Olhos Nublados



Por Enquanto e Para Sempre





Capítulo Cinco - Olhos Nublados




Remus ficou atordoado. Um pouco confuso também. Estava consciente de estar envolvendo Tonks com os braços, até talvez como se não a estivesse apenas impedindo que falasse muito alto... Censurou-se, envergonhado. Não podia acreditar que estava fantasiando com uma colega de trabalho. Com um sorrisinho interior, pensou: Sirius me mataria.



Tonks já nem se lembrava mais de que há pouco quase fora capturada por seu infeliz primo Lucius Malfoy. O medo já estava muito longe àquela altura. Por um momento, ela pensou em perguntar por que Remus ainda estava tão próximo, mas algo nela a impediu de falar. Bem lá no fundo, percebeu, não queria que ele se afastasse. Ela, afinal, nunca tinha reparado em como os olhos dele eram expressivos, ou como suas cores pareciam se misturar. Involuntariamente, o encarou, com a maior inocência do mundo tentando definir a cor deles.



-Er... Hum... - Remus parecia estar tentando dizer alguma coisa. Tonks esperou, tentando ser paciente. - Então. Estou vendo que estava um pouco, hum... Encrencada.



Ela respirou fundo.



-Ou pelo menos quase. - respondeu. - O meu disfarce foi muito bom, modéstia à parte. Consegui poucas coisas úteis na verdade, aquele maldito Nott definitivamente não é um dos mais confiáveis... Mas, bem, que mal lhe pergunte, Remus... Por que estamos tão perto?



Remus soltou uma exclamação tímida e soltou-a. Tonks deu um passo para trás e esbarrou numa estante. Olhou em volta, com medo de ter chamado à atenção de alguém, mas felizmente o dono da loja parecia ainda bastante entretido com algum cliente.



-Vamos sair daqui - ele disse vagamente, fazendo sinal para que ela saísse na frente. Tonks saiu da loja e felizmente não viu nenhum sinal de Malfoy, em lugar algum.



Caminharam rápida e silenciosamente até a saída da Travessa do Tranco. No Beco Diagonal, pegaram um pouco de Pó de Flu e voltaram para o Largo Grimmauld.



-É serio aquela história de cobrir a minha missão? - Tonks não resistiu a questionar Remus, quando estavam diante da porta da mansão.



-Claro que era - ele respondeu. - Por que outro motivo eu estaria ali, de olho em você?



-Bem, você poderia estar comprando ingredientes para poções malignas que você estaria fazendo para seu verdadeiro mestre, o Você-Sabe-Quem. - Tonks brincou, forçando um sorriso. - Fazendo trabalhos ocultos para ele.



-E eu seria mesmo um completo idiota, não? Você consegue imaginar Voldemort tendo entre os seus aliados um... - parou de repente, esquecendo-se de que ela ainda não sabia.



-Um o quê? - Tonks perguntou, já não parecendo tão mal humorada por ter sido resgatada por ele.



-Nada. -ele disse. -É que eu sou um mestiço. - acrescentou, sem faltar com a verdade afinal de contas.



-Bem, não se culpe por isso, você sabe que eu também sou. - ela disse. - E mesmo assim, quando estava na escola, descobri que Você-Sabe-Quem teria me convocado, se eu não fosse da Grifinória.



-Sim, ele sempre foi meio alérgico a grifinórios. -Remus concordou, pondo a mão na maçaneta da porta. - Ainda que viva com um deles do lado quase o tempo todo.



-Está falando de Peter Pettigrew? - Tonks perguntou, depois de ficar pensando por um instante. - Sirius já me falou dele.



-Nada amigavelmente, eu suponho.



-Pode acreditar nisso. Bem, todos aqui sabemos o que ele passou por causa dele.



Sim, Remus pensou, todos aqui sabemos o que Rabicho havia feito Sirius passar nos últimos quatorze anos. E então olhou para Tonks de relance. Como ela poderia não saber ainda que ele era um lobisomem? Por que todos estariam com medo de contar a ela?



Ela ainda teria que passar o relatório de sua missão para Dumbledore mais tarde, pois segundo as informações de Molly, o diretor de Hogwarts viria bem tarde naquela noite, para um rápido repasse de tarefas da Ordem. Antes disso, havia o jantar. O clima parecia mesmo meio tenso, e Tonks só descobriu o porquê quando Molly falou em voz alta:



-Passei as suas melhores roupas para amanhã, Harry, e quero que lave o cabelo hoje à noite também. Uma primeira boa impressão pode causar milagres.*



Claro. Ela se esquecera. A audiência disciplinar do garoto seria no dia seguinte. Correr o risco de não voltar a Hogwarts fora uma coisa também muito capaz de apavorá-la, em seus tempos de escola. Adorava seus pais, com toda certeza, mas sua mãe parecia sofrer muito por ter tido que esquecer que possuía outra família para ficar com o homem que amava. Em Hogwarts todas as suas preocupações se resumiam a tarefas de casa, e ela gastava muito menos tempo sonhando num dia em que os Black a aceitassem. Porque, afinal de contas, ela também era um deles.



