Face To Face - Parte I



 


CAPÍTULO 22


“Face to Face”


- Parte I -


 


 


Apesar de ter as pernas praticamente duas vezes mais compridas do que as de Ana, Rony estava apanhando para acompanhar o passo dela. Se andasse um pouco mais rápido, Ana não estaria mais caminhando, mas sim correndo.


- Eles não tinham hora pior para deter um trouxa? – Rony disse entre bocejos. Haviam ficado até tarde na festa de casamento de Zacharias e Luíza.


- E o Ministério não tinha hora melhor para interrogar uma bruxa? – Ana rebateu, sem deixar o semblante apavorado e uma ruga de preocupação na testa.


Agitada, abriu a porta da Delegacia.


- Ana, ainda bem que você chegou! – Nando estava aliviado por ver a prima. – Os policiais não acreditam em mim!


Ao redor dele - que estava sentado em uma cadeira à frente de uma escrivaninha - um círculo de policiais se abriu para encarar os recém-chegados.


- Não acreditam? – A voz de Ana soou baixa e cautelosa.


- Olhe, moça – O policial mais velho suspirou profundamente e tomou a palavra, pois parecia que os demais estavam preocupados em conter o riso. – Ele chegou aqui falando de uns sujeitos esquisitos, com capas negras, chapéus pontudos e que desapareceram no ar com a namorada dele!


- Desapareceram, é? – Ana parecia um papagaio, repetindo tudo o que diziam com uma expressão mais preocupada do que a anterior.


- Ele estava segurando este livro. – Um dos policiais ergueu um volume e ela reconheceu imediatamente “Harry Potter e as Relíquias da Morte”. – Acho que isto explica tudo, não?


- Ana eu não estou maluco! – Nando ergueu-se da cadeira, sendo imediatamente contido pelos policiais, que pareciam acreditar que ele era um louco perigoso. – E eu nunca li este bendito Harry Potter na minha vida, como é que posso fantasiar sobre ele?


 


- Certo, gente, acho que todo mundo já entendeu a situação. – Rony, autoconfiante, aproximou-se dos policiais, dando oportunidade para Ana afastar-se um pouco com Fernando.

- Ei, porque Harry Potter não veio pessoalmente ajudá-lo, hem? – Um dos policiais gracejou.


 


- Achamos que ele seria mais útil no Ministério da Magia. – Rony respondeu, permitindo-se que uma centelha de indignação brilhasse em seus olhos. Os policiais riram, achando que era piada.


- Ana, ela sumiu! Su-miu. Entende? – Fernando estava terrificado. – Não sei quem eram aquelas pessoas, que poderiam feri-la...


- Ei, parceiro, será que pode ficar quieto uns instantes? – Rony pediu amigavelmente para Nando. – Preciso me concentrar aqui, faz tempo desde que fiz isto pela última vez.


- Isto o quê? – Um dos policiais perguntou.


Rony sacou a varinha e apontou-a para o grupo de policiais.


 


- Mas que diabos...? – A exclamação de outro policial foi interrompida pela luz que saiu da varinha de Ronald. Eles ficaram imóveis, apoplécticos, olhando para o nada.

- Jesus-Maria-José!!! – Nando gritou, assustadíssimo. – O que ele fez?


 


- Shiiiiiiiiiiii! Quieto, Nando! – Ana segurou o primo. – Ele apagou a memória deles. Agora... – Ela voltou-se para Rony: – Vamos logo, antes que apareça mais alguém.


- Certo. – Rony concordou.


Deixando um ruído de “ploc” ressoando atrás de si, os dois bruxos desaparataram, levando Fernando com eles. Reapareceram na casa de Ana.


- Como eu... Eu estava... – Fernando balançou a cabeça, refazendo-se da viagem por Aparatação. Olhou ao redor, estupefato. – Talvez aqueles policiais estivessem com a razão quando disseram que eu estava louco.


Outro “ploc” na sala de estar, e Rampell, o elfo doméstico apareceu.


- Menina Lizzy está dormindo como um anjo, jovem ama. Rampell vai... Ops! - O elfo interrompeu-se, envergonhado, quando percebeu que tinham visitas.


