A vingança de Neville



“Você não pode ter vergonha do seu dom, menina.”
Aquela frase ecoava em sua cabeça. Várias e várias vezes. Incessantemente. Ele estava certo. Precisava contar a verdade.
Luna se agarrou mais à Neville, como se ele fosse um salva-vidas no meio de um mar negro e tortuoso. Ela fechou seus dedos em torno do tecido das vestes dele, sua cabeça ainda enterrada no seu peito. Sentia os braços dele ao seu redor, como que a amparando e se amparando também. O corpo dele tremia sensivelmente, de alívio por encontrá-la – Luna podia sentir no ar. Alívio por estarem vivos.
- Luna... – ele murmurou fracamente. – Eu pensei que...
- Eu também. – ela sussurrou. – Eu também... Neville, eu preciso...
Ele afastou um pouco seu corpo do dela, para fitá-la nos olhos com uma urgência angustiante.
- Nós precisamos sair daqui. – ele disse depressa. – Esse lugar está cheio de comensais. Eu já vi muita gente morta por onde passei, Luna, alunos de Hogwarts... Não podemos ficar parados em um lugar só, sozinhos... Não teremos chance... precisamos...
- Neville... – ela quase implorou. Precisava que ele a ouvisse. Não podia esperar mais; aquilo iria sufocá-la. – Neville, por favor...
Mas ele não lhe deu ouvidos; apenas puxou sua mão com urgência, desesperado.
- Vamos, Luna! Precisamos sair daqui!
Uma porta brilhante apareceu magicamente na parede da sala esférica, como se escutasse o apelo de Neville. Ele puxou Luna pela mão, e ela não teve outra opção senão segui-lo, um nó preso em sua garganta, como se aquilo que precisasse contar a ele a impedisse de respirar direito. Eles deixaram a sala, passando pela porta brilhante, que bateu atrás deles.
Estavam, agora, naquela sala redonda e totalmente negra, cheia de portas ladeadas por velas de luzes azuladas, que começaram a rodar vertiginosamente quando a porta se fechou. Neville apertava a mão de Luna com tamanha força, que a circulação de sangue estava paralisando no lugar. Mas ela também não conseguia soltá-lo, tampouco; era como se ele fosse a única sustentação dela, a única coisa que a fazia conseguir continuar de pé depois de tudo que acontecera.
- Neville... – Luna o chamou novamente, aflita. Ele virou o rosto para olhá-la; em seus olhos refletiam-se as chamas azuladas rodopiantes das velas. – Há uma coisa que eu preciso te contar...
Ele respirou fundo, sem fôlego.
- O quê?
A sala continuava a girar. Luna permaneceu encarando-o, plenamente consciente de seu coração batendo muito rápido em seu peito. Sua garganta estava engrolada. Sua boca estava horrivelmente seca. Neville ainda a fitava profundamente.
“Você não pode ter vergonha do seu dom, menina”.
- Eu... eu vejo... eu falo com...
A sala parou de girar bruscamente. Ainda por um instante, Neville continuou encarando-a, então, no momento seguinte, ele se virou e constatou que a sala estava parada. Em seu rosto redondo, suado e vermelho, estava estampada uma expressão transtornada e um pouco perdida, como se ele estivesse pensando rápido demais.
- Por onde devemos ir?
Foi como se a sala ouvisse sua pergunta; uma porta se abriu sozinha, estrondosamente. Neville não ouviu mais o que Luna tinha a dizer; ele apenas a puxou novamente e os dois entraram pela porta aberta, que se fechou sozinha atrás deles.
A sala que estavam era grande, fracamente iluminada, retangular, com o centro afundado, formando um grande poço de pedra com mais de cinco metros de profundidade. Luna se lembrava perfeitamente daquele lugar – já estivera ali antes, e, além disso, ouvia falar dele desde que era muito pequena. Seu estômago afundou alguns metros. Ela e Neville estavam nos degraus mais altos de uma série de bancos de pedra que corriam a toda volta da sala, descendo até o centro, onde aquilo se localizava. Um arco de pedra, antigo e corroído pelo tempo, com um véu negro, esfiapado e esvoaçante, mesmo que não houvesse vento. Luna sabia porque aquele véu não parava de esvoaçar. Ele nunca parava.
“Nunca?”
“Nunca”, seu pai tinha dito. “As pessoas, os animais, os seres... eles nunca param de morrer no mundo, no universo. Tudo se renova dia a dia. Esse é ciclo da vida – nascer e morrer. Nós já nascemos; agora, estamos fadados a morrer, é inevitável. A vida não pára. E nem a morte... Esse véu agita-se sempre, toda vez que algo ou alguém faz a passagem... Sua mãe fez a passagem, assim com nós faremos algum dia..."
Luna sentiu os olhos arderem e a garganta dar um nó. Ao seu lado, Neville também encarava o véu, como em transe. Mas Luna não se importou com ele no momento. Ela desvencilhou sua mão da dele; ainda o ouviu sussurrar seu nome quando começou a descer os degraus, seus passos ecoando fortemente. Tinha a sensação de que havia alguém parado do outro lado do véu – e sabia que existia muita gente ali. Sem ter a intenção, ela continuou descendo, os sussurros e murmúrios tornando-se cada vez mais fortes... Talvez sua mãe estivesse ali... Ela estava se escondendo, só se escondendo... Podia ouvi-la, quase senti-la... Seus olhos se encheram de lágrimas. Luna sentia que era aquele o momento em que a reveria, depois de tantos anos de espera... Seu pé estava em cima do estrado. Tudo o que tinha que fazer era ultrapassar aquele véu e a encontraria... tão simples, tão fácil... Então, sua mãe voltaria para ela... As coisas voltam, sempre voltam no fim...
- NÃO! LUNA, NÃO!
Passos apressados reboaram contra o piso quando Neville começou a descer os degraus de pedra, desesperadamente. Luna se voltou para olhá-lo e enxergou medo nos olhos dele, ao mesmo tempo em que ele gritava para que ela não continuasse. Mas ela tinha que continuar, não podia perder essa chance... Luna se virou novamente para o arco; o véu continuava a ondular suavemente, chamando-a... Ela podia ouvir os sussurros, era sua mãe, tinha certeza disso. Deu mais um passo à frente, quase sentindo o tecido suave do véu...
- NÃO!
Alguém puxou o seu braço com uma força descomunal, impedindo que Luna ultrapassasse o véu. Ele estava bem à sua frente, mas ela não conseguiu... Um sentimento de frustração se abateu sobre ela. Ela ainda podia, ainda conseguiria... os murmúrios continuavam chamando-a...
