Capítulo 13



Capítulo 13

Na manhã seguinte, o leite e a salsicha tinham desaparecido.
Potter olhou acima e abaixo na calçada. Havia duas mulheres, mas não o cão. Suspirou aliviado. Graças a Deus, pensou. Em seguida, fez uma careta. Se fosse uma pessoa religiosa, pensou, diria que atenderam minhas preces.

Mas como era que não haviam vigiado a vinda do cão? Devia ter sido à alvorada,
quando não ficava ninguém nas ruas. Conformou-se pensando que estava atraindo ao animal, embora só fosse pela comida. Mas possivelmente tinham-na levado os vampiros.

Uma rápida olhada dissipou seus temores. A salsicha tinha passado por cima do colar de alhos e tinham ficado restos no cimento. E a saliva do animal estava espalhada ao redor do prato.

Antes de tomar o café da manhã preparou um pouco mais de leite e outra salsicha, e levou tudo à sombra para que o leite não estragasse. Pensou um momento, e acrescentou uma tigela com água fresca.

Em seguida, depois de comer, carregou as duas mulheres e as levou ao fogo; Na volta, parou em um supermercado e recolheu duas dúzias de latas da melhor comida para cão, caixas de bolachas para cão, talco anti-pulgas e uma escova de arame.

Cara, qualquer um diria que vou ter um bebê ou um algo parecido, pensou enquanto voltava ao carro com a carga. Um débil sorriso apareceu na cara. Por que se enganar?, Refletiu. O descobrimento do germe não o havia entusiasmado muito.

Retornou a toda pressa e não pôde evitar de expressar sua desilusão. A carne e
o leite estavam no mesmo lugar. Bom, o que acreditava? perguntou-se. O cão não vai comer continuamente. Só voltará quando tiver fome.

Deixou os vultos na cozinha e olhou o relógio. Dez e quinze. Calma, disse-se a si
mesmo. Conserve pelo menos esta virtude.
Saiu para examinar as janelas e a estufa. Tinha que pregar uma tábua solta e
arrumar o teto de vidro.

Enquanto recolhia os alhos se perguntava, uma vez mais, por que os vampiros
não tinham-lhe incendiado a casa. Temeriam o fogo? Ou simplesmente não os
havia ocorrido? Ao fim de tudo, seus cérebros não podiam raciocinar como antes. O passo da vida normal a uma morte animada devia danificar os tecidos.

Não, a teoria não era exatamente esta, pois de noite vinham também alguns
vampiros que nada os havia prejudicado em seus cérebros, provavelmente.

Deixou o assunto. Não estava inspirado para problemas. Passou parte da manhã
preparando novos colares de alhos. Em uma ocasião recordou a lenda: só os casulos da planta eram eficazes. Encolheu-se de ombros. Em onde estava a diferença? Depois do almoço, sentou-se na frente do buraco espionando a tigela e o prato. Não se ouvia nenhum som, salvo o zumbido apenas perceptível do aparelho de ar condicionado.

O cão chegou cerca das quatro. Potter, meio sonolento, piscou e viu que cruzava
lentamente a rua, vigiando a casa com olhos precavidos. Perguntou-se o que lhe
passava na pata esquerda. Se conseguisse curá-lo, possivelmente ganharia seu afeto.

Sombras de Androcles pensou na penumbra.

Obrigou-se a permanecer imóvel e olhar. Era incrível. A visão do cão alimentando-se, batendo as mandíbulas e estalando a língua satisfeito, devolvia-lhe uma cálida impressão de normalidade. Um amplo sorriso lhe desenhou na cara, um sorriso inconsciente.

Era um cão encantador.

Sentiu um nó no estômago. O cão terminou de comer e se afastava. Saltou da
banqueta e pegou a maçaneta.

Em seguida se conteve. Não, assim não, decidiu a contra-gosto. Assustarei-o se sair.

Agora tenho que deixá-lo ir.

Retornou ao buraco e o seguiu enquanto cruzava a rua e se escondia de novo entre as casas. Está bem, conformou-se. Ele voltará.

Afastou-se do buraco e preparou um uísque com água. Sentado na poltrona e
saboreando aos goles, se perguntou onde o cão passaria as noites. No dia anterior já havia-o intrigado e pensava que o animal devia esconder-se muito habilmente.
Era possivelmente, pensou, uma dessas exceções que confirmam a regra. De algum
modo, por sorte, casualidade ou certa inteligência, o cão tinha sobrevivido à praga e as suas espantosas vítimas.

