O diário perdido



Rony desceu as escadas do dormitório masculino com uma aparência de evidente cansaço; ele coçou com força os olhos e depois bagunçou os cabelos vermelhos, como se tentasse espantar algo. Gina e Hermione, tão exaustas quanto ele, observaram-no se sentar numa das poltronas próximas à lareira cheia de cinzas, onde as garotas também estavam sentadas, esperando-o.

- Como ele está? – Hermione perguntou assim que Rony se sentou. Eles podiam falar abertamente, pois já eram altas horas da noite e ninguém, depois de um dia de aulas cansativo daquele, tinha ânimo para permanecer na sala comunal até tão tarde.

- Ele disse que ia tentar dormir, mas eu não acho que estivesse muito confiante nisso. – Rony disse desanimado. – Quer dizer, eu também teria medo de voltar a dormir depois de sonhar com uma coisa dessas...

Gina, mirando a lareira apagada, escutava a conversa dos dois com metade de sua atenção; a outra metade estava focalizada nos acontecimentos anteriores. Ela admitia que tinha ficado assustada com o sonho de Harry; a maneira como a voz dele soara, naquele momento, era arrepiante... Gina sabia que ele sonhava com essas coisas, mas nunca pensara que fosse tão real para quem visse de fora. Ela ficava imaginando o que estaria passando na cabeça de Harry naquele instante; já fazia quase cinco meses (ela não podia acreditar que fosse tudo isso) que ele enfrentava aquele problema. Sua mente deveria estar uma confusão completa e, agora, esse pesadelo só viera para encher ainda mais sua cabeça de dúvidas.

A garota não sabia o que esperar e tinha até um certo receio do que aconteceria quando Harry recuperasse a memória; no entanto, ela tinha que passar por cima de seus sentimentos. Era imprescindível, em vista desses acontecimentos, que Harry lembrasse quem era. A guerra estava cada vez pior. Gina nem gostava de ler o Profeta Diário, pois era desanimador; todos os dias ele trazia mais notícias de mortes, desaparecimentos e torturas. As notícias menos ruins costumavam ser as que comentavam os esforços inúteis do Ministério tentando ocultar a guerra da vista dos trouxas, o que era bobagem, pois também havia inúmeras mortes, desaparecimentos e torturas entre eles, instalando de vez o pânico nos dois mundos. E mesmo que Voldemort não fizesse alguma aparição há vários meses, Gina temia pelo que poderia acontecer se Harry fosse envolvido em algum perigo envolvendo o bruxo das trevas naquele estado. Ele tinha que voltar ao normal o mais rápido possível.

- Fazia... muito tempo que ele não tinha um sonho desses... – Hermione murmurou lentamente, mordendo o lábio inferior, pensativa. – Você lembra desde quando, Rony?

Houve um silêncio momentâneo. Gina abandonou seus pensamentos e encarou o irmão, que se distraía com um furo no braço da poltrona parecendo imenso em reminiscências.

- Acho que... desde aquele dia... – Rony iniciou incerto. - ...quando fomos ao Departamento de Mistérios por causa do sonho dele com Sirius. Aquela maldita visão. – ele completou selvagemente.

Hermione se remexeu ligeiramente na poltrona. Gina decidiu finalmente falar.

- Depois disso não houve mais nada? Quer dizer, ele não contou mais nada a vocês, não mencionou...

- Harry se tornou muito mais reservado do que já era depois... – Hermione disparou, mas logo parou por um momento, remexendo-se mais uma vez, parecendo incomodada. - ...depois que Sirius morreu. – ela respirou fundo. – Aquilo mudou Harry completamente, no começo ele parecia quase irreconhecível quando voltou no sexto ano. A verdade é que Harry nunca foi um livro aberto e um garoto brincalhão, mas ele se tornou... amargurado. Eu até preferia quando ele gritava com a gente no quinto ano ao invés daquilo. Nunca se podia imaginar o que se passava na cabeça dele quando ele simplesmente focalizava os olhos em alguma coisa e deixava a mente vagar... Mas pelo menos, antes de tudo aquilo acontecer, ele contava muitas coisas para nós, entretanto... – ela suspirou profundamente. – Depois do fim do quinto ano, eu tinha a impressão de que não fora somente a morte do Sirius, algo mais aconteceu... E a verdade é que a coisa que Harry menos passou a fazer foi contar o que acontecia com ele a partir disso. Mas acho que depois nós simplesmente acabamos nos acostumando...

Rony tossiu ligeiramente e também se remexeu incomodado na cadeira, seus olhos procurando fugir das garotas.

- Mas os sonhos... – ele murmurou rapidamente, como se quisesse desviar o assunto para o início. - ...os sonhos...

- Nós saberíamos se ele tivesse mais algum, como hoje. – Hermione completou. – Talvez não possamos saber se ele teve algum quando estava trancafiado na casa daqueles tios dele – é claro, só poderíamos saber esse tipo de coisa se ele realmente nos contasse – mas aqui na escola...

- Não haveria como ele esconder. – Gina concluiu. – Afinal, ele e Rony dividem o mesmo quarto.

- É, eu saberia se ele tivesse algum pesadelo. No quinto ano, Harry chegou a acordar todos no quarto quando teve o pesadelo com papai e aquela cobra no Departamento de Mistérios.

Gina estremeceu com a lembrança. Em uma família tão grande como a deles, numa época de guerra, era um tormento só imaginar o risco que corriam. Percy já tinha partido, e ela nem queria sequer pensar em perder mais alguém.

- Harry chegou a mencionar, que eu me lembre, que voltou a ter aulas de Oclumência, não foi? – Hermione perguntou, num tom de afirmativa. – Você lembra, Rony, no começo do sexto ano, ele chegou a comentar isso conosco... Uma das poucas coisas que nos disse, talvez porque não estivesse contente com as aulas... Nós perguntamos como Snape o aceitou novamente, se parecia tão resoluto a não ter mais aulas no quinto ano, mas Harry desviou do assunto.

- Ele desviou do assunto quando você perguntou um monte de vezes por que Snape tinha desistido das aulas no quinto ano. – Rony retrucou. – Aliás, Harry nunca nos contou isso direito também, não é?

Eles subitamente olharam para Gina, que juntou as sobrancelhas.

- Não olhem para mim, eu estou muito mais confusa do que vocês! – ela replicou na defensiva. – Pra início de conversa, eu nem sei o que vocês querem dizer com “aulas com Snape” e “Oclu-sei-lá-o-quê”.

Rony e Hermione se entreolharam por alguns instantes, suas expressões denunciando claramente a Gina que eles estavam decidindo o quanto poderiam contar à garota. Hermione assentiu algo para Rony e se virou para Gina, que os observava confusa.

- “Oclumência” é como se chama quando um bruxo se defende das penetrações alheias em sua mente. Já “Legilimência” é o contrário, quando o bruxo penetra na mente de outro. Você provavelmente não sabe nada sobre o assunto porque isso só começa a ser mencionado no sétimo ano, e mesmo assim nós não chegamos a aprender a matéria, não como Harry estava aprendendo naquela época, pelo menos.

Gina absorveu a mensagem por alguns instantes, sua cabeça dolorida devido a tantas informações em sua mente. Várias perguntas surgiram, mas a primeira que saiu de seus lábios foi a que mais lhe intrigava.

- E Harry teve que aprender isso por causa de...?

- Voldemort. – Hermione disse categoricamente; um arrepio percorreu a sala, mas ninguém se manifestou contra a pronúncia do temido nome. – Pelo que Rony e eu soubemos, Harry penetrava na mente dele e vice-versa. Isso estava se tornando muito perigoso e Dumbledore mandou que ele tivesse aulas de Oclumência com Snape, para se defender desses ataques. O problema é que Harry não conseguiu aprender direito...

- Também, com um professor como Snape, quem conseguiria? – Rony resmungou. Hermione o encarou com reprovação.

- Harry nunca se dedicou inteiramente, ele não treinava! – ela se voltou para Gina. – Resumindo, ele não conseguiu aprender, pois foi o sonho dele que nos levou até o Departamento de Mistérios naquele dia e quando chegamos lá... você sabe, também estava com a gente.

- O.k. – Gina assentiu pensativa. – Mas se Harry, como vocês dizem, não voltou a ter esses sonhos no ano passado...

- Quer dizer que ele realmente teve aulas e aprendeu a dominar o assunto. – Hermione concluiu. – Mas o que me intriga é como Snape não deu pela falta dele depois que... bem, do jeito que Harry está, ele deixou de ir às aulas...

- Mas e se ele já tinha acabado esse ano? – Rony sugeriu. – E se ele até mesmo desistiu no ano passado mesmo? Explicaria porque ele voltou a ter esses sonhos agora.

- Na verdade... – Gina interveio, tendo uma idéia. – Eu acho que ele teve esse sonho agora porque, assim como com todo o resto, ele não se lembra dessas aulas também.

- É claro, só pode ser isso... – Hermione disse distraída. – Mas o sonho... tudo aquilo que o Harry disse...

- O que ele estava dizendo... – Rony começou incerto. - ...não era ele que dizia, não é? Quer dizer, era o... – ele engoliu em seco. - ...o cara.

Ele não parecia mais tão confiante em repetir o nome do bruxo. Parecia a Gina que, para seu irmão, uma vez no dia tinha sido mais do que suficiente. Ela não poderia culpá-lo; também não gostava de dizer aquele nome, por mais que soubesse que era errado. Ela se lembrou de Harry, que sempre dizia aquele nome sem o menor temor; agora, ele nem sabia direito o peso daquela palavra.

- Sim, era Voldemort, isso estava claro. – Hermione disse. – Mas o que ele disse... aquelas palavras... pareciam significar algo...

- Eu não me lembro de nada direito. – Gina admitiu desanimada. Ela estava tão atemorizada diante daquela visão de Harry naquele estado, que mal conseguiu perceber direito o que ele estava dizendo em meio ao sonho. A expressão de Rony indicava o mesmo, mas Hermione começou a repetir palavras, imersa em divagações:

- Ele mencionou pessoas... “Bella”, “Malfoy” e “Rabicho”... – ela murmurou pensativa. – Talvez eles estivessem presentes no sonho...

Hermione se levantou e começou a caminhar de um lado para outro, levando uma mão à têmpora, massageando-a, como se aquilo a ajudasse a pensar. Rony e Gina se entreolharam, e o garoto rolou os olhos.

- “Bella”, “Malfoy” e “Rabicho”... Ele deveria estar se referindo...