- Ó, meu Deus, agora eu tenho certeza de que estou louco! - Nando correu para a parede oposta ao lado em que Rampell estava e “grudou” nela.


- Rampell – Ana gemeu, desconsolada. – Você tem que perder esta mania de assustar meus conterrâneos...


- Elfo mau! Rampell vai se afogar no vaso sanitário, ama...


Ronald achou que aquilo era o cúmulo do ridículo e resolveu interferir:


- Auto lá, amiguinho! – Ele segurou o elfo pela gola dos trapos que vestia. – É melhor você ir preparar um chá para o camarada ali... De preferência de camomila. – Fez uma careta de nojo: – Se afogar no vaso sanitário? Eca, você costuma fazer isto sempre?


- Pelo amor de Deus, Nando, Rampell não vai te fazer mal. – Ana se dirigiu ao primo. – É só um elfo doméstico! Não que elfos domésticos sejam inferiores, mas são inofensivos. Também não é que não possam te machucar se quiserem... Mas a maioria não quer e...


- Ana, é assim que você tranqüiliza as pessoas? – Rony zombou. – Olá! – Calmamente, ele também se dirigiu ao Fernando. – Sou Ronald, o cunhado de Ana, lembra de mim?


- O q-que você fez àqueles policiais? Eles vão ficar bem?


- Como Ana já te explicou, eu apaguei a memória deles. Geralmente, são obliviadores treinados que fazem isto, especialmente nestes casos em que se apaga a memória coletivamente... Mas não dava tempo. Tínhamos que chegar a você antes do Ministério da Magia.


- Meu Deus! Quem são vocês e porque fizeram isto? Ana...?


- Ai, isto vai longe... – Rony revirou os olhos. – Ana, acho que você se vira daqui. Tenho que voltar pra casa. A Hermione está exausta e ficou sozinha com o Sirius.


- Ok, Rony. Pode ir. Carlinhos logo chegará aqui também. – Voltou-se então para o primo: - E, por Merlin, Fernando, cala a boca e escuta...



******


Harry não sabia por que todas as salas do Ministério da Magia eram tão escuras. Por outro lado, nenhum bruxo se incomodava por este fato em específico. Era só mais um recurso para inspirar temor naqueles que ali adentravam.


Por outro lado, o que mais se podia esperar de uma construção feita no subsolo de Londres?


Outra coisa que Harry não entendia era por que um simples caso de revelação dos livros para uma bruxa estava sendo tratado pelo Ministro em pessoa. Geralmente, Ernesto Macmillan cuidava de tudo sozinho. Foi exatamente isto que perguntou para Quim Shacklebolt enquanto ambos se encaminhavam para a sala do Ministro.


- Quer dizer que você não sabe? – Surpreendeu-se Quim.


- Saber o quê?


- Que ela é irmã de Myron Wagtail.


- “O” Myron Wagtail? O vocalista das Esquisitonas? – Harry estava impressionado.


- Este mesmo. – Confirmou Quim. – O quer dizer que o Ministro quer dar um tratamento VIP a ela.


Harry silenciou, remoendo as implicações do que Quim tinha lhe contado. Era um código entre os aurores dizer que o Ministro estava “dando um tratamento VIP” a alguém. Durante os últimos cinco anos, Harry travava uma batalha inglória nas investigações e julgamentos dos envolvidos na última guerra bruxa. No entanto, seus esforços eram frustrados pelos mais variados motivos, entre eles, o elitismo e a busca pela publicidade que era voga no Ministério.


- Não faz sentido. – Harry falou em voz alta, mais para si mesmo do que para o Chefe dos Aurores. – Se ela é tão importante assim, o Ministro deveria estar querendo aliviar o lado dela, não fazendo toda esta tempestade.


- Confie em mim, Harry. – Quim sorriu tristemente. – É um dos aurores mais capazes que eu já comandei, mas ainda assim, tenho muito mais anos de serviço para o Ministério. Você tem feito uma campanha contra as ações do pessoal do Ministro. Agora, ele quer provar que você está errado.


- Mas por que logo com Myra Wagtail?


- Por dois motivos. Primeiro, porque ele sabe que ela está ligada de alguma forma com a sua “rede de influências” – Quim riu da expressão mais usada pelo Ministro ao se referir aos amigos de Harry Potter.