- PARE, LUNA! NÃO FAÇA ISSO!
- Você não entende, Neville! – ela exclamou desesperada, as lágrimas escorrendo agora livremente por seu rosto, os soluços começando a embargá-la. Respirava muito rápido, aflita, tentando se desvencilhar do aperto dele em seu braço, cada vez mais forte, que a puxava para trás, afastando-a do arco, afastando-a dela... – É minha mãe, Neville, é minha mãe! Ela está ali, eu só preciso... só preciso... – ela arfou, soluçando alto, sua mão ainda estendida na direção do véu. – Tenho que chegar até ela... tenho que...
- Não, Luna, não! – Neville gritou enérgico, segurando-a pelos ombros e virando-a bruscamente para encará-lo. Luna ainda continuava tentando se virar, tentando olhar para trás, para o véu, para sua mãe, mas Neville segurou seu rosto, forçando-a a encará-lo.
- Ela está ali, Neville... – ela murmurou exausta, as lágrimas escorrendo por seu rosto. – Eu só preciso passar o véu para vê-la... eu nunca consegui vê-la... ela não é como os outros, ela não vem falar comigo...
Neville parecia completamente confuso, sem entender uma única palavra que Luna dizia, mas mesmo assim, ele não desistiu; chocalhou-a, como para tentar fazê-la despertar, e gritou:
- Você não pode ir, Luna! Não pode ir e me deixar assim!
- Mas, Neville...
- EU PRECISO DE VOCÊ!
Luna ficou imóvel depois dessa frase. Ainda sentia as mãos de Neville sobre seus ombros, como para se certificar de que ela não iria mesmo embora. Porém, de repente, foi como se os sussurros cessassem (mesmo que Luna soubesse que eles ainda estavam ali). Naquele momento, ela só viu Neville na sua frente. Ele disse que precisava dela... Ela se lembrou de seu pai; ele também precisava dela. Então ela subitamente entendeu...
Jamais poderia ver sua mãe. Ela não era como os outros que falavam com Luna. Simplesmente não poderia ver ou falar com sua mãe porque não suportaria; não agüentaria toda aquela emoção. Era por isso... era por isso que sua mãe nunca a procurara... durante todos aqueles anos...
- Luna... – Neville acariciou o rosto dela, suavemente. – Por favor, não me deixe assim... Por favor, não passe por aquele véu... O padrinho de Harry passou por ele... e se foi pra sempre...
Luna subitamente ficou alerta. Seus olhos se arregalaram ainda mais quando ela olhou Neville de volta.
- Ele... Sirius... ele disse que isso aconteceria... e que a assassina dele...
Neville a encarou atordoado. Os olhos de Luna quase saltaram das órbitas quando ela viu aquela mulher alguns metros atrás dele.
- Neville...
Ele se virou lentamente, acompanhando o dedo apontado de Luna. Quando ele viu aquele sorriso maligno no rosto ossudo da mulher, arrebatado de excitação, um olhar de compreensão e ódio se instalou no rosto do garoto. Havia fúria real na voz dele quando Neville apenas sussurrou:
- Você...




- Eu não acredito, esse lugar é muito grande! – Rony exclamou desesperado. – Onde os outros podem estar?
Hermione suspirou, também desolada e exausta. Eles tinham acabado de sair daquela sala redonda, de doze portas, e entraram em um pequeno escritório escuro e cheio de móveis. Mas não havia sinal de ninguém por perto – comensais (graças a Deus!) ou amigos...
- E Gina? – Rony perguntou angustiado. – O que pode ter acontecido com ela depois...
- Eu desmaiei no meio da batalha em Hogwarts... – Hermione disse. – O que aconteceu depois disso?
Rony suspirou desanimado, fazendo uma careta de frustração.
- Também não vi muito mais do que você. Quando vi o que aquele filho da mãe do Goyle fez com você, fiquei cego de raiva... – ele disse selvagemente. – Tentei chegar até você, mas Malfoy soltou o lustre bem em cima de mim... eu também não vi mais nada depois disso.
- O quê?! – Hermione exclamou preocupada, virando o rosto de Rony para vê-lo melhor; estava cheio de cortes feios, que sangravam, mas ela não tinha notado que havia também cacos de vidro presos nele. – Rony, pelo amor de Deus, você...
- Não importa agora. – ele disse, afastando a mão dela. – Não temos tempo pra isso. Precisamos achar os outros... estou preocupado com Gina...
Eles atravessaram o escritório; havia uma porta ao fundo dele, que possivelmente deveria dar em outra sala qualquer, interligando aquele labirinto que era o Departamento de Mistérios.
- Também estou preocupada com ela... – Hermione murmurou. – E com Harry...
- Não se preocupe com ele. – Rony disse num certo tom rude, mas havia também um pouco de emoção escondido no fundo de sua voz. – Ele sabe se cuidar muito bem sozinho.
Houve uma pausa.
- Você não vai perdoá-lo, não é?
Rony se virou para Hermione, seus olhos fundos, confusos, perdidos.
- Por que ele tinha que fazer isso, Mione? Ele não confiou em nós... Ele mentiu... fingiu...
- Eu sei, é difícil para eu entender também. Mas, talvez... ele tenha tido motivos... fortes...
Rony respirou fundo por um momento.
- Talvez... mas isso não muda o fato de que ainda me sinto enganado... traído... – ele a encarou quase como uma criança triste, que não quer acreditar na realidade das coisas. – Nós somos amigos dele, não? Ele podia ter-nos contado, por mais horrível que fosse...
- Pode ser que... – Hermione respirou forte. - ...exatamente por ser amigos dele, ele não tenha nos contado...
Houve uma segunda pausa, na qual eles apenas se encararam, desolados com tudo aquilo. Hermione também não queria acreditar; como Rony, ela achava aquela realidade cruel demais para se conformar.
- Você ouviu esse barulho? – Rony perguntou subitamente.
- Que barulho? – Hermione sussurrou.
Rony se virou, encarando a porta.
- Vem de lá...
Hermione segurou o braço dele com força, sua outra mão, trêmula, envolvendo a varinha. Rony levantou a sua própria varinha, apontando-a para a porta, esperando...
A porta se abriu, estrondosamente.
Hermione sufocou um grito ao ver quem estava do outro lado.




- Ora, ora, ora... – Bellatrix Lestrange sussurrou suavemente, sua voz tremendo de excitação e de um prazer insano. – Se não é o pequeno Longbottom, o filhinho dos meus velhos conhecidos...
