrigiu-se, a despensa, a despensa. O quarto da Kathy...
Olhou com olhos apagado o mural enquanto a idade da ansiedade lhe invadia os ouvidos. Idade da ansiedade meditou. Acreditava-se ansioso Lenny. Lenny e Benny, vocês dois deviam se conhecer.

“— Compositor, apresento-lhe ao cadáver!”.

“— Mamãe, quando for maior, quero ser um vampiro como papai!”.

“— Oh, meu querido”, Deus “te abençoe, claro que chegará a sê-lo!”.

O uísque derramou-se do copo. Fez uma careta de dor e trocou de mão a garrafa. Sentou-se e bebeu. Apuremos o gasto fio da sobriedade, pensou. Arrastemos a esmiuçada visão da realidade o quanto antes. O ódio.
O quarto começou a girar sobre si mesmo e o chão se ondulou sob a cadeira. Uma agradável neblina cobriu todas as coisas. Potter olhou o copo, os discos. Repousou a cabeça, primeira a um lado e depois ao outro. Lá fora eles rondavam, rosnavam e esperavam que saísse. Pobres vampiros pensaram, pobres criaturas, tão abandonadas, passeando-se frente a minha casa como gatinhos sedentos.

Teve uma idéia.

Ergueu o indicador, que aparecia tremer diante de seus olhos.
Amigos me aproximarei de vós para discutir sobre os vampiros. Um representante da minoria sempre o houve. Mas vou esboçar concretamente as bases de minha tese: os vampiros são vítimas de um preconceito.

A explicação do dito preconceito é esta: Os despreza porque os teme; portanto...
Potter seguiu bebendo. Uma vez, nas noites da Idade Média, os vampiros tinham sido muito poderosos e enormemente temidos. Os considerava um anátema, e ainda o eram. A sociedade os perseguia sem descanso.
Mas são suas necessidades mais detestáveis que as de outros animais e inclusive as de alguns homens? Realmente, reflita, é tão mau o vampiro?
Afinal de contas, só bebem sangue.

Por que então esse profundo ódio, essa condenação eterna? Por que o vampiro não era livre de escolher sua moradia? Por que devia estar sempre oculto? Por que exterminá-los? Ah lhe dá conta? O desamparado inocente terminará convertendo-se em um animal açoitado. O vampiro carece de meios próprios para subsistir, não pode educar-se. Negam-lhe os direitos de voto. Não é estranho que levam uma existência noturna e depredadora.
Potter deixou escapar um grunhido. Claro, com certeza, mas não permitiria que minha irmã se casasse com um deles.

Era um beco sem saída, pensou, encolhendo-se de ombros.
A música cessou. A agulha seguiu patinando sobre os sulcos negros. Potter sentiu que um frio lhe subia pelas pernas. Isso lhe acontecia quando bebia muito. A gente deixa de saborear as delícias da bebida. Já não há consolo no álcool.

O desmoronamento se adianta à sorte. O quarto estava voltando para seu lugar
original. Os sons da rua aturdiam-lhe de novo.

—Saia, Potter!

Fez-lhe um nó na garganta e exalou um rouco suspiro. Saia. As mulheres esperavam ali, com os vestidos abertos ou nus. Sua pele espera meu toque, seus lábios esperam... Meu sangue, meu sangue!
Como se não tratasse de sua própria mão, Potter olhou o punho pálido que se elevava lenta e trêmulamente, para cair logo sobre sua perna. A dor lhe fez aspirar o ar rarefeito.

Por toda parte se cheirava a alho. Na roupa, nos móveis e na comida, e até no uísque.

Sirva-me um pouco de alho com soda, por favor! A piada morreu rapidamente.
Levantou-se e começou a andar. O que farei agora? Cairei na rotina de todas as noites? Ler, beber, pensar em isolar a casa, pensar nas mulheres. As mulheres, nuas, ofegantes e sedentas de sangue, desdobravam diante dele os corpos quentes. Não, não eram quentes.

Um gemido trêmulo lhe subiu pelo peito e pela garganta. O que esperavam aqueles malditos? Supunham que ia sucumbir e entregar-me?

Possivelmente estavam certos. Já estava levantando a tranca da porta. Moças,
umedeçam seus lábios que vou agora mesmo.

Lá fora, ouviram o ruído da tranca e um alarido de antecipação encheu a noite.
Potter girou sobre si mesmo, retrocedeu e golpeou com os punhos a parede com tal força que afundou o gesso e machucou a pele.

Depois de um momento conseguiu recuperar a calma. Colocou a tranca na porta e se dirigiu ao dormitório. Deixou-se cair na cama, de costas, gemendo. A mão esquerda golpeou uma vez, fracamente, o travesseiro da cama.
Meu deus!, Pensou. Até quando, até quando?

Continua... (Vou postar o cap 5 até sexta e na segunda eu continuo eu tenho a fic pronta é só postar) mandem seus comentários se estão gostando ou odiando quero saber a opinião de todos

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