- E pedir para pegar mais leve com ela seria dar um tiro no meu próprio pé. – Harry balançou a cabeça, concordando. – Mas qual é o outro motivo?


- A senhorita Wagtail é reincidente.


- Reincidente? Ela já teve contato com os livros?


- Não, não. Reincidente quanto à Lei do Sigilo e suas sub-leis. A senhorita Wagtail já teve um noivo trouxa que quase revelou o Mundo Bruxo. O sujeito estava prestes a publicar uma matéria no maior jornal trouxa, com direito a fotos e tudo. Os Aurores o pegaram bem tempo e apagaram a sua memória, mas ela foi punida com a perda da varinha por dois anos.


- Ela sabia, então?


- Ela jura que não, que foi usada enquanto ele conseguia provas da existência do Mundo Bruxo. Como ninguém tinha evidências definitivas para condená-la... ou absolvê-la, a punição foi temporária, e não uma expulsão perpétua do Mundo Bruxo.


- Que medonho... Espera aí. Como ele conseguiu tirar fotos? Máquinas trouxas não funcionam quando há muita magia ao redor.


- Com a própria câmera bruxa de Myra Wagtail. – Eles entram no elevador lotado e Quim esperou ambos saírem dele antes de acrescentar: - É isto mesmo o que está pensando. Só piorou ainda mais a situação de Myra. O cara usou um objeto bruxo dela.


- Há quanto tempo foi isto? Nunca ouvi falar.


- Duvido que tenha dado atenção, mesmo que tivesse ouvido. Isto foi há uns dez anos. Você era uma criança lidando com Você-Sabe-Quem, e a Segunda Guerra tinha acabado de estourar. A moça também era muito jovem, não muito mais velha que você na época.


Pararam em frente à sala do Ministro, onde um auror estava de guarda. Ele ficou alguns segundos dividindo-se entre o respeito que tinha por aqueles dois homens à sua frente e a obediência ao Ministro.


- Ordens para não deixar ninguém entrar, MacWolf? – Harry adivinhou, erguendo uma sobrancelha.


- S-sim, senhor Potter... Mas acho que isto não vale para o senhor e o Chefe dos Aurores...


- Neste caso, nós agradeceríamos muito se anunciasse a nossa presença, MacWolf. – Quim propôs, educada mas firmemente.


O jovem auror engoliu em seco, certamente, pensou Harry, imaginando se a ordem se estendia a não perturbar também. Permitiu-se sentir pena do rapaz, pois ele devia temer perder seu emprego se irritasse o Ministro.


- Não se preocupe. – Disse olhando francamente para o jovem.


Shackelebolt e ele trocaram olhares irônicos quando escutaram a voz alterada do Ministro ressoando lá de dentro. Não havia nada mais divertido do que perturbar um homem poderoso que abusava deste poder.


- Potter. Shackelebolt. Não foram convidados para esta reunião. – Sério, o Ministro olhava os dois com a frieza que um oponente dos antigos duelos o faria.


- Reunião? – Admirou-se Harry. – Está mais parecendo um julgamento. Olá, Tonks. – Ele cumprimentou a auror, que já estava sentada ao lado de Myra, sua amiga.


Pelo tom avermelhado do cabelo de Tonks, as coisas não estavam indo bem.


- E se fosse, Potter, vocês ainda não teriam nada que fazer aqui. São aurores, não membros do Tribunal.


Harry encarou dignamente o Ministro. Não eram inimigos, de forma alguma. Apenas, divergentes em muitos assuntos. E, definitivamente, muito melhor se comparado a Cornélio Fudge ou Scrimgeour. Digamos que Gwidion Norwood jogava o jogo político, mas no geral, jogava limpo. Na medida do possível, para um Ministro da Magia.


Ainda assim, Norwood era páreo duro.


- Achamos que gostaria de saber que o trouxa que estava com a senhorita Wagtail já foi resgatado da Delegacia de Polícia por Ronald e Ana Weasley. – Declarou Quim.


- Eu não pedi que esta operação fosse realizada. – O Ministro endireitou-se na cadeira, em uma fria e calma desaprovação.


