Capitulo 8



Capítulo 8


 
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Harry não precisava de outra conversa com o avô para que ele lhe dissesse. Deitado na frente da lareira, com o corpo macio de Hermione em cima do seu, mergulhado dentro dela, sabia que deveria tê-la jogado na rua, como pretendera. Mas o único lugar onde a jogara fora no chão, onde ela havia se deixado cair de boa vontade, tão incapaz como ele de controlar a paixão. Estava com o rosto escondido no seu pescoço, e ouvia cada sopro ofegante que ela dava, enquanto lentamente voltava à terra. Ele não deveria se sentir tão... Em paz.


Acariciou as costas de Hermione, como faria um amante atordoado que quisesse gravar o formato de seus os­sos, a maciez de sua pele, as curvas dos quadris e das nádegas. Desejava-a novamente, sempre, como um adolescente insaciável que passa pela primeira paixão. Atraía-o de uma maneira que ele ainda tentava negar, e não conseguia manter-se longe dela, embora soubesse com certeza que não lhe servia. Era irresistível como uma droga e destruiria qualquer tolo que caísse no seu encanto. Harry sabia. Já se livrara daquele vício uma vez.


Ela estremeceu, gemeu docemente no ouvido dele e levantou a cabeça, fazendo com que precisasse lutar contra uma ânsia que não entendia totalmente. Os olhos surpreendentemente verdes de Hermione brilhavam e re­fletiam o fogo da lareira. Não importa o que fosse, era fascinante, mortal como o mar que fustigava incessan­temente as rochas da ilha, sem nenhuma consideração pelos estragos que provocava.


 


Mordeu o lábio, ergueu o corpo e saiu de cima dele. Pegou um dos cobertores que ficara jogado, enrolou-o no corpo, e ajeitou os ca­belos negros que a deixavam com uma aparência etérea, Harry observou-a à luz do fogo, tentando entender como haviam acabado ali, quando sua intenção fora desmascará-la. Estava ficando cada vez mais difícil se lembrar da crua verdade a respeito dela, enquanto con­templava sua beleza emoldurada em negro, dourado e rosa, como se fosse um precioso quadro pendurado em alguma galeria.


 


Ele se assustou com a repentina veia poética. Era isso que lhe provocava? O que viria a seguir? Um soneto? Uma balada? Ainda assim, não conseguia desviar os olhos do seu rosto. Desejara-a durante anos, desde o maldito fim de semana quando a possuíra pela primeira vez, e duvidava que fosse capaz de esquecê-la.


— Você está me observando — falou em voz baixa e rouca, embora aparentemente estivesse olhando para o fogo. — Está esperando que me transforme no monstro que acha que eu sou? Ou, independentemente do que eu faça, é deste jeito que sempre me vê?


Harry sentiu algo se mexer dentro dele, incontrolável e brutal, e não sabia como lidar com o que sentia. Era como se entrasse em curto-circuito quando estava ao lado de Hermione. Perdia o famoso charme, a objetivida­de e o rumo. Perdia-se e nada enxergava, além dela. Era como um narcótico e, se ele deixasse, seria a sua ruína. Não adiantava fingir.


— Você não é um monstro — disse ele, sentando no chão e se apoiando no sofá, ignorando a própria nudez.


— Então, o que sou? — perguntou ela docemente. Percebeu o tom estranho, quase esperançoso na voz de Hermione, e sentiu que algo dentro dele reagia, como ela deveria esperar. Não passava de uma calculista. Por que seria tão difícil se lembrar disso? Sem querer, re­cordou-se de tudo que ela dissera na primeira noite, de todas as mentiras que lhe contara.


— É você quem deve me dizer — Por que não entrar no jogo? Por que não esperar para ver até onde ela iria?


Não fora este o objetivo de tudo aquilo?


— Não disse que estava tentando se reinventar?


Os olhos de Hermione chisparam, mas apenas sorriu.


— Disse — falou num tom manso, no qual ele não acreditava.


— Então, me conte. — Harry não entendia a repentina insistência, não sabia o que Hermione queria. Por que ar­rastar as coisas? Por que tentar transformá-las em algo além de simples atração física? Ele não tinha a menor ideia. — Fale-me sobre a sua metamorfose — pediu com ironia, mas Hermione não reagiu.