A varinha deslizava entre os dedos longos da mulher, como se tudo fosse apenas uma brincadeira. Havia um sorriso sinistro e louco em seu rosto magro, emoldurado por vários ferimentos; no canto de sua boca, um corte feio estava cheio de sangue pisado. Suas vestes negras de comensal tinham vários rasgos esfiapados – parecia que ela já tinha passado por uma batalha muito difícil. No entanto, nada disso afetava a alegria perversa que ela parecia sentir ao ter aquela visão.
O sangue de Neville ferveu.
De repente, ele sentiu que seus dedos flexionaram-se com força ao redor da varinha. Sua respiração era rápida e rasa. Alguma coisa venenosa se espalhava por suas veias – ele sabia que era o ódio que sentia por aquela mulher horrível, aquela mulher que enlouqueceu seus pais e destruiu sua família.
Neville nunca imaginara que fosse capaz de pensar algo assim. Contudo, quando estava na frente daquele mulher, apenas um único pensamento invadia sua mente:
Era a hora da vingança.
- Neville... – Luna murmurou, sacando a varinha em posição, porém o garoto colocou um braço à frente dela.
- Não se meta, Luna. – sua voz era firme, selvagem, até mesmo um pouco rude. Muito diferente do Neville habitual. – Esse é um assunto meu.
Bellatrix gargalhou alucinadamente. Um sorriso demente e fanático se alastrou por seu rosto, como uma doença contagiosa que contamina todo o corpo. A risada maníaca dela ecoava na ampla sala em que estavam localizados.
- Ohhh, que medo! – ela debochou, fingindo que seus dedos das mãos tremiam. – O Longbottonzinho acha que pode comigo! Você acha mesmo que pode me machucar, pequeno projeto de débil? – ela fez gestos e caretas ridículas, como se tivesse problemas mentais. Subitamente, seu tom mudou, ela riu mais uma vez, e seu olhar era mais uma vez alucinado. – Eu vou rachar sua cabeça e deixar você maluquinho como fiz com seus pais, moleque!
Neville não pensou duas vezes. Apontou a varinha para Bellatrix e gritou “Estupefaça!”.
Ela conjurou uma barreira ao redor de si, rindo desdenhosamente da tentativa dele de atingi-la. Neville mordeu os lábios, nervoso; não tinha certeza se tinha poder e conhecimento suficiente para uma batalha como aquela, mas também sabia que era o momento pelo qual esperara por tantos anos; era o momento para vingar seus pais e sua família. O seu único desejo, naquele momento, era ferir, machucar, fazer aquela mulher sentir toda a dor que ele sentira por tantos anos...
- Ah... você quer brincar, garotinho? – ela perguntou debochada, rindo. – Eu vou lhe ensinar como se brinca de verdade!
O jorro de um feitiço de luz vermelha o atingiu diretamente no peito. Neville sentiu uma dor excruciante, como se uma mão invisível estivesse torcendo seu coração; seu corpo foi jogado para trás, e ele sentiu o vento produzido pelo deslocamento de ar arranhar-lhe o rosto e, no meio daquela dor, um pensamento desesperador lhe ocorreu: atrás dele havia aquele arco, o véu por onde as pessoas passavam e nunca mais voltavam.
Iria morrer.
Seu corpo fez contato com algo mole e flexível, como um colchão de ar ou algo parecido. Neville arregalou os olhos ao perceber que seu corpo flutuava no ar, no entanto, parecia que estava sobre algo sólido, como uma bolha gigante de ar. Assim que olhou para baixo, a bolha estourou e ele caiu chapado no chão, sentado, o arco a apenas alguns metros atrás de si, o véu ondulando inocentemente. Ele virou a cabeça rapidamente e seus olhos bateram em Luna, séria e pensativa como quase nunca ficava, muito diferente da “Di-Lua” que ele estava acostumado. Ela manteve a varinha apontada, mas girou-a de Neville para Bellatrix, que a encarava de volta, lívida de fúria.
- Não dessa vez... – Luna disse quase sonhadoramente, encarando a mulher com uma tranqüilidade assustadora.
- Ora, sua pirralha intrometida! – Bellatrix gritou enfurecida, não mais utilizando aquele tom de voz debochado de antes. – Você vai me pagar! Crucio!
- LUNAAA!!! – Neville gritou desesperado.
Sabia muito bem a dor que aquela maldição causava. Ele correu até a garota, sentindo o coração disparar no peito de angústia, mas não via como conseguiria chegar até ela antes que o feitiço a atingisse. No entanto, quando a luz do feitiço estava a apenas alguns centímetros de Luna, foi como se uma barreira invisível a protegesse, inexplicavelmente, pois Luna não tinha feito um movimento sequer para conjurar uma proteção. A luz da maldição irradiou em vários ângulos, como uma chuva brilhante. O queixo de Neville caiu, não podia acreditar em seus olhos; aquilo simplesmente não era possível.
Bellatrix parecia sentir o mesmo. Seus olhos saltavam das órbitas, tal era seu espanto. Sua boca abria e fechava, como se ela tentasse dizer algo, mas nenhum som saía, de tão aterrada que estava. Ela recuou alguns passos, terrificada.
- O quê...? Que raio de magia é essa?
Havia uma serenidade quase palpável ao redor de Luna. Neville não conseguia entender. Ela fitava um ponto vago à sua frente e sorria, quase como se estivesse sorrindo para uma pessoa... mas não havia ninguém ali.
Um vento sussurrou por toda a sala. Neville sentiu um arrepio na espinha, como se alguém tivesse acabado de passar atrás dele; ele olhou por cima do ombro, mas não havia ninguém também. O vento fez os cabelos longos de Bellatrix agitarem-se; ela parecia apavorada. A mulher recuou, atirando feitiços e maldições aleatórias para o ar, mas não havia nada ao seu redor.
- Que magia é essa? – ela gritou, tropeçando nos próprios pés enquanto girava aleatoriamente de um lado para outro na sala. – Quem está aí? – ela gritou de novo, parecendo alucinada, ao mesmo tempo em que tropeçou no degrau do estrado onde se erguia o arco, caindo sentada, seus olhos girando nas órbitas à procura de alguém invisível. – NÃO! PARE! EU NÃO QUERO OUVIR!
Era um espetáculo aterrorizante. Bellatrix gritava frases desconexas, totalmente alheia à presença de Neville e Luna na sala. Ela arrastava-se no chão, para trás, sem se dar conta de que cada vez mais se aproximava do arco.