- É claro que não. – Harry ponderou, irônico. – Você preferia que Fernando Anhangüera fosse até a delegacia, denunciasse o desaparecimento da namorada e a forma como aconteceu. Seria muito ruim para a senhorita Wagtail se a história se espalhasse, não é mesmo?


Myra engoliu em seco. O Ministro se levantou, irado:


- Está insinuando, Potter, que eu queria que a Lei de Sigilo fosse quebrada?


- Não. Mas não seria mau para os seus interesses que a história tomasse proporções maiores do que o necessário. Assim seria menos curioso que o próprio Ministro conduzisse o caso.


Norwood voltou a sentar-se. Era estranho, mas parecia que estava admirando a capacidade de Harry.


- Entenda de uma vez por todas, Potter. Eu sou o Ministro da Magia, não você. Então, pare de ignorar minhas ordens e agir como bem entender fazendo uma confusão com o seu pessoal!


- Não foi o nosso pessoal que fez uma abordagem apressada e descuidada em um estabelecimento trouxa! Desculpe, Ernesto. – Desculpou-se com o antigo colega de escola.


Ernesto Macmillan fez uma expressão de quem não tinha certeza se sentia mais ofendido por ter sido acusado de descuidado ou de ser do “pessoal do Ministro”.


- Então de agora em diante não teremos mais o meu ou o seu pessoal. Sigam minhas ordens como deve ser.


Harry iria retrucar, mas Quim o impediu com um gesto. Ele estava certo. O Ministro o estava testando.


 


- Sabiam – continuou o Ministro, abarcando com o olhar Harry, Quim e Tonks – que a protegida de vocês já foi acusada de revelar o Mundo Bruxo antes?

-  Eu fui enganada! – Myra explodiu.


 


- Sei. – O Ministro a olhou por cima do nariz. – E, anos depois, foi pega acompanhada de um trouxa vendo logo livros que revelam nosso mundo.


- Eu não sabia nada sobre estes... Merlin! – A voz de Myra sumiu.


- É verdade! – interveio Tonks, cujo cabelo havia mudado de cor diversas vezes durante a conversa e agora exibia um vermelho sangue. – Se Myra tivesse levado o rapaz trouxa de propósito para lá, isto significaria que ela sabia <i>antes</i> dos livros. E como poderia ter sabido sem que o feitiço que cerca cada exemplar daquele não tivesse avisado o Ministério?


- Ouvi dizer que bruxos habilidosos conseguem anular os feitiços inibitórios do Ministério... Como aquele protegido de sua cunhada, Potter, o ex-comensal Severo Snape. O que me leva a pensar no porquê de justamente ela ter sido escolhida para buscar o trouxa.



- É o primo dela, Norwood. – Harry respondeu, surpreso porque achou que o Ministro sabia disto. Mas pensando bem, deveria saber que Tonks era uma amiga muito próxima de Myra, sendo esta a ligação que tinha com Harry.


- Ah, sim? – O Ministro ergueu uma sobrancelha. – E o Weasley é parente dele também?


- Ronald Weasley aceitou a tarefa de acompanhá-la porque sabia que iria ser penoso para a cunhada ter que expor para mais um familiar a nossa... “condição bruxa”. – Shacklebolt interveio, bem a tempo de impedir Harry de dar uma resposta malcriada.


Se não fosse por Quim, Harry não sabia até onde teria mantido a civilidade. Nunca tinha se irritado tanto assim com Norwood. Mas também o Ministro nunca tinha agido assim antes.


Então, veio a “inspiração”.


- Dizer que a senhorita Wagtail estava tentando quebrar o Decreto de Sigilo, como Tonks já mencionou, seria admitir publicamente que os feitiços inibitórios do Ministério não funcionam, Ministro. E mais: quantos pontos a menos em sua aprovação isto significaria?


- Já chega, Potter! – Pela primeira vez desde que conhecia Norwood, Harry o viu perder a calma, surpreendendo-o. O próprio Norwood parecia surpreso. – Está bem, você venceu. – E para Myra: - Tem amigos muito habilidosos, senhorita.