- Sabemos muito bem a quem ele se referia com “Rabicho”. – Rony falou com raiva na voz. – Aquele pulguento do Perebas, humpt.

Gina notou que ele parecia extremamente ofendido. Ela não soube dessa história quando aconteceu, só veio descobrir a verdade quando todos se reuniram na sede da Ordem da Fênix, pela primeira vez, junto com Sirius, há uns dois ou três anos. Foi aí que Rony e Hermione contaram a ela, Fred e Jorge, no início daquele verão nefasto, a verdade sobre Perebas, que já tinham descoberto um ano antes. E Rony decididamente se sentia muito revoltado por ter cuidado daquele rato por tantos anos, para depois descobrir quem ele realmente era.

- Certo. – a voz de Hermione soou, concordando. Ela ainda andava de um lado para outro, freneticamente. – Mas “Bella” e “Malfoy”.

- Não poderia estar se referindo a “Draco Malfoy”, a fantástica doninha quicante. – Rony zombou. – Deveria ser o pai comensal dele.

- Sim, é claro... – Hermione divagou. – Lúcio Malfoy saiu de Azkaban quando a prisão foi invadida ano passado e os dementadores fugiram de vez ao controle do Ministério... Poderia muito bem ser ele naquela conversa... Além disso, Draco Malfoy está aqui em Hogwarts...

Rony riu pelo nariz.

- Malfoy, a doninha ensebada de gel, não tem cacife para estar no meio dos comensais, com o chefe. Ele nem consegue nos perturbar sem Crabbe e Goyle fazendo a guarda do lado dele! Um grande panacão covarde é o que ele é!

- Mas e... “Bella”?

- Bellatrix! – Gina exclamou subitamente, lembrando-se de uma cena distante em Hogsmeade. – Bellatrix Lestrange!

- É claro, Gina, você está certíssima! – Hermione exclamou com um sorriso triunfante, sentando-se de frente à garota. – “Bella” de “Bellatrix”.

- Tá, descobrimos quem estava na sala, mas o que isso pode nos ajudar? – Rony perguntou sem entender. – Eu não vejo como se não sabemos o quê eles diziam!

- Será que você não presta atenção em nada? – Hermione retrucou com seu tom de “sabe-tudo”, pousando seus olhos em Rony de maneira incrédula. – Francamente, Rony!

Gina escorregou um pouco na poltrona, murmurando constrangida:

- Eu também não me lembro...

- Então deve ser um mal de família, toda essa falta de atenção... – Hermione disse, levantando-se novamente, mas seu tom não demonstrava que estava brava com Gina, e ela decididamente viu uma piscadela da garota em sua direção quando ela a fitou pelo canto dos olhos. – Podemos tentar descobrir algo pelas frases que Harry disse, como por exemplo: “Você tinha que ter percebido” e “Você foi útil, finalmente”.

- Você decorou as frases? – Rony perguntou incrédulo. Hermione espantou a fala dele como se fosse uma mosca particularmente irritante, e Gina viu as orelhas do irmão ficarem ligeiramente vermelhas.

- A questão é: o que significam essas frases? – Hermione parou de andar, seu rosto contorcido pelos pensamentos. – A primeira foi para Bellatrix, que eu me lembre, e a segunda, Malfoy. O que Voldemort quis dizer para eles?

- Eu sei o que significa a segunda. – Rony interveio, e Hermione e Gina o encararam ansiosas. – Significa que Malfoy-pai é tão inútil quanto Malfoy-filho.

- Fracamente, Rony! – Hermione exclamou exasperada. – Não é hora para brincadeiras!

- Mas espera um pouco... – Gina murmurou, sua mente formulando pensamentos desconexos. – O que Rony disse faz sentido... – o garoto franziu as sobrancelhas, mas logo depois lançou um sorriso presunçoso a Hermione, que resmungou. - Talvez... talvez o... – ela pigarreou, mas não conseguiu dizer. - ...talvez Você-Sabe-Quem considerasse Lúcio Malfoy um inútil, mas agora... agora, finalmente, ele pode ter feito algo que ajudou.

Hermione deixou a boca abrir, seus olhos se arregalando em espanto.

- Ele pode ter passado alguma infor...

O retrato da Mulher Gorda girou. Ao mesmo tempo, Gina, Hermione e Rony direcionaram suas cabeças para a passagem, imaginando quem poderia estar chegando àquela hora. Ao ver quem era, Rony murmurou desanimado:

- Ah, é só você, Dobby...

Hermione olhou feio para ele, e por um momento Gina pensou que ela voltaria a defender os direitos dos elfos domésticos.

- Oh, Dobby sente muito, muito mesmo! – o elfo exclamou, prorrompendo em desculpas e fazendo uma reverência exagerada. Seu nariz comprido chegou a tocar o chão, e os vários panos de limpeza que ele trazia amontoados na cabeça se espalharam pelo tapete; por sorte, a água dos baldes não derramou, mesmo com tamanha inclinação de seu pequeno corpo. – Dobby mau, Dobby é um mau elfo doméstico! Dobby atrapalha de novo, Dobby mau!

E ele começou a se punir, batendo sua cabeça nos baldes d’água. Hermione correu para arrancá-los dele. Gina se lembrou daquela noite, em que ela e Harry estavam sentados ao pé da lareira. A garota tinha contado a verdade sobre toda a vida de Harry Potter; no final, quando eles estavam quase se beijando, Dobby apareceu e interrompeu a cena.

- Não tem problema, Dobby! – Hermione lutava para acalmar o elfo, numa tentativa inútil, pois mesmo que ela já tivesse arrancado os baldes das mãos dele, Dobby ainda tentava se punir batendo sua cabeça nas pernas da garota. – Nós já deveríamos estar dormindo, você não atrapalhou em nada!

- Dobby sempre atrapalha meu senhor, Dobby não faz nada direito! – o elfo repetia desesperado. Finalmente, Hermione conseguiu segurar suas mãos, e Dobby só não se debatia mais porque parecia um pouco tonto. Seus grandes olhos verdes e redondos estavam bastante fora de foco.

- Anh... e como estão as coisas na cozinha, Dobby? – Rony perguntou lá atrás, tentando desviar a atenção do elfo das coisas que poderiam machucá-lo quando Hermione o soltou, ainda atordoado.

- Isso! – Hermione exclamou, grata por Rony ter mudado de assunto. – Como está Winky?

- Winky... Winky está mais conformada, sim, ela está, senhorita. – o elfo respondeu, as orelhas enormes um pouco mais baixas, ao mesmo tempo em que subia numa cadeira e começava a limpar freneticamente uma mesa cheia de restos de doces espalhados. O perigoso era que ele estava tão distraído que quase derrubou um tinteiro no chão. – Mas Winky continua bebendo às vezes, sim, Winky não consegue parar. Dobby repete, “Winky serve Professor Dumbledore agora”, mas Winky não esquece o amo antigo dela, Winky não esquece, não.

Rony se levantou correndo para apanhar uma garrafa de cerveja amanteigada vazia antes que ela alcançasse o chão. Dobby estava tão distraído limpando, que acabou não notando seu deslize, o que era um alívio, ou então ele começaria a se castigar novamente.

- Dobby, você... – Hermione começou devagar, observando o elfo com o que parecia ser pena aos olhos de Gina. – Você está sentindo falta do Harry esse ano?

Rony ficou paralisado com a garrafa na mão. Gina olhou de Hermione para Dobby; ele parou de limpar por um instante, mas logo depois voltou a esfregar o pano de um lado para outro, no mesmo lugar, jogando pedaços de doces no chão sem querer.

- Dobby não tem visto Harry Potter, não tem visto meu senhor, oh, não, senhorita. – ele disse com a voz aguda. – Dobby sente falta, ah, sim, Dobby sente muita falta do senhor Harry Potter, Harry Potter é muito bom para Dobby, mas Dobby sabe que Harry Potter não pode conversar com Dobby, sim, Harry Potter sempre está muito ocupado...

Houve um estrondo na escadaria para os dormitórios masculinos. Dobby deu um salto, mas logo Hermione, Rony e Gina souberam o porquê; Bichento desceu as escadas correndo, passou pela sala comunal como um raio, e pulou para o colo de Gina num ímpeto. Gina reparou que o rabo de escovinha dele estava um pouco torto.

- Gato maluco... – Rony resmungou, rolando os olhos. Hermione olhou feio para ele.

- Ele só deveria estar perseguindo um rato e provavelmente se assustou com uma besteira qualquer. – ela disse brava. – Ele não é maluco.

Gina acariciou o pêlo laranja do gato, sentindo-o tremer. Enquanto isso, Rony e Hermione ainda discutiram alguma bobagem como de costume, até que todos resolveram ir dormir, deixando a sala comunal vazia, exceto por Dobby, que continuava a limpar, murmurando frases incompreensíveis.




Havia no ar um clima quase palpável de tensão por causa dos N.I.E.M.s que pareciam cada vez mais próximos. Nos corredores e nas aulas, os alunos de sétimo ano estavam com os nervos à flor da pele de tantos deveres e revisões que os professores passavam. Mas para Rony, Hermione e Gina (mesmo que esta estivesse no sexto ano ainda) a situação estava um pouco pior.

Rony tinha a impressão de que sua cabeça estava prestes a explodir tamanha era a tensão ao seu redor. Depois daquela noite na sala comunal, nem ele, Hermione ou Gina comentaram mais nada sobre o que poderia significar o tal sonho. Rony não queria pensar muito; deveria ser algo ruim, disso ele tinha certeza, mas ele sabia que não poderia ser nada mais ruim do que aquilo que ele sabia. No entanto, isso não o consolava nem um pouquinho, pelo contrário, deprimia-o ainda mais, de maneira que nem servir de consolo, servia.

Por outro lado, desde que descobriu que Harry tinha perdido a memória, ele não pôde deixar de sentir um certo alívio. Se alguém ouvisse seus pensamentos, com certeza o acharia maluco; ele podia ouvir claramente Hermione exclamando “Fracamente”, com aquela cara de reprovação que só ela sabia fazer para ele, se soubesse disso. Mas por dentro, apesar da raiva inicial por Harry e Gina terem escondido a verdade, Rony não conseguia parar de pensar que, por causa do acidente, aquilo estava, ao menos, adiado.

A verdade era que ele queria que se adiasse para sempre, o que diminuía e muito seu ânimo para procurar indefinidamente na biblioteca maneiras de fazer Harry reverter à amnésia, coisa que Hermione e até mesmo Gina faziam ainda mais freneticamente depois do sonho.

