Capítulo 01



Capítulo 01


 


- Por que todos os homens bonitos são casados?


- Esta é uma pergunta capciosa! – Gina arrumou a boneca com vestido de veludo numa cadeira de balanço infantil de madeira, antes de voltar-se para a assistente. – Está bem, Lilá, de qual homem bonito estamos falando?


- Do alto, moreno e maravilhoso parado do lado de fora da loja com a atraente esposa e a linda filhinha. - Lilá encheu a bochecha com a goma de mascar e explodiu a bola. – Parecem um anúncio de revista, a representação da família perfeita.


- Então, talvez entrem na loja e comprem o brinquedo perfeito.


Gina afastou-se da coleção de acessórios e bonecas vitorianas com um meneio de aprovação. Exatamente como pretendia, atraente, elegante e à moda antiga. Checou tudo, até o leque franjado na minúscula mão de porcelana.


A loja de brinquedos não era apenas seu negócio, era seu maior prazer. Tudo, desde o menor chocalho ao maior urso de pelúcia, fora escolhido por ela com a mesma atenção aos detalhes e qualidade. Insistia no melhor para sua loja e para seus clientes, fosse uma boneca com capa de pele de 500 dólares ou um carrinho de corrida que cabia na palma da mão, de 2 dólares. Quando fazia uma venda, a seu ver apropriada, ficava feliz, não importando se vendera um brinquedo caro ou um barato.


Desde que abrira as portas da loja, adornadas com sininhos, há três anos, Gina tornara a Fun House um dos maiores atrativos da pequena cidade universitária, localizada na fronteira da Virgínia do Oeste. Despendera energia, persistira, mas o sucesso resultava de sua inata capacidade de compreender as crianças. Não queria que seus clientes saíssem com um brinquedo; queria que saíssem com o brinquedo certo.


Decidindo fazer algumas adaptações, Gina dirigiu-se à prateleira de mini-carros.


- Acho que eles vão entrar. – disse Lilá, já ajeitando os cabelos loiros e curtos. – A menininha está praticamente pulando de seu sapatinho de boneca. Quer que eu abra?


Sempre metódica, Gina olhou para o relógio de palhacinho na parede.


- Ainda faltam cinco minutos.


- E o que são cinco minutos? Gina, estou falando sério, o cara é incrível! – Na ânsia de olhar mais detidamente, Lilá percorreu o corredor para arrumar os jogos. – Se é! 1,90 m, 73 kg. Os ombros mais largos que já vi num blazer. Ai, céus! É de tweed. Como é possível que um cara usando tweed possa me deixar salivando?


- Um homem de papelão pode deixar você salivando.


- A maioria dos caras que conheço é de papelão. – Uma covinha no canto da boca de Lilá apareceu. Ela contornou o estande de bonecos de madeira para ver se ele ainda olhava a vitrine. – Ele deve ter ido à praia no verão. Olha só as mechas no cabelo e o bronzeado! Ai, meu Deus, ele sorriu para a menininha! Acho que me apaixonei.


Simulando um engarrafamento com os mini-carros, Ginevra sorriu.


- Você sempre acha que está apaixonada.


- Eu sei. – Lilá suspirou. – Só queria ver a cor dos olhos dele. Ele tem um daqueles maravilhosos rostos finos e angulosos. Aposto que é super-inteligente e sofreu horrivelmente.


Ginevra lançou um olhar rápido e irônico por cima do ombro. Lilá era alta e magra, o coração mole como marshmallow.


- Aposto que a mulher dele ficaria encantada com sua fantasia.


- É privilégio das mulheres, ou melhor, uma obrigação, fantasiar com homens como esse.


Embora discordasse por completo, Ginevra deixou Lilá acreditar no que bem entendesse.


- Está bem. Vá em frente e abra a loja.


 


- Só uma boneca. – disse Harry, puxando, de brincadeira, a orelha da filha. – Teria pensado duas vezes antes de me mudar para aquela casa se soubesse da existência de uma loja de brinquedos tão perto assim.


- Você compraria a loja inteira para ela se pudesse. – Ele lançou um olhar para a mulher a seu lado.


- Não comece, Mione.


A morena magra deu de ombros, ajeitando o blazer do conjunto de linho rosa, e depois olhou para a menina.


- Só quis dizer que seu pai tem a tendência a mimar você porque a ama demais. Além disso, você merece um presente por ter reagido tão bem à mudança.