- Com quem ela está falando? – Neville perguntou sem entender, aproximando-se de Luna, que continuava encarando a loucura de Bellatrix como se estivesse assistindo um programa de televisão levemente interessante. – Que magia foi aquela que você usou?
- Eu não fiz nada. – ela murmurou sonhadora, os seus grandes olhos arregalados fitando um ponto vago. – Foi ele que fez.
- Ele? – Neville retrucou, mais confuso do que nunca. – Ele quem?
- Sirius Black.
Aquelas palavras não penetraram no cérebro de Neville por alguns segundos. Não fazia o mínimo sentido! Ele nunca quis acreditar no que as pessoas diziam sobre Luna, que ela era maluca, mas naquele momento, não enxergava como o que ela tinha acabado de dizer poderia ser verdade ou coerente. Não havia ninguém naquela sala além de Neville, Luna e Bellatrix. Sirius Black não estava ali; ele estava morto.
Neville voltou-se mais uma vez para a visão aterradora que era Bellatrix. Ela continuava lutando contra algo invisível, que parecia estar falando com ela, mas Neville não conseguir ver ou ouvir absolutamente nada. Não fazia sentido... Ele olhou para Luna novamente, e ela fitava aquele mesmo ponto vago. Não fazia o menor sentido...
- CALA A BOCA! – Bellatrix gritou, levantando-se, cambaleante e tonta, alucinada, tapando os ouvidos com as mãos, pressionando-os com uma força tamanha, que seu rosto pálido assumiu um tom avermelhado. – EU NÃO VOU... EU NÃO VOU ME SUICIDAR! – ela olhou para trás, finalmente percebendo o arco e o véu ondulante a apenas um passo de si. – NÃO VAI ME CONVENCER DISSO!
Neville a observou, hipnotizado. Ela estava muito próxima do arco... tão próxima que apenas um passo a conduziria à morte. Ele fitou o rosto dela, louco, desesperado, perdido. Aquela mulher... aquela mulher tinha acabado com a sua vida... Ela tinha enlouquecido seus pais. Ela era a razão pela qual eles nunca o reconheceram como seu filho, era por causa de Bellatrix Lestrange que Neville não tinha sido criado por seus pais... Aquela mulher louca tinha destruído sua família e a vida que eles poderiam ter tido...
”Vovó, porque papai e mamãe não sabem que eu sou filho deles?”
Bellatrix continuou gritando, atirando feitiços, esmurrando o ar...
“Eles nunca vão ficar bons?”
O pé de Bellatrix encostou-se ao arco, produzindo um barulho seco, que ecoou pela sala...
“Eles não deram a saúde e a sanidade para seu único filho ter vergonha deles, entende!”
- CALE-SE! EU NÃO VOU! EU NÃO VOU...
“Eu não sinto vergonha.”
Só mais um passo...
“Bom, você tem uma maneira engraçada de demonstrar!”
Neville apertou o bolso, produzindo um barulho mínimo de plástico sendo amassado. As várias embalagens de Chicles de Baba e Bola que sua mãe lhe dava quando ele visitava o St. Mungus sempre o acompanhavam, onde quer que fosse...
“Obrigado, mamãe.”
Neville levantou o rosto, ergueu a varinha em punho...
- Pare, Neville, não! – alguém gritou ao seu lado, mas quando Luna segurou seu braço, já era tarde demais...
- Estupefaça! – Neville gritou, reunindo todo o ar de seus pulmões, trazendo junto com ele todo o ódio, a mágoa, o sofrimento e a tristeza que se acumulara dentro dele durante todos aqueles quase dezessete anos...
Tudo aconteceu em câmera lenta. Luna abaixou seu braço, com urgência, mas o jato de luz avermelhada já varria o ar. Neville continuou assistindo à cena, paralisado, hipnotizado. Bellatrix gritou. Houve um barulho seco. Ela caiu para trás, lentamente; seu corpo mergulhou no véu esfiapado, de costas. A luz vermelha do feitiço brilhou por um instante e se perdeu. O corpo de Bellatrix desapareceu além do véu, que ondulou momentaneamente, como se um vento forte tivesse soprado, para depois voltar a esvoaçar apenas suavemente.
Um silêncio aterrador caiu sobre o ambiente.
A varinha de Neville quicou no chão, produzindo um ruído seco e rompendo o silêncio.
- Eu... eu... – Neville murmurou engasgado, chocado com o que tinha acabado de fazer. Parecia que seu cérebro tinha parado de trabalhar. Ele apenas tinha a vaga noção de que Luna ainda o segurava e o fitava com aqueles imensos olhos azuis, preocupada. – Eu... eu a matei...
- Não... não, Neville...
- Eu a matei... – ele sussurrou rouco, afastando Luna e cambaleando para trás, em passos vacilantes. Ele não merecia a compaixão dela, muito menos sua compreensão. Ela não podia tocar em alguém tão vil como ele, alguém que tinha acabado de assassinar uma pessoa. - Eu a matei!
- Não, Neville... – Luna repetiu aflita. – Você não a matou... Foi ela que...
- NÃO! – Neville gritou, a realidade horrível do que tinha acabado de fazer se abatendo sobre ele com maior intensidade. Bellatrix era uma maníaca que torturou seus pais até a loucura, mas isso não justificava... não era motivo... Ela era uma assassina, e agora Neville também... – EU A MATEI, LUNA! EU A MATEI!
A frase ecoou na sala enorme, como se vários Nevilles continuassem acusando-o.
“Eu a matei! Eu a matei!”
Você a matou! Você a matou!
Assassino! Assassino!
Você se tornou igual a ela... igual a ela...

- Neville, não... – Luna repetiu, implorando, tentando se aproximar dele, mas Neville não permitia. Ele recuava, afastava-a, consternado, horrorizado consigo mesmo. Como pôde? Como teve coragem de fazer aquilo? Tinha matado uma pessoa... matado... tirado uma vida... Ele não era desse jeito, esse não era quem ele sempre foi! – Por favor, Neville... por favor, pare um segundo e me escute...
- Não! Vá embora, Luna! – ele afastou as mãos dela, que tentavam tocá-lo e acalmá-lo. Não queria que ela se contaminasse ao tocar em alguém tão horrível como ele. Ele tinha acabado de matar uma pessoa... matar... – Eu a matei...