Então, se um cão, com todas suas limitações, havia conseguido subsistir, possivelmente um ser humano... Tratou de mudar de idéia. Era perigoso respirar esperanças. Tinha assumido, fazia tempo, sua solidão.

Na manhã seguinte o cão apareceu de novo. Potter abriu a porta sigilosamente e saiu. Em seguida, o animal se afastou de um salto e pôs-se a correr rua abaixo.
Potter pensou em persegui-lo, mas se freou. Aparentemente desmoralizado, sentou-se nos degraus do alpendre.

O cão desapareceu outra vez entre as casas. Potter esperou um quarto de hora e
voltou a entrar. Depois de tomar um ligeiro café da manhã colocou lá fora mais comida.
E
sta vez veio às quatro. Potter saiu quando o cão terminava sua comida.
Escapou-lhe também. Mas percebendo que Potter não o perseguia, deteve-se
em meio da rua e se virou para olhá-lo.

—Vem, não tenha medo —disse Potter, mas ao ouvir sua voz o animal se assustou e saiu correndo.

Potter ficou sentado no alpendre, rígido, apertando os dentes com força. Maldição, por que fugiu?, perguntou-se. Maldito cachorro!

Pensou então nas penúrias do cão, encolhido nas sombras, Deus sabia onde,
durante noites intermináveis, escondendo-se dos vampiros, que passavam muito perto dele. Faminto e sedento, lutando pela sobrevivência em um mundo sem donos carinhosos e protetores.

Pobre animal pensou. Serei bom contigo.

Não lhe serviu de consolo. Pois sempre, apesar de tudo, havia desejado encontrar a um semelhante: homem, mulher, menino, não importava. Sem a incessante influência das massas, o sexo perdia rapidamente importância. Em troca, a solidão seguia em primeira linha.
Muitas vezes havia imaginado que se encontrava com alguém, se havia concedido
esse luxo. Mas freqüentemente tentava resignar-se a inevitável realidade. Ele,
Harry Potter, era o único sobrevivente do mundo. Pelo menos, do mundo que conhecia.
— Potter!

Viu Ben Cortman, que atravessava a rua correndo, e se levantou de um salto.
Pensando no cão, tinha esquecido o crepúsculo.

Entrou rapidamente na casa e fechou com chave. Em seguida trancou a porta com
mãos débeis.

Durante uns dias Potter saiu ao alpendre quando o cão terminava de comer.
Escapava-lhe sempre, mas à medida que passavam os dias, detinha-se, mais
crédulo, no meio da rua para olhar para trás. Potter não o perseguia nunca.
Sentado no alpendre, olhava-o e esperava. Aquilo parecia um jogo.
Um dia, Potter sentou-se no alpendre antes que o cão chegasse. E quando apareceu
na calçada em frente, permaneceu sentado.

Durante quase quinze minutos o cão passeou pela calçada, para cima e para
baixo, sem aproximar-se da comida. Potter se afastou do prato, e o cão pareceu
animar-se. Mas, de repente, quando Potter cruzou as pernas inconscientemente,
retrocedeu com rapidez. Em seguida caminhou de um lado a outro, pela rua, sem saber o que fazer: olhava a Potter, a comida, e outra vez a Potter.

—Vamos, criatura —disse Potter —, se aproxime do prato. Mostre que é um bom cão. Passaram dez minutos mais. O cão estava agora na mesma calçada da casa,
movendo-se em círculos cada vez menores.

—É assim que se faz —disse Potter brandamente.

Esta vez o cão não parecia assustado, nem se afastou ao ouvir sua voz. Potter
esperou, sem mover-se.

O animal aproximou-se ainda mais, com o corpo tenso e lhe vigiando.
—Está bem —disse-lhe Potter.

De repente o cão correu, arrebatou a comida e saiu a toda pressa. As gargalhadas de Potter o seguiram através da rua.

—Mau menino! —comentou carinhosamente.

Contemplou o cão enquanto comia. Havia se estendido na grama amarela que tinha em frente da casa, com os olhos cravados em Potter. Aproveite, pensou Potter. De hoje em diante terá comida de cão. Acabou-se a carne fresca.
Quando o cão terminou de comer, se levantou e cruzou a rua com menos
medo. Potter sentiu que o coração lhe pulsava com força. O cão começava a confiar nele, e isso, de algum modo, emocionava-lhe.

