sétimo.




 


7


 


 “Acho que você tinha razão quanto ao que disse sobre eu e Sirius ficarmos sob o mesmo teto sem se matar, ou dormir juntos. Eu estou me sentindo estranhamente viva. E não matei ninguém.” - foi a mensagem de texto que ela mandou para Lily no outro dia de manhã, mais ou menos ao meio-dia, encostada no peitoril da janela, com o rosto inchado e só de lingerie. Havia acabado de sair de fininho da cama de Sirius, que ainda dormia. E, embora sua cabeça latejasse e várias partes do seu corpo doessem por causa da tequila a dois exagerada na madrugada, ela estava mesmo se sentindo estranhamente viva. Com a mente estranhamente limpa.


 Ela suspirou uma vez, sabendo perfeitamente o que aquilo significava. Já havia acontecido antes, e era um tormento desagradável. Precisava beber algo forte – nada alcoólico, pelo menos. Algo que a deixasse ligada de novo. Algo que ela não podia beber ali para não deixar provas. Café.


 Depois de tomar um banho e se vestir, Lene saiu do apartamento de óculos escuros e um vestido preto de alcinha largo e curto, a bolsa pendurada no ombro. Sirius ainda dormia como um bebê no quarto.


 Quando atravessou o hall de entrada, Anne Flinch estava no balcão da recepção com a cabeça abaixada para alguns papéis, e ergueu o olhar para ela por apenas um segundo. “Nem um bom dia”, pensou Lene, sorrindo torto para si mesma, “estamos progredindo”. A algumas quadras do hotel havia um café que já estava entupido de gente. Era espaçoso e bem iluminado, e ela praguejou por não ter percebido que era a hora do almoço da maioria dos empregos em toda Las Vegas – e toda Las Vegas parecia ter se concentrado naquele maldito café. O balcão estava lotado de gente para fazer os pedidos, e ela decidiu ler o jornal trouxa enquanto esperava a sua vez na fila. Nada muito interessante... alguns fatos políticos com nomes que ela ignorava totalmente... pessoas se casando... pessoas se divulgando...


 - Marlene? – alguém a chamou, na frente dela.


 Ela ergueu os olhos, sem abaixar o jornal. De onde conhecia aquela voz? Então, devagar, espiou por cima do papel acinzentado e reconheceu, a algumas pessoas na sua frente, o homem de cabelos negros e olhos incrivelmente verdes e brilhantes. Ele usava uma camiseta branca e bermuda cáqui, tênis branco e um relógio prateado, e ainda exibia um sorriso gigante para ela.


 - Victor. – ela sorriu, segurando o jornal embaixo do braço para esticar-se entre os outros e beijar a bochecha dele.


 - Que... Coincidência, a gente se esbarrar por aqui – ele falou, enfiando as mãos nos bolsos.


 Ah, céus. Que homem.


 - E tão cedo – ela gemeu com uma careta, fazendo ele rir.


 - Isso é mesmo incomum. – Victor comentou.


 - Próximo! – a mulher de vozinha enjoativa gritou lá na frente.


 Marlene indicou com o dedo que era ele, e Victor virou-se rapidamente para fazer o pedido. Tamborilou os dedos no balcão enquanto esperava e, após receber e pagar o pedido, foi do lado dela.


 - Aproveitando muito a viagem? – ele perguntou gentilmente, abrindo a tampa de plástico de alguma coisa espumante que havia pedido.


 - Consideravelmente – ela sorriu com o canto dos lábios – Sempre tem algo que preocupa mas... De qualquer maneira, é Vegas.


 Ele assentiu com a cabeça, olhando para os lados. Marlene reparou que uma mulher de cabelos castanhos e lisos, atrás do balcão, de uniforme, os olhava ao mesmo tempo curiosa e triste. Lene entendeu no mesmo instante, e suspirou nervosamente, dando um passo na fila que andava. Não estava muito disposta a provocar outro ser da mesma espécie e gênero.


 - Conhece a atendente ali? – ela perguntou discretamente para Victor.


 Ele passou as mãos pelos cabelos, disfarçando, e, sem nem conferir, assentiu que sim.


 - Ela é bonita. Deveria convidá-la para sair. – aconselhou Marlene.


 - Olha só, quem está me dando conselhos para ser bonzinho – ele riu baixinho.