Luna desistiu de tentar persuadi-lo a ouvi-la. Ela segurou os braços dele com uma força surpreendente, apertando-os. Neville tentou recuar, mas acabou finalmente chegando aos degraus dos bancos de pedra e tropeçou neles, caindo de costas. Luna se ajoelhou à sua frente, ainda segurando os braços com o máximo de força que conseguia. Ela o encarou seriamente, seus olhos firmes. Neville a fitava de volta, quase como uma criança chorosa.
Ela sentiu que era o momento. Não poderia mais adiar. Tinha que contar a ele, ele tinha que saber. Se ele soubesse a verdade sobre ela, entenderia o que realmente tinha acontecido naquela sala – algo que olhos comuns não conseguiam enxergar. Talvez Neville a achasse louca, talvez ele nunca mais olhasse em seus olhos novamente ou voltasse a falar com ela. Talvez Luna perdesse para sempre a única pessoa que não se importou com a máscara de maluquice que ela construiu em seu rosto para se proteger. Neville tinha sido o único a ignorar isso e se aproximar dela – e amá-la como nunca ela tinha sido amada; contudo, Luna sabia que precisava arriscar tudo isso naquele momento e apostar no que Neville dizia sentir por ela. Apostar que era forte o suficiente para suportar a verdade que ele precisava ouvir. Caso contrário, tudo terminaria ali.
- Escute bem e escute com atenção, Neville. – ela disse firme, apertando os braços dele. Neville parecia acuado, confuso, mas a fitava de volta, escutando. – Você não matou aquela mulher. Ela se suicidou. Eu vi acontecer.
Neville não parecia ter entendido direito. Em seu rosto estampava-se uma visível confusão e agonia. Mas Luna sabia que ele precisava ouvir e, com sorte, acreditar.
- Então você viu... – ele sussurrou lentamente, formulando as palavras com dificuldade, perturbado. – Você viu o feitiço... ele não a atingiu?
Luna umedeceu os lábios, respirando fundo, encarando-o no fundo dos seus olhos.
- Eu vi mais. Eu vi tudo acontecer, eu vi além. Eu sempre vi além.
Neville piscou longamente, então enrugou as sobrancelhas, fitando Luna com uma expressão um tanto aparvalhada.
- Isso... – ele murmurou, como se implorasse. – Isso não faz sentido, Luna... não faz...
- Faz sim. – ela disse brandamente, finalmente soltando os braços dele. Ele não iria mais fugir. Ela respirou fundo mais uma vez. Agora que tinha começado, chegaria até o fim. – Faz todo o sentido do mundo, Neville, se você tentar me entender.
Ele não disse nada, apenas a encarou de volta, atentamente.
- Você se lembra... de quando disse pra mim que parecia que eu... “captava as coisas no ar”? – Neville apenas assentiu, lentamente, um pouco assustado. – Pois então; você fez uma definição muito próxima do que eu faço. Eles estão por aí, no ar, em qualquer lugar que você imagine...
- Eles? Eles quem, Luna?
- Eles... Aqueles que fizeram a passagem... aqueles que morreram...
Neville parecia estar mais confuso do que nunca.
- Fantasmas?
- Não, não fantasmas. – Luna tentou explicar, sabendo que aquela informação era mesmo difícil de digerir. – Aqueles que morreram e não se transformaram em fantasmas.
Houve uma pausa. Neville parecia estar pensando; ele mordeu os lábios.
- Mas... não se sabe o que acontece com essas pessoas. – ele disse depois de algum tempo. – Os que não viram fantasmas... eles...
Luna suspirou, pacientemente. Uma coisa de cada vez.
- Você deve saber que somente as pessoas que têm medo da morte, aquelas que têm pavor do desconhecido que vem após, somente elas se transformam em fantasmas. Elas assumem uma pálida imagem de quem foram aqui, nesse plano, e vagam pelos lugares em que viveram...
Neville assentiu.
- É claro, existem vários em Hogwarts! Mas eu não entendo, todos os vêem... mas você vê...
- Eu os vejo também, é óbvio. – Luna continuou. – Mas eu vejo os outros também. Aqueles que escolheram o que vinha depois. Aqueles que não se tornaram fantasmas.
Luna suspirou mais uma vez, rezando para que ele a compreendesse e acreditasse em suas palavras. Neville apenas continuou a fitá-la, atento.
- Cada pessoa tem um nível de magia e isso influi no quê elas podem ver. Os trouxas não têm magia, por isso não vêem fantasmas, apenas têm uma pálida sensação de que eles existem ou passaram perto deles. Existem alguns trouxas, poucos, que possuem um nível baixo de magia, que os tornam capazes de sentir e ver além dos outros; estes são tidos como loucos.
“Já os abortos, estes têm um nível de magia que os permite ver fantasmas, mesmo que não possam ver dementadores ou conjurar feitiços.”
“Os bruxos, por sua vez, tem vários níveis e poderes. Todos eles podem ver, sentir e falar com fantasmas, mas somente alguns – e eu estou incluída aqui – podem ver, além dos fantasmas, aqueles outros que escolheram o que vinha depois da morte...”
O silêncio de Neville estava angustiando-a cada vez mais. Talvez ela até preferisse que ele a chamasse de maluca, ao invés de olhá-la daquela maneira confusa, sem dizer absolutamente nada. Mesmo assim, Luna continuou.
- São bem poucos os bruxos que podem fazer isso, então esses... espíritos... aproveitam-se ao máximo dos que encontram...
Neville desviou o rosto por alguns instantes, pensando. Luna desejou que ele falasse alguma coisa. Qualquer coisa.
- Então... – ele começou, ainda sem encará-la. - ...o que você viu aqui?
Luna suspirou profundamente.
- Eu vi Sirius Black persuadindo Bellatrix Lestrange a se suicidar.
- Como?!
Luna respirou fundo mais uma vez.
- Durante todo esse ano, Sirius tem se comunicado comigo. – Neville parecia chocado. – Ele... ele vem falar comigo principalmente por causa de Harry. Ele se preocupa muito com ele, e sabia que durante esse ano ele tinha que enfrentar muitas coisas, e encontrou em mim um canal para se aproximar dele...