—Vamos —ouviu dizer a si mesmo em voz alta—. Toma a água agora.

Em seu rosto apareceu um repentino sorriso de deleite. O cão elevava a orelha sã.
Está escutando!, pensou Potter excitado. Entende o que digo, o sem-vergonha!

—Vamos, criatura —seguiu dizendo—. Toma a água e o leite. Não lhe farei mal.
O cão se aproximou da água e bebeu avidamente, levantando de vez em quando
a cabeça para vigiar.

—Não lhe farei nada —disse Potter.

Que estranha lhe soava sua própria voz.

Um ano era muito tempo para viver sozinho e silencioso.
Quando estiver comigo, disse-lhe ao cão mentalmente, falarei até lhe romper os
tímpanos.

O cão acabou a água.

—Vem, criatura —convidou Potter, golpeando-a joelho—. Vem aqui.

O cão o olhou com curiosidade, levantando outra vez a orelha sã. Esses olhos,
pensou Potter. Que mundos de emoções revelam esses olhos. Desconfiança,
medo, esperança, solidão... tudo aí dentro. Pobre animal.

—Vamos, vem. Não lhe farei mal —disse docemente.

Levantou-se e o cão pôs-se a correr desta vez também. Potter ficou ali, vendo como fugia, sacudindo a cabeça contrariado.

Passaram uns dias. Potter continuava sentando-se no alpendre às horas das
comidas, e não passou muito tempo antes que o cão voltasse de novo para aproximar-se do prato e à tigela sem hesitações, quase com audácia, com a segurança de quem tem consciência de suas conquistas.

E durante todo esse tempo, Potter lhe falava docemente.

—Isso, criatura. Come. É boa comida, verdade? Claro que é. Sou seu amigo e
lhe dou comida. Come, bicho, come. Assim mesmo. É um bom cão.

Potter falava sem cessar, adulando, vertendo palavras carinhosas na mente
temerosa do animal.

Cada dia se sentava um pouco mais perto. Até que ao fim pudesse tocá-lo,
possivelmente estirando-se um pouco. Entretanto, não o fez. Não me arriscarei, disse a si mesmo.

Mas era difícil manter as mãos quietas. Quase podia sentir como lhe escapavam,
desejando tocar aquela cabeça. Sentia tanta necessidade de amar a alguém, e o cão era um candidato tão belamente feio.

Seguiu-lhe falando até acostumá-lo devagar ao som de sua voz. O animal quase
nunca o olhava. Ia e vinha sem hesitações, comendo e ladrando. Logo, pensou
Potter, poderei lhe acariciar a cabeça. Os dias se converteram em semanas, e cada
hora fazia menos longínqua aquela amizade.
Um dia, o cão não apareceu.

Potter estava perplexo. Havia se acostumado tanto ás suas idas e vindas que
tinha chegado a organizar sua vida ao redor das comidas do cão. Tudo se reduzia ao desejo de vê-lo e tocá-lo.

Passou nervoso à tarde, percorrendo o bairro, chamando em voz alta ao animal. Mas não o viu por nenhuma parte. O cão não voltou ao entardecer, nem na manhã seguinte.

Potter buscou-o de novo, mas desta vez com menos esperança. Encontraram-no, pensou, os sujos bastardos. Mas não podia acreditar realmente. Não queria acreditar.

O terceiro dia, à tarde, estava na garagem quando ouviu o ruído da tigela.

Correu para fora, contendo o fôlego.

—Voltou! —gritou.

O cão se assustou e deixou o prato bruscamente, com o focinho jorrando água.

O coração da Potter deu um salto. O cão ofegava com a língua para fora. Os olhos
brilhavam.

—Não! —disse Potter com a voz rota—. Oh, não!.

O cão seguia retrocedendo pela grama, com as patas fracas e trementes. Potter
sentou-se em seguida nos degraus do alpendre e permaneceu ali, estremecendo-se.

Oh, não!, pensou angustiado; Oh, Deus, não!.

Olhou o cão, que lambia a água. Não. Não. Não.

—Não pode ser —murmurou sem pensar. Em seguida, instintivamente, estendeu a
mão. O cão foi para trás exibindo um pouco os dentes.