- Quer dizer... Que estou liberada? – Myra perguntou, visivelmente hesitante depois da explosão do Ministro.


- Não. – Norwood respondeu. – Significa que será liberada sob as condições de costume. Entende o que significa?


- Sim... – O temor passou como uma sombra pelos olhos da moça. Sombras do passado.


Harry não sabia do que se tratava, mas, por experiência própria, podia reconhecer quando alguém enfrentava lembranças dolorosas.


- Acredito que sabe, senhorita Wagtail – o Ministro a encarou gravemente – a responsabilidade que está chamando para si. 


 


- Sim, conheço muito bem, Excelência – Myra respondeu amargamente.


 




*****


 [Alguns dias mais tarde...]


 “Lua-de-Mel”, pensou Zacharias com ironia. Se ele e Luíza estavam tendo uma, era a mais estranha que já havia visto.


 Em nome das aparências, tinha deixado seus negócios e ido para o litoral com a “esposa” para aproveitarem suas recentes bodas. Só que quem ficava o dia todo sem fazer nada era ele. Luíza não desgrudava os olhos das anotações que tinha sobre o medalhão de Ravenclaw.


 E à noite... Zacharias não queria pensar sobre as noites. Quando finalmente Luíza largava o árduo trabalho sobre a mesa da sala, exausta, e se dirigia para o próprio quarto. E, se por acaso dava com Zacarias no caminho, assustava-se de tal forma que era como se tivesse visto um Dementador. Esquiva como ela estava, não tivera a oportunidade de chegar até ela e dizer... Dizer... Dizer o quê?


Que lamentava que ele tivesse sido tão brusco antes? Na realidade, não lamentava, pois ultimamente provocá-la era a única maneira de fazê-la olhar para ele sem se encolher como um coelho assustado. E ela ficava tão bonita com raiva, aqueles olhos negros brilhando...


“Ela fica bonita com raiva”? Merlin, desde quando ficava por aí pensando coisas tão “clichês”? Certo, sentia-se atraído por ela, ridículo continuar negando. Mas daí a ficar bufando como um touro impaciente só porque Luíza não lhe dedicava um olhar, irritá-la apenas para poder ouvir sua voz... Era demais!


E tudo ficava pior à noite. Pensava nela, nos delicados traços do rosto, na forma como se movia com a graciosidade de uma bailarina. E a pele... A textura mais acetinada que ele já tinha visto. E tudo acompanhado por um cálido sorriso que tinha certeza que era capaz de afugentar a solidão e curar qualquer dor. Depois de tormentosas noites assim, não era de se admirar que ficasse rabugento durante o dia.


Não havia o que o distraísse de sua obsessão por Luíza. Nem mesmo outra mulher. Lembrou-se da morena estrangeira de belos olhos azuis que flertou com ele no dia anterior, quando foi explorar o comércio da cidadezinha litorânea para ver preenchia sua mente com outra coisa que não fosse sua meiga e ocupada esposa. A italiana era uma mulher belíssima, mas... Não conseguiu ver qualquer atrativo nela, como se toda a beleza fosse incompleta sem...


Suspirou, impaciente. Luíza deveria ser uma bruxa, afinal. Devia estar enfeitiçado. Era a única explicação.


- Você se lembra do nome daquela mocinha que me emprestou transferidor, o compasso e os esquadros? – Luiza surgiu de repente, segurando aqueles objetos, referindo-se à vizinha ao lado. – É que eu quero devolvê-los, mas não sem me lembrar antes.


Zacarias estava tão surpreso por ela ter pedido ajuda dele que ficou calado por alguns instantes antes de responder.


- Tessie. – Sorriu. – Você ficou conversando com ela por três horas hoje de manhã. E ainda estamos no começo da tarde. Como pode ter esquecido?


- Tessie. – Luíza torceu a boca em gesto irritado. Pegou uma caneta e um papel e anotou o nome. – Memória visual, lembra?


- Você é um desastre. Como conseguiu aprender inglês se não consegue se fixar nas palavras pronunciadas?


- Eu... Decorei o dicionário. – Ela respondeu envergonhada, como se aquilo fosse prova de alguma fraqueza. – Tinha... Uns símbolos do lado de cada palavra que indicavam o som delas. Depois foi só decorar a gramática, expressões idiomáticas...