Como Neville continuou calado, Luna engoliu em seco e prosseguiu:
- Sirius continua muito preso às coisas desse mundo, o que significa que ele não consegue se soltar e evoluir... Ao mesmo tempo, ele também não se transformou em um fantasma, pois não tinha medo da morte. Quando ele descobriu o quê eu sou, aproximou-se de mim. Ele queria se comunicar com Harry por meu intermédio, mas eu tive medo... – foi a vez dela desviar o olhar de Neville. – Nós costumávamos conversar nas estufas de Herbologia, onde eu sabia que ninguém me veria e pensaria que eu estava falando sozinha... Sirius queria falar diretamente com Harry, através de mim. Eu tive muito medo e só permiti que ele passasse o recado por mim. Um dia, eu fui procurar Harry... ele estava na cabana do Hagrid... Eu já tinha reparado que ele ia muito lá. Sirius me contou o motivo disso também. – Neville fez uma careta confusa, mas Luna não parou para explicar tudo o que Sirius lhe contara a respeito de Harry; não havia tempo para isso, nem ela achava que era seu direito contar essas coisas. – Então, eu contei a ele tudo o que Sirius queria dizer. Harry se emocionou muito ao saber que o padrinho estava perto dele... Eu também me emocionei. Tinha sido a primeira vez que eu usei esse meu... dom, ou seja lá o que seja... para ajudar as pessoas...
Neville estava pasmo. Ele apenas fitava Luna sem ter idéia do que dizer. Ela só queria que ele dissesse algo, mesmo que fosse algo ruim.
- Ele estava aqui, então? Nessa sala?
- Sirius? – Neville assentiu. – Sim, ele estava. Foi ele que me protegeu do feitiço daquela mulher. Desde que eu o ajudei, ele também passou a me ajudar muito. Sabe... ele me protege dos outros... dos ruins...
- Outros? – Neville perguntou. – Então você se comunica com muitos?
- Sim... – ela respirou fundo. – Vários deles. Eles sempre estiveram perto de mim, desde que eu era pequena. Alguns me atormentam, não me deixam dormir direito... me fazem ficar doente às vezes.
Luna suspirou lentamente, observando pelo canto do olho o véu a alguns metros deles. Ele continuava a esvoaçar suavemente.
- Você não matou aquela mulher, Neville. – ela afirmou, firme, encarando-o nos olhos. – Ela se suicidou. Sirius queria se vingar dela e a induziu a fazer isso hoje. Ele estava aqui, sabia que teria essa oportunidade... Mas ela foi fraca também. Se ela fosse uma pessoa boa, não se influenciaria dessa maneira. Em parte, ela também se suicidou porque sua consciência a punia.
- Aquela mulher horrível não tinha consciência. – Neville retrucou de maneira selvagem.
- Tinha sim. – Luna insistiu. – Todos nós temos.
Houve uma outra pausa. Neville pensou por alguns instantes antes de voltar a falar.
- Quem mais você vê, Luna? – ele perguntou. – Você vê o padrinho de Harry e vê os pais dele também? E a sua mãe, você a vê também? Você a viu hoje, quando chegamos a essa sala?
Luna abaixou os olhos, sentindo aquele nó na garganta retornar com mais força.
- Eu não vejo os pais de Harry porque eles não estão mais tão ligados a esse mundo. É claro que, provavelmente, preocupam-se com o filho, mas tantos anos se passaram... Eles já se desligaram daqui. Sirius me contou isso também; ele disse que não conseguiu encontrá-los depois que... morreu. E... – ela respirou muito profundamente. – Quanto à minha mãe...
Era difícil falar sobre sua mãe. Luna passou alguns minutos em silêncio, tomando coragem.
- Eu nunca falei com ela. Hoje... – ela sentiu que os soluços queriam retornar, mas os segurou bravamente. – Hoje, eu imaginei que poderia vê-la se passasse o véu... porque todos eles estão atrás do véu... Quer dizer, ele é uma passagem entre os dois mundos... Mas eu entendi... – ela sentiu que seus olhos se encheram de lágrimas e estava decidida a não encarar Neville. - ...que eu não poderia mesmo vê-la... ou falar com ela... simplesmente porque... eu não suportaria... seria... demais para agüentar... uma emoção tão grande...
Ela virou o rosto, tentando secar as lágrimas na manga do vestido que ainda usava sem que Neville notasse. É claro que fracassou miseravelmente. Quando voltou a olhá-lo, com vergonha, ele parecia penalizado.
- Eu sinto muito, Luna...
Ela negou com a cabeça.
- Tem que ser assim...
Nenhum deles disse nada por algum tempo. Neville parecia estar engolindo suas perguntas por enquanto, em respeito a ela.
- Como você sabe tanto sobre esse véu? – ele perguntou após algum tempo.
Luna, um pouco mais calma, resolveu responder:
- Os meus pais. Eles trabalhavam aqui há muito tempo. Eram Inomináveis do Departamento de Mistérios. – os olhos de Neville estavam arregalados. – Eles faziam pesquisas exatamente sobre essa sala em que estamos: a Sala da Morte. Esse véu é uma passagem do mundo dos vivos para o dos mortos. Eles descobriram isso quando... quando minha mãe morreu.
Houve uma terceira pausa, bem mais longa que as outras.
- A minha mãe morreu passando o véu, pesquisando-o. O meu pai, então, acabou se desiludindo com esse trabalho... Ele quis sair daqui e desistiu do emprego. Mas você não pode simplesmente “pedir demissão” de um emprego de Inominável. Uma pessoa dessas sabe muitos segredos. Meu pai foi submetido a um feitiço de memória muito forte, mas ele e minha mãe tinham se prevenido muito tempo antes contra isso. Meu pai esqueceu várias coisas, mas aos poucos, conseguiu ir se lembrando por causa das precauções que tomou. No entanto, os feitiços fizeram mal a ele, então ele... bem, ele não é muito normal, e as pessoas o acham um tanto maluco. – Luna bufou, revirando os olhos. – Mas ele não é doido, ele sabe muita coisa. Então, ele fundou o Pasquim, que usa como uma arma contra o Ministério e as barbaridades que eles fazem, principalmente aqui no Departamento de Mistérios. – ela riu com desânimo. – Mas é claro que ninguém acredita nas denúncias da revista...
Neville estava boquiaberto. Ele permaneceu em silêncio, encarando um ponto no chão, como se estivesse tentando digerir todas aquelas informações. Luna teve medo que ele não tivesse acreditado nela. Era isso. Ele deveria ter acreditado em nada mesmo... Quem, no lugar dele, acreditaria?
- Você me acha maluca, não é? – ela ousou perguntar, subitamente. Neville ergueu os olhos. – Você deve estar dando razão a todas aquelas pessoas que me chamam de “Loony”...
Ela preferiu não fitá-lo. Não suportaria ler a resposta estampada em seu olhar.
