Capitulo 12



Capitulo 12

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Hermione sentiu vontade de morrer ali mesmo. Tinha vontade de ser sugada para as entranhas de Nova York e de ser deixada lá, apodrecendo. Queria qualquer coisa, menos olhar horrorizada para o homem que amava, cuja opinião a seu respeito valia mais do que tudo no mun­do, ainda ouvindo as palavras de Chip ressoarem no ar, poluindo o ambiente que os cercava.


Toda a sua energia e poder pareciam ter se encolhido, e precisou respirar fundo para impedir que a tontura a derrubasse. Harry pegou-a pelo braço. Sentiu o seu calor na pele, uma tris­teza profunda e inexorável, e só lhe restou olhá-lo, ver seu rosto amado por tantos, para os olhos cor de choco­late que enxergavam tão bem, mas não o suficiente, e para sua boca que podia levá-la ao êxtase, ou destruí-la.


De que adiantava mudar a vida, derrotar o pai, assumir o controle de tudo que lhe pertencia, se não podia ter aquele homem? Se Harry pensava o pior dela e poderia confirmar sua opinião numa sexta-feira qualquer de dezembro, sem pedir ou provocar, através da fonte mais odiosa? Sentia-se contaminada pela própria história. Queria morrer, mas não conseguia. Nunca. Portanto, só lhe restava olhar para ele e tentar não se desmanchar em lágrimas. Se não podia ter o que mais desejava, deveria se agarrar ao fiapo que lhe restara de dignidade.


— Parece que afinal tinha razão a meu respeito — fa­lou ela, sem conseguir manter um tom casual, dando um sorriso que parecia mais uma careta. — Deve estar se sentindo vingado.


Ficou calado por algum tempo, olhando-a como se não tivesse entendido, como se tentasse decifrá-la, como se fosse um hieróglifo. Ela viu algo passar nos seus olhos, no seu rosto, e desaparecer. Harry olhou para Chip por sobre o ombro e apertou o braço de Hermione, causando-lhe um arrepio. Depois fitou-a com firmeza e sorriu. Um sorriso luminoso de felicidade, cheio de charme, delicioso.


— Dance comigo.


De tudo que ela imaginara que diria, aquilo não esta­va na sua lista. Hermione piscou e tentou entender a frase, assim como tentava entender o sorriso devastador.


— Dançar?


— Sei que você sabe — disse naquele seu jeito que o iluminava e fazia ofuscar a todos que se viravam à pro­cura da sua claridade, do seu calor, em meio ao frio da noite de inverno. — Já a vi dançar.


— Com você? — Ela se sentia ao mesmo tempo pesada e leve. Febril. Pensou que deveria se deitar em algum canto retirado e esperar até o dia seguinte, ou talvez o próximo ano, mas não conseguia se mexer.


— Sou um ótimo dançarino — disse no tom típico de Harry Evans Potter. Era fascinante, e chamou ainda mais atenção quando continuou. — Meu avô não deixa­ria que fosse diferente.


Finalmente, percebeu, ficou aliviada e conseguiu voltar a respirar. Ou pelo menos, conseguiu entender. Ele fazia de propósito. Tratá-la como sendo digna do famoso Harry Evans Potter seria mais eficaz do que um soco para colocar Chip no seu devido lugar. Hermione não entendia por que ele se incomodava, mas deixou que a guiasse até a pista de dança e a abraçasse. Sentiu calor, depois frio, como se um vulcão estivesse prestes a entrar em erupção.


Quando o fitava, o mundo parecia girar muito rápido, e precisava desviar os olhos para manter o equilíbrio. Viu as grandes famílias de Nova York espalhadas ao redor: descendentes da época da colonização, do desenvolvimento industrial, dos pionei­ros, dos magnatas das estradas de ferro, do sangue azul da Nova Inglaterra e a inserção, nunca comentada, de dinheiro novo ou do glamour de Hollywood. Ela e Harry eram produto daquele meio, daquelas pessoas, porém ansiava passar algum tempo na antiga casa na colina, no meio da ilha isolada, onde haviam estado tão perto de ser quem realmente eram. Só por algum tempo.


Deixou-se levar, enquanto ele a guiava com facilida­de, numa dança perfeita. Sentia a mão de Harry em suas costas, incendiando-a com o calor que só ele provoca­va. Percebia seu corpo renascer, tornar-se sensível. Mas ainda ouvia o eco das palavras de Chip, que pareciam se grudar à sua pele dando-lhe a sensação de estar suja.


E quase lhe doía estar tão próxima de Harry, sabendo que nunca estivera tão longe dele. Nem precisava dizer que aquela seria a última vez em que se tocavam. Agora fa­zia sentido olhar para a última noite e reconhecer que tinha sido uma despedida. Nunca a enganara. Fora to­talmente sincero a respeito do que se esperava dele, e de por que pretendia obedecer. Por dever. E de certa ma­cieira, admirava-o por isso, por mais que a fizesse sofrer.


— É muita bondade sua fazer isto — disse ela sem sor­rir, olhando para um ponto acima do ombro de Harry e mantendo a cabeça erguida e os olhos secos. — Não sabia que a sua filantropia atingira esta dimensão. Nós, as mulheres decaídas da alta sociedade de Nova York, saudamos você.


Olhou-a, e Hermione sentiu uma dor no peito: seus lá­bios estavam muito próximos, e neles havia uma ex­pressão quase de ternura, que lhe partia o coração.


— O que acha que está acontecendo? — perguntou ele em tom indulgente.