Voltou a olhar o fogo com o maldito sorriso que ele tanto odiava. Harry que­ria ver seu sorriso verdadeiro, o sorriso que sabia estar guardado na sua mala de truques e encantamentos. Era ótima em usar cortinas de fumaça, em mentir, mas uma vez ele vira a sombra do seu verdadeiro sorriso, apenas uma vez. E queria vê-lo de novo. Este era o problema: quando se tratava dela, Harry sempre queria demais. Por que sentia tanta necessidade de embelezar as coisas, transformando-as no que não eram?


— Quando despertei do coma, só queria que as coisas voltassem ao normal — disse, surpreendendo-o. Notou que ela parecia fazer um esforço para relaxar e desejou ardorosamente não se deixar comover. — Queria agir como se nada houvesse acontecido, porque estava com muito medo de que tudo tivesse mudado, de que eu ti­vesse mudado e não soubesse como lidar com isso. — Ela sacudiu a cabeça. — E odiava que todos soubessem o que tinha acontecido e que pudessem descobrir que eu era tão frágil. Odiava.


Ficou surpreso com o tom enfático que ela usara e com o olhar revoltado que lançara ao fogo, onde en­xergava algo que ele não via. Perguntou-se qual seria a aparência dos seus fantasmas, das coisas que a assom­bravam, que demônios carregaria dentro de si. E então ele se perguntou por que se importava: fora a única mu­lher que despertara seu instinto protetor, e era a única que precisava dele. Era loucura.


— Hermione... — Não sabia o que dizer. Falara sem querer.


— Não me importei por Theo ter me deixado — con­tinuou. — Isso não diz tudo? Qualquer pessoa, alguém de verdade, iria se importar por ter um noivo que não a amava de fato. Por outro lado, uma pessoa de verdade jamais ficaria noiva de alguém que não amava. Por­tanto, suponho que realmente não importe. — Virou-se e apertou a manta em volta do corpo. — De qualquer maneira, ele foi embora.


— Não precisa falar sobre isso — disse Harry, desejan­do que ela realmente não falasse. Era mais fácil quando desempenhava o seu papel habitual de sedutora e agia de acordo com o que ele esperava, mas agora era di­ferente, parecia muito mais constrangedor e próximo da espécie de verdade que pensara desejar. Agora que conseguira o que queria, não sabia como se sentia.


— E tudo parecia... Normal. Do jeito que eu queria. — Ela suspirou. — Mas não estava normal. Não tinha mais nada do que fora antes. Todos espertavam que eu mor­resse, mas sobrevivi. — Olhou para ele, e Harry sentiu um impacto no peito. — Por quê?


— E você me pergunta? — falou num tom que parecia muito alto e seco. — Ou foi apenas retórica?


Hermione sorriu de uma maneira perturbadora, embora não fosse o mesmo sorriso que ele aprendera a odiar.


— Não tinha a quem perguntar — falou com uma sim­plicidade que o atingiu. — Não ao meu pai que, como você disse, odeia-me há anos. Não à minha mãe que, desde que eu tinha 9 anos, vive à custa de medica­mentos. Não aos meus supostos amigos, que não se importavam. Riram da minha noite de loucura e só queriam chegar à próxima festa e esquecer o que tinha acontecido.


Sabia exatamente quem eram os amigos de Hermione. Conhecia suas loucuras, manias, vícios e delírios. Muitos também tinham sido seus companheiros de transgressões. Sabia tudo que havia para saber sobre o meio em que ela circulava. Nada do que dizia deve­ria surpreendê-lo, mas via aquele rosto vulnerável que despertava o seu impulso de protegê-la, de salvá-la. Mas salvá-la de quê? De suas próprias confusões? Da situação que ela mesma provocara e que a levara até ali, para convencê-lo a ajudá-la?


— São uns idiotas — falou ele com desprezo. — Sem­pre foram.


— Levei quase três semanas para perceber que nin­guém ligava para o fato de eu quase ter morrido — continuou no mesmo tom de simplicidade, como se o que acontecera tivesse sido pavoroso demais para ser embelezado. Harry sentiu vontade de abraçá-la, de consolá-la, mas não sabia como se aproximar, e nem se ela iria permitir. — E mais uma semana para com­preender que, se eu ficasse ali, também deixaria de me importar. E isso equivaleria a dizer que seria melhor eu ter morrido. — Encarou-o e levantou as sobrance­lhas. — As pessoas olham para mim e veem o que espe­ram ver: nada mais, nada menos. Decidi que a solução seria não ser vista.