Zacharias riu alto.


- Eu devia ter imaginado que esta sua bizarra memória ainda guardava muitos fatos engraçados!


- Não é tão divertido quando você se lembra com detalhes do desprezo no rosto de seu pai, mesmo depois de mais de vinte anos. – Luíza sussurrou, a voz falhando pela confissão.


Não tinha planejado dizê-lo em voz alta. Zacharias percebeu pelo choque em seu rosto. Luíza se colocou na defensiva, achando que ele estava zombando dela. Bem... Estava, mas não da maneira cruel que ela pensara.


- Luíza... – Ele chamou, sério. – Eu não...


- Meu pai achava que eu tinha algum problema. – Ela o interrompeu, erguendo o rosto em forma de desafio. – Não falei até bem tarde e todos diziam que eu devia ser deficiente mental. Lembro de como ele me comparava com as outras crianças da minha idade. Sei disto porque tenho viva na memória a forma como ele as olhava e em seguida olhava para mim... Com desgosto, com desprezo, com raiva. – Uma lágrima silenciosa rolou por seu rosto, mas ela não se incomodou em apagar o sinal de sua fraqueza. – Nos abandonou, a mim e a minha mãe, quando eu tinha quatro anos.


- Eu... Eu não imaginava... – Foi tudo o que conseguiu balbuciar. Tinha tanta dor nos olhos dela. Teria desabafado com alguém antes? Um parente, uma amiga? Queria tanto ir até ela e a abraçar...


- Não, é claro que não imaginava. – Havia certa nota de amargura na voz dela. – Você nunca se aproxima o suficiente das pessoas para chegar ao ponto de se perguntar sobre a vida delas.


Apesar de tudo, aquela acusação conseguiu indigná-lo. Especialmente porque tinha se aproximado dela. A contragosto, é verdade, mas ainda assim era por causa daquela aproximação que tinha se metido naquilo tudo.


- Não me venha com esta agora! Como posso saber qualquer coisa a seu respeito se nunca me diz nada? Toma qualquer pergunta pessoal como uma ofensa!


- E não é? Me diga se alguma vez me fez uma pergunta, ou menos do que isto: se alguma vez se <i>dirigiu</i> a mim sem ser com ironia ou rancor!


“Como defesa...”, ele pensou, mas não podia dizer isto em voz alta.


- É a única forma de te tirar deste mundinho perfeitamente seguro e bonitinho que você criou para si mesma! – Ele deu vários passos à frente, aproximando-se dela sem perceber. – Alguma vez já pensou em deixar seus preciosos números, dados e fatos e ter uma vida própria?


- Tem razão, Zacharias, eu não tenho vida própria! Mas não acho que saiba tudo! Você é que sempre está julgando e sentenciando as pessoas: isto é bom, aquilo é mau; faça isto e não faça aquilo... O único ser perfeito em sua opinião é você mesmo! O grande Zacharias Smith, o infalível!


- Eu não digo para as pessoas o que devem fazer – ele disse por entre os dentes, seu rosto tão próximo do dela que lhe preenchia toda a visão – mas escolho muito bem aqueles que ficam do meu lado.


Por algum motivo que Zacarias não conseguiu entender, ela começou a chorar. Não percebeu de imediato porque ela mesma deixou que a posição defensiva se desmanchasse lentamente, até que não pôde mais mantê-la. E, quando ele se deu conta, encontrava-se com ela nos braços, surpreso, atordoado e com o rosto mais confuso que alguém poderia ter. “O que aconteceu?” , se perguntava. “Eu só disse que... Oh, Merlin! O pai dela... Sou um asno!”.  O pai dela tinha achado que ela não era boa o suficiente para estar com ele.


- Me desculpe, me desculpe, me desculpe... – A cada pedido, depositava um beijo no em diferentes lugares do rosto dela, que agora segurava com as mãos. - Você o viu novamente? – Zacharias perguntou suavemente. – Seu pai?