- A única coisa nessa história toda, Luna, que eu não consigo compreender é... por que você se finge de doida, se “maluca” é a última coisa que você é?!
Ela levantou o rosto, encarando-o pasma. Não podia acreditar. Um sorriso emocionado se formou em seus lábios.
- Você acha mesmo?
- Eu tenho certeza.
- Obrigada, Neville... por entender... – ele sorriu também. Luna suspirou. – Eu sempre achei mais seguro que as pessoas já achassem que eu era maluca logo de início a descobrirem o que eu sou, e aí terem certeza que eu sou mesmo anormal... – Neville exclamou “Mas você não é anormal!”, mas Luna apenas riu ligeiramente e continuou do mesmo jeito. – Por isso... por isso eu me acostumei a ser assim estranha... para... esconder quem eu sou de verdade...
Neville procurou os olhos dela, sorrindo.
- Você não precisa fazer isso. Não precisa ter vergonha de quem é. – ele disse seriamente. – Isso é um dom, você ajuda as pessoas. É uma coisa boa, você não tem nada do que se envergonhar.
Luna tinha apostado no que Neville sentia ao decidir contar a verdade e percebeu, após essa frase, que realmente tinha ganhado a aposta.




Aquela sala das profecias parecia que não terminaria nunca. Talvez ela fosse mesmo grande. Ou ainda, talvez, a caminhada parecesse mais longa devido ao silêncio pesado que se instaurara entre Harry e Gina.
Então não vou ser eu que vou responder essa pergunta.”
Gina não conseguia deixar de ouvir Harry repetindo essa frase dentro de sua cabeça. O que ele queria dizer com aquilo? Que tudo que acontecera entre os dois tinha sido apenas uma grande mentira, como todas as outras? Esse pensamento desconsolava Gina ainda mais, se isso era possível. Ela não queria acreditar que tudo que acontecera entre os dois... aquele dia que Harry a beijou pela primeira vez, que cantou aquela música em seu ouvido para ela... o dia no lago... tudo isso não poderia ser mentira, seria cruel demais... Porém, ao mesmo tempo, Harry tinha mentido tanto, fingido dia após dia, que Gina também não achava que seria capaz de acreditar em palavra alguma que ele dissesse ou tivesse dito. Por mais que fosse algo em que ela quisesse acreditar.
Harry caminhava à sua frente, sério e calado, a varinha em punho. Gina ia um pouco mais atrás, perdida em pensamentos, sentindo-se mais infeliz a cada passo. Abraçava as mãos junto ao peito, como que para cobrir-se, inconscientemente. Aquela sensação de sujeira que Malfoy tinha deixado impregnada em seu corpo ainda não tinha desaparecido – e ela duvidava que fosse desaparecer algum dia. Esperava que Malfoy mofasse paralisado onde o tinham deixado – desejava com rancor –; só o que ele merecia era sofrer pelo ato nojento que pretendera fazer...
Quando não pensava no que Harry tinha feito, vinha à sua cabeça o ato horrível de Malfoy, e então Gina se sentia pior, ainda mais miserável. Parecia que seu corpo estava imundo e as lembranças daquela cena terrível marcadas em sua própria pele. Gina duvidava que algum dia pudesse esquecê-las e passar por cima delas; aquele tinha sido o pior momento de sua vida e as marcas que ele tinha deixado a acompanhariam até o resto de seus dias.
Ela levantou os olhos, fitando as costas de Harry. Se ele não tivesse aparecido... ela não queria pensar nisso. Contudo, Gina não sabia se deveria se sentir grata ou enfurecida; Harry a tinha livrado de um destino terrível, mas ao mesmo tempo a enchera de vergonha por tê-la visto daquela maneira. Ela não se conformava por não ter conseguido se defender, impedir Malfoy, o que quer que fosse. Tinha começado a achar que tinha cedido fácil demais, e o sentimento horrível em seu peito se intensificava quando pensava dessa maneira.
“Foi tudo mentira também?”
“O que você acha, Gina?”

O que ela achava? Gina voltou a pensar no assunto, confusa. Abraçou-se ainda mais ao corpo, como uma desesperada tentativa de consolo. Suas pernas caminhavam vacilantes, insistindo em não querer sustentar seu peso. O que você acha, Gina? Seria possível que todas aquelas palavras, o beijo, a canção... tudo fosse fingimento, como uma peça muito bem forjada por Harry? Gina se sentiu uma palhaça estúpida. Como se deixou enganar por tanto tempo?
- AH! – Gina gritou, quando finalmente suas pernas não a sustentaram mais e ela caiu de joelhos no chão, sentindo uma dor lancinante neles devido ao impacto. Suas mãos ficaram dormentes, ardidas e vermelhas por ela tê-las usado para se amparar quando caiu.
- Gina! – Harry exclamou, parando de andar e se virando instantaneamente. – Gina, você está bem? – ele perguntou preocupado, aquele tom frio que usava antes sumindo por completo. Era como se aquele Harry gentil que dizia a Gina palavras amáveis tivesse retornado.
Ele tocou seus ombros, sem pensar, e Gina sentiu um arrepio na sua espinha, um tremor involuntário percorrendo todo o seu corpo. Ela imediatamente se lembrou das mãos de Malfoy tocando-a e um medo insano se apossou dela.
- ME SOLTA, MALFOY! – ela gritou como um bicho selvagem. Cega de pavor, ela empurrou Harry com brutalidade, confundindo-o, sem se dar conta de que Malfoy não estava mais ali. – NÃO ME TOCA!
Harry caiu sentado para trás, seus olhos arregalados em espanto. Gina recuou como um bichinho acuado, seu corpo todo tremendo, e ainda permaneceu alguns minutos daquele jeito, completamente apavorada, até que se desse conta do que realmente estava acontecendo. Harry parecia em choque, uma expressão penalizada e preocupada em seu rosto.
- Gina... sou eu, Harry... – ele murmurou num tom pausado. – Fique calma... Eu não vou te machucar...
Seus lábios tremeram loucamente. Gina teve vontade de chorar. Cobriu o rosto, gemendo baixinho. Sentia-se envergonhada, confusa, perdida, infeliz, amedrontada... Aquilo não iria parar. Nunca. Jamais esqueceria aquela sensação horrível de ser tocada por alguém tão asqueroso, aquele desespero medonho por ser incapaz de fazer algo para se defender de algo tão terrível.
- Você não é ele... – ela repetiu em voz alta, a voz embargada, como que tentando se convencer disso. – Ele não está aqui...