 Lene deu de ombros: - Hm, as pessoas têm seus momentos.


 Victor espreitou-a por uns segundos. Então, com um sorriso torto, girou os calcanhares e foi em direção à moça. Marlene passou as mãos pelos cabelos, voltando para a frente da fila, tentando não deixar a mulher mais corada ainda e esperando pacientemente a fila andar. Pediu um capuccino forte com chantilly e deu uma última olhada nos dois, que conversavam perto do balcão lateral quando saiu.


 Sentiu-se ligeiramente mais flutuante depois de ter praticado aquele ato de bondade. Enquanto ia, a passos lentos, tomando o líquido quente pela calçada, ouviu um toque de música animada e louca vindo de dentro da sua bolsa. Lily.


 - Alô?


 - Como assim, você me manda uma mensagem dizendo apenas “dormi com Sirius Black”?


 Lene riu alto, andando mais devagar ainda.


 - Oi, eu estou bem, também, Lil, ainda bem que perguntou. Que seja, o que mais eu poderia te falar?


 - Algo como... Excelente, bom ou péssimo?


 - Oh, não... Você e suas notas para as coisas.


 - Qual alternativa você escolhe?


 - Nenhuma. – disse firmemente.


 - Ah... Foi mesmo tão ruim assim?


 - Ah, Lily... Você me deixa envergonhada. É claro que não foi ruim. Ele é Sirius Black, o homem mais experiente da face da galáxia.


 - Ok, primeiro, galáxia não tem face, amiga. E segundo... Qual é a porra da nota?


 - Tem alguma acima de Excelente, ruiva?


 Lene esperou que Lílian gritasse o suficiente do outro lado da linha, passando as mãos pelos cabelos e virando a primeira esquina.


 - E agora?


 - O quê?


 - Vocês vão continuar saindo?


 - Eu não sei, quando saí do apartamento ele ainda estava dormindo. Sinceramente, não acho que isso vá acontecer, Lils. Ele é Sirius Black e eu... sou Marlene McKinnon.


 - Ah, pare com essas rotulações, Lene.


 - É a verdade!


 - Mas você vai continuar de favor no apartamento dele?


 - Que parte do “nós não conversamos ainda” você não entendeu, tapada?


 - Isso é tão deprimente. Volte agora para o apartamento e converse com ele. E depois me liga que eu quero saber de tudo.


 - Você só pode ter pirado. É claro que eu não vou voltar para o apartamento agora e ver a cara de satisfação daquele cachorro egocêntrico por ter conseguido dormir comigo.


 - E o que diabo você vai fazer?


 - Você só pode estar de brincadeira, Lily. Eu estou em Las Vegas, querida!


 - Isso, vá gastar o que você não tem pra dever pra meio mundo, depois.


 - A sua sensibilidade me comove, já te disse isso? – Lene parou na esquina para espera o sinal fechar.


 - Como estão as coisas com Josh, aliás?


 - Ele me largou em uma festa, depois que um capanga do Ambruzzi foi atrás de mim. Não sei se ele viu, não consegui mais falar com ele, oficialmente levei um fora do único cara que eu achava que nunca me daria um. Eu devo mesmo estar em decadência.


 - Quê!? Ah, cala a boca, você dormiu com o Sirius. Isso definitivamente não é decadência.


 - Talvez isso signifique mais decadência ainda?


 - Lene! Volte para o apartamento e fale com Sirius. Primeiro você tem que resolver isso, e depois vai atrás do dinheiro trouxa. Eu falei com James, e ele me disse que conhece uns caras que podem arrumar uma boa parte de dinheiro transferida para você. Só acho que não tudo. Você ainda precisaria da ajuda do brutamonte asqueroso do Josh e...


 - Não entendo a sua raiva pelo Josh, Lily. E eu agradeço muito pela ajuda do James, mas vou conseguir toda a quantia com Josh, de qualquer maneira.


 - Céus, são cinqüenta mil dólares!


 - Francamente, estou mais preocupada com o que fazer quando olhar pra cara de Sirius de novo. Talvez eu deva cuspir e xingar, isso é clichê?


 - Apenas trate-o bem. Mas que droga. Por que não ficam juntos de uma vez?


 Marlene gargalhou, sem se importar com umas pessoas que a olharam estranho.


 - Você só pode estar maluca, Lil.


 - Você é tão cabeça dura!


