Capitulo 2



Capitulo 2 

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Ela parecia muito frágil. Os traços delicados do seu rosto haviam denunciado a sua presença, ainda que Harry jamais imaginasse que alguém como ela, acostumada a circular nos ambientes mais exclusivos da elite de Manhattan, sempre cercada de inúteis e bajuladores, pudesse estar num lugar tão remoto como aquela ilha.


 


Seus olhos misteriosos, sempre tristes e atormentados, tinham um tom castanho acinzentado que sugeriam uma profundidade que jamais poderia ter. Esta era a grande mentira de Hermione Granger, pensou com desgosto, quase mais aborrecido consigo mesmo por ser mais sensível àquela mentira do que com ela, por perpetrá-la.


 


Ainda sentia aquela insana excitação que tanto se dedicara a negar, mas que o atingira do mesmo jeito, irremediavelmente, quando a vira sentada num canto do bar, parecendo estranhamente desanimada. E a sensação se fortalecia, agora que começava a flertar com ele, entreabrindo a boca voluptuosa, passando o dedo no lábio.


 


Provocando-o, seduzindo-o, fazendo com que pensasse na perfeição de suas pernas abraçando-o pelos quadris, no sabor de sua boca tentadora. Porém, não era mais o tipo de homem que cedia a apetites, principalmente quando destrutivos. Especialmente quando sabia que uma mulher como Hermione tinha pouco a oferecer a um homem na sua posição, que colocava a própria reputação acima do prazer. E a reputação que ela possuía não poderia ser mais obscura e desastrosa.


 


— Boa tentativa — disse indiferente, como se o seu corpo não ficasse rígido só de olhá-la. Não que isto fizesse diferença. — Mas uma amostra foi mais que suficiente. — Pensou ter visto algo nos olhos dela, mas Hermione piscou e lhe ofereceu o sorriso misterioso e perigoso de sereia, que o fez desejar se esquecer do que sabia, agarrá-la e beijá-la.


 


— Ah, Harry — ronronou de um jeito que o atingiu na virilha. — É o que todos dizem no início.


 


Desejava que ela não fosse tão eficiente no que fazia e não se sentisse afetado. Queria ser capaz de olhar para ela e vê-la como era realmente, e não seu elegante e adorável pescoço, a curva delicada do queixo, que davam vontade de acariciá-la. Harry desejava que o cabelo curto que ela tingira de castanho não tivesse caído tão bem, fazendo-a parecer mais séria e coerente. Mas sabia quem era ela, o que fizera, com todos os detalhes escabrosos.


 


Por mais frágil e desamparada que parecesse, não fazia diferença, porque lhe faltava coração, como a todos no mundo que abandonara, como a ele próprio antes de amadurecer. Olhar para Hermione era como olhar para um espelho que deliberadamente quebrara há cinco anos. Não gostara do que vira, e não podia esquecer que tinha sido ela quem lhe mostrara o espelho.


 


— Há uma balsa que sai na manhã de sexta-feira. Quero que a pegue — falou com frieza. Hermione deu uma risada cristalina, mágica, que o levou a desejar coisas em que não podia acreditar. E a culpou também por isto.


 


— Está ordenando que eu deixe a ilha? — Hermione se divertia com a ideia e não se mostrava intimidada. Ele se irritou ao admitir que isto deixava-o mais atraído do que deveria. — Que autoridade! Deveria desmaiar.


 


Harry ficou furioso. Aquele era seu refugio, lugar onde se escondia no inverno, longe dos turistas de verão: ricas famílias tradicionais da Nova Inglaterra e de Manhattan, que ocupavam casas antigas e se espalhavam pela ilha como se lhes pertencesse por direito. Preferia os meses sossegados de inverno, quando não precisava ser Harry Evans Potter, herdeiro cobiçado de duas magníficas fortunas americanas, e ainda assim, motivo de desgosto na vida de seu avô.


 


Ali, não precisava pensar no que era seu dever e nem em como o que fazia se refletiria na sua capacidade de dirigir a Potter Foundation, importante obra assistencial fundada por sua família.


 


Isolado pelo implacável clima do Maine, trabalhando ombro a ombro com os pescadores de lagosta que só temiam o mar, era apenas Harry, e não queria que Hermione Granger poluísse o que considerava seu santuário, fazendo Deus sabe que tipo de jogo. Seria inadmissível. Imaginava o que a levara até ali, fora da estação, sujeitando-se à inclemência do tempo, longe da página de fofocas dos jornais.