—Está bem, criatura —disse Potter em voz baixa—. Não lhe farei mal.
Não pôde impedir que o cão desaparecesse, e não viu onde se escondia. Dentro de
alguma casa, provavelmente, mas isso não era uma boa indicação.

Potter não dormiu naquela noite. Passeou para cima e para baixo da sala, tomando
café e amaldiçoando a lentidão com que passavam as horas. Tinha que atrair o cão. E logo. Ainda estava em tempo de curá-lo.

Mas como? Devia haver uma forma. Ainda com o pouco que sabia, devia encontrar a forma.

Na manhã seguinte sentou-se junto à tigela e observou estremecendo-se que o cão
cruzava a rua devagar. Seus olhos estavam mais opacos que no dia anterior. Pensou em saltar e, agarrando-o pela força, colocá-lo na casa.

Mas sabia que se fracassasse perderia tudo e o cão não voltariam mais.

Durante a comida tentou lhe acariciar, mas o cão se afastou grunhindo. Tentou
Dominá-lo.
—Não se mova! —disse com voz firme, mas o cão se assustou ainda mais, e se
afastou. Potter teve que lhe convencer durante quinze minutos, com sua voz rouca
e tremente, antes que o animal voltasse para água.

Esta vez o seguiu e por fim viu o esconderijo. Podia pôr uma cortina metálica
para lhe proteger, mas não o fez. Não queria assustá-lo.

E, além disso, não haveria jeito de chegar a ele a não ser através do chão, e isso levaria tempo. Tinha que capturá-lo rapidamente.

O cão não voltou á tarde e Potter levou uma tigela de leite e deixou debaixo daquela casa. Na manhã seguinte, a tigela estava vazia. Ia enchê-la de novo, mas deu-se conta de que desse modo o cão não deixaria sua toca. Colocou outra vez a tigela no alpendre de sua casa e confiou em que o animal tivesse forças para chegar até ele. Estava muito preocupado para reparar em outra coisa.

Passou a noite muito inquieto. Pela manhã, o cão não apareceu. Potter foi outra vez até a casa em frente. Escutou atento, mas não ouviu nenhum som. O animal estava muito longe, O...

Voltou para sua casa e se sentou no alpendre a esperar. Não tomou o café da manhã nem almoçou.

Pela tarde, o cão saiu dentre as casas, movendo-se lentamente sobre suas fracas patas. Potter esperou imóvel a que alcançasse a comida. Em seguida, rapidamente, inclinou-se e tomou-o pelo lombo.

O cão tratou de mordê-lo, mas Potter lhe apertou a boca com a outra mão. O corpo fraco e quase sem pêlo opôs resistência. Uns gemidos de terror lhe estremeceram a
garganta.
—Bom, bom —repetiu Potter —. Não acontecerá nada, cachorrinho.
Entrou rapidamente na casa, dirigiu-se ao dormitório e colocou o cão sobre um leito de mantas que havia preparado para essa ocasião. Logo que soltou as mandíbulas, o cão tentou morder, mas Potter afastou rapidamente a mão. O animal saiu correndo para a porta e escorregou pelo linóleo. Potter deu um salto e lhe bloqueou o caminho. O cão se escondeu debaixo da cama.
Potter se agachou e olhou. Viu os olhos, brilhantes como tições, e ouviu o entrecortado arquejo.

—Vamos, sai daí, criatura —rogou lastimosamente—. Não lhe farei mal. Está
doente. Vou curá-lo.

O cão não se moveu. Potter se levantou suspirando e saiu do quarto, fechando
a porta. Recolheu a tigela e o prato e os encheu com água e leite. Colocou-os no
dormitório, perto das mantas.

Ao passar junto à cama, escutou os arquejos do animal.

—Oh —murmurou, lamentando-se—, Por que não confia em mim? Estava jantando quando ouviu aquele terrível lamento.

Com o coração na boca, afastou-se da mesa de um salto e correu até o
dormitório. Abriu a porta e acendeu a luz.

No cômodo, sob a mesa de trabalho, o cão arranhava o chão, tratando de abrir um
buraco.

—Vamos, vamos! —disse Potter rapidamente.
O cão se voltou bruscamente e recuou para a parede, mostrando os dentes amarelos, com um rugido na garganta.

De repente Potter compreendeu o que acontecia. Era de noite, e o animal,
aterrorizado, tratava de cavar um esconderijo.

Potter lhe olhou sem saber o que fazer. Estava desanimado. O cão se escorreu debaixo da mesa.