Remus observava a mesma cena em silêncio. Ele mesmo estava com medo do que pudesse acontecer naquela audiência. A última passagem de Dumbledore pela mansão fora rápida demais e ele nem pudera perguntar o que ele pretendia fazer para absolver Harry.



Ele sentia-se muito cansado então. Sabia estar fazendo a coisa certa, mas todo o trabalho para deter Voldemort era cansativo e tirava todas as suas energias. E nem se falava em como era quando se transformava. Remus preferia não pensar. Seu olhar parou na mulher no outro extremo da mesa, comendo em silêncio ao lado de Gina Weasley. Ela parecia recomposta da missão daquele dia.



Quanto a ele, não estava nada ansioso para vê-la relatar seu trabalho a Dumbledore. Quando o velho homem chegou, ele sentia já os olhos pesados e desejava por tudo poder simplesmente ir para a cama. Na sala de reuniões estavam ele, Molly, Arthur, Tonks, Sirius, Emelina e Héstia.



Começaram a reunião e Tonks relatou tudo o que acontecera na Travessa do Tranco. De fato, o disfarce dela tivera um desempenho acima do esperado. Talvez Madeline Shaw pudesse voltar a atuar entre os Comensais. Só ficou preocupado com a parte na qual ela mencionava o Obliviate lançado em Nott. Todos ali sabiam perfeitamente que Voldemort tinha métodos eficientes de desfazer um Feitiço de Memória.



Entretanto, Dumbledore apenas assentiu. Ao menos ela não se dera ao capricho de dizer quem era ou dar qualquer pista antes de entregar a verdade. Ao falar sobre a parte em que notava Malfoy seguindo-a, Remus teve a impressão de ouvir uma nota de medo. Nunca se perguntara antes sobre que efeito o parente poderia ter sobre ela. Ele sabia perfeitamente bem que Lucius era uma pessoa odiosa, mas tinha seus pontos fracos.



Em seguida, a parte que ele temera. Tonks falou a Dumbledore que Remus estava cobrindo sua missão. Sem sequer olhar para ele. Foi o diretor quem olhou-o por um momento, muito seriamente, e Remus soube que teriam uma palavra em particular da reunião. Maravilha.



Dumbledore depois deu as instruções a Arthur sobre como levar Harry. Disse que fossem muito cedo, pois temia que Fudge já tivesse alguma armação para poder condenar o garoto por não ter aparecido na reunião. Remus tentou se distrair com o assunto, tentou pensar mais uma vez em quão cego e idiota o Ministro da Magia havia ficado por culpa de seu cargo, mas o que fizera naquela tarde não saía da sua cabeça.



Resistiu a olhar para Tonks. Já estava se sentindo adolescente o suficiente sem tentar mendigar olhares dela. Sem ficar reparando em detalhes de seu rosto, em brilho de seu cabelo ou de seus olhos. Estava tentando afogar todos esses pensamentos quando Dumbledore dispensou os presentes. Para ele, nem uma palavra. Apenas olhou-o daquele seu modo significativo e Remus soube que teria que ficar mais um tempo. Como uma criança de onze anos que tranca o zelador no armário de vassouras por ter sido desafiado pelos colegas.



A porta se fechou atrás de Sirius, o mais mal humorado e último a sair, quando Remus não agüentou e começou a andar de um lado para o outro.



-Então você não foi tentar convencer os dois lobisomens. - Dumbledore ponderou, os olhos azuis e significativos presos nele.



Remus não queria responder; já era um adulto e devia dar conta do que fazia apenas a si mesmo. Mas que droga, ali ele estava lidando com as vidas das pessoas. Cada missão poderia significar pessoas salvas.



-Não - respondeu em voz baixa.



-No começo isso não me pareceu de grande importância - disse o diretor, depois de respirar fundo. - mas agora estou começando a achar que sua atração por Tonks está começando a afetá-lo.



Remus encarou-o como se tivesse tomado um tapa na cara. Como sua mente poderia estar sendo lida com tamanha facilidade? Ele não poderia estar usando Legitimência, Remus perceberia. Que droga. Mas afinal de contas, quem era Dumbledore para opinar sobre sua vida íntima? Nem mesmo tinha mesmo algo entre ele e Tonks.



-Do que está falando? - ele tentou disfarçar. - Eu apenas fui porque achei que seria bom ver se ela conseguiria cumprir uma missão de um calibre daquele sozinha.



-E você não deixou que ela fizesse isso, Remus. Você é um adulto e ela também é. Eu sei que Tonks não é a pessoa mais organizada nem mais discreta que você pode encontrar, mas se ela não desse conta das missões que eu designo para ela, pode acreditar que ela não estaria ali.



O lobisomem não respondeu. Parou de costas para Dumbledore, evitando os olhos dele.



