A viagem



Na semana seguinte, Flora telefona para o tio perguntando se o convite ainda estaria de pé. Ele responde, com voz arrastada e melosa, sem esconder a excitação, que sim, que estariam esperando por ela.


Seus sentimentos eram os mais confusos possíveis: estava muito excitada com a idéia de conhecer o mundo mágico, um mundo ao qual ela e sua família faziam parte e lhes era totalmente desconhecido. Porém estava receosa, pois existia algo muito sinistro que envolvia a figura do Sr Malfoy, ela sentia que o que havia lido nos relatos do elfo eram coisas mínimas perto do mal que ele apresentava em potencial. Mas tinha certeza que poderia dar conta do que ele apresentaria. Sentia que podia com ele, mas talvez fosse pura ingenuidade.


*


A viagem até Londres ocorrera de modo tranqüilo, o vôo fluido como seus pensamentos. No aeroporto os tios já a esperavam: um casal de senhores elegantemente vestidos. Por um instante sentiu-se mal-vestida, mas tentou compensar com uma postura altiva, tentando transparecer que estava muito segura de si. O que lhe pareceu dar certo, pois os tios não manifestaram nenhum olhar que transparecesse desagrado, muito pelo contrário. Sua tia lhe abraçou e disse:


- Você tem o mesmo porte que minha irmã, não se parece com ela nas feições, pois é muito mais bonita, mas se eu olhar para sua sombra, diria que era Bella que estava chegando. Muito prazer, sou Narcisa Malfoy.


Sua fala, aparentemente cordial e simpática escondia receios que Flora não pode compreender no momento. Ficou com a impressão de que Narcisa tinha medo da irmã.


Sr Malfoy adianta-se e carrega sua bagagem, num ato de servidão que não era compatível com sua figura. Flora observa isso e não comenta nada.


Vão para o estacionamento e entram em um carro luxuoso, os anfitriões mostrando o caminho como guias turísticos, de modo desajeitado até, como se não soubessem o que conversar com ela. Chegam à mansão dos Malfoy uma hora mais tarde, um lugar de muita ostentação e pouca alegria, observa Flora.


Sra Malfoy diz que preparara um jantar para eles, em que a apresentaria ao seu filho Draco, esposa e ao neto. Flora é levada a um quarto de hóspedes para repousar até o jantar. Sem fôlego, tentando absorver toda informação possível, Flora liga para o marido para contar onde está e ativar o GPS do celular, só como precaução. Enquanto isso escuta uma discussão que vem de longe, do outro lado da casa: Draco Malfoy havia chegado.


- Porque a trouxe aqui, pai? Já não tínhamos deixado de lado velhos hábitos? Porque colocar a família em risco? Você sabe realmente quem é ela? Minha marca está formigando, pai, isso não deve ser bom.


Ao falar isso, Draco mostra ao pai a, agora novamente visível, marca negra, uma espécie de tatuagem mágica com uma caveira e uma cobra passando por ela. O pai repete seu gesto e fala:


- Não é maravilhoso? A minha marca também retornou! Ela tem poderes, filho! E nós, como a encontramos, seremos recompensados. Escute o que estou te dizendo.


Flora, que não consegue conter a curiosidade para ver a marca, surpreende os dois na sala de estar, chegando em silêncio e diz:


- Espero não estar incomodando.


Draco respira fundo, abaixa os olhos e, resignado, apresenta-se. Ao tentar olhar em seus olhos, Flora percebe que ele desvia o olhar e acaba desculpando-se com a prima, mas precisa ir embora, pois teve um chamado urgente do trabalho, prometendo que iriam se encontrar em outra ocasião. Flora observa que ele viera só, deixara a família em casa, o que ela julga muito interessante.


A sala de jantar, com sua mesa imensa e seus móveis escuros era um tanto opressiva, parecia guardar ela mesma, na madeira, uma vibração sinistra, como se anunciasse que ali já ocorrera muito mais do que jantares familiares. A mesa posta para seis pessoas foi rapidamente rearranjada por mágica para os três, Flora observou atentamente os movimentos rápidos da tia com a varinha, repetindo-os mentalmente.