A pequena Lílian Potter fez beicinho.


- Gosto da minha casa nova. – Deu a mão ao pai, automaticamente colocando-se a seu lado e contra o mundo. – Tenho um pátio e um balanço só para mim.


Mione olhou o homem alto e magro e a menina do tamanho de uma fada. Tinham idênticos queixos atrevidos. Se bem se lembrava, jamais ganhara uma discussão com qualquer um dos dois.


- Imagino que você seja a única pessoa do mundo a considerar isso motivo que justifique deixar Nova York. – O tom de voz de Mione suavizou-se ao acariciar os cabelos da menina. – Não consigo deixar de me preocupar com vocês. Eu só quero que você seja feliz, querida. Você e seu pai.


- Nós somos. – Para acabar com a tensão, Harry pegou Lily no colo. – Não somos, bonequinha?


- E vai ficar ainda mais. – Afetuosa, Mione apertou a mão de Harry. – Vão abrir a loja.


- Bom dia. – Eles estavam tensos, percebeu Lilá, abafando um longo e sonhador suspiro. Que maravilha! O clima estava tenso entre eles. Ela bloqueou a fantasia no fundo da mente e convidou os primeiros clientes do dia a entrar – Posso ajudar?


- Minha filha está interessada numa boneca. – Harry colocou Lily novamente no chão.


- Bem, vieram ao lugar certo. – Lilá, como boa vendedora, voltou a atenção para a criança. Era realmente muito bonita, com os olhos verdes como os do pai, e os cabelos ruivos e esvoaçantes. – De que tipo de boneca gostaria?


- Uma bonita. – respondeu Lily. – Uma bonita, com cabelos loiros e olhos azuis.


- Aposto que temos exatamente o que você quer. – Lilá lhe ofereceu a mão. – Gostaria de dar uma olhada?


Depois de fitar o pai à espera de aprovação, Lily deu a mão a Lilá e foi à cata da boneca.


- Droga! – Harry ficou tenso.


Mione apertou-lhe a mão pela segunda vez.


- Harry...


- Eu me iludo achando que não faz mal, que ela nem se lembra.


- O fato de ela querer uma boneca de cabelos ruivos e olhos azuis não significa nada.


- Cabelos loiros e olhos azuis. – repetiu ele, e a frustração mais uma vez tomou conta dele. – Exatamente como Angela. Ela se lembra, Mione. – Enfiando as mãos nos bolsos, afastou-se.


Três anos, pensou. Há quase três anos, Lily ainda usava fraldas. Mas se lembrava de Angela – a linda e indiferente Angela. Nem mesmo um dos mais liberais críticos consideraria Angela uma boa mãe. Ela nunca embalara ou cantara canções de ninar, nunca confortara ou fizera a filha dormir em seu colo.


Harry observou uma bonequinha de rosto de porcelana angelical usando um vestido azul-claro. Minúsculos e delicados dedos, olhos enormes e sonhadores. Angela era assim, lembrou-se. De uma beleza etérea. E fria como gelo.


Ele a amara como um homem amaria uma peça de arte, admirando à distância a perfeição da forma e, constantemente, procurando o que se escondia por trás de tanta perfeição física. De alguma forma, geraram uma criança meiga, maravilhosa, que havia conseguido passar os primeiros anos de vida praticamente sem a ajuda dos pais.


Mas ele iria recompensá-la. Harry fechou os olhos por um momento. Pretendia fazer tudo a seu alcance para dar à filha o amor, a estrutura e a segurança merecidos. Uma família de verdade. A expressão pareceu vazia, mas era a única que lhe vinha à mente para descrever o que queria para a filha, laços familiares sólidos, reais.


Ela o amava. Sentiu que parte da tensão em seus ombros estava menos intensa, ao pensar no modo como os olhos grandes de Lily brilhavam ao colocá-la na cama, no jeito como os braços o apertavam quando ele a carregava. Talvez nunca se perdoasse inteiramente por ter se envolvido tanto com os próprios problemas, a própria vida, durante a primeira infância da menina, mas as coisas haviam mudado. Mesmo a decisão de mudar-se tivera como objetivo o bem-estar da filha.


Ouviu a risada dela e o resto da tensão dissolveu-se rapidamente. Não havia música mais doce do que a gargalhada de sua menininha. Uma sinfonia inteira poderia ser composta tendo como tema aquele sorriso. Não a perturbaria, pensou Harry. Vou deixá-la se divertir com as bonecas perfeitas, lindas, antes de lembrá-la que só poderá possuir uma.