Ele não era o único que não estava muito interessado na incessante busca. Harry parecia tomar a mesma posição que Rony, mas suas razões eram diferentes; Rony também não estava certo se gostaria de se lembrar de acontecimentos tão terríveis como aqueles da vida de Harry, se pudesse evitar. O amigo também não tocara mais no assunto do pesadelo depois daquela noite, e Rony não percebeu nenhum problema no sono dele nas noites seguintes.

Entrementes as aulas estavam cada vez mais penosas. Rony viu sua montanha de deveres aumentar seriamente de tamanho na semana seguinte. Hermione acabara ajudando-o a transformar sua “montanha” em um “morro” no domingo (ele tinha certeza que ela ficaria com pena dele; no final, era só fazer uma cara de carente e desamparado que ela sempre caía na dele), mas mesmo assim o “morro” voltou a ter um tamanho assustador já na segunda-feira. A aula dupla de Transfiguração foi a pior: McGonagall passou mais deveres do que nos seis anos anteriores juntos, mas a aula da mestra de Transformações nada poderia se comparar à tenebrosa aula de quinta-feira.

Poções deveria ser proibida por lei e Snape mandado direto para Azkaban por ser tão completamente nojento e imbecil, na opinião de Rony. Poções, Snape e uma turma de babacas da Sonserina tudo junto então... isso já era um caso para aurores especializados do Ministério. Ou até da Ordem da Fênix! Rony tinha certeza de que aquela combinação semanal era muito pior do que qualquer tortura inventada pelos bruxos.

Na quinta-feira da semana após o pesadelo de Harry, os três garotos se dirigiam como de costume à gelada e fantasmagórica masmorra onde as aulas de Poções eram realizadas. A única coisa melhor era que, como Rony e Hermione já sabiam o segredo de Harry, este estava um pouco mais à vontade entre eles, o que quase os fazia sentir que tinham voltado aos velhos tempos. E, para o desespero do trio, não seriam “velhos tempos” se não incluíssem discussões com a turma de idiotas da Sonserina à porta da sala de Poções.

- Ei, Weasley! – Draco Malfoy chamou com sua voz arrastada logo que Rony, Hermione e Harry chegaram. Ele e seu grupo de sonserinos que sempre o acompanhavam davam risadinhas, e Pansy Parkinson segurava um exemplar do Profeta Diário. – Já deu uma olhada no jornal, hoje? Pode ser que seu nome fique famoso que nem o do Cicatriz aí, com seu pai panaca aparecendo tanto na mídia!

Rony sentiu seus punhos se fecharem instantaneamente, mas também sentiu a mão de Hermione segurando com o máximo de força que conseguia seu braço direito, tentando impedi-lo de meter seus cinco dedos flexionados bem no meio daquele rosto ensebado de Malfoy. Pansy Parkinson, com um risinho de escárnio, praticamente jogou o jornal na cara de Harry, e ele o apanhou num reflexo rápido, olhando confuso para Rony e Hermione. Os dois leram o artigo por cima do ombro do amigo, um grande título no topo da página onde se podia ler claramente “MAIS TRAPALHADAS NO MINISTÉRIO DA MAGIA” junto a uma foto em preto-e-branco de vários funcionários do Ministério, entre eles (o estômago de Rony revirou horrivelmente) seu pai, Arthur Weasley, bastante destacado.

- Oh, não... isso não... – Hermione murmurou desalentada, enquanto lia o artigo junto com os meninos.

Rony começou a ficar tão revoltado, que nem conseguira se lembrar das palavras certas daquele jornal imundo mais tarde. Só leu, vagamente, que tinha havido uma grande explosão em um trem trouxa subterrâneo (no jornal dizia o nome disso, algo como “metrô” ou coisa parecida), na qual tinham morrido várias pessoas, incluindo até mesmo idosos e crianças. Estava claro que fora alguma obra de partidários das trevas, pois o lugar estava repleto de mascarados com capas, em outras palavras, Comensais da Morte. Houve luta entre eles e aurores do Ministério, o que causou ainda mais danos entre os trouxas, e no artigo do Profeta, seu pai deu algumas palavras para o jornal após o incidente, explicando algumas coisas sobre a situação entre os trouxas e bruxos depois disso. Estava cada vez mais claro para os trouxas o que estava acontecendo, e os obliviadores do Ministério estavam tendo que reverter tantas memórias, que já não se sabia que trouxas se lembravam do que tinham visto e quais não, estreitando perigosamente a relação bruxo-trouxa. O Ministério estava sendo acusado de incompetência e negligência, enquanto seu pai tinha o nome e a foto no artigo, como um dos responsáveis pelo tumulto com os trouxas e claramente chamado de incompetente.

- Aposto que seu pai estava entre os comensais, não é, Malfoy? – Rony disse com selvageria, após ler o artigo e levantar o rosto para fuzilar o sonserino com os olhos.

A turma dele ria sem parar, o que só aumentava sua raiva. Ele sentiu Hermione segurar ainda mais seu braço, mas ela também tremia de fúria reprimida. Harry, ao seu lado, apenas encarava Malfoy com os olhos fundos, sem dizer palavra.

- Não é o nome do meu pai que aparece no jornal, taxado de incompetente. – Malfoy retrucou venenosamente, seus olhos cinzentos estreitos em provocação. – Pelo menos meu pai é útil no que faz.

- Ora, seu merdinha nojento! – Rony gritou, tentando de se desvencilhar de Hermione, vermelha pelo esforço de tentar segurá-lo, e de Harry, que agora também o segurava pelo outro lado, percebendo que a situação estava perigosa. – ME SOLTEM!

- Rony, não vale a pena! – Hermione sussurrou no seu ouvido, desesperada. – Snape vai chegar a qualquer momento!

- Quando esse bando de idiotas finalmente perceber que estão perdendo tempo... – Malfoy dizia lá atrás, quase cuspindo as palavras, seus olhos cinzentos cintilando. Vários outros alunos que chegavam agora encaravam a confusão apreensivos; todos sabiam que a família de Malfoy era muito chegada a Voldemort, isso ficou bastante claro depois do escândalo que colocou Lúcio Malfoy em Azkaban. - ...já vai ser tarde demais para gente da sua laia.

Rony se agitou ainda mais, tentando se soltar, mas Harry o segurava com muita força. Ele não conseguia ver os olhos do amigo, pois eles estavam ocultos por sua longa franja que ele tinha deixado comprida para esconder a cicatriz. Harry, porém, não desgrudava os olhos de Malfoy.

- Os sangues-ruins como a sua namoradinha, Weasley, estão sendo esmagados tal como insetos imundos que são... – ele estreitou os olhos para Hermione de maneira ameaçadora. – E gente que se alia com esse tipo de escória, gente como a sua família ridícula, vai ser eliminada com a mesma crueldade que esses trouxas...

Antes que Rony pudesse aproveitar que Harry o tivesse soltado, o próprio garoto alcançou sua varinha nas vestes e a apontou para o meio da cara de Malfoy tão rápido, que o mesmo não teve nem tempo de abrir a boca tampouco alcançar a varinha antes que fosse atingido em cheio pelo feitiço de Harry.

- Engorgio! – Harry gritou com tanta raiva, que a varinha balançava incerta entre seus dedos trêmulos.

Um jato de luz atingiu em cheio o nariz de Malfoy, mas o feitiço não funcionou muito bem; apesar do nariz fino de Malfoy ter inchado ao tamanho de uma batata, ele também começou a sangrar ligeiramente, o que não era um efeito esperado do feitiço. Rony imaginou que isso tivesse acontecido porque Harry não tinha tanta habilidade para lançar esse feitiço como teria se estivesse normal.

- O que ele fez com você, Draco? – Pansy Parkinson quase atropelou suas amigas para chegar até Malfoy. Ela tentou tocá-lo, mas Malfoy a empurrou brutalmente, segurando o nariz redondo como um pomo de outro e olhando com muito ódio para Harry, que ainda mantinha a varinha apontada, os dedos trêmulos, mas o braço firme. Os alunos próximos acompanhavam a cena praticamente sem respirar.

- Parece... – Malfoy disse em tom lento e baixo, estreitando os olhos para Harry, mostrando um sorriso torto e irônico para ele. - ...que você se esqueceu como se faz isso direito, Potter...

Rony sentiu Hermione apertar tanto seu braço que chegava a doer. Ela enterrou suas unhas na sua pele, tremendo de nervoso dos pés à cabeça. Quando Rony se virou para mandá-la parar, ele viu em seus olhos castanhos que ela estava apavorada depois de ouvir alguma palavra que Malfoy dissera.

- O grande babacão Potter perdeu o jeito, foi? – Malfoy completou num tom sarcástico e ao mesmo tempo de ameaça. – Não consegue nem mais lançar um feitiçozinho bobo como esse direito?

- Cale a boca! – Harry praticamente cuspiu também e, subitamente, ele mandou Malfoy tomar em um lugar tão grosseiro, que até mesmo Rony se chocou. Nem mesmo o antigo Harry teria dito aquelas palavras, mesmo para Malfoy.

- Limpe sua boca imunda, Potter! – uma voz seca e gelada disse às costas dos garotos. Um arrepio subiu na espinha de Rony, ao mesmo tempo em que Hermione fechava os olhos com força, como se não quisesse ver o que estava para acontecer em seguida.

Era Snape.

Ele quase atropelou Neville, que teve que se espremer na parede de pedra, quando tentava passar pela aglomeração de alunos que tinha se formado à porta da masmorra, deslizando como um grande morcegão ameaçador.

- Saia da minha frente, Srta. Patil! – ele exclamou irritado, empurrando Parvati com tamanha selvageria, que a garota só não caiu no chão porque Dino a amparou. Snape parou próximo à confusão, seus olhos negros se arregalando por detrás da cortina de cabelos oleosos quando enxergou Harry ainda com a varinha apontada bem no meio da cara sebenta de Malfoy. – ABAIXE A VARINHA, POTTER!

Demorou ainda algum tempo para que Harry obedecesse. Ele pareceu respirar muito fundo, como se tentasse se acalmar, até que Snape buscasse sua própria varinha e gritasse novamente para que ele abaixasse a varinha. Ao lado de Rony, Hermione murmurava palavras incompreensíveis, ainda agarrada a seu braço com muita força.

Quando Harry finalmente abaixou a varinha, ele virou o rosto para longe de Snape, seus olhos impossíveis de se ver pois permaneciam ocultos pela sua franja negra, que caía sobre eles.