Luíza estava surpresa demais pelo inesperado – e inabitual – pedido de desculpas de Zacarias. Seus olhos arregalados cravaram no rosto dele, certamente imaginando se teria enlouquecido. Ainda assim, conseguiu voz para responder:


- Não... Eu poderia procurá-lo, depois que entrei para a Agência, mas não quis... – Pensou melhor e admitiu: - Não pude.


Zacharias continuou acariciando o rosto dela, consolador. Quando seus olhos se encontraram, o clima entre eles mudou. Ele pôde sentir. Com a respiração alterada, aproximou-se lentamente dos lábios dela e percebeu que Luíza movia-se para ele... Até que sentiu que algo pontiagudo lhe espetava dolorosamente o braço!


- Ó, me desculpe! – Luíza deu um passo atrás com o grito de dor dele. – A ponta do compasso... E eu esqueci... Deus, você está sangrando!


- Tudo bem, tudo bem! – Disse, zangado. Zacharias sabia que estava deixando seu gênio ruim aflorar novamente, mas a frustração tomava conta dele naquele momento. – Por que diabos precisava desta coisa?


No mesmo momento, quis retirar a pergunta porque Luíza ruborizou violentamente e se afastou alguns passos dele, em direção à mesa onde suas anotações jaziam. Compreendeu que ela fora buscar a resposta para o que ele perguntara quando ela selecionou um papel. <“Não, eu não quero saber, por favor volte para mim!”, reclamava em pensamento.


- Havia muitos números nas informações que o medalhão me passou, junto com palavras e nomes. No começo, parecia tudo sem sentido, mas, de repente, uma idéia me passou pela cabeça: coordenadas. Peguei o mapa que o Professor Lupin tinha da região de Somerset e os nomes estavam lá. A maioria deles é muito antigo para ser lembrado. E, depois, usei os números em equações simples. – Ela estendeu o mapa onde havia feito várias interseções. – Todas elas apontaram para um único lugar.


 


Bem no alto, um nome estava circulado com a caneta vermelha que Luíza usara.

- Tem um lugar em Somerset chamado “Badger Hill”? (1) – Subitamente, toda a atenção de Zacharias estava focada no mapa.


 


- Sim, fica há cerca de dezesseis milhas de Glastonbury. Não é tão mais longe do que os outros símbolos do Zodíaco ao redor da Abadia.


- Temos que mandar uma coruja ao Potter. – Declarou Zacharias, determinado.


- Mas... Eu não tenho informação nenhuma a mais... Nem mesmo consegui confirmar se este lugar ainda existe! – Contestou.


- Não se preocupe. – Zacharias pegou uma pena e um rolo de pergaminho, pondo-se a escrever. -  Eu tenho mais informações.


 



--- NOTAS ---



(1) Badger Hill: “Colina do texugo”, em inglês. Realmente existe tal lugar, e fica a trinta minutos de carro de Glastonbury, ambos em Somerset (informações do Google Maps, hehehe).


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 (N/A): Eu nunca desisti desta história. Mas escrever não é só um ato de vontade, mas também de inspiração. Infelizmente, o dia-a-dia não me proporcionou nem tempo nem inspiração.


Mas aqui está a primeira parte de “Face to Face”, como prometi.


 O capítulo ficou grande demais, de forma que eu achei melhor dividi-lo em dois, para facilitar o entendimento sem cansar o leitor. A próxima parte deverá sair logo, ainda na semana que vem.


 Agradeço infinitamente para quem ainda não desistiu desta história. A aqueles que continuam ao meu lado neste projeto suicida (hehehe) dos Segredos dos Fundadores... Vocês moram no meu coração!


 Meu especial carinho para os comentários do último capítulo, aqui lembrando os que contribuíram: Naty L. Potter; Rafaela Porto, Sandy Meirelles, Guida Potter, KrysMorais, Escarlet Esthier Petry, Deby, Isa Malfoy, Regina McGonagall, Sô Prates, Ana Eulina, Bruxicca, Grazy DeSchama, Anna Voig G. Malfoy, Ana Carol Murta, Nanda2704, Nick, Pedro Freitas (desculpe o erro anterior com o nome), Kellysds, Livinha, Kurai Kiryu, Karina Padilha, Hermione, Camilla Martins, Katharina Rocha, Raíssa Rochadel, Asuen Alexa.


 

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