Novamente relaxado, começou a prestar atenção na loja. Como as bonecas que imaginara para a filha, era perfeita, linda. Embora pequena, as paredes estavam cobertas com tudo o que uma criança pudesse cobiçar. Pendurados no teto, uma grande girafa amarela e um cachorro roxo de olhos tristes. Trens de madeira, carros e aviões, todos pintados em cores vibrantes, disputavam espaço numa comprida mesa na qual estava exposta uma elegante mobília em miniatura. Uma caixinha de surpresas com palhaço, à moda antiga, ao lado de uma complicada estação espacial futurística. Bonecas lindas, algumas de porcelana, outras de pano, brinquedos de armar e conjuntos de chá.


A ausência de um arranjo estudado tornava o resultado ainda mais atraente. Aquele era um lugar para sonhar, para desejar, uma superlotada caverna de Aladim desenhada para fazer os olhos das crianças se iluminarem de deslumbramento. Para fazê-las rir, como sua filha agora. Ele já podia antever que precisaria agir com mão-de-ferro para evitar visitas regulares de Lily à loja.


Esse fora um dos motivos para ter se mudado para uma cidade pequena: queria que a filha fosse capaz de admirar o prazer das lojas pequenas, onde os comerciantes saberiam seu nome. Ela poderia andar de um lado a outro sem as preocupações das grandes cidades, como assaltos, sequestros e drogas! Não haveria necessidade de trancas e sistemas de segurança, de vidraças para abafar o ruído do trânsito. Mesmo uma menininha como Lily não se perderia naquela cidade.


E, talvez, sem o ritmo agitado e a pressão, ele também encontrasse paz.


Distraído, pegou uma caixa de música de porcelana delicadamente trabalhada, enfeitada com a figura de uma cigana de cabelos vermelhos num vestido vermelho de babados. Nas orelhas, pequeninas argolas de ouro. Nas mãos, um pandeiro com fitas coloridas. Sem dúvida, não teria encontrado nada mais fino nem na Quinta Avenida.


Ficou pensado como a dona podia deixá-la ali, onde dedos pequeninos e curiosos poderiam pegá-la e quebrá-la. Intrigado, deu corda e viu a figura girar em torno de uma pequenina fogueira de acampamento, também em porcelana.


Tchaikovsky. Imediatamente, reconheceu o movimento e seu apurado ouvido aprovou a qualidade da gravação. Uma peça temperamental, até mesmo apaixonada, pensou, achando estranho se deparar com um trabalho tão sofisticado numa loja de brinquedos. Depois, ergueu o olhar e viu Ginevra.


Encarou-a. Não conseguiu evitar. Estava a poucos passos, a cabeça levantada, ligeiramente inclinada, fitando-o. Os cabelos tão vermelhos quanto os da bailarina, encaracolados em torno do rosto, num desalinho selvagem, caíam pelos ombros. A pele era morena, dourada, realçada pelo vestido vermelho simples que usava.


Mas esta mulher não é frágil, pensou. Embora fosse baixinha, passava a impressão de poder. Talvez fosse o rosto, os lábios cheios sem batom e as maçãs altas e salientes. Os olhos, quase tão escuros quanto os cabelos, os cílios compridos e fartos. Mesmo a uma distância de 3 metros, ele pode perceber. Sensualidade forte e latente que exalava dela do mesmo modo que outras mulheres exalam cheiro de perfume.


Pela primeira vez em anos, sentiu a palpitante onda de puro desejo.


Ginevra notou, reconheceu e se ressentiu. Que tipo de homem, refletiu, entrava num lugar com a esposa e a filha e olhava outra mulher com aquela voluptuosidade? Não seu tipo de homem.


Determinada a ignorar o olhar, como ignorara o de outros no passado, dirigiu-se a ele.


- Precisa de ajuda?


Ajuda? Pensou apático. Precisava de oxigênio. Nunca soubera ser literalmente possível uma mulher tirar a respiração de um homem.


- Quem é você?


- Ginevra Weasley. – Ofereceu-lhe um sorriso gentil. – Sou a dona da loja.