- Cinqüenta pontos a menos para a Grifinória, Potter! – Snape exclamou furioso, ao que retrucaram, todos os grifinórios ao mesmo tempo, contra a injustiça; para todos que assistiram a cena, ficou claro que Malfoy tinha feito muito pior com suas palavras do que Harry com aquele simples feitiço e o palavrão que proferiu na hora da raiva. – CALEM A BOCA, TODOS VOCÊS! – Snape se virou assustadoramente para os alunos que gritavam com ele, indignados. – Agradeçam por não ser pior!

Ele desviou os olhos fundos para Malfoy, que agora fazia uma expressão de fingida inocência e choramingava por causa do nariz de batatão desenvolvido. Os sonserinos se puseram a acusar Harry, a voz aguda de Pansy Parkinson se destacando na confusão:

- Ele atacou Draco, professor! Seria pior se o senhor não chegasse logo!

Rony não conteve um riso de desdém.

- Sua mentirosa estúpida, era Malfoy e vocês que estavam nos atacando desde o começo! – ele exclamou, mesmo sabendo que seria inútil dizer algo àquele panacão idiota do Snape. – Malfoy nos ameaçou, professor, ele xingou Hermione de...

- Seja lá o que ele tenha dito, Weasley, não duvido que seja a mais pura verdade... – Snape retrucou maldosamente, fitando Hermione ainda agarrada ao braço de Rony. Tanto ele, quanto os outros grifinórios, voltaram a explodir em reclamações diante daquilo. Snape os ignorou solenemente.

- Srta. Parkinson, acompanhe o Sr. Malfoy até a ala hospitalar. – o professor mandou secamente. – Madame Pomfrey pode dar um jeito nesse nariz.

Antes de ir embora, Malfoy ainda lançou um risinho sarcástico a Harry, que nem olhou para ele. Todos puderam ouvir a voz estridente de Pansy Parkinson acompanhando Malfoy até o final do corredor e lhe perguntando irritantemente se o nariz estava doendo. Os olhos negros de Snape focalizaram Harry rapidamente, como um corvo à espreita da caça.

- E você, Potter! – um sorriso desdenhoso apareceu em seu rosto; com certeza Snape se divertia fazendo Harry sofrer. – Quero que permaneça na sala depois da aula, para combinarmos sua detenção.

- Detenção? – Hermione exclamou com um fiozinho de voz, seus olhos se arregalando assustados. Rony logo imaginou a razão; qual o tipo de coisa que poderia acontecer em uma detenção com Snape, com Harry naquele estado? – Mas... professor...

- A senhorita poderia fechar essa sua boca grande por um segundo, Srta. Granger? – o professor retrucou ríspido, e Rony teve o ímpeto de mandá-lo para o inferno por falar com Hermione dessa maneira. – Ou a situação do amigo de vocês pode ficar ainda pior!

Harry permanecia em um silêncio absoluto, respirando a longos haustos. Snape mandou que todos os alunos entrassem de uma vez na masmorra, e ninguém se atreveu a demorar nem um segundo a mais com aqueles olhos negros faiscando para eles. Dois minutos depois, todos já estavam acomodados, Rony, Hermione e Harry sentados nos lugares de costume, bem ao fundo da sala. Hermione prudentemente esperou uns bons minutos até que Snape se distraísse passando os ingredientes da poção do dia na lousa, para que pudesse abaixar sua cabeça atrás do caldeirão e sussurrar para Harry, sentando ao lado de Rony:

- Por que você fez aquilo, Harry? Onde estava com a cabeça?

Ele demorou algum tempo para responder; estava muito entretido amassando os pedaços das unhas de dragão para a poção, como se elas fossem a cabeça do Snape.

- Eu só... – ele murmurou desajeitado. - ...não queria que aquele loiro estúpido continuasse xingando vocês dois!

Rony e Hermione se entreolharam. Defender os amigos era uma atitude que o velho Harry teria. Certas coisas sempre seriam as mesmas, Rony pensou consigo. Mas o problema era que agora Harry tinha uma detenção com Snape, e isso era uma grande encrenca.

- Onde você aprendeu o feitiço de engordar, Harry? – Hermione perguntou, e o garoto a fitou intrigado. – Aquele que você lançou em Malfoy!

- Gina me ensinou. – ele explicou, abaixando a cabeça e o tom de voz. – Ela me ensina essas coisas nas aulas de madrugada, vocês sabem.

- E você não aprendeu direito, não foi? – Rony disse, mas deu um meio sorriso em seguida, piscando para Harry. – Se bem que ficou bem melhor no nariz de Malfoy daquele jeito, isso foi.

- Algum problema com o trio maravilha aí atrás? – a voz seca de Snape soou lá na frente. Todos os alunos olhavam para os garotos.

- Nada, professor... – Hermione respondeu, abaixando os olhos. – Eu só estava pedindo um pouco de essência de beladona emprestada...

- Então peça em silêncio, Srta. Granger. – Snape respondeu com um sorriso de desdém que fazia parecer que seu aniversário chegara mais cedo, descontando depois disso mais dez pontos da Grifinória por causa da conversa.

- Ranhoso filho da...

Mas Rony não completou a frase, porque Hermione praticamente enfiou o caldeirão debaixo do nariz dele, mandando-o rispidamente que preparasse logo sua poção em silêncio.




Hermione ainda não conseguia acreditar em quanta coisa ruim podia ter acontecido somente naqueles dez minutos antes da aula de Poções. Agora, ela tinha mais um monte de preocupações na sua lista: sobre aquela reportagem do Profeta Diário, ela nem queria pensar; já tinha assuntos pessoais muito complicados para se preocupar com assuntos que ela, mesmo que tentasse, não poderia resolver. Problemas no Ministério já eram constantes desde o retorno (anunciado ou não) de Voldemort, e artigos maldosos como aquele passaram a ser normais. Pelo convívio com os membros da Ordem, ela sabia que eles tinham coisa mais importante para pensar do que o que se dizia sobre qualquer um deles no jornal.

Mas ela tinha dois grandes problemas em mente. O primeiro e mais urgente era a detenção de Snape. Harry teria que passar um tempo muito grande com ele para que tivesse a sorte do professor não descobrir nada a seu respeito. Aliás, a insistência de Snape em somente punir Harry (mesmo que Hermione soubesse que ele era o mais odiado do professor), intrigou a garota. Era quase como se Snape estivesse esperando aquela chance de estar sozinho com Harry, numa detenção, para observá-lo. E Hermione estava apavorada com essa perspectiva.

Não que ela tivesse a mesma opinião de Rony a respeito de Snape. Hermione tinha certeza de que, se Dumbledore confiava no professor, era porque ele realmente era confiável. Além disso, Snape era um membro da Ordem da Fênix, e diversas vezes provou que estava ao lado de Dumbledore. Ele até tinha tentado salvar a vida de Harry no primeiro ano dos garotos, apesar de odiá-lo. Mas Hermione, ainda assim, sabia também que Snape não era a pessoa ideal para descobrir primeiro o que tinha acontecido a Harry, e principalmente, por Harry, o que aconteceria se o garoto deixasse escapar algo nessa detenção. Do jeito que Snape era implicante, as coisas poderiam se complicar para Harry e os garotos. Se Lupin, por exemplo, descobrisse, era uma coisa; Snape era outra totalmente diferente e bem mais complicada.

Mas apesar disso ser preocupante, não era o maior problema de todos. No começo, quando Hermione, Rony e Gina tiveram aquela conversa na sala comunal da Grifinória sobre o pesadelo de Harry, Hermione tinha tido apenas uma idéia, uma desconfiança. Ficara apavorada simplesmente ao imaginar aquela possibilidade, mas ela não era concreta até então, o que a aliviava de certa maneira. No entanto, agora, depois do que Malfoy dissera, tudo tinha ficado mais claro na mente da garota.

Ela e Rony estavam esperando Harry sair, encostados à parede de frente à porta da masmorra de Poções. Rony ainda resmungava xingamentos para Snape, Malfoy e mais um monte de gente, mas Hermione mantinha sua cabeça vagando em pensamentos.

- Rony... você prestou atenção nas palavras de Malfoy? – ela perguntou lentamente, interrompendo os xingamentos que Rony fazia em voz baixa para a porta de Snape, como se ela representasse o professor.

Ele fitou Hermione incrédulo.

- Pra quê, se tudo que ele diz não passa de bobagem?

- Não, ele não disse só bobagem... – ela murmurou pensativa. – Ele estava passando uma mensagem entre as ofensas que nos lançava.

Rony se virou completamente para encará-la, postando uma mão na parede e observando Hermione seriamente. Ela levantou um pouco a cabeça para encarar os olhos dele, emoldurados por seus cabelos ruivos que estavam um pouco desgrenhados depois de toda aquela movimentação.

- Onde você está querendo chegar, Hermione?

- Você reparou que Malfoy disse a Harry, depois que foi atingido pelo feitiço, que “ele esqueceu como se faz”?

Aquilo despertou algo em Rony. Seus olhos se esbugalharam de surpresa, e Hermione logo soube que ele percebera o mesmo que ela.

- Não... – ele murmurou agitado. – Não, Mione, ele não pode saber! É impossível...

Mas seu tom de voz abalado não demonstrava que ele achava aquilo tão impossível agora que estava juntando dois mais dois.

- Você se lembra, Rony? Do sonho... Harry, ou melhor, Voldemort dizia no sonho que Malfoy tinha sido útil...

- Mas não dá, Mione! – Rony insistiu. – Malfoy não poderia passar essa informação para Vo...

- Não, eu não estou dizendo que ele passou essa informação para Voldemort, não diretamente, pelo menos. Malfoy também disse que seu pai é útil no que faz! Rony, ele contou o que sabe para o pai dele! É claro que Malfoy tem contato com o pai e passa informações daqui de Hogwarts para ele, lá fora! E Lúcio Malfoy passa, por sua vez, para Voldemort!

Rony ficou paralisado por alguns instantes, refletindo sobre a desgraça que aquilo representava. Hermione notou que ele empalidecera e sua boca se entreabriu lentamente. Como ela, ele também percebeu que, se Malfoy tinha descoberto de alguma maneira a verdade sobre Harry, e pior, passado essa informação para o pai, como eles tinham quase certeza, Voldemort já sabia que Harry tinha perdido a memória. E era apenas questão de tempo e oportunidade para que ele se aproveitasse dessa situação.

- Nós... temos que contar, Mione... – Rony balbuciou. – Temos que contar a Dumbledore!

