O Beco Diagonal: enfim, a verd

O Beco Diagonal: enfim, a verd



O dia seguinte amanheceu calmo e Flora demorou a perceber que era tudo realidade: estava na casa dos tios que acabar de conhecer, nos arredores de Londres. Olha pela janela e vê a extensão dos jardins. Lhe parece estranho que pessoas de tantas posses estivessem interessadas em mais uma herança. Depois lhe ocorre que talvez tenham perdido tudo e viviam de fachada.


Enquanto manda mensagem para o marido de que “até agora” estava tudo bem, é surpreendida por batidas na porta. É a tia lhe convidando para o café da manhã.


Descem as escadas e segue para outra sala, mais próxima da cozinha que a de jantar, com aparência mais leve também e móveis claros, o que parecia mais apropriado para o café da manhã. Ri de si mesma ao fazer mentalmente esta observação.


A tia lhe informa que o tio tinha negócios a resolver e saíra logo cedo. Então as duas iriam sozinhas ao Beco Diagonal ao banco e às compras. Iriam de carro, uma vez que Flora não estava acostumada aos meios tradicionais de transporte bruxo.


Após uma pequena viagem, na qual conversaram sobre amenidades, as duas chegam a Londres, no Caldeirão Furado, um bar descuidado e escuro com uma placa metálica onde se via uma bruxa mexendo num caldeirão furado. Flora encanta-se com a placa, gostaria de ter uma em sua casa, na cozinha, talvez. O barman cumprimenta Sra. Malfoy com um aceno de cabeça e olha com curiosidade para Flora, que o cumprimenta da mesma forma. As duas dirigem-se ao fundo do bar, onde a tia abre um portal com o uso da varinha, apenas tocando os tijolos da parede. Com surpresa Flora compreende que está no tão falado Beco Diagonal, uma rua tortuosa e estreita, com lojas dos dois lados e abarrotadas de pessoas vestidas como... como ela! Fica maravilhada ao constatar que bruxos não eram adeptos da moda trouxa, deveria ser algo genético: ela nunca conseguira compreender as tantas combinações de cores ou modelos e sempre optava pelo mais prático ou mais confortável.


Seria uma rua normal de comércio, não fosse as propagandas que se via junto das lojas, oferecendo os mais estranhos produtos. Maravilhada, Flora diz não saber por onde começar e a tia sorri e sugere que comecem pelo banco, para poder desfrutar das compras logo em seguida.


O banco Gringotes apontava, majestoso, ao fim da rua e destaca-se por ser uma construção gigantesca, de presença marcante, nada parecido com o restante das lojas. A tia logo avisa para não estranhar os funcionários do banco, pois são duendes. Que tente agir naturalmente e se sairá bem. Depois de passar pela rua toda, Flora pensa que não se surpreenderia em ver os duendes no banco. Tinha certeza de que nada mais a surpreenderia.


Logo na entrada um duende vem ao encontro das duas, olha desconfiado para Flora e depois pergunta a Sra Malfoy se irá fazer alguma retirada.


- Não, obrigada. Estou somente acompanhando minha sobrinha, Sra. Flora, que veio fazer uma retirada do cofre de minha irmã.


Ele examina Flora de cima a baixo e responde:


- Naturalmente. Senhoras, por favor me acompanhem.


Os três seguem por um vagonete, numa espécie subterrânea de montanha russa maluca até chegarem ao cofre, Flora é estimulada a descer, entrar no cofre e pegar o quanto quiser. Flora, admirada com a fortuna que encontrara, não pega mais que cinco moedas de ouro. A tia lhe fala sorrindo para encher a sacola, pois são mulheres e vão às compras.


Flora percebe que passara numa espécie de teste, pois se não fosse a autêntica herdeira daquela fortuna, não teria conseguido fazer a retirada. Ao saírem do banco as duas aparentavam ser velhas conhecidas, riem e conversam animadamente.


Entram em praticamente todas as lojas, a tia animada lhe contando as inúmeras possibilidades de uso de cada objeto estranho e repetindo a todo instante que não acredita como a sobrinha sobrevivera até então sem tudo aquilo.