- Desculpe, esqueci-me que você não está acostumada ao uso da varinha. Precisamos levá-la ao Beco Diagonal para adquirir uma. Seu Olivaras passou todos os seus conhecimentos ao sobrinho, que parece ter ainda mais destreza na confecção de varinhas mágicas. Fico imaginando como é ser uma bruxa adulta, sem ao menos ter conhecimento básico de magia. É quase como ser trouxa!


Este comentário deixa Flora desconfortável, a tia percebe e tenta remediar.


- Mas é claro que você, sendo filha de quem é, nunca seria como uma trouxa, não é mesmo? Deve ter desenvolvido alguma técnica para extravasar a magia que circula dentro de si.


Flora concorda e conta um pouco sobre como usa sua técnica para entrar na mente de seus pacientes e tentar ajudá-los a compreender melhor seus problemas. A tia fica maravilhada e comenta com o marido:


- Legilimens sem uso da varinha!


- Como o pai. Completa Malfoy.


Os olhos da tia não conseguem disfarçar o horror que o comentário do marido lhe causa. Mas o tom de voz segue inabalável, como se continuassem a falar amenidades.


 Flora pergunta sobre a mãe, tem curiosidade em saber como ela era, quem era ela.


- Sua mãe era muito bonita, se bem que comparada a você, poderia se dizer que não impressionava. Não era uma pessoa muito amável, mas muito dedicada e bastante fiel... Porém não ao marido, como agora sabemos. (Narcisa sorri).


- E meu pai?


- Seu pai foi um grande homem. Muito dedicado ao mundo bruxo e empenhado em defender o nosso mundo de qualquer ameaça. Um grande bruxo, muito inteligente e poderoso. (Empolga-se Lúcio).


- Nunca desconfiaram da minha existência?


- Acreditamos que não. Ele estava absorto demais em lutar pela nossa causa, paternidade era a última coisa que lhe passaria pela cabeça...E minha irmã acreditou na mentira do marido, que você havia nascido morta... Não pense nisso, querida. O importante é que você está aqui e amanhã vamos levá-la ao Beco Diagonal para lhe mostrar um pouco mais sobre nosso mundo, para você fazer compras. Acredito que queira adquirir objetos mágicos, não?


- Ah, sim. Porém não trouxe muito dinheiro comigo desta vez...


- Não se preocupe com isso, querida. Sua mãe deixou uma boa herança no Gringotes, o banco dos bruxos. Nunca ninguém pode acessar, pois os cofres do banco só permitem retiradas do próprio dono. Estranhávamos porque pensávamos que os Lestrange não tivessem deixado herdeiros, então Draco deveria ter acesso. Depois acreditamos que o meu cunhado talvez tivesse algum filho bastardo, nunca imaginávamos que seria Belatriz...


Então era isso, pensa Flora. O medo que a rondava foi-se embora, pois agora acreditava que eles a tinham procurado para poder acessar a herança de sua mãe. Quanto a isso, não tinha nenhuma pretensão de ficar com dinheiro que não havia ajudado a acumular, daria tudo para a tia e nada mais teria com essas pessoas. Arrepende-se imediatamente deste pensamento: a tia estava sendo tão amável, nem de perto parecia sinistra como o Sr Malfoy.


- Vamos dormir, então? Estou cansada.


Flora pede licença para os tios e se retira para o quarto.


Em seu quarto, Flora não consegue dormir, tamanha a excitação. Olha pela janela: no belo jardim nada se movia, uma noite sem brisa. Resolve olhar o quarto, procurar alguma coisa para se distrair, um livro para ler. Encontra, em um pequeno baú, alguns livros velhos de escola, na contracapa diziam que foram de Draco. Seus olhos brilham ao ver que se tratavam de livros de feitiçaria. Pega o Livro Padrão de Feitiços nº1 e começa a leitura. Fica imaginando mentalmente os movimentos de varinha descritos ali, tentando absorver tudo. Não vê muita utilidade, a princípio, para alguns feitiços descritos ali: feitiço para levitar objetos, dar laço no sapato, aumentar objetos, etc. Mesmo assim, diverte-se com a brincadeira de imitar os gestos descritos com a varinha imaginária na mão. Adormece quando estava quase amanhecendo, o livro ainda na mão, terminando a leitura.

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