-Eu, particularmente, preferiria que vocês não se envolvessem. Ela não me parece ser favorável nem adversa a você, Remus, e sim um pouco curiosa por não saber direito quem você é. Eu sei que não passo de um velho solitário que teoricamente não deveria entender nada disso, mas acredite. Depois de tantos anos à frente de uma escola cheia de adolescentes bruxos, entendo um pouco de como isso funciona. Concentre-se no que você tem que fazer, Remus.



O homem tentou manter a calma. Estava ouvindo um sermão como se fosse uma criança! Aquilo não era para ele. Entretanto, sabia que o homem estava certo. Não lhe custava nada se controlar mais um pouco e parar de bancar o herói de uma bela auror.



-Ela sabe se cuidar, Remus. - insistiu Dumbledore. - Não há problema que não tenha falando com lobisomem algum. Eu não gostaria de vê-lo distorcendo seus deveres.



-Está bem - acabou escapando entre os lábios de Remus. - Eu já entendi. Na realidade, eu já havia entendido antes de ouvir tudo isso. Ah, que droga, estou falando como um adolescente outra vez.



-Sim, você está. - concordou o velho. - E eu preciso de um adulto para combater Voldemort.



~~



Quando Remus voltou à sala de estar, encontrou Arthur, Sirius e Tonks conversando aos sussurros. Desta vez, sobre as chances de Harry.



-Sim, mas ele também fugiu da casa dos tios quando tinha treze anos... - Arthur interrompeu o que dizia e virou-se para Remus. - Algum problema?



-Não. - respondeu ele, não conseguindo conter uma certa irritação na voz. - Apenas alguns conselhos.



-Bom. - disse Arthur, continuando. - De qualquer forma, Harry está na mira do Fudge de fato desde que começou a espalhar que Você-Sabe-Quem voltou. Vocês sabem, isso seria o fim do mundo de redoma perfeito que o Ministério construiu durante todos esses anos.



-Uma redoma bem bichada, diga-se de passagem - resmungou Sirius. - Cheia de armações com Comensais da Morte ricos, bem a laia do Malfoy.



Remus olhou Tonks, que parecia morta de sono. Tanto que nem reagiu ao nome de Malfoy. Foi quando Molly voltou dos cômodos mais internos.



-Vamos indo, Arthur? - disse ela. - Bem, queridos, boa noite para todos. Nós temos uma ronda agora. Também vamos passar em casa pra ver como estão as coisas por lá.



Remus assentiu, sentando-se no sofá. Também sentia os ossos doerem, ansiosos por uma bela noite de sono. Mas agora que estava ali, teria que reunir mais coragem ainda para se levantar e ir para o quarto.



-Bem, eu ainda estou cheio de energia. - comentou Sirius, amargo. - Afinal, passo o dia inteiro fazendo nada por aqui. Mas acho que devo ir pra cama, pra ter bastante disposição para continuar fazendo nada amanhã, e quem sabe depois.



Remus sentiu uma ponta de pena e murmurou um boa noite; notou então que ele estava a sós com uma Tonks semi adormecida, que ainda tinha que voltar para casa. Só a acordaria e então iria para a cama. E quem sabe um tempo depois Dumbledore o parabenizasse por seu controle de hormônios.



-Tonks - chamou ele. - Você tem que voltar para casa.



-Hã... - ela murmurou, voltando à realidade. - Casa? Puxa... Será que Sirius se importaria se eu dormisse por aqui? Ouvi falar que tem um quarto vago no segundo andar...



-Sim, tem mesmo. - respondeu Remus polidamente. - Nós o limpamos poucos dias atrás. É um pouco tarde demais para pedir a opinião de Sirius, mas duvido que ele se importe.



Tonks ficou calada. Remus já estava se levantando quando ela disse:



-Dumbledore disse algo muito importante?



-Não. - mentiu ele. Pra Remus um sermão como aquele não seria esquecido tão facilmente. - Nada que te afete.



Ela ergueu a cabeça e olhou-o nos olhos, despenteada e morena, aconchegava no sofá.



-Não parece. Você voltou muito aborrecido.



-Fique tranqüila. Não é nada. Agora levante-se e vá para a cama. Amanhã teremos que cuidar das crianças enquanto esperam que Harry volte da audiência. Será um inferno.



Tonks endireitou-se.



-Por que raios você vive me tratando como uma criança, Remus?



Ele desviou o olhar.



-Eu não...



-Trata sim. - reafirmou ela. - Eu gostaria muito de saber por quê, mas nem faço idéia. Poderia me puxar aqui? Acho que vou precisar de um guindaste pra levantar a mim e ao meu sono.



Ele deu dois passos e segurou as mãos dela. Quentes e pequenas. Que contraste com as dele, ele pensou, quando a puxou e ela ficou em pé, bem diante dele.



Num flash, viu passar diante dos olhos uma imagem dela se aproximando e o beijando... Sacudiu a cabeça violentamente. Já estava sonhando e nem tinha pegado no sono ainda.



-O que foi? - ela perguntou, esforçando-se para manter-se sobre os pés.



-Nada. - ele disse, afastando-se. Odiou tudo na sua vida por um momento. - Boa noite, Tonks. - disse, se afastando.



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