- Sim... não dá mais para adiar... – Hermione disse com a voz fraca, tão apavorada quanto Rony naquele momento. – Dumbledore ou Lupin, acho que os dois são mesmo os mais indicados para contarmos...

Rony passou a mão pelos cabelos, nervoso.

- Nós vamos falar com a Gina primeiro?

- Não temos tempo para isso! – Hermione exclamou. – Nós temos que contar para ele o mais rápi...

A porta da masmorra se abriu e Harry saiu por ela; ele arregalou os olhos ao ver Rony e Hermione parados ali, pálidos e conversando aos cochichos.

- Vocês ainda estão...

- Quem está aí? – uma voz soou atrás dele, antes que Harry pudesse completar a pergunta. Rony e Hermione estremeceram; sabiam muito bem quem era. Snape empurrou Harry para um lado de surpresa, e o garoto cambaleou ligeiramente para trás até se aprumar. O professor fitou os outros dois garotos com frieza. – Estavam tentando escutar a minha conversa com Potter, por acaso?

- Não! – Rony exclamou tão rápido, que apesar de estar falando a verdade, não soou convincente. – Claro que não, professor, nós estávamos...

- Nós estávamos apenas esperando Harry sair, para irmos jantar. – Hermione respondeu sinceramente.

- É, isso não é proibido, é? – Rony disparou imprudentemente.

Snape estreitou ainda mais os olhos negros.

- Então, o que estão esperando, VÃO JANTAR AGORA! – o professor gritou retumbantemente; Rony deu um salto, e os três saíram quase correndo. Mas antes que conseguissem se distanciar o bastante, ainda ouviram a voz de Snape, ameaçadora: - Não esqueça o seu compromisso, Potter.

Harry, muito emburrado, ajeitou a mochila nas costas e não respondeu ao professor. Ele, Rony e Hermione permaneceram em silêncio até subirem para o Hall de Entrada e estarem bem longe do alcance dos ouvidos de Snape.

- E aí, como foi? – Rony perguntou. – Quando vai ser a detenção?

- Hoje, às nove horas. – o garoto respondeu sem emoção, os olhos perdidos. Hermione, diferente dele, arregalou os seus.

- Hoje? – exclamou rouca. – Mas tão rápido?

- Fico impressionado que ele tenha deixado você jantar! – Rony comentou.

Harry riu pelo nariz.

- Eu nem estou com fome, por mim podia ser naquela hora mesmo...

No entanto, Hermione tinha achado o comentário de Rony muito, muito interessante mesmo.

- Você é um gênio, Rony!

- Quem? Eu?

- Que eu saiba só você se chama “Rony” por aqui, não é? – Harry retrucou desanimado.

- Mas é claro, vocês não notaram? – Hermione exclamou. – Snape queria tempo antes da detenção! Não é do feitio dele ser bonzinho a ponto de deixar você jantar, Harry... – ela explicou para o garoto, que olhou para ela de maneira esquisita. – Ele queria tempo antes de estar com você...

Rony olhou para ela com uma careta torta, e Hermione viu claramente quando ele fez um gesto para Harry, indicando que ela era maluca.

Eles entraram no Salão Principal, repleto de alunos famintos que tilintavam talheres, ávidos por um bom jantar depois de um dia cansativo de aulas. Rony lançou um olhar feio para Malfoy na mesa dos sonserinos, mas Hermione não estava mais preocupada com Malfoy; o estrago que ele tinha que fazer já estava feito mesmo. Ela estava mais preocupada com a mesa dos professores.

Harry observava Hermione novamente de maneira esquisita quando ela, ele e Rony se sentaram à mesa da Grifinória, próximos a Neville e Luna, que agora costumava visitar constantemente a mesa da Casa. Rony ainda lançava olhares ferozes para a mesa da Sonserina, como se fosse resolver alguma coisa cozinhar Malfoy num caldeirão, agora (e Hermione sabia que provavelmente algo muito parecido estava passando pela cabeça de Rony). Ela sentiu um frio no estômago quando percebeu que as cadeiras ocupadas por Dumbledore, McGonagall e Lupin (além da de Snape, que provavelmente ainda estava na masmorra) estavam desocupadas.

- Onde estão eles? – ela perguntou repentinamente.

- Eles, quem? – Harry perguntou, se servindo de purê de batatas.

Hermione indicou a mesa dos professores. Rony, que também começava a encher o prato de comida (parecia ter chegado à conclusão que poderia fazer alguma maldade com Malfoy com mais eficácia se estivesse de estômago cheio) fez uma cara intrigada, talvez imaginando o que se passava na cabeça de Hermione.

- Talvez eles ainda não tenham chegado para o jantar, não é? Fique calma, Hermione. – ele recomendou. – Podemos falar com eles mais tarde...

- Falar o quê? – Harry perguntou, observando os dois cautelosamente.

Hermione murmurou a Harry que contaria a ele mais tarde; não era o momento certo para dizer a ele, principalmente quando havia tanta gente à volta deles para escutá-los. Mas ela não conseguiria ficar calma enquanto os professores não chegassem; esperava abordar Dumbledore ou Lupin quando saíssem do salão, e pedir para conversar a sós com eles. Mas, como faria isso se eles não aparecessem para jantar?

- Onde está Gina? – Rony perguntou subitamente, fitando Neville e Luna, que conversavam animadamente.

Neville sorriu para Luna, observando-a com atenção. Hermione olhou para a garota friamente – definitivamente não gostava dela – e por um momento, esqueceu dos problemas enormes que a afligiam e apenas se concentrou em Luna e Rony, observando-os atentamente. Luna abriu um sorriso para Neville e quando falou com Rony, não utilizava mais aquele tom sonhador nem o olhava daquela maneira diferente; Hermione ficou chocada em como Luna pareceu até mesmo normal naquele momento.

- Ela me disse que estava com dor de cabeça e ia subir mais cedo... – a garota encolheu os ombros, seus brincos de rolhas de cerveja amanteigada balançando em suas orelhas. – Mas Gina não me engana, ela estava meio chateada... – e lançou um olhar sinistro para Harry depois disso.

Rony fez uma careta, mas Hermione tinha desistido de prestar atenção na cena; Rony agora crivava Harry de perguntas sobre Gina, o que era idiotice, porque Harry tinha estado com os garotos desde o início do dia. Hermione, no entanto, ainda fitava a entrada do Salão esperançosamente, mas nem Dumbledore, Lupin ou McGonagall apareceram. Muito menos Snape, o que a deixava deveras desconfiada. Decidindo-se num ímpeto, Hermione se levantou, sob o olhar intrigado de Harry. Rony lhe perguntou aonde ela ia, mas a garota não respondeu e seguiu entre as barulhentas mesas da Grifinória e da Lufa-lufa até chegar na mesa alta dos professores e se dirigir até a pessoa que ela achava mais adequada naquele momento.

- Olá, Hagrid!

- Oh, olá, Hermione! – ele respondeu o cumprimento docemente, desviando-se da conversa que estava tendo com a Profª. Sinistra, do Departamento de Astronomia. Ela se concentrou, depois, numa conversa com a Profª. Sprout, o que aliviou Hermione, pois assim ela poderia perguntar o que queria para Hagrid sem se preocupar com outros professores. – Tudo bem?

- Tudo... – a garota mentiu incerta, sabendo que não seria prudente contar tudo o que tinha acontecido a Hagrid, muito menos naquele Salão cheio, ainda que ninguém estivesse prestando atenção neles. – Anh, você sabe onde estão o Prof. Dumbledore, o Prof. Lupin e a Profª. McGonagall?

A expressão de Hagrid ficou séria. Ele olhou Hermione por alguns instantes, como se avaliasse o que deveria contar à garota. Olhando furtivamente para os lados, ele pediu que ela se aproximasse e sussurrou:

- Você sabe... informação confidencial.

- Ora, vamos, Hagrid! – ela exclamou exasperada. – Só diga sim ou não, é algo relacionado... – ela abaixou o tom de voz. - ...com a Ordem?

Hagrid assentiu, ainda olhando furtivo de um lado para outro.

- Algo grave?

Ele assentiu novamente, murmurando “eu não devia estar falando isso”.

- Quando eles vão voltar? – Hermione insistiu.

Hagrid respirou fundo e sussurrou tão baixo, que Hermione precisou fazer leitura labial.

- Na sede... – e ele subitamente pigarreou e aumentou o tom de voz. – Fico feliz que esteja bem, Hermione. O ano de N.I.E.M.s é realmente cansativo, eu sugiro que você, Harry e Rony vão para sua Casa depois do jantar e descansem bastante!

A expressão dele também sugeria que se não fizessem aquilo, ele ficaria muito zangado, e definitivamente ver Hagrid zangado não estava nos planos de Hermione. Ela deu “boa noite” a ele, voltando desanimada para a mesa da Grifinória. Rony disparou a pergunta logo que ela se sentou:

- O que você foi falar com ele?

Ela percebeu que Harry também estava prestando atenção, pois ele levantou os olhos da comida.

- Não poderemos contar hoje... nenhum deles está aqui. – Rony pareceu entender a mensagem, mas Harry, obviamente, fez uma careta esquisita. Hermione encarou-o. – Tem certeza que Snape queria que você fosse lá hoje?

- Foi o que ele me disse. Para eu estar lá às nove horas.

Rony também parecia intrigado quando fitou Hermione.

- Por que está perguntando isso, Mione?

- Porque Snape não deveria ter marcado a detenção para hoje... Os horários... não batem... – ela sabia que estava soando tão maluca quanto Loony Lovegood naquele momento, mas não estava se importando. – Quer dizer, ele tem que ir à...

E uma questão surgiu em sua mente já perturbada com tantos pensamentos: como Snape estaria presente na detenção com Harry se havia uma reunião da Ordem da Fênix no Largo Grimmauld no mesmo horário?

- Nós precisamos subir para a sala comunal. – Hermione disse de supetão.

- Mas nós nem terminamos de comer! – Rony reclamou com a boca cheia de batatas.

- Não dá tempo, vamos agora!




Gina levou uma mão à têmpora, suspirando profundamente. O que ela precisava não era de uma poção de Madame Pomfrey contra dor de cabeça, como Neville sugerira à mesa da Grifinória, mais cedo. Ela queria mesmo alguma poção que a fizesse deixar de ficar tão chateada com tudo aquilo, mas sabia que isso não era possível.

Ela chegou ao terceiro andar, procurando algum atalho que a levasse mais rapidamente ao sétimo, onde ficava a Torre da Grifinória. No entanto, antes que chegasse aonde queria, ouviu vozes sussurrantes e sigilosas se aproximando, que ela sabia: não deveria estar escutando.