Gina sentiu que Harry se aproximou, sentiu o calor que emanava de seu corpo, próximo ao dela, mas ele não a tocou dessa vez. A respiração dele estava barulhenta. Demorou algum tempo para que ele dissesse alguma coisa.
- Eu estou com você agora, Gina... – ele sussurrou, mas ainda assim sua voz era firme. – Ninguém vai te fazer mal novamente enquanto eu estiver perto de você. Eu juro.
Havia um tom sincero em sua voz. Gina, lentamente, retirou as mãos do rosto, temerosa, no início, mas encarando Harry nos olhos por fim. Ele a fitava com aquela expressão que utilizava só para ela, aquele olhar profundo e verdadeiro, como se somente Gina existisse no mundo. Era aquele olhar que ele utilizava quando estavam a sós, nos seus momentos mais preciosos. Gina sentiu algo quente e aconchegante dentro de si e, muito devagar, conseguiu se acalmar o suficiente para voltar a falar.
- Não me deixa sozinha, Harry... – ela pediu com a voz fraca, sentindo as lágrimas escorrerem por seu rosto ferido. – Não me deixa...
Harry a fitou de volta, uma expressão triste em seu rosto. Parecia que ele não estava conseguindo falar. Gina precisava que ele dissesse que nunca a deixaria.
- Prometa...
Houve uma pausa. Uma lágrima escorreu pelo rosto machucado dele. Gina não se lembrava de tê-lo visto chorar alguma vez. Ela teve vontade de secar aquela lágrima, mas não sabia se conseguiria tocá-lo. Harry a fitou por alguns minutos intermináveis, profundamente, até que ele mesmo limpou o rosto com uma das mãos e afirmou, determinado:
- Prometo.
Os dois permaneceram calados por mais alguns instantes. Vários pensamentos diferentes confundiram a cabeça de Gina, e ela se sentiu miserável mais uma vez.
- Por que você tinha que mentir tanto pra mim, Harry? – ela perguntou após algum tempo, sua voz cheia de mágoa e decepção. Havia um pedido silencioso naquela pergunta; se Harry dissesse que tudo era um grande engano, que nunca tinha mentido para Gina, ela acreditaria, porque era o que queria acreditar. Era muito melhor do que aquela realidade cruel.
Silêncio. Harry engoliu em seco, desviando o olhar de Gina. Parecia realmente muito mal naquele momento.
- Eu não posso te pedir perdão, Gina... porque sei que não mereço isso. – ele sussurrou com a voz embargada. – Mas você acreditaria se eu dissesse que sinto muito, que mentir para você foi a coisa que mais me fez mal em toda a minha vida... que todos os dias eu ia morrendo um pouco mais por causa disso... Você acreditaria em mim, Gina? – ele implorou, voltando a fitá-la nos olhos, um brilho arrependido e dolorido no olhar.
Gina não soube o que responder. Não soube o que pensar ou sentir. Diga alguma coisa, diga alguma coisa.
Mas nada saiu de sua boca, e Harry abaixou os olhos, como se aquele silêncio fosse sua sentença.
Ele se levantou...
Gina ergueu a cabeça. Diga alguma coisa, diga alguma coisa. Mas ela não conseguia. Sua boca estava seca. Ela não sabia o que fazer.
- Nós precisamos ir embora. – Harry disse, sua voz assumindo novamente aquele tom prático e frio. – Se chegarmos até aquela sala redonda, será fácil encontrar a saída, então você poderá ficar em segurança...
- Não! – Gina exclamou, levantando-se com dificuldade. Harry não olhava para ela. – Eu não vou embora!
- É claro que você vai. – Harry retrucou num tom de final de conversa. – Eu não vou permitir que você fique e se arrisque...
- Eu quero ver você me impedir. – Gina disse em desafio, e Harry finalmente se virou para ela, arregalando os olhos. – Eu não vou fugir. – havia um certo orgulho na voz dela, algo como se Gina quisesse compensar sua fraqueza anterior, quando não conseguiu se defender de Malfoy. – Eu vou ficar e lutar, e ninguém vai me impedir, muito menos você, Harry.
Houve uma longa pausa dessa vez, na qual eles apenas se encararam, medindo-se.
- Vamos ver se eu não consigo mesmo. – ele disse, como se aceitasse o desafio, e deu as costas a ela.
Gina o seguiu, enfurecida, disposta a azará-lo se fosse necessário para permanecer ali. Nunca ela iria embora sem lutar, sem fazer algo para ajudar naquela guerra. Nunca ela iria deixá-lo, sabendo que aquela era a batalha crucial e que Voldemort só estava à espreita, esperando o momento certo para acabar com Harry definitivamente. E Gina não estava disposta a perdê-lo.
Eles cruzaram em silêncio a distância que faltava entre o restante da sala das profecias e a nova sala. Ao cruzarem a porta, deram naquela sala com os Vira-Tempos, relógios dos mais diferentes tipos e aquele enorme vidro de cristal, em forma de sino, cheio de um vento luminoso. Gina o fitou hipnotizada, observando o magnífico beija-flor que emergia de um minúsculo ovo brilhante e voltava ao ovo, ininterruptamente. O tique-taque incessante das centenas de relógios era ensurdecedor. Harry continuou caminhando decidido até que parou abruptamente, antes de abrir a próxima porta. Gina paralisou antes que ficasse muito próxima a ele.
- O que foi? – ela perguntou.
- Esse barulho... – Harry sussurrou lentamente. – Não está ouvindo?
Gina tentou escutar, mas tudo que penetrava em seus ouvidos era o barulho incessante dos relógios a tiquetaquear.
- Eu só ouço os relógios...
- Não é isso! – Harry exclamou, apontando a varinha para a porta. – Tem alguém ali...
Gina subitamente ficou alerta, segurando a varinha em punho, fechando seus dedos em torno dela com força. Harry deu mais um passo à frente, devagar, seus olhos estreitos; então, ele exclamou um feitiço e a porta se abriu, estrondosamente.
Alguém sufocou um grito do outro lado.
Gina arregalou os olhos, sentindo uma emoção indescritível percorrer seu ser e suas pernas bambearem por causa de um enorme alívio.
Hermione, um pouco além, tinha as mãos no rosto, sua boca aberta em espanto, o grito sufocado ainda estampado em seu rosto.
Rony e Harry tinham as varinhas apontadas um para o outro, os olhos arregalados em choque.
- Harry...
- Rony...
Havia um temor real nos olhos dele quando se viu finalmente cara a cara com os dois amigos à sua frente.

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