Entram, enfim, na loja de varinhas. Flora sente-se como uma criança que iria realizar um sonho. As duas são atendidas por um jovem senhor, alto e esguio, de olhos muito claros, que se apresenta como Olivaras. Como todas as pessoas do Beco, já conhece Narcisa. Flora se apresenta pelo primeiro nome e ele começa a lhe mostrar varinhas. Percebendo que ela nunca havia comprado uma antes, lhe dá explicações sobre o material que são feitas, o núcleo mágico e tudo mais que possa interessar. Flora testa as varinhas, tentando, mentalmente reproduzir alguns feitiços que aprendera com a leitura do livro na noite anterior, sem muito sucesso, até que encontra a sua varinha:


- Salgueiro com núcleo de pêlo de Unicórnio, meio flexível, 27cm. Uma ótima varinha para encantamentos.


Flora a toma nas mãos e a varinha solta centelhas prateadas. Animada, testa imediatamente, usando comando não-verbal, um feitiço para levitar sobre a caixa da varinha, pois teri a vergonha de falar as palavras e não conseguir produzir efeito algum: Wingardium Leviosa.


- Funciona!!!!


Então era verdade, pensou Flora, não são só truques de ilusionismo, era magia real... Estava perdida em seus pensamentos, admirando a varinha e a caixa flutuando no ar quando surge, detrás das prateleiras, um senhor muito velho, olhos prateados como os cabelos escassos, sorri e comenta:


- Claro que funciona, minha cara....Sra?


-Sra. Flora... Riddle, senhor...


Flora estava tão empolgada com a varinha que nem notara que, pela primeira vez, mencionara o sobrenome do pai biológico. Lhe saiu naturalmente, muito provável que no embalo do momento em que finalmente sentia-se uma bruxa de verdade.


Porém, a simples menção deste sobrenome causou um certo mal-estar naquele senhor. Narcisa adianta-se em dizer que Flora é estrangeira. Ele parece relaxar, mas não muito, seus olhos prateados penetram no olhar de Flora, que retribui o olhar com doçura, para desfazer o mal-estar. As duas pagam pela varinha e saem apressadas.


Ao se afastar um pouco da loja, a tia comenta:


- Seus pais apesar de muito conhecido por todos, não foram muito compreendidos pelo nosso povo. Seu pai muitas vezes usou meios ... como direi? Não-éticos para atingir seus objetivos.


Flora compreende. Não deveria ter orgulho de sua origem, não foram boas pessoas. Criminosos, talvez? Olha para todas as sacolas de compras e o dinheiro que carregava, sente repulsa. Não queria dinheiro sujo. Arrepende- se de ter dito o nome Riddle. Porém já era tarde demais. Aparentemente alguém no banco, talvez aquela bruxa vestida de verde-azulado que conversava com um duende em quem não havia posto muita atenção, mas que parara um instante sua conversa, quando Narcisa mencionara a palavra “sobrinha”... Sim, era ela mesma, passava de loja em loja fazendo comentários aos cochichos. E neste instante saía do Olivaras com expressão de assombro. Em poucos minutos todos na rua olhavam para ela com emoções variadas: assombro, horror, piscavam para ela, reverenciavam, sorriam. Uma mãe impedira um filho pequeno de se aproximar e atravessa a rua para mudar de calçada em seguida.


A tia lhe pega pela mão, dizendo:


- Vamos, querida.


Ela sente um repuxo no estômago, o mundo gira. Num piscar de olhos está na mansão dos tios. A tia orienta um empregado a buscar o carro que ficara em Londres.


Flora, por um momento descontrola-se, grita o nome da tia. Em seguida, assusta-se com a própria atitude, recompõem-se e completa:


- Por favor, precisamos conversar.


Instintivamente, Flora segura a varinha, ainda na caixa. Sente medo do que a tia poderia dizer, mas sabe que a varinha teria pouca ou nenhuma utilidade, uma vez que só havia decorado alguns feitiços básicos que se ensinam para crianças.


A tia pede que lhe acompanhe e a leva a um pequeno jardim de inverno, muito bonito. Convida para sentar num balanço de ferro pintado de lilás. Flora não consegue disfarçar a respiração novamente ofegante. Parecia que havia corrido para chegar naquele aposento.


Senta, desculpa-se.