— Ah, por isso, este disfarce — falou, apontando os cabelos tingidos de Hermione. Ela passou a mão na cabeça e assentou os cabelos. Harry pensou na outra versão dela, com os longos cabelos louros: nas pessoas que os admiravam, ficavam obcecados com eles e os imitavam; na maneira como seus cabelos a distinguiam, destacavam, iluminavam. Não admira que a primeira coisa que tivesse mudado fossem os cabelos, pensou, espantando-se por se sentir solidário.


— Resolvi descobrir quem eu era, quando não era Hermione Granger — falou, dando de ombros. — Quando não estava em Manhattan, quando não causava algum em­baraço ao nome da minha família. Quando era apenas eu mesma.


Harry pensou no quanto era absurdo querer acreditar no que ela dizia, e no quanto já acreditava, quando sa­bia muito bem que não passava de uma mentirosa es­corregadia, tão boa no que fazia quanto seu pai, já no quinto casamento, com uma mulher que mal passara da adolescência.


Decidiu que aprendera a não se deixar enganar por falas mansas, ainda mais quando se tratava de alguém como Hermione, que conseguia levá-lo pelo dedinho.


— E qual foi o resultado dessa experiência? — pergun­tou irônico, percebendo que a deixava insegura.


— Estava indo bem, até que você pareceu. Ele começou a rir.


— Que bobagem. — Viu-a enrijecer o corpo, mas não ligou. — Pode brincar de faz de conta o quanto quiser. Pode tingir os cabelos com todas as cores do arco-íris, mas isto não muda nada.


— Claro que não — falou irritada. — Porque sou um monstro.


— Não — retrucou. — Porque você é Hermione Granger Seu pai é desagradável. O meu também é. Que diferença faz? Há mais coisas em jogo do que as relações pessoais ou sentimentos magoados. Pelo amor de Deus. Reclama de ser tratada como um monstro...


— Nunca reclamei — interrompeu-o com uma expressão ofendida, como se fosse importante que compreendesse.


— Não diretamente — concordou. — Mas aí dá meia vol­ta e age como uma criança mimada, fazendo birra por seis meses, só porque não gosta da situação em que se encontra ao despertar do coma. Uma situação que você mesma provocou.


— Nunca neguei isso. — Ela comprimiu os lábios. — Não se trata de auto piedade. Sei quem sou e o que fiz. Não tenho ilusões a meu respeito.


— Tenho certeza de que é isto que diz para si mesma. — Passou a mão na cabeça para controlar o impulso de locá-la, o que só faria complicar a conversa. — Talvez você até acredite — suspirou.


— Sinto desapontá-lo — disse secamente, embora num tom sombrio, dando de ombros. Harry teve a impressão de que ela se colocava na defesa, que escondia a fragi­lidade que queria ver mais que tudo no mundo. — Acho que não me conhece tão bem quanto pensa.


— Sei que tem a capacidade de fazer o bem, como todos que nasceram com o mesmo tipo de privilégios que temos — declarou, tentando ver algo sob a másca­ra que Hermione usava. Desejava alcançá-la de alguma forma, fazendo-a mudar, como se alguém mudasse por encomenda, quanto mais uma mulher como ela, molda­da na ambição e no egoísmo, um monumento às prer­rogativas adquiridas por herança. — Tem uma quantia incalculável à sua disposição e, se parasse de tentar se esconder, teria o equivalente em poder.


— Não sabe o que está dizendo — disse com ar som­brio. Harry percebeu que atingira um ponto dolorido.


— Ninguém sabe melhor que eu — retrucou ele. — Não percebe de quem está falando? A Granger Mídia é sua por direito. Fingir o contrário porque tem problemas com sua família não a torna mais forte. Faz com que seja covarde.


— Deixe-me adivinhar. — Deu uma risada amargura­da. — Você quer as minhas ações, como todo mundo.


Ele a encarou com firmeza.


— Só há uma coisa que quero menos que a Granger Mídia: você — falou, admirado com a extensão da pró­pria crueldade, com sua capacidade de magoá-la, com o impulso de feri-la e protegê-la ao mesmo tempo.


Ficou olhando para ele por longo tempo, com o pei­to subindo e descendo rapidamente no ritmo da res­piração, e com um olhar atormentado. Mas quando Hermione falou, sua voz soou calma e implacavelmente fria. Pela primeira vez, imaginou o quanto isso lhe custava.


— É engraçado — falou ela, como se escolhesse as palavras com cuidado, como se as temesse. — Quando acho que já disse as piores coisas que poderia me dizer, que sua opinião a meu respeito não podia ser mais bai­xa, você me prova o contrário.