A Potter lhe ocorreu ao fim uma idéia. Aproximou-se da cama e tirou a colcha. Voltou para a mesa e se agachou para olhá-lo.

O cão estava quase pego contra a parede. Tremia como uma folha, e uns grunhidos
guturais lhe sacudiam a garganta.

—Bom, bom —disse Potter.

Jogou a colcha debaixo da mesa e o cão tentou retroceder ainda mais. Potter se
levantou e aguardou uns momentos. Se pudesse fazer algo, disse. Mas nem sequer
consigo me aproximar.

Bom, decidiu ao fim, que se não confiar em mim, recorrerei ao clorofórmio. Assim,
pelo menos, poderia lhe examinar a pata e tentaria curá-lo.

Foi à cozinha, mas não pôde jantar. Ao fim atirou a comida no balde de lixo e tornou o café à cafeteira. Já na sala se serviu um uísque e bebeu um bom gole. Não pensou em nada. Deixou o copo e entrou no quarto com o rosto sombrio.

O cão havia se escondido debaixo da colcha. Seguia tremendo e gemendo
incessantemente. Impossível tentar algo, pensou Potter. Está muito assustado.
Aproximou-se da cama e se sentou. Passou a mão nos cabelos e cobriu o rosto. Cure-o, cure-o, dizia para si, e deu um débil soco contra a manta.

Voltou-se de repente, apagou a luz e se deitou de costas sem despir-se. Na mesma
posição, tirou os sapatos deixando-os cair.

Silêncio. Cravou os olhos no teto escuro e começou a pensar: por que não me levanto?

Por que não faço algo?

Virou-se. Trate de dormir, disse a si automaticamente. Sabia que não ia dormir.
Escutou na escuridão os gemidos do cão. Está morrendo, vai morrer, não posso fazer nada.

Não pôde resistir mais e estirou um braço para acender o abajur da mesinha de
cabeceira. Enquanto passeava pelo quarto ouviu que o cão tratava de livrar-se da colcha. Mas havia se enrolado e começou a uivar, possuído pelo terror.
Potter se ajoelhou e lhe colocou as mãos sobre o lombo para acalmá-lo. Lançou um
latido entrecortado, e as mandíbulas estalaram sob a colcha.

—Bom —disse Potter —. Chega.

O cão tratou de livrar-se, sem deixar de emitir aquele agudo gemido. Potter lhe
acariciou o corpo suavemente, lhe falando com voz calma e doce.

—Bom, bom garoto. Ninguém vai fazer te machucar. Se tranqüilize. Vamos, se
tranqüilize. Isso. Descanse. Ninguém lhe fará mal. Cuidarei de você.

Seguiu lhe falando assim, ininterruptamente, durante cerca de uma hora, com uma
voz baixa e monocórdia. E lentamente, aqueles tremores foram cedendo. Um sorriso animou o rosto da Potter.
—Muito bem, criatura. Se acalme. Cuidarei de você.

O cão deixou de agitar-se. Potter lhe acariciou da cabeça até a cauda.
—É um cão bom. Um cão bom —disse com doçura—. Vou cuidar de você.
Ninguém poderá lhe fazer mal. Compreende? Claro que sim. Claro. Será meu cão, de acordo?

Sentou-se com cuidado no chão sem parar de acariciar ao animal.

—É um cachorro bom, um cão bom. A voz de Potter era tranqüila, relaxada.
Passou cerca de uma hora mais e levantou o cão, que durante uns instantes resistiu e começou a gemer. Mas Potter lhe falou de novo e o acalmou.
Sentou-se na cama e colocou o cachorro, ainda envolto na colcha, sobre seus joelhos.

Ficou assim durante horas, acariciando e falando. O cão ficou imóvel, respirando com mais facilidade.

Por volta das onze, Potter foi tirando lentamente a colcha e a cabeça do cão
ficou descoberta.

Durante um momento o animal tratou de escapar das carícias. Mas Potter lhe conteve com uma mão no pescoço e com a outra o afagou e acariciou suavemente.

—Logo estará bem —murmurou—. Muito em breve.

O cão o olhou com olhos tristes e doentes, e em seguida tirou a língua e lambeu a
palma de sua mão. Potter sentiu um nó na garganta. Olhou o cão silenciosamente.

As lágrimas lhe correram pela face.

Uma semana depois, o cão morreu.

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