 


O Maine não era lugar para uma garota mimada, cheia de vontades e festeira. Ali não havia bailes, jornalistas, bandos de admiradoras em cada canto, tentando copiar suas roupas e vender seus segredos pela maior oferta: coisas que Hermione considerava básicas para viver.


 


— Você não me perguntou o que faço aqui — comentou ele, procurando algum traço no rosto adorado por muitos, sem nada ver. — Foi por se preocupar apenas consigo mesma, ou já esperava me encontrar ao vir para cá?


 


— Abriu a porta como um Heathcliff moderno — murmurou com um olhar sonhador, no qual Harry não acreditou. Quando lhe convinha, era uma ótima atriz, como todos que viviam escudados em sobrenomes que datavam da colonização do país e cujas fortunas resultavam da glória do carvão, do aço e dos feudos industriais. Perguntava-se por que queria saber se ela poderia ser outra coisa. — É tudo muito romântico. Odiaria que os detalhes da minha viagem arruinassem o clima.


 


— Acho que sei por que está aqui. — Ele ignorou o jogo de sedução. Podia fazê-lo entrar no jogo antes, mas não o faria novamente. — Achou que iria funcionar, Hermione? Esquece que sei como você opera?


 


Ela piscou. Harry teve a impressão de que Hermione realmente não sabia o que ele queria dizer, mas logo se lembrou de que aquilo era o que fazia melhor. Quando ela se inclinou e pôs a mão no alto de sua coxa, ele se corrigiu: não. Ela era ainda melhor na sedução fácil. Usando apenas a proximidade e uma insinuação, tornava-se irresistível, mortal.


 


Ele sentiu o seu perfume lhe encher a cabeça e ficou tonto. O aroma de baunilha daquela pele era inebriante e trazia mais lembranças do que ele desejaria de seu sabor, de seu odor feminino, da paixão que há muito ele resolvera atribuir à própria imaginação. A mão de Hermione parecia queimá-lo através do jeans, lembrando-o claramente do quanto a desejara... E ainda desejava. Mas não significava que iria cair no jogo e gostar. Ou gostar dela.


 


Levantou e a mão de Hermione caiu. Também queria colocar as mãos nela, relembrar suas curvas, seus gemidos, se perder, mas não era mais o mesmo homem.


 


Conseguira um diploma no tipo de jogo que ela li com ele.


 


— Sexta-feira — disse em tom autoritário, certo de que ela obedeceria. — A balsa sai às 6h30. Isto não é um pedido.


 


— Aprecio que me lembre do horário — disse ela. Mais uma vez, ele viu nos seus olhos algo que não fazia sentido, que não conseguia decifrar. Hermione deveria ser um livro aberto, com as páginas em branco, não deveria? — Mas farei o que eu quiser, Harry, não o que você manda.


 


— Não nesta ilha — respondeu com um sorriso feroz. De repente começava a gostar do jogo. Ela ergueu as sobrancelhas e seu sorriso se tornou cortante.


 


— Odeio lembrar o óbvio a alguém cujos antepassados testemunharam a assinatura da Declaração de Independência e que a defenderam nas ruas da Filadélfia, mas o país ainda é livre.


 


— A não ser nesta ilha — disse ele, sorrindo com arrogância. — Esta ilha me pertence.


 


 


Fora uma idiota. Não havia como fugir, pensou, trancada no minúsculo quarto do sótão do hotel, mergulhada até pescoço na banheira que deveria estar ali desde o século XIX. Evans Island. Deveria saber, mas a desculpa é que conhecia muitas pessoas que davam nome a cidades, edifícios ou ruas, e nunca se esperava que uma delas aparecesse, como que por encanto, no lugar batizado com seu nome.


 


Aquele deveria ser um truque exclusivo de Harry Evans Potter. Ao vê-lo entrar, deveria ter adivinhado e feito alguma coisa, mas ao invés disso se entregara à mesma atração fatal que sentira por ele, cinco anos antes. Era a história da sua vida, Hermione concluiu, olhando-se no espelho ao sair da banheira e se enrolar numa toalha.


 


Hermione vestia a camiseta por cima das calças de ioga, quando ouviu uma batida insistente na porta e seu coração acelerou. Só podia ser uma pessoa: a única com quem trocara mais de duas palavras desde que chegara, e seria melhor não a deixar entrar. Estaria mais segura vestindo um capuz vermelho, procurando lobos na floresta, mas, mesmo assim, resolveu abrir, como se bastasse a presença de Harry do outro lado da porta para fazê-la obedecer.