A voz parecia pairar no ar, rouca, vital. O leve sotaque denunciava a origem eslava e acrescentava um erotismo tão real quanto a música que permanecia em seus ouvidos. Ela cheirava a sabonete, nada mais, e ainda assim a fragrância o seduziu por completo.


Quando ele ficou mudo, ela levantou uma sobrancelha. Podia ser divertido colocar um homem a seus pés, mas ela estava ocupada no momento. Além do mais, o homem era casado.


- Sua filha escolheu três bonecas. Talvez queira ajudá-la a se decidir.


- Num minuto. Seu sotaque... é russo?


- Sim. – Ela pensou se deveria dizer que a mulher dele estava parada na porta da loja, aborrecida e impaciente.


- Há quanto tempo está nos Estados Unidos?


- Desde os 6 anos. – Lançou-lhe, de propósito, um olhar frio. – Mais ou menos a mesma idade de sua filha. Com licença...


Ele segurou-lhe o braço, antes que ela pudesse evitar. Mesmo sabendo ter tomado uma atitude indelicada, a crueldade em seus olhos o surpreendeu.


- Desculpe. Eu ia lhe perguntar sobre a caixa de música.


Ginevra desviou o olhar para a caixa quando a música foi sumindo.


- É uma das mais bonitas da loja, feita artesanalmente aqui nos Estados Unidos. Está interessado em comprá-la?


- Ainda não decidi, mas achei que você não havia notado que a deixei naquela prateleira.


- Por quê?


- Não é o tipo de mercadoria que se espera encontrar numa loja de brinquedos. Pode ser facilmente quebrada.


Ginevra pegou-a e a colocou no fundo da estante.


- E pode ser consertada. – Fez um dos rápidos e habituais movimentos com os ombros. Demonstrava arrogância mais do que desinteresse. – Acredito que crianças devam poder usufruir dos prazeres da música. Você não acha?


- Sim. – Pela primeira vez, um sorriso surgiu no rosto dele. Como Lilá notara, era um sorriso particularmente sedutor, teve que admitir. Apesar da irritação, sentiu uma torrente de atração e, estranhamente, de afinidade. E ele acrescentou: – Na verdade, acredito nisso intensamente. Talvez pudéssemos discutir o assunto num jantar.


Controlando-se, Ginevra lutou contra a fúria. Era difícil para alguém com sua natureza passional e, em geral, explosiva, mas lembrou-se de que o homem não estava só com a mulher, mas também com a filha.


Os insultos furiosos que subiam por sua garganta foram engolidos, porém não antes de Harry vê-los refletidos em seus olhos.


- Não. – Foi tudo o que disse, dando as costas.


- Senhorita... – balbuciou Harry.


Lily apareceu carregando uma grande boneca de pano de cabelos de lã loiros e olhos azuis.


- Papai, não é bonita? – Com os olhos vibrando, Lily ergueu a boneca esperando aprovação.


Tinha cabelos loiros, pensou Harry. Mas não era bonita. Nem, para seu alívio, personificava Angela. Por saber que Lily esperava dele essa reação, levou um tempo examinando sua escolha.


- Esta é - disse após um segundo – a melhor boneca que vi hoje.


- De verdade?


Ele agachou-se até ficar no mesmo nível que a filha.


- Com certeza. Você tem um gosto excelente, bonequinha.


Lily estendeu os braços, a boneca amassada entre os dois enquanto ela abraçava o pai.


- Posso comprar?


- Pensei que fosse para mim. – Quando Lily gargalhou, ele pegou as duas no colo.


- Vou embrulhá-la para você. – O tom de voz de Ginevra se tornara mais amistoso. Ele podia ser um idiota, mas amava a filha.


- Posso carregá-la. – Lily abraçou a nova amiguinha.


- Tudo bem. Então vou lhe dar uma fita para o cabelo dela. Que tal?


- Uma fita azul.


- Isso mesmo, azul. – Ginevra caminhou até a caixa registradora.


Mione deu uma olhada na boneca e revirou os olhos.


- Querida, não conseguiu achar nada melhor?


- Papai gostou. – murmurou Lily, abaixando a cabeça.


- E muito! – acrescentou o pai, com um olhar de advertência na direção de Mione. Colocando Lily novamente no chão, pegou a carteira.


A mãe era, sem dúvida, intragável, concluiu Ginevra. Embora isso não desse ao homem o direito de paquerar uma vendedora na loja de brinquedos. Ela deu o troco, entregou a nota fiscal e pegou uma fita azul.