— Não estou tentando insultá-la. — Ele não sabia o que estava tentando fazer. Só enxergava os lindos olhos, o rosto de sereia, e desejava coisas que jamais poderiam se tornar realidade, que nunca poderia reconhecer total­mente, e que, se fosse esperto, jamais se permitiria de­sejar. — Mas o que faz é fugir, não é? Nunca enfrentou algo na vida: prefere mergulhar em qualquer coisa para escapar do que não lhe agrada ou do que não consegue administrar. Quer saber quem você realmente é, Hermione? Basta olhar para o que faz.


Quando ele acabou de falar, estava cabisbaixa, tensa, com a boca contraída, e quando levantou a cabeça e o encarou, os seus olhos brilhavam intensamente, embora não derramassem uma lágrima.


— Obrigada — disse. Harry odiou perceber que gostara de ela ter falado com voz trêmula. Finalmente, atingi­ra-a. Afinal, existia algo sob a máscara e a encenação, e ela não se resumia à Hermione Granger que forjara e cultivara com tanto cuidado. — Tenho certeza de que esta intervenção foi provocada apenas por uma preocupação altruísta com meu caráter, e nada tem a ver com o fato de que uma das coisas das quais fugi foi você.


Precisou admitir que ela batia forte. Ficou parado por um instante, sentindo uma relutante admiração. Jamais lhe ocorrera o quanto Hermione precisava ser forte para sobreviver daquele jeito, por tanto tempo, entrando no jogo e deixando entrever apenas pequenas rachaduras na sua armadura. Era uma artista, mas ele não tinha mais nada a perder.


— Sim — falou, querendo que ela fosse o que sabia que não poderia ser. — Você me deixou naquele fim de semana. Minha mãe havia acabado de morrer e fui tolo o bastante para acreditar que o que acontecera entre nós tinha algum significado. — Sorriu friamente. — Mas não se preocupe, Hermione. Deixei de acreditar em você há muito tempo.


 


O pior é que, apesar de tudo, ficara com ele, pensou mais tarde, naquela noite, enquanto Harry dormia ao seu lado, e ficava acordada. Ela olhou para a escuridão do outro lado das janelas e se perguntou como deixara que acontecesse, como se perdera completamente, depois de ter apenas começado a juntar algumas peças para se tornar o que queria. Por que, depois de tudo o que ele lhe dissera e de como demonstrara o pouco que pensa­va a seu respeito, ela não tinha ido embora?


 


A verdade é que sequer tentara. Talvez também não acreditasse em si mesma. Reunira toda a raiva, mágoa e sofrimento, na única coisa que admitia juntar os três: na paixão, na simples honestidade dos corpos se tocando, dos lábios se confundindo, dos dois se tornando um, como se isso pudesse salvá-la, como se fosse algo além de sexo.


Agora, Harry dormia pacificamente ao seu lado, en­quanto ela sentia o estômago se contrair e o peito se apertar. Aparentemente, não conseguia mais escapar à verda­de, como tentara fazer desde que ele entrara novamente em sua vida. Naquela noite, algo mudara nela, algo se quebrara, e não poderia mais fingir, anestesiar-se e agir como se não se importasse. Não poderia mais mentir para si mesma, ainda que tentasse fazer exatamente isso durante as duas últimas semanas. Harry a odiava.


Hermione suspirou pesadamente, foi tomada pela an­gustia e começou a tremer. Deitou de lado e enrolou-se como uma bola. A verdade é que Harry a odiava há muitos anos. Ah, podia gostar da atração que existia entre os dois e não conseguir manter as mãos longe dela, mas quando se tratava de algo que importava realmente, de algo que ultrapassava o relacionamento meramente fi­no, considerava-a sem valor e demonstrava seu des­prezo em cada palavra, em cada gesto.


 Talvez isso não lhe soasse tão terrível e não doesse tanto, se o que sentia por ele não fosse tão dolorosamente evidente. O que sentia por Harry Potter desafiava a lógica e a razão. Era confuso e avassalador. Doía. Deveria ter suspeitado de que sentir seria devastador. Do contrário, por que sem­pre se esforçara tanto para fugir dos sentimentos? Gostava de Harry de uma maneira que achava que ninguém seria capaz de gostar de outra pessoa. Desejava-o como nunca desejara ninguém ou alguma coisa. Ansiava por ele.


Não queria apenas se perder na gloriosa satisfação física do relacionamento entre os dois, embora uma parte dela simplesmente o desejasse, mesmo agora. Queria que a conhecesse, que a enxergasse, que enten­desse tudo que nunca teria coragem de dizer em voz alta. Justo ela, que passara a vida inteira se escondendo por detrás de um véu, de uma máscara que ninguém, nem mesmo ela, jamais levantara.