 


Os seus pés descalços, ainda quentes do banho, embaçavam a madeira do piso. Os seios se avolumavam sob a camiseta, enquanto uma pontada latejante lhe atingia o ventre. Estava consciente da coberta sobre a cama, da chuva e do vento que sacudiam as janelas, do cabelo molhado e a pele úmida. De repente, sentia-se tão aquecida como estivera no banho, ou mais: a simples batida na porta parecia tê-la incendiado.


 


Ele não bateu outra vez. Não precisava. Podia senti-lo do outro lado da porta, podia vê-lo, sua boca irresistível, as faces perfeitamente esculpidas, o nariz, característica indisfarçável de seus ancestrais, e o corpo atlético. E sua inteligência superior que lhe permitira deixar de ser a ovelha negra da família e se tornar presidente da Potter Foundation, mudança que lhe garantira uma legião de admiradores.


 


Era belo, mas nunca fora apenas um gato, embora desempenhasse bem este papel por longo tempo, e este era mais um motivo que o transformava no homem mais perigoso que já conhecera. Há cinco anos, apesar do seu estado lastimável, fora lúcida o suficiente para se afastar de Harry. Por que agora, que tinha muito mais a perder, fazia justamente o oposto? Era mais tola do que pensava.


 


Abriu a porta e pensou que ele parecia ocupar todo o espaço do corredor escuro. Harry apoiara os braços no alto do batente, mostrando seu belo peito musculoso, como se fosse uma escultura em exposição. Quando ela viu seus olhos, perdeu completamente o fôlego.


 


É muito forte, e você está enfraquecida, pensou Hermione, mas quando se tratava de Harry, precisava reconhecer que sempre perdia as forças.


 


Ele entrou no quarto, forçando-a a recuar ou a se deixar atropelar. Preferiu recuar e praguejou ao ver que ele sorria. Harry era mestre em jogos de poder. Dificilmente manteria a posição que ocupava na Potter Foundation e no complicado meio social que frequentavam, sem dominar aquele tipo de habilidade.


 


— Você exagerou a respeito de ser proprietário da ilha — disse ela, escolhendo a ofensiva como defesa e fingindo não se sentir nua, apesar de vestida. Não queria cruzar os braços num gesto protetor, e com isso dar-lhe uma vantagem que poderia ser usada contra ela. Havia algo no jeito como a examinava, no ar que se tornara pesado, que a eletrizava e deixava tonta. Era por isso que ficava desequilibrada perto daquele homem: não passava de algo fisiológico, químico. E ela se cansara também da química.


 


— Nunca exagero — retrucou ele. Hermione percebeu que fitava seus lábios como se quisesse beijá-la, como se já a beijasse. Sentiu um calor repentino no ventre e endureceu as coxas. — Não preciso — completou Harry com insolência.


 


— A ilha já pertenceu à sua família — Hermione repetiu as informações que obtivera do celular. — Mas seu avô doou a maior parte ao Maine Coast Heritage Trust há trinta anos e, antes disso, doara o resto ao estado do Maine. Agora você só manda na sua casa, como o patriarca no qual nunca se tornou, olhando a terra que poderia ter sido sua. — Ela forçou uma risada. — Que pena.


 


— Estou lisonjeado — disse se aproximando, fazendo com que o quarto parecesse se encolher. Ela não se mexeu, mas sentiu as pernas fraquejarem. — Você correu para me investigar, Hermione? Ou já sabia do que precisava antes de vir para a ilha?


 


— É uma pergunta retórica — retrucou sem se mexer, embora parecesse se tornar maior ao chegar perto dela. Mas era só a sensação causada pela maldita química que ele desencadeava no seu corpo, afetando sua percepção. — Conheço-o desde criança. Há muito pouco que não sei a seu respeito. — Fez um gesto de desinteresse. — A não ser o que pensa, claro... Presumindo que pensa. — Sorriu afetada. — Descobri que homens importantes e convencidos raramente pensam.


 


— Acho que está se confundindo comigo — respondeu calmo, olhando-a como se julgasse se era divertida ou irritante. — Não sou conhecido como a criatura mais fútil de Manhattan. Grande feito, Hermione. Deve estar orgulhosa.


 


Ela sentiu uma pontada de dor, de vergonha. Era o que os jornais diziam diariamente, desde que se tornara adolescente. Fútil chegava a ser um elogio, quando comparado a outros adjetivos que lhe atribuíam. O que importava se ele se juntara ao coro e dizia isso na sua cara? Não deveria fazer diferença, ela já deveria ter se tornado imune.