- Obrigada. – disse Ginevra a Lily. – Acho que ela vai gostar muito de morar na casa nova com você.


- Vou cuidar bem dela. – prometeu Lily, enquanto tentava prender a fita nos cabelos de fiapos de lã da boneca. – A gente pode entrar para olhar os brinquedos ou tem que comprar um?


Ginevra sorriu e, pegando outra fita, deu um laço ousado e rápido nos cabelos da criança.


- Você pode vir e olhar sempre que quiser.


- Harry, precisamos ir. – Mione segurava a porta aberta.


- Certo. – Ele hesitou. Era uma cidade pequena, lembrou-se. E, se Lily podia vir e olhar, ele também podia. – Foi um prazer conhecê-la, Srta. Weasley.


- Até logo. – Ela esperou até os sininhos da porta tilintarem e deixou escapar uma cascata de palavrões bem baixinho.


Lilá espiou por trás de uma torre de blocos de armar.


- O que disse?


- Aquele homem.


- Sim. – Com um suspiro, Lilá saiu valsando pelo corredor. – Aquele homem!


- Ele traz a mulher e a filha num lugar como este e fica me olhando como se quisesse lamber meus pés!


- Gina! – A expressão sofrida, Lilá apertou a mão no coração. – Por favor, não me excite.


- Acho insultante! – Ela rodeou o balcão e deu um soco num saco de boxe. – Ele me convidou para jantar.


- Ele o quê? – Surgiu um certo encantamento nos olhos de Lilá, antes do olhar de Ginevra dar sumiço na expressão. – Você tem razão. É insultante ver como um homem casado... Embora a mulher parecesse um peixe morto...


- Os problemas conjugais dele não me dizem respeito.


- Não. – murmurou, praticamente relutando em afastar a fantasia. – Imagino que você tenha recusado.


Um som de surpresa saiu da garganta de Ginevra ao se virar.


- É claro que recusei.


- Quero dizer, é claro. – disse Lilá rapidamente.


- O homem é audacioso. – afirmou Ginevra. Os dedos coçavam, ansiando por quebrar algo. – Vir ao meu local de trabalho e me fazer propostas!


- Ele não fez isso! – Escandalizada e excitada, Lilá agarrou o braço de Ginevra. – Gina, ele não fez propostas, não é? Bem aqui?


- Com os olhos, sim. A mensagem era clara. – Enfurecia-se como os olhos dos homens em geral a fitavam e apenas viam seu corpo. Só queriam olhar o físico, pensou enojada. Ela tolerara insinuações, propostas, convites antes de compreender o que significavam. Mas agora compreendia e não tolerava.


- Se ele não estivesse com aquela adorável menininha, eu o teria esbofeteado. – Como a idéia a agradou enormemente, deu outro soco no saco de boxe.


Lilá tinha visto o temperamento da chefe explodir outras vezes e sabia como acalmá-la.


- Ela era um doce, não era? O nome dela é Lily. Não é bonitinho?


Ginevra deu um longo e relaxante suspiro enquanto esfregava o punho fechado na palma da outra mão.


- Sim.


- Ela me disse que acabaram de se mudar de Nova York para Shepherdstown. A boneca vai ser sua primeira amiga nova.


- Coitadinha. – Ginevra conhecia muito bem os medos e ansiedades de uma criança num lugar estranho. Esqueça o pai, disse a si mesma, sacudindo a cabeça. – Ela parece ter mais ou menos a mesma idade de JoBeth Riley. – Aborrecimento esquecido, Ginevra voltou para trás do balcão e pegou o telefone. Não custava nada dar um telefonema para a Sra. Riley.


 


Harry, parado na janela da sala de música, olhava um canteiro de flores. Ter flores do lado de fora da janela e um pedaço de terreno íngreme que precisaria de cuidados era uma nova experiência. Nunca cortara grama na vida. Sorrindo para si mesmo, pensou em quando tentaria fazer o serviço.


Havia um alto e frondoso bordo, as folhas verde-escuras, bem escuras. Em poucas semanas, imaginou, ficariam vermelhas e vibrantes, antes de caírem. Gostava da vista de seu apartamento no Central Park West, vendo as estações passarem através da mudança nas árvores. Mas não como esta, percebeu.