— Não faço idéia. — Sentia um gosto amargo na boca Por que fazia isso com ela? Por que prolongava sua agonia?


— Use seu magnífico cérebro, Hermione. Aquele que, ouvi dizer, usou ontem para derrubar seu pai.


Ficou contente por ele saber, mas a realidade se im­pôs novamente, e desviou os olhos.


— Não posso fazer isto com você, Harry. Não deveria deixar que seu avô o visse comigo. Com certeza, há um bando de herdeiras adequadas que ficará feliz em brigar por você. Vejo algumas perto do bar. — Apertou-a nos braços, mas não o suficiente. Nunca seria o bas­tante, e nunca mais... E ela nada podia fazer, além de mergulhar em seus olhos.


Não quero nenhuma — falou devagar, com calma.


— Quero você.


— Não é verdade — disse Hermione num tom indignado que o faria rir se não tivesse visto a tristeza nos olhos dela.


— É o que tenho provado repetidamente. Estou arra­sado por não ter prestado atenção.


— Está falando de sexo — disse num tom abatido. — Do que mais poderia falar? — O desânimo na sua voz fez com que Harry se enfurecesse, tivesse vontade de procu­rar o tal Van Housen e socasse a sua cara, mas se conteve.


— Por que dá ouvidos a alguém... — começou a dizer.


— Nunca dei ouvidos a Chip van Housen — interrom­peu-o. Os olhos dela brilhavam a luz das lanternas, seus lábios se retorciam de desgosto e mágoa. — Mas ouvi você.


Podia ouvir a própria voz destratando-a, chicoteando, e para quê? Para fazer com que se sentisse melhor por não conseguir esquecê-la? Por assombrá-lo durante tantos anos? O que isto fazia dele?


— Hermione... — murmurou.


— Você me odeia — falou em tom claro, direto, assim como seu olhar. — Acha que não presto. — A frase ecoou entre os dois, espalhou-se com os acordes da música e voltou a cair neles com a claridade das luzes suspensas no teto.


 E, de repente, Harry viu o tempo que tinham passado no Maine com outros olhos, enxergando-o sob o ponto de vista de Hermione. Se ela estivera dizendo a verdade sobre o motivo de estar ali, a respeito de tudo — e admitia que fazia tempo que não duvidava dela, por mais que dissesse o contrário —, se tudo que ela dissera fosse verdade, fora um grande canalha.


Fitou-a e viu a dor no seu rosto, nos seus olhos. Não conseguia imaginar por que estava ali, olhando-o da­quele jeito, encarando-o como se não houvesse uma parte dela que o odiasse, como deveria.


— Não odeio você. — As palavras vinham de dentro dele, de algum lugar profundo que mal conhecia. — Eu amo você. — Não sabia o que devia esperar. Um coro? A orquestra tocando um refrão? Viu-a piscar, indignada.


— Que beleza — murmurou Hermione em tom de debo­che. — E isto conserta tudo. É a versão adulta de um remendo. Finjo que nada do que aconteceu entre nós realmente aconteceu...


Harry não sabia se parara de dançar antes ou agora. Mas não podia continuar fingindo que dançava, quando ela estava a um passo de fugir novamente, e, desta vez, para sempre. Não se importava com as pessoas que os cercavam, como o avô. Hermione era a única pessoa que importava, há mais tempo do que conseguia se lembrar. Segurou-a pelos quadris, como se temesse que fosse sair correndo pela rua.


— Sou um idiota — disse ele. Ela levou um susto, mas não o afastou. — Foi a única mulher que me abalou.


— Quer dizer: a única que o deixou — argumentou.


— Mais de uma vez — concordou. — E ainda assim, não consigo ficar longe de você. Acho que a amo desde que nos encontramos naquela festa, há mais de cinco anos.


— Não saberia o que é o amor, nem se ele o mordesse! — retrucou ela, mas Harry percebeu a emoção crescer em seus olhos, como se fossem nuvens pesadas e escuras que se juntavam para banhar sua amada ilha, e sentiu o nó que prendia o seu coração começar a desmanchar.


— Então por que não me morde, Hermione, e vê o que acontece? — sugeriu ele. Ficou corada e Harry relaxou ainda mais. Pegou as mãos dela e as beijou. — Amo você. Não sei como lhe provar, mas vou conseguir. Só preciso que me dê uma chance. Prometo.


Fitou-o por um tempo que pareceu longo demais, respirou profundamente, e olhou ao redor. Estavam no centro da pista de dança, no meio de uma das maiores festas do ano. Não estavam exatamente a sós. Se a sua preocupação era não ser visto com ela, tarde demais: ouvia os murmúrios que, com certeza, ela também ou­via. Virou-se para.ele.


— Você está fazendo cena — falou ela em voz baixa. Ha­via algo nos seus olhos que reconheceu com imensa sa­tisfação: a verdadeira Hermione, que só ele sabia quem era.


— Eu não me importo — respondeu. Ela sorriu. Não o sorriso misterioso, calculado, que usava como escudo, mas um sorriso espontâneo, lindo e raro, que iluminava seu rosto, ele e toda Manhattan. Harry se sentia flutuar.


— É o que você diz agora — insistiu. — Mas não passou pelo prazer de ser alvo de todos os fofoqueiros maldo­sos de Nova York, passou?


— Então, é melhor lhes darmos algum motivo para fa­larem — disse, abraçando-a novamente, inclinando-lhe ás costas, ouvindo-a dar uma risada cristalina, e a bei­jando diante da nata da sociedade de Manhattan.

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