 


— Ora, vamos — disse, desviando os olhos do fabuloso corpo de Harry. — Eu o conheço desde antes de resolver se reinventar e se transformar no homem mais maçante do mundo. Conheci você quando ainda era divertido. — Ela fez uma pose displicente, esnobe: era seu maior talento. — Desde que, a partir dos 20 anos, todo ano você era eleito o playboy mais dissoluto de Nova York... — Conhecera-o no final daquele período em que ele se equilibrava no limite da respeitabilidade, depois de perder a mãe. Pelo que sabia, o encontro que tiveram num fim de semana fora para ele a última gota. Para Hermione, havia sido mais um pecado adicionado à lista que cansara de conferir. — É por isso que me odeia sem razão? — perguntou ela, estimulada por algo que via nos olhos de Harry, mas que não compreendia. — Porque eu o conheci naquela época? Não é justo: é o que também se pode dizer da metade de Manhattan.


 


— Não odeio você — disse num tom que a abrasou. — Conheço você. — Harry secou uma gota que escorria no pescoço dela, e Hermione se apavorou ao ver o que havia em seus olhos. Fogo. Fúria. E algo a mais, que temia analisar. E isto, Deus a ajude, fazia com que o desejasse.


 


— O que está fazendo? — gaguejou, odiando-se por quase derreter com um simples toque. Ele era um exercício de autoflagelação, um irresistível mergulho na loucura. Escapara uma vez e duvidava que teria a mesma sorte de novo, mas não se mexeu, não recuou. Deu um sorriso de triunfo e ela também o odiou.


 


— Acaba de me ocorrer que não há muita coisa a fazer aqui — disse, passando o dedo no decote em V da camiseta de Hermione. Provocava-a com uma estudada frieza, como se a testasse. — Não queremos que fique entediada. Já vi o que acontece quando fica aborrecida. — Ele riu. — Todo mundo viu.


 


— Eu me aborreço facilmente, e sou fotografada constantemente. — Controlou a respiração e escondeu a mágoa. — Agora mesmo, estou entediada.


 


— Enquanto estiver aqui... — disse com uma risada que a atingiu no mais íntimo do seu corpo. — Podemos aproveitar a única coisa em que somos realmente bons, não acha?


 


Hermione sentiu vontade de se fazer de boba, mas pensou que se ele resolvesse mostrar o que queria dizer, talvez não sobrevivesse. Achava que ela era a mesma pessoa que fora há cinco anos, há oito meses. Fria, dura, vazia, capaz de enfrentar qualquer coisa sem se deixar afetar. Anestesiada. Trataria-a como tal, mas estaria lidando com seu fantasma e acabaria por destruir o que lhe restara: a fragilidade, a calma. Tudo acabaria do mesmo jeito, e ela perderia muito mais.


 


Não poderia deixar que isto acontecesse, mas também não queria que ele soubesse que mudara, e isto o levaria a achar que tudo não passara de um jogo, que Hermione tivera motivos escusos, e não teria como se defender, como explicar o que lhe acontecera, e muito menos que ainda tentava descobrir quem era e que morria de medo do resultado.


 


— Pensei que havia dito que uma amostra tinha sido suficiente — falou, ainda magoada com o que dissera, pensando que não deveria fazer diferença, que não deveria passar de só mais uma opinião desfavorável. Voltou a ser a Hermione Granger sedutora, protegida por uma armadura, e sorriu misteriosa. — Mas não se preocupe. A maioria dos homens não consegue me manipular.


 


Harry deu um sorriso feroz que a atingiu no peito e lhe tirou o fôlego.


 


— Espere só — falou rouco, com um sorriso torto, pegando-a pelos ombros e beijando-a com sofreguidão. Sentiu que estava perdida.


 


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Obrigada a todos que estão lendo essa fic, estou muito animada pela quantidade de pessoas que são..

Obrigada r.ad, Pacoalina e Juliana de Barros Cadan por seus comentários, e os adoro..

Espero que gostem.
Deixem seus comentários.
Qualquer dúvida ou crítica é só falar.


 

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Comentários (3)

  • Laauras

    Leitora nova, amei a fic! Esse casal é explosivo! Esperando só pra ver as confusões... Bjão!

    2013-10-08
  • r.ad

    O final do cap tá prometendo hein!!! Quando é que a gente vai saber o que aconteceu entre os dois no passado?

    2013-10-05
  • RiemiSam

    Uau que química tem esse casal! Mas também tem muito ressentimento entre eles.

    2013-10-05
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