Ali a grama, as árvores, as flores que via, lhe pertenciam. Estavam ali para ele usufruir, cuidar delas. Ali poderia deixar Lily levar as bonecas para o chá das cinco sem se preocupar a cada segundo se ela se encontrava dentro de seu raio de visão. Teriam uma boa vida ali, uma vida estável. Ele experimentara essa sensação quando viajara para discutir o cargo com o reitor – e novamente quando caminhara na casa grande e espaçosa com a ansiosa corretora de imóveis em seus calcanhares.


Ela nem precisou vendê-la, pensou. Estava vendida no momento em que ele entrou pelo portão.


Enquanto olhava pela janela, um beija-flor lançou-se numa petúnia de uma tonalidade vermelha vibrante. Naquele instante, estava mais convencido do que nunca de que a decisão de deixar a cidade fora acertada.


Ter um breve contato com a vida rural. As palavras de Mione giravam em sua mente ao contemplar o sol brilhando nas asas iridescentes do passarinho. Não podia culpá-la por dizer isso, por acreditar nisso quando ele sempre optara por viver em locais agitados. Não podia negar que se divertira naquelas festas barulhentas que duravam até o amanhecer, ou nos jantares elegantes à meia-noite, depois de um concerto ou de um balé.


Crescera num mundo de glamour, riqueza e prestígio. Vivera toda a vida num lugar onde apenas o melhor era aceitável. E ele tinha aproveitado, admitia. Verões em Monte Carlo, invernos em Nice ou Cannes. Fins de semana em Aruba ou Cancún.


Não se arrependia dessas experiências, mas lamentava não ter assumido as responsabilidades de sua vida antes.


Mas, agora, Harry as assumia. E voltou a olhar o beija-flor, que voava velozmente. E tanto para sua própria surpresa quanto para a das pessoas que o conheceram, gostava dessas responsabilidades. Lily fazia a diferença. Toda diferença.


Pensava na menina quando ela surgiu correndo do quintal dos fundos, com a nova boneca de pano debaixo do braço. Foi direto para o balanço, como ele imaginara. De tão novo, a pintura azul e branca brilhava à luz do sol e os assentos de plástico duro pareciam de couro. Com a boneca no colo, ela se balançou, o rosto voltado para o céu, a pequenina boca movendo-se numa canção.


O amor o envolveu como um punho aveludado, firme e doloroso. Em toda sua vida, nunca conhecera nada tão intenso ou tão instintivo quanto a emoção que ela lhe despertava simplesmente por existir.


Enquanto se balançava para a frente e para trás, embalava a boneca, puxando-a para perto para contar-lhe segredos no ouvido. Ele gostou de ver Lily tão apegada à boneca de algodão e pano. Ela poderia ter escolhido uma de porcelana ou de veludo, mas escolhera uma que parecia carente de amor.


Tinha falado da loja de brinquedos a manhã inteira e desejava voltar lá. Ela não pediria nada. Não diretamente. Usaria os olhos. Ao mesmo tempo, ele achava engraçado e se surpreendia com o fato de uma menininha de 5 anos já dominar esse peculiar e infalível truque feminino.


Ele também pensara na loja de brinquedos e em sua dona. Nada de truques femininos ali, apenas puro desdém. Envergonhou-se pela forma inadequada como agira. Estou fora de forma, lembrou-se com um sorriso depreciativo e esfregou a nuca. Pior, não podia se lembrar de ter experimentando tamanha atração sexual. Foi como ser atingido por um raio, concluiu. Um homem tinha direito a se confundir um pouco, depois de ter sido eletrocutado.


Mas a reação dela... Franzindo o cenho, Harry rememorou a cena. Ela ficara furiosa. Chegara a ponto de tremer de fúria antes de ele abrir a boca – e meter os pés pelas mãos.


Podia ter recusado o convite com educação. Apenas dissera não – uma única e dura palavra com farpas nas pontas. Afinal, ele não a convidara para ir para a cama.


Mas bem que ele queria! Desde o primeiro instante, foi capaz de se imaginar levando-a para algum lugarzinho escuro e afastado na floresta, onde a grama fosse macia e as árvores ocultassem o céu. Um lugar onde ele pudesse absorver o calor daqueles lábios cheios, sedosos. Um lugar onde pudesse mergulhar na louca paixão que o rosto dela lhe prometia. Sexo selvagem, sem preocupações com o tempo ou com o lugar, com as noções de certo ou errado.