- Mas a reunião, Severo... – disse uma voz cansada, que Gina reconheceu logo como a voz do Prof. Lupin. – Não podemos deixar de ir...

- Mas isso é mais importante! – a voz rascante de Snape interveio. – Lupin, é o que estávamos esperando há tanto tempo!

Gina arregalou os olhos. Lupin e Snape, conversando? Pelo que ela sabia, eles eram inimigos desde os tempos de escola, apesar de ambos estarem do lado de Dumbledore. Aquilo não fazia sentido. Gina procurou alguma estátua ou armadura para se esconder, mas não havia nenhuma por perto. Ela desceu alguns degraus da escada, para fingir que estava subindo quando os professores aparecessem – era o único jeito.

- Estou dizendo, Dumbledore vai desconfiar... – Lupin disse num tom ainda mais sigiloso. – Nós deveríamos fazer isso às claras, Severo, não dessa maneira... Eu não concordo com o que você sugeriu de nós...

- Ora, não seja estúpido, nós teremos que falar com Dumbledore de qualquer maneira, Lupin! – Snape parecia impaciente. – Você só está relutando porque...

- E você está sendo teimoso, Severo! – Lupin, inacreditavelmente, estava começando a perder a calma. – Eu digo que há outras maneiras de...

Mesmo sabendo que aquilo aconteceria, Gina tremeu dos pés à cabeça quando sentiu os olhos dos professores a encararem com desconfiança quando pararam de chofre, no alto da escada, ao enxergá-la ali. Ela estava fingindo que subia, e os encarou tentando demonstrar uma educada surpresa.

- O que está fazendo aqui, Srta. Weasley? – Snape perguntou rispidamente, provocando um arrepio na espinha de Gina. Lupin a observava pensativo.

- Eu só... – ela mentiu, sentindo um bolo na garganta. - ...estava subindo para minha Casa.

Lupin mostrou um sorriso bondoso a ela, mas os olhos dele demonstravam um brilho astuto. Snape, por sua vez, estava lívido.

- Então suba de uma vez! – o professor de Poções mandou com um grito ressonante que fez Gina dar um salto.

Ela passou quase correndo pelos professores, mas ainda percebeu, pelo canto dos olhos, o olhar estreito de reprovação que Lupin lançava a Snape. A última coisa que ela ouviu da conversa dos dois foi a voz de Lupin:

- Sinceramente, não entendo porque você sempre tratou as pessoas dessa maneira, Severo. Ela é apenas uma menina...

- Ora, cale a boca, Lupin!

Gina sentiu a cabeça doer ainda mais depois de entreouvir aquela conversa. Agora, sua mente fervilhava em pensamentos, e ela tentava compreender aquelas palavras sem sentido dos dois professores. Primeiro, era estranhíssimo ver os dois juntos, ainda mais combinando algo, como pareciam estar. Afinal, Gina já tinha tido provas que os dois se odiavam (já presenciara discussões dos dois no Largo Grimmauld, principalmente depois que Sirius morrera) e também sabia que eles eram inimigos do passado. E fosse o que fosse que os dois combinavam, Dumbledore não estava ciente...

Ela finalmente chegou à Torre da Grifinória e murmurou cansada a senha para a Mulher Gorda, que demorou em abrir a passagem pois estava tomando chá com sua amiga Violeta. Gina entrou na sala comunal, vazia àquela hora (todos estavam se fartando no Salão Principal), e subiu depressa as escadas para os dormitórios femininos. Ela apanhou, em seu quarto, o seu velho diário, pensando em descarregar alguns de seus pensamentos desconexos nele, já que não tinha uma Penseira que a ajudasse. Ela voltou a descer para a sala comunal, deitou-se num sofá perto da lareira acesa e começou a colocar no papel tudo que a atormentava.

Mas, para sua surpresa, ela não teve sossego por muito tempo. Antes que terminasse de escrever a primeira página, a passagem do retrato girou novamente, e por ela entraram (Gina franziu as sobrancelhas) Harry, Rony e Hermione.

- Vocês não deveriam estar jantando? – Gina perguntou intrigada, sentando-se rapidamente e depositando o diário fechado sobre uma mesinha que ficava ao lado do sofá.

- Você também, não é? – Harry fitou-a astutamente, mas depois lhe mostrou um sorriso e se sentou numa poltrona perto do sofá de Gina. Ela gostou daquele sorriso, apesar de ainda estar se sentindo um pouco estranha com Harry; desde o retorno do Largo Grimmauld, era como se ele estivesse um pouco distante dela. E Gina não estava mais acostumada com isso.

Rony olhou de Harry para Gina, e depois se sentou ao lado da irmã, encarando-a como se a acusasse de alguma coisa.

- Luna disse que você estava chateada. – ele disparou como uma bala.

Hermione se sentou numa poltrona de frente a Gina, sua expressão bastante preocupada, embora ela observasse o teto pensativa.

- Vocês falaram com Luna?

- Por que você está chateada?

- Eu não pensei que vocês falassem com Luna.

- Mas ela é sua amiga, não é? – Harry perguntou, como se tentasse confirmar uma suspeita.

- Ela é.

- Por que você está chateada? – Rony repetiu a pergunta, como costumava fazer quando estava ávido por saber algo, e isso sempre era irritante.

- Eu não estou chateada! Que saco! – Gina respondeu nervosa. – Luna só vê coisas demais, esse é o problema.

- Mas você não foi jantar, você não pode ficar deixando de co...

- Dá pra fechar a matraca, Rony? – Hermione perguntou com grosseria, fitando o garoto com um olhar igualzinho ao da Profª. McGonagall. – Nós temos assuntos mais importantes a tratar!

Harry olhou para Hermione com um ponto de interrogação na cara. Rony, por sua vez, imediatamente emburrou a cara e cruzou os braços, suas orelhas ficando vermelhas instantaneamente. Gina sentiu um assomo de gratidão por Hermione, mas achou estranha a atitude dela. A garota se virou para Gina e praticamente cuspiu as palavras:

- Eu e Rony chegamos a uma conclusão.

- Da última vez que vocês fizeram isso, as coisas ficaram um pouco... tumultuadas. – Gina murmurou pressurosa. Ela viu Harry fitar os próprios tênis, pensativo.

- Mas a culpa foi de vocês dois... – Rony claramente acusou Gina e Harry, apesar de estar observando a lareira como se quisesse explodi-la, tal era seu aborrecimento com, provavelmente, Hermione.

Harry estava abrindo a boca para dizer algo, quando a voz de Hermione se sobrepôs a dele.

- Vamos parar de ficar nessa de culpar os outros, essa história já passou. – ela falou num tom que não sugeria que fosse aceitar discussões. – Não estamos aqui para falar disso agora.

- O que aconteceu? – Harry perguntou de supetão, encarando Hermione e depois Rony. – Vocês ficaram muito estranhos depois da aula.

Gina estava começando a ficar curiosa. Rony parou de encarar a lareira e virou o rosto para Harry.

- Ah, você não nem imagina o tanto que perdeu, cara...

Hermione suspirou, rolando os olhos.

- Alguém pode me explicar direito o que houve? – Gina perguntou, agora preocupada com a atitude estranha dos três. Ela focalizou Hermione. – Ou vocês vieram aqui só pra me deixar boiando na história?

Hermione respirou muito fundo antes de começar. À medida que ela contava o que tinha acontecido na aula do Snape, os olhos de Gina se arregalavam até tomarem o tamanho de laranjas. Ela não podia estar falando sério! Aquilo tudo não podia ter acontecido, era inconcebível que acontecesse. Quando Hermione chegou no ponto em que Harry disparou um feitiço em Malfoy (Rony soltou um comentário de aprovação), Gina achou que já era o bastante.

- Por que você fez isso?

Harry parecia surpreso com a indignação de Gina.

- Oras, não me digam que não era o que vocês todos gostariam de fazer também? – ele perguntou na defensiva. – Eu não preciso me lembrar dele antes para perceber que ele é um completo babaca!

- Apoiado! – Rony exclamou desnecessariamente. – Eu também bem que gostaria de tê-lo mandado tomar bem no meio do...

- Você não precisa dizer claramente aonde Harry o mandou tomar. – Hermione disse seriamente. – Mas seria melhor que você tivesse feito isso; se você, Rony, estivesse em detenção hoje com Snape estaríamos menos encrencados.

- DETENÇÃO? – Gina exclamou rouca, estupefata com aquela informação. Ela não percebeu que tinha se levantado quando olhou furiosa para Harry. – Como você está em detenção com Snape? Hoje?

Harry sustentou o olhar de Gina.

- E daí, o máximo que ele pode fazer é me mandar limpar alguma daquelas coisas gosmentas na sala dele, não é? O que tem de mais?

Rony soltou um som de nojo.

- Sinceramente, eu não gostaria de fazer nada perto do Snape.

- Harry... – Hermione disse pacientemente. – Se você ainda não notou, Snape te odeia.

- Eu notei. – ele respondeu rapidamente, com uma cara emburrada.

- Snape não é burro. – Gina falou preocupada, começando a andar de um lado para outro. Nem ela mesma entendia porque estava começando a ficar tão furiosa com Harry. – Ele vai te atormentar a detenção inteira e te crivar de perguntas! Ele vai descobrir!

- Diante do que eu e Rony percebemos hoje... – Hermione disse sombriamente. – Apesar de Snape não ser exatamente a pessoa certa, não sei se era até melhor que ele descobrisse logo o que aconteceu com o Harry. Quero dizer, ele é um membro da Ordem da Fênix, afinal.

Rony virou seu rosto tão rápido para Hermione, que Gina teve a impressão de que ele tinha deslocado o pescoço.

- Pirou, Mione? Logo o Snape? Nós tínhamos que contar para o Dumbledore, isso sim!

- Mas ele não está aqui, Rony, quantas vezes vou ter que repetir?

- Esse não é o problema! – Gina exclamou enfurecida, sem dar toda a atenção que deveria à conversa de Rony e Hermione. – O problema é que Harry está em detenção com Snape! – ela se virou para ele, sentindo o corpo quente de fúria. Ela não sabia por quê, mas parecia que um pouco daquela... mágoa, ou seja lá o que fosse que ela estivesse sentindo por Harry estar distante com ela, estava aflorando agora, fazendo-na explodir de raiva. – Onde você estava com a cabeça?