Cada vez que olhava para Harry ficava mais difícil manter seu disfarce, mais esforço fazia, deixando-lhe marcas mais profundas. A verdade é que se cansara de tudo: de si mesma, da sua imagem, do fato de que as duas se mantinham por serem simétricas. Hermione ja­mais sentira necessidade de se defender. Como poderia, quando era culpada de tudo que a acusavam, e de ainda mais?


 Porém, saber que Harry acreditava no pior a seu respeito deixara-a com a sensação de ter um buraco no coração, que se tornava mais fundo e maior à medida que passava mais tempo com ele. Mas não era isso que ela sempre fazia, não era assim que sobrevivia, mos­trando às pessoas o que queriam ver? Era exatamente o que os outros desejavam que ela fosse. Por que aqui­lo a incomodava tanto agora? Por que deixar que ele pensasse o pior a seu respeito doía tanto e ameaçava matá-la? Sabia por quê. Havia palavras que definiam o que sentia, mas não tinha coragem de usá-las. Não no seu caso.


Era Hermione Granger. Traçara seu cami­nho há muito tempo e sabia, com amarga certeza, que algumas coisas que os outros teriam, como finais felizes e casinhas floridas, não estavam ao seu alcance. Jamais. Mesmo os mais dóceis e bem comportados membros do seu círculo social podiam esperar apenas o tipo de vida que havia sido traçado para eles por seus pais.


Casamentos de conveniência, filhos que deveriam dar continuidade ao nome e à fortuna da família, casos eventuais e escândalos abafados, e o lento e inevitável deslizar no abuso de drogas pesadas, só controlado du­rante os grandes eventos de caridade frequentados por toda a sociedade de Manhattan, onde todos se iludiam mutuamente a respeito da suposta felicidade.


Aquele seria o tipo de casamento que Harry teria com alguma garota inofensiva e inexperiente, que nunca saberia que ele podia parti-la na cama, mas essa alegre perspectiva não se aplicava a ela, a não ser que tivesse muita sorte. Era conhecida demais, e se a vida lhe ensinara alguma coisa, se Jack lhe ensinara algo, era que não teria sorte tão cedo.


Hermione sentou na cama e encolheu os pés que toca­ram o chão gelado. Não conseguiu evitar, olhou-o por sobre os ombros, e sentiu uma pontada no fundo dos olhos, um aperto no peito e um nó na garganta. Lá fora, as nuvens haviam se movimentado e o luar entrava pe­las janelas, iluminando a perfeição do corpo de Harry. Era tudo que jamais admitira desejar. Puro e incrivel­mente bonito, não contaminado como ela: danificada e sem reparo. Não era escandaloso, motivo de piadas, o mau exemplo preferido de todos.


Sabia que poderia tê-lo, se conseguisse relevar o que Harry sentia por ela, caso pudesse fechar os olhos e fingir que não se preocu­pava, que não sofria. Se conseguisse se resignar a viver como a pessoa que ele via, ao invés de ser quem era realmente, fosse quem fosse. Sentia-se tentada, e isto a deixou com medo. Era uma tentação terrível e sedutora. Havia uma parte dela que queria simplesmente deitar na cama e se aninhar no calor do corpo de Harry, deixando que a tratasse da maneira que quisesse, e que ela tudo aceitaria para ficar com ele, abraçar-se, por mais algum tempo.


Porém, não podia fazer isso. Podia não acreditar em si, mas a diferença é que sabia que devia, e queria. Ficou sentada por longo tempo, imóvel. Apavorada. Sabia o que deveria fazer, por mais que o desejasse. Dessa vez, ele não iria segurá-la e não haveria discus­são. Harry estava profundamente adormecido. Teria de decidir sozinha, sem interferência. Por fim, embora fosse preciso mais coragem do que imaginara, Hermione levantou da cama. Não podia olhá-lo, mas alguma imagens lhe vinham à cabeça: os olhos castanhos de Harry fitando-a intensamente, os gestos de ternura que tivera durante aqueles dias, suas mãos gentis e cuidadosas, em contraposição à boca maliciosa. Sua cruelda­de. Sua bondade. Como poderia deixá-lo novamente?