- Eu que deveria ter pedido desculpas. Você não deveria ter vindo. Meu marido é que não conseguiu se conter ao saber que o Lord havia deixado uma filha. Ficou curioso... Tom Riddle, ou mais conhecido como Lord Voldemort, tinha uma aversão muito grande aos trouxas, gente comum. O que diria se soubesse que a própria filha tinha sido criada como uma trouxa? Ele os enxergava como seres inferiores que não tinham razão para existir. Era muito poderoso. Tirava de seu caminho todos aqueles que se opunham. Minha irmã, seu marido, meu marido e outros tantos o apoiavam e seguiam. Eu sempre me mantive à margem de tudo isso, não achava que deveria me meter nestas questões, temia por minha família. Mas Lord Voldemort encontrou um bruxo a sua altura, que ainda bebê o enfraqueceu a ponto de todos acharem que tivesse morrido. Chamava-se Harry Potter, estudou com meu filho em Hogwarts. Harry logo cresceu como você, longe do nosso mundo. Conheceu a magia ao entrar na escola, com 11 anos. E logo foi perseguido por sua fama e sua sina. Após sua derrota, minha irmã e cunhado foram para prisão. Meu cunhado faleceu lá. O Lord retornou após alguns anos, ainda mais forte. Formou exército, estava obcecado com a idéia de acabar com aquele que o derrotara uma vez, para reafirmar seu poder. O nosso povo se dividiu. As pessoas tinham muito medo, alguns poucos que se opunham ao Lord abertamente estavam sumindo ou enlouquecendo. Em torno de Harry Potter se reorganizou outro grupo de pessoas que acreditavam que poderíamos conviver pacificamente com os trouxas, como sempre foi. Eu já estava envolvida em tudo isso, não tive escolha, uma vez que meu marido era uma comensal da morte, como eram chamados os seguidores de Lord Voldemort e este não perdoava desertores. Foram tempos difíceis. Houve uma batalha na escola de Hogwarts,muitos morreram, de ambos os lados, por fim Harry Potter e aqueles que o apoiavam venceram. Harry salvou meu Draco da morte. Sou muito grata a ele. Minha irmã e seu pai morreram nesta batalha. Após a queda do Lord das Trevas, estivemos todos presos em Azcaban. Eu fiquei menos tempo, pois não participava diretamente. Draco também teve a pena reduzida, graças ao depoimento de Harry Potter, que deixou claro que ele não teve escolha, fora obrigado a participar, por causa do envolvimento de Lúcio. Lúcio foi quem mais sofreu, teve pena de quinze anos, só não ficou mais tempo por ter sido acusado de covarde pelos outros comensais – o que mostrava que ele não costumava matar, somente ferir ou torturar os oponentes. Isso foi há muitos anos, desta vez não haverá retorno. Lúcio demonstrou arrependimento, acreditávamos nisso, mas agora...


Flora, chocada, pela primeira vez na vida não tem o que dizer. A tia retoma o fôlego e continua:


- Vivemos em paz, desde então. Lúcio se tornou uma pessoa pacata, apagada e caseira.  Evitava sair. Aposentara-se. Mas quando soube de sua existência, passou a “retomar os negócios”, sair todos os dias, como se estivesse a trabalho. Passara um longo período viajando, não sabemos onde esteve, isso antes de ir ao Brasil. Não parece estar em seu juízo perfeito. Estou com medo. Draco tem razão, está bravo com o pai. Draco deve muito a Potter, inclusive o emprego no ministério. Ele não gosta nenhum pouco da idéia de dever favores, Potter diz que alguém que cresceu vendo o pai mexer com as artes das trevas tem maior capacidade de identificá-las, mas Draco acredita que ele o tenha colocado lá para vigiá-lo de perto, o que não seria necessário. Nós queremos paz.


Flora engole em seco as palavras que teimam a não sair. Respira fundo e as lágrimas começam a escorrer. O choque fora grande demais. Pega na mão da tia que também se emociona, olha no fundo de seu olhos e diz:


- No que diz respeito a mim, nada irá abalar sua paz.


Pensa que talvez a melhor saída seja esquecer para proteger: “vou renunciar ao mundo mágico, para protegê-lo de todo poder maligno latente em mim”.


Escutam a chegada de Lúcio em casa, animado, avisa que chamou alguns amigos para jantar. As duas trocam olhares significativos, Flora conforta a tia:


- Fique tranqüila, sei o que fazer.

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