Harry rapidamente se levantou e foi um movimento tão rápido, que aos olhos de Gina fora um tanto impressionante. Só naquele momento ela pareceu notar o quão ele era mais alto que ela, tanto que ela precisava inclinar a cabeça para mirar os olhos verdes dele que, naquele momento, cintilavam perigosamente.

- O que deu em você, digo eu! – agora era ele que estava indignado. – Qual é, Gina, agora a culpa é minha se aquele loiro idiota é um panaca ou se esse professor maluco me odeia? Só porque eu não estou normal, como você dizem, não quer dizer que eu não possa tomar atitudes! Ou você acha que tem a obrigação de fazer tudo no meu lugar?

Foi como se Gina tivesse levado uma bofetada. Houve um silêncio tenso depois dessas palavras, e tudo que se podia ouvir era o crepitar sonolento da lareira. Por um instante fugaz, Harry e Gina apenas se encararam. A garota percebeu que Harry respirava muito rápido. Ele piscou rapidamente, parecendo um pouco transtornado, e saiu de perto dela, caminhando até a janela.

Ela fechou os olhos, nervosa, e quase sentiu Hermione se aproximar dela, por trás, mas antes que a garota pudesse colocar uma mão em seu ombro, como estava prestes a fazer, Gina explodiu. Havia algo venenoso dentro dela, que a estava fazendo mal, e ela deixou que vazasse naquele momento. Não tinha certeza se era o certo, mas ela não pensou naquela hora. Ela só sabia que tudo que ela estava tendo que suportar, todo aquele peso que estava nas suas costas desde aquele dia horrível, quando Harry tinha batido a cabeça e perdido a memória, desabou exatamente após aquelas palavras do garoto.

- Eu não... – com raiva, ela percebeu que sua voz estava saindo embargada. – Eu não estou tentando... eu... EU NÃO QUERO FAZER AS COISAS NO SEU LUGAR!

Ela sentiu quando Hermione deu um salto para trás após Gina gritar. Ela ouviu quando Rony se levantou rapidamente do sofá. Mas ela não estava se importando que os dois estivessem ali, era até bom que eles também ouvissem o que estava acontecendo com ela. Ela observou as costas de Harry (ele nem tinha se dignado a se virar para vê-la).

- Se você não percebeu ainda eu só estava tentando te ajudar! – ela gritou, sentindo lágrimas formarem no canto de seus olhos; ela fez força para mantê-las ali, não se perdoaria se Harry a visse chorar. – Mas não, você é egoísta demais para perceber, não é?

- Gina... – a voz de Hermione soou inútil, pois Gina já começara a gritar novamente.

- Não importa o que tenha acontecido, você nunca vai perder esse seu maldito traço de orgulho e independência, não é? – ela acusou, sua voz saindo estridente e histérica. – Não... não, você nunca vai deixar de ser o grande e auto-suficiente Harry Potter!

Ele ainda permanecia de costas, mas Gina nem se importou; aquela maldita pancada não o deixara surdo, e o que ela queria era que ele a escutasse.

- Sempre arrogante demais para perceber o que as pessoas sentem à sua volta, você nunca se preocupou em se colocar no lugar dos outros! E não importa que você tenha se esquecido disso, porque você continua do mesmo jeito! Sempre achando que os seus problemas são os maiores do mundo, você não percebe que as outras pessoas também sofrem!

Houve uma pausa em que Gina apenas tomou fôlego.

- Eu não queria que isso tivesse acontecido, por que você teve que bater a cabeça naquele dia? Por que você teve que tentar me ajudar? Por que tinha que ser eu lá? – Rony soltou um suspiro profundo. – De todas as pessoas, por que tinha que ser justo eu? Por que você não podia ter continuado a ser o mesmo Harry Potter de sempre e simplesmente ficado longe de mim, como sempre foi?

Ela parou de falar, exausta, soltando um longo e desalentado suspiro. Sentiu, finalmente, aquelas lágrimas que tinham se formado em seu rosto deslizarem quentes por ele; temendo que alguém a visse, ela bateu os pés até o outro lado da sala, em um canto mais escuro, e as secou discretamente, esfregando os dedos no rosto. Ela sentiu as mãos quentes e acolhedoras de Hermione em seus ombros.

- Gina... – a garota murmurou, e incapaz de dizer mais alguma coisa, ela apenas deixou escapar mais alguns sons ininteligíveis, parecendo atordoada. – Gina, você...

Gina arriscou olhar de esguelha para trás; ela não sabia por quê, mas precisava saber o que tinha acontecido com Harry após aquelas palavras. Felizmente, seu olhar não cruzou com o dele. Harry finalmente tinha saído da janela, mas Gina não conseguir enxergar seus olhos, ocultos pela longa franja. Rony, mais ou menos no meio da sala, parecia estupefato e dividido entre olhar para Harry ou Gina. Ele pareceu se decidir por Gina, e a encarou pasmo; um pouco atrás dele, Harry caminhou lentamente, observando, ao que parecia, o fogo crepitando na lareira. Gina se virou novamente, e Hermione se colocou à sua frente, tentando fitá-la nos olhos. Parecia preocupada, mas essencialmente chocada.

- O que... aconteceu... dentro de você? – ela sussurrou de mansinho.

Gina fechou os olhos, balançando a cabeça. Nem ela saberia explicar ao certo. Tudo tinha desabado tão completamente sobre ela naquele instante, que ela não mediu palavras. Disse tudo que estava entalado em sua garganta, desde aquele dia terrível, desde... ela não saberia também dizer ao certo. Gina tinha juntado todas as suas mágoas a respeito de Harry: as palavras que ele tinha acabado de lhe dizer, a estranha distância dele atualmente... o fato de que ele nunca a viu como ninguém a mais que a irmã do melhor amigo, o fato de que ele nunca a notou, nunca a olhou... Ela não sabia se era o direito dela culpá-lo, principalmente agora que ele não se lembrava dessas coisas, mas ela não suportou mais guardar aquilo só para si. Ela não sabia como aquilo tudo tinha surgido à tona, tão de repente, e não acreditava que tivesse dito aquelas coisas. Mas ela tinha dito, e agora o peso disso também desabava sobre ela.

Ela ouviu o barulho do retrato girando para abrir a passagem. Quando se virou, ao mesmo tempo em que Hermione, as duas puderam enxergar Harry saindo intempestivamente da sala. Gina percebeu – o peso sobre ela aumentando – que talvez tivesse ido longe demais. Rony voltou a se sentar no sofá, suspirando desanimado. Ele olhou para Gina profundamente desapontado.

- Por que você fez isso?

Gina não sabia o que responder. Sua boca ficara estranhamente seca, e as palavras não saíam dos seus lábios, por mais que ela tentasse. Ela sentiu o peso das mãos de Hermione abandonando seus ombros, e a garota caminhou lentamente pela sala, cruzando os braços e encarando com desânimo a passagem do retrato. Ela parecia sem palavras. A voz de Rony, no entanto, soou mais desapontada ainda:

- Você não o esqueceu, essa é a verdade.

Gina arregalou os olhos. Hermione se virou bruscamente para encarar Rony. Ele parecia desanimado; observava um ponto no tapete como se visse muitas coisas ali, como se tudo estivesse ficando mais claro agora.

- É claro... eu fui estúpido de pensar que você definitivamente tivesse esquecido Harry.

- O que... o que você está dizendo, Rony? – Gina perguntou fracamente, sentindo o rosto um pouco quente.

É claro que ela sabia que a sua queda antiga por Harry não tinha passado despercebida pelo irmão e muitas pessoas, mas Rony nunca tinha mencionado isso. O que chegou mais perto foi aquele dia, no Expresso de Hogwarts, no retorno para as férias de verão, após o quarto ano de Gina. Rony tinha dito algo como “escolha alguém melhor da próxima vez” e olhado para Harry em seguida. Depois disso, ele às vezes brincava com Gina e Harry, lançava indiretas que a deixavam irritada, porque Gina também tinha achado que esquecera Harry naqueles tempos, antes de toda essa reviravolta em sua vida. No entanto, depois de um tempo, Rony mudou sua postura e até parecia furioso quando percebia alguma aproximação entre Harry e Gina. A garota supunha que era porque o irmão brincava, mas nunca achara realmente possível que um dia pudesse acontecer algo entre sua irmã e seu melhor amigo. De fato, nada chegou a acontecer, exceto que Gina se apaixonara novamente – e dessa vez com maior intensidade – por Harry. Mas era totalmente estranho aos seus ouvidos escutar Rony afirmando para ela que Gina não tinha esquecido Harry.

- Estou dizendo... – o garoto murmurou um pouco constrangido, fugindo dos olhos da irmã. - ...que ficou bastante óbvio que aquela quedinha que você tinha por ele quando era mais nova agora é para valer.

Gina definitivamente sentiu seu rosto ferver; ela não sabia se era de vergonha por seu próprio irmão estar lhe dizendo aquelas coisas ou se era de raiva mesmo por ele ter tido o topete de dizer aquilo na sua cara. Hermione olhou de Rony para Gina, e esta quase sentiu que ela sorriria se o momento não fosse delicado. Antes que Gina pudesse retrucar, Hermione se sobrepôs a ela.

- Não acho que seja de nossa conta, Rony, discutir isso com Gina...

- Ah, Hermione... – Rony reclamou revoltado. – Francamente! – ele completou, imitando-a e se jogando no sofá, irritado.

- Não vá bancar o irmão ciumento agora, tá bem? – ela retrucou aborrecida. – Nunca foi do seu feitio...

- Isso porque eu não sou ciumento, pombas! – Hermione o encarou argutamente. – Se eu implico um pouco é por causa de... – ele subitamente parou, parecendo assustado com o que ia dizer. Hermione piscou, franzindo as sobrancelhas. – Ah, deixa pra lá...

E ele emburrou a cara, encarando o teto. Gina o conhecia bem o suficiente para saber que Rony não diria mais nada por um bom tempo. Hermione suspirou longa e profundamente.

- O fato... é que eu acabei não dizendo o que eu queria dizer. – ela lamentou. – E agora Harry não está aqui e não vai saber...

- O que você ia dizer, afinal? – Gina perguntou distraída. Hermione, no entanto, fitou-a seriamente.

- A conclusão que tínhamos chegado... e que eu estava tentando contar... é que eu, você e o Rony não somos os únicos que sabemos o segredo do Harry.

Repentinamente, Gina ficou tensa. Rony se sentou, observando Hermione. Ela suspirou novamente, parecendo mais cansada do que em época de exames.