 Lembrou-se do fim de semana de anos atrás e sentiu o coração bater com um sentimento que agora reconhecia. Naquela época, podia não ter percebido com a cla­reza de agora, mas, ainda assim, pressentira que Harry Evans Potter representava a maior ameaça na sua vida. Não fora capaz de dizer o motivo: simplesmente percebera que precisava fugir, embora seu corpo ansiasse por ele com uma intensidade que a atordoava.


Enquanto esta­va no banho, ela havia saído de fininho como se fosse culpada de alguma coisa, e pegara o primeiro voo para a Europa. Depois fora às Maldivas. Quando retornara, algumas semanas mais tarde, ele deixara de procurá-la, e ela ficara repetindo para si mesma que era isso que desejava. E então, tinha resolvido aceitar a proposta de casamento de Theo, que não fazia diferença, que ape­nas se deixara levar pelo fim de semana com Harry... Mas, no fundo, sempre soubera a verdade. Era incrível, perigoso demais. O único homem por quem imaginava poder se apaixonar.


 E ficara apavorada com a possibi­lidade de já estar gostando dele, sabendo que jamais o teria. Não de verdade. Não do jeito que iria acabar gostando dele: de corpo e alma. Fora o que percebera naquela época, e se apavorara. Era o que percebia ago­ra, e parecia pior, porque vislumbrara como poderia ser a vida dos dois, com coisas que ela nunca teria, como aquela casa habitada por uma família, cheia de vida, na ilha, um santuário que os preservaria das expectativas e dos jornalistas; ambos, sozinhos, sendo exatamente o que eram, e não o que se esperavam que fossem.


Hermione se deixou levar pela fantasia, pelo se, por um fio de esperança. Se a sua vida não fosse tão com­plicada; se Harry não estivesse tão resolvido a levar uma vida acima de qualquer censura por parte do avô puritano e a se casar por conveniência, a cumprir seu dever; se ela fosse outra pessoa, alguém de quem pu­desse se orgulhar, ou, pelo menos, não se envergo­nhar; se ele não pensasse realmente que era uma es­pécie de vagabunda.


 Ela respirou fundo, sentiu uma dor no peito e precisou abafar um gemido. Desta vez não estava entorpecida. Desta vez sabia exatamente do que desistia e mal acreditava no quanto isto lhe doía. Teria feito, oferecido ou fingido qualquer coi­sa para se livrar daquela dor, mas Harry sem querer lhe ensinara, pelo simples fato de existir e de causar sentimentos caóticos, que ela merecia algo melhor, não porque lhe oferecesse, pensou amargurada, ou por pessoas como ela merecerem, mas porque não estava mais disposta a se contentar com menos.


Oito meses antes, não teria se importado de estar com al­guém que a odiasse, mas ela mudara. Podia não saber quem era, mas, pela primeira vez desde que acordara do coma, tinha uma vaga noção de quem queria ser. E não se odiava mais. Portanto, como poderia ficar com alguém que a odiava? Seria se deixar entorpecer novamente, ficar paralisada, e, de sã consciência, não o faria.


Hermione se vestiu rápida e silenciosamente à luz pá­lida da lua de novembro. Jogou algumas coisas que trouxera aleatoriamente na mala. Permitiu-se olhar para Harry pela última vez, contendo um soluço sofri­do. Ah, como sofria! Por tudo que jamais se tornariam, por tudo que sabia que pensaria a seu respeito quando acordasse e visse que ela tinha ido embora. Mas seria melhor assim. Tinha de ser.


Havia uma balsa que saía da ilha ao amanhecer, como Harry lhe dissera no primeiro dia. Embarcaria nela.


 
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Oi pessoal, desculpa a demora, Feliz natal e Feliz ANo Novo, Muito atrasados kkkkk 
Sim eu sei as coisas estao confusas, mas é apenas a chuva antes da tempestade.. entao..

Obrigada por estarem lendo e obrigada a Laauras, Pacoalina,kellycl potter (kellycl potter, que bom que vc gostou tanto das minhas das fics, eu compartilho essa conta no potterish com a minha melhor amiga, o que quer dizer que Escândalos Inesperados Quase um Estranho são minhas, mas Um Lord para amar está sendo postado por ela, por isso nao sei dizer quando será a proxima atualização, ela deu uma pausa em fazer fics..então... Mas obrigada por estar acompanhando mesmo assim..) por seus comentários..
 


 

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Comentários (2)

  • Laauras

    Tá de volta eeeebaaa!! Ler até o final e dps comenta!! Bjão!!

    2014-09-17
  • Minah

    Ameiii... eu quero mais capitulos!!!

    2014-03-15
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