Meu Deus! Atordoado, conteve-se. Agia como um adolescente. Não, admitiu Harry, voltando a enfiar as mãos nos bolsos, pensava como um homem, um homem sem mulher há quatro anos. Ele não tinha certeza se desejava agradecer a Ginevra Weasley por abrir as comportas de seus desejos novamente ou estrangulá-la.


Mas tinha certeza de que iria encontrá-la outra vez.


- Já fiz as malas. – Mione parou na porta. Deu um suspiro. Harry, obviamente, estava absorvido de novo nos próprios pensamentos. – Harry! – chamou, levantando a voz ao cruzar a sala. – Eu avisei que já fiz as malas.


- O quê? Ah! – Ele conseguiu dar um sorriso distraído e tentou relaxar. – Vamos sentir sua falta, Mione.


- Vocês vão ficar felizes de me verem pelas costas. – corrigiu, dando um aperto no queixo dele.


- Não. – O sorriso surgiu com mais facilidade agora, reparou ela, limpando com cuidado a marca suave de batom da pele dele. – Eu agradeço toda sua ajuda na mudança. Sei como você é ocupada.


- Eu não poderia deixar meu irmão enfrentar as selvas da Virgínia do Oeste sozinho. – Mione segurou-lhe a mão num raro gesto de genuína agitação. – Ah, Harry, você tem certeza? Esqueça tudo o que eu lhe disse antes e pense, realmente pense, a respeito. É uma mudança bem grande para vocês dois. O que você vai fazer aqui no seu tempo livre?


- Cortar a grama. – Ele riu ao ver-lhe a expressão. – Sentar na varanda. Talvez até voltar a compor.


- Você poderia compor em Nova York.


- Não compus dois compassos em quase quatro anos. – lembrou ele.


- Está certo. – Ela caminhou até o piano e meneou a cabeça. – Mas, se quisesse se mudar, podia ter encontrado um lugar para morar em Long Island ou até mesmo em Connecticut.


- Gosto daqui, Mione. Acredite, minha irmã, é o melhor que posso fazer por Lily e por mim mesmo.


- Espero que esteja certo. – Por amá-lo, voltou a sorrir. – Continuo a dizer que você vai estar de volta a Nova York em seis meses. Enquanto isso, como única tia dessa criança, espero me manter informada sobre seus progressos. – Abaixou o olhar, irritada por ver o esmalte de uma das unhas descascado. – A idéia de freqüentar uma escola pública...


- Mione! - Ergueu a mão.


- Deixa pra lá! Não faz sentido começar uma discussão quando preciso pegar o avião e tenho plena consciência de que ela é sua filha.


- Sim, é.


Mione bateu o dedo na superfície brilhante do piano de cauda.


- Harry, sei que você ainda se sente culpado por causa de Angela, e não gosto disso.


O sorriso espontâneo desapareceu.


- Alguns erros levam um bom tempo para serem apagados.


- Ela o fez infeliz. – disse Mione, sem preâmbulos. – Vocês enfrentavam problemas já no primeiro ano de casamento. Oh, você nunca me contou nada! – acrescentou, quando ele não respondeu. – Mas havia outras pessoas, loucas para me informar, ou a qualquer um que estivesse disposto a ouvir. Não era segredo que ela não queria a criança!


- Por acaso eu era muito melhor, querendo o bebê apenas por achar que ele iria preencher as lacunas de meu casamento? É um peso e tanto cuidar de uma criança.


- Você cometeu erros, reconheceu e corrigiu-os. Angela nunca sentiu um pingo de culpa na vida. Se não tivesse morrido, você teria se divorciado dela e assumido a guarda de Lily. O resultado foi o mesmo. Eu sei que soa frio. E, em geral, a verdade é fria. Não gosto de pensar que você está mudando sua vida, de forma tão radical, na tentativa de consertar uma situação que já acabou há tempos.


- Talvez seja um dos motivos. Mas há mais. – Ele estendeu a mão, esperando até Nina aproximar-se dele. – Olhe para ela. – Apontou pela janela aberta, mostrando Lily ainda se balançando bem alto, livre como um beija-flor. – Ela está feliz. E eu também.


 


 


Agradecimentos especiais:


 


gilmara: espero que goste do primeiro capitulo. Abraços.


 


Viviane Barreda: Eu também gosto muito da Nora. Abraços.


 


Ana Eulina: a fic é bem interessante. Abraços.


 

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