- Você não está falando sério, Hermione... – Gina disse lentamente, mesmo que soubesse que Hermione não era a pessoa mais brincalhona do mundo. – Isso... não pode ser...

- Mas é, Gina. A pior pessoa que poderia saber disso descobriu a verdade também.

- Quem foi? – Gina perguntou, com medo da resposta.

- Draco Malfoy.




Várias horas já tinham passado depois da bombástica revelação de Hermione. A sala comunal da Grifinória já tinha se enchido e se esvaziado novamente de alunos de barulhentos, alunos que estudavam para os exames, que faziam seus deveres de casa ou que simplesmente jogavam uma partida de Snap Explosivo totalmente alheios à interminável conversa séria que Gina, Rony e Hermione estavam tendo. Os três, aos cochichos, discutiam aquela nova (e assustadora) descoberta.

A conclusão definitiva que chegaram era que Dumbledore tinha que saber a verdade. Já estava mais do que na hora. Ao mesmo tempo em que os três discutiam isso, Voldemort poderia estar tecendo planos inimagináveis, aproveitando-se da atual situação de Harry, e seria culpa dos três se algo acontecesse a ele. Várias vezes, um deles lembrava que era impossível Voldemort fazer algo a Harry em Hogwarts – bem debaixo do nariz de Dumbledore – mas sempre um dos três lembrava em seguida que o nariz de Dumbledore não tinha impedido que Harry se metesse em encrencas em todos os quase sete anos que estava em Hogwarts.

Àquelas alturas, Gina já tinha passado da simples sensação de que tinha falado demais para o completo arrependimento. Ela, Rony e Hermione esperavam Harry voltar da detenção com Snape, imaginando, impotentes, o que poderia estar acontecendo lá na masmorra, mas Harry ainda não tinha voltado. Parvati e Lilá, que liam excitadas o horóscopo lunar delas (dever de casa de Adivinhação), foram as últimas a subir, dando boa noite aos três garotos, e com isso a sala comunal tinha esvaziado novamente – e nenhum sinal de Harry.

Rony deitou a cabeça no colo de Hermione e acabou pegando no sono. Ela e Gina ainda ficaram conversando por muito tempo, mas enfim, Hermione também acabou dormindo, mesmo que estivesse tentando reprimir isso desde as onze e meia da noite; a garota pousou a cabeça sobre o tronco de Rony, e os dois começaram a respirar no mesmo ritmo, imersos em um sono tranqüilo. Gina os observou por algum tempo, sentindo uma pontinha de inveja; Rony e Hermione faziam um belo quadro juntos, apesar de sempre estarem às turras quando acordados. E, afinal, as brigas deles acabaram não impedindo o relacionamento – por mais conturbado que fosse – dos dois. Gina ficava imaginando se algum dia teria algo, efetivamente, com Harry (mesmo que fosse uma relação conturbada, como a de Rony e Hermione) – mas depois de dois minutos, ela já estava se xingando pelo pensamento idiota. Era óbvio que isso nunca aconteceria. Harry era cego demais para enxergá-la e ela, Gina, estúpida demais para abrir os olhos dele. Tinha vezes que Gina imaginava como seria se Harry não existisse para que ela não sentisse tudo o que sentia por ele. Mas ela não conseguia imaginar o mundo sem Harry, ao mesmo tempo.

Passou mais uma hora... duas... Gina estava começando a entrar em pânico. Onde Harry poderia estar? Com certeza a detenção deveria ter acabado... Ou será que Snape estava descontando todos os anos de ódio sobre Harry, mantendo-o todas aquelas horas trabalhando? Ou então... Snape tinha finalmente descoberto. Gina já não sabia se isso era uma coisa ruim ou não; como Hermione dissera, ao menos Snape era um membro da Ordem e Dumbledore confiava nele. A verdade – Gina teve que admitir – era que ela não sabia mais de nada.

- Mione... – Gina chamou a amiga, cutucando-a de leve. Hermione, com os olhos turvos de sono, levantou a cabeça alguns centímetros e mirou Gina um tanto quanto descabelada. – Já passou das duas horas, vá dormir no quarto...

- Mas... – Hermione esfregou os olhos. – Harry ainda não voltou? – ela perguntou lentamente, completamente embriagada de sono. Gina sorriu pelo estado da importante monitora-chefe.

- Não... Snape deve estar atormentando-o... Que novidade, não? – ela ironizou.

Hermione abriu um leve sorriso, sentando-se ereta e esticando-se, como se estivesse enferrujada. Ela balançou levemente Rony em seu colo, sussurrando em seu ouvido com carinho que já era hora de ir dormir. Gina sorriu ao vê-los.

Rony se sentou, parecendo mais um zumbi do que qualquer outra coisa, e perguntou incoerentemente para Gina:

- Nós vencemos... – ele bocejou longamente. - ...o campeonato?

Gina não sabia exatamente a que ele estava se referindo; pensou em quadribol, talvez Rony estivesse sonhando com aquilo. Se ela não estivesse tão cansada, sorriria, mas ela apenas se limitou a responder:

- Sim, Rony, agora suba para o seu dormitório.

Ele não foi sozinho; Hermione, que estava um pouco melhor do que ele, mostrou o caminho para a escada dos dormitórios masculinos e deixou-o lá. Quando passou por Gina para lhe dizer boa-noite, ela brincou, dizendo que se Gina ouvisse algum barulho, era certeza que Rony tinha decidido dormir nas escadas mesmo. Gina sorriu e respondeu a Hermione que já ia subir quando a garota fez a pergunta, ao pé da escada dos dormitórios femininos. Não demorou para que o barulho de passos desaparecesse.

Gina suspirou longamente, sentou-se no sofá onde estavam anteriormente Rony e Hermione, e decidiu continuar esperando por Harry. Ela sabia que estava tarde, mas ainda assim tinha uma enorme urgência de conversar com ele assim que chegasse – talvez até pedir desculpas pelas palavras grosseiras que disse mais cedo. Ela se deitou no sofá, pensativa, e achou que seria uma boa hora para escrever, apesar do sono que começava a dominá-la – ao menos escrever a manteria acordada, ou pelo menos ela esperava que assim fosse.

A garota tateou a mesinha ao lado do sofá, à procura do diário, mas não o sentiu ali. Intrigada, ela se apoiou nos braços, deitada de bruços, e encarou a mesinha. O diário não estava ali.

Um pânico irracional tomou conta da garota e até a despertou. Aquele diário... ele estava naquela mesinha antes, com certeza. Ela não poderia ter-se enganado, poderia? Ela tentou se lembrar se o trocara de posição durante todas aquelas horas, mas sua cabeça tonta de tantos pensamentos e preocupações não a ajudava, definitivamente. Ela começou a ter pensamentos horríveis; se alguém lesse o que estava naquele diário... não era apenas a confissão de toda a sua vida, seus sentimentos por Harry... Havia muita coisa naquele caderno que incriminava várias pessoas; Rony e Hermione por exemplo. Havia assuntos da Ordem da Fênix naquele caderno, assuntos familiares, conversas que tinham acontecido no Largo Grimmauld! E também... havia toda a história da perda de memória de Harry. É claro, o estrago já tinha sido feito por Malfoy, mas mesmo assim Gina não queria que essa história se espalhasse por toda a escola; imagine o que Harry teria que passar se isso acontecesse! E se vazasse para fora dos muros de Hogwarts... Harry era famoso... aquilo ia dar uma confusão de proporções estrondosas!

Gina tentou se acalmar. Talvez ela tivesse levado-o para o dormitório, ela tinha ido lá durante todas aquelas horas que passara esperando Harry. Ela procurou o diário atrás do sofá, debaixo das cadeiras, mas não encontrou nada. Ele não tinha caído, não estava ali. Ela voltou à teoria de que tinha levado o diário para cima. Quase subiu as escadas do dormitório feminino para ir procurá-lo no seu quarto, mas acabou desistindo. Esperara tanto tempo por Harry, esperaria um pouco mais.

Enquanto isso, deitada ali naquele sofá, encolhida de frio, ela tentou refazer todos os seus passos naquela noite, tentando lembrar onde estava o diário. Ela desejou ter um Lembrol, ou qualquer objeto mágico que a ajudasse a se lembrar. Ela pensou tanto, que não soube por quanto tempo ficou ali, no sofá, fitando a parede oposta. Sua mente começou a ficar vaga... ela não conseguia mais pensar direito... o silêncio a envolveu como uma cortina soporífera. Ela tentou se manter acordada, mas a exaustão finalmente a venceu.

Ela sonhou que estava nos jardins de Hogwarts, espetacularmente brilhantes e floridos. Era uma magnífica tarde de verão, e ela não poderia estar mais feliz. Não estava sozinha – ninguém menos que Harry estava com ela. Ele parecia tão contente; sorria para Gina com aqueles belos olhos verdes cintilando ao olhá-la. Harry a conduzia pela mão, rindo e dizendo palavras doces a ela; Gina ria também, nunca desviando os olhos dele... Sentia-se plena, feliz como jamais fora... eles riam juntos, caminhavam de pés descalços sobre a grama molhada de orvalho... Gina estava hipnotizada por aqueles olhos... Harry se aproximou dela, ainda sorrindo, inclinou-se ligeiramente... beijou sua testa com ternura... acariciou seu rosto... ela não queria acordar...

Parecia que tinham passado apenas cinco minutos, mas quando Gina se sentou assustada no sofá e viu o sol nascendo pela janela, ela teve certeza que fora muito mais do que isso. Ela olhou à sua volta assustada; não podia acreditar que tinha dormido no sofá da sala comunal! Harry provavelmente tinha chegado da detenção e, vendo-a dormindo, não quis acordá-la. Droga, e ela tinha esperado tanto para acabar pegando no sono! Teria que conversar com ele mais tarde, tentar se desculpar...

Ela olhou para o seu lado e seus olhos se arregalaram. O diário estava ali, no mesmo lugar. Gina o apanhou rapidamente, tocando-o, sentindo-o, folheando-o. Era ele mesmo... era real, estava ali. Será que o diário perdido tinha sido apenas um sonho, mais um devaneio da sua mente confusa pelo cansaço e pelo sono? Ela revirou várias páginas do diário, mas não notou nada diferente nele. Nenhuma página amassada, nada. Nem parecia ter sido tocado.

Gina fechou o diário de uma vez. Talvez aquilo tivesse sido só um prolongamento de seu sonho. O diário, afinal, estava em suas mãos, intacto, e ninguém tinha lido seus segredos tão bem guardados.

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