 - E você tem problemas.


 - Ahm, Lene, James acabou de chegar, tenho que preparar o almoço pra este esfomeado. Depois eu te ligo e você se acerta comigo.


 - Não use a expressão “se acertar”... Eu já tenho que me acertar de verdade com muita gente pra você ficar fazendo piadinhas.


 - Volta pro apartamento, perua, e fala pro Sirius que você o ama!


 - Você é uma mulher morta se falar algo para o James.


 - Então é oficial? Você o ama mesmo?


 - Ah, Lily, cala essa boca. Você é tão paranóica.


 - Eu sempre soube. – a ruiva riu – Estou com saudades! Beijo.


 - Outro, ruiva.


 Lene fechou o celular ainda com um riso preso nos lábios por causa do último comentário da amiga. O comentário sobre amar Sirius. Ela só podia estar louca, mesmo. O que sentia em hipótese alguma era amor. Era desejo – forte e louco, daqueles que é quase impossível controlar. E apenas porque ele era terrivelmente atraente e... sexy. O maldito era muito sexy.


 - Maldição – xingou baixinho enquanto fuçava na bolsa.


 Jogou o copinho de plástico em um lixo e começou a procurar pelos cigarros. Ainda era cedo, mas aquele seria um dia tenso. Assim que acendeu um e deu uma tragada, procurou nas chamadas recentes o nome de Josh e chamou. Apertou o passo um pouco ao perceber dois homens do outro lado da rua parados olhando-a sinistramente, um pânico repentino envolvendo-a.


 A linha ainda estava chamando. Lene já tinha perdido as esperanças de ser atendida – quer dizer, Josh só podia estar evitando-a. Desistiu de deixar mensagens e jogou o celular na bolsa. Suspirou de alívio quando reconheceu a silhueta do hotel ao virar a próxima esquina, e apertou ligeiramente mais o passo. Que porcaria de agonia. Que porcaria ser seguida.


 Seu corpo inteiro relaxou quando passou pelas portas de vidro, sorrindo rapidamente para o porteiro. Nem tinha reparado o quanto estava tensa. Bateu o cigarro no cinzeiro que tinha no balcão sem nem conferir se Anne estava por lá e foi direto para o bar.


 Então novamente sentiu os ombros enrijecerem pela tensão. Havia outro problema agora.


 Sirius.


 Suspirou e largou-se no banquinho do bar. Ramones sorriu para ela enquanto preparava o Bloody Mary sem ela nem ter pedido. “Garoto esperto”, ela sorriu para ele. Pediu também algo para comer e terminou o cigarro, amassando a ponta no balcão e jogando a bituca no lixo. Depois de comer e beber o drink, já eram quase duas horas da tarde; talvez, se voltasse na ponta dos pés para o apartamento e pegasse as roupas de banho, poderia se trocar no banheiro feminino na piscina e Sirius nem notaria...


 Estendeu uma nota no balcão para Ramones, que acenou enquanto ela ia embora. Era incrível como Anne Flinch havia simplesmente sumido desde a noite anterior. Em dias normais – se é que ela podia considerar qualquer dia ali como normal – a loira a esperaria passar pelo saguão para fazer comentários supérfluos e dar um jeito de mudar o assunto para Sirius. Agora, Lene bem que podia pensar que ela não trabalhava mais lá.


 A porta do apartamento estava aberta. Isso era bom e ruim – Sirius podia estar lá. Mas que desgraça. Bufando, passou as mãos pelos cabelos e foi até a sala, procurando suas roupas na mala. Onde havia enfiado aquele biquíni? Ah, ali estava. Agarrou-o e se enfiou no banheiro. Depois de se trocar foi que percebeu a burrice de não ter pegado as roupas de cima. Dando de ombros, ela saiu pela sala só de biquíni preto, mesmo. Bem, Sirius não poderia estar ali, de qualquer maneira - se estivesse já teria ido ver quem fazia barulho.


 Ela estava fuçando na mala à procura de um short quando ouviu a porta ranger, acompanhada de um barulho de passos e sacolas. E aquela voz idiotamente macia chamou-a:


 - Lene?


 - O quê? – ela respondeu rispidamente, irritada com a própria falta de sorte. Dez minutos mais cedo e não precisaria...


 - Eu achei que tinha fugido. – ele falou, sorrindo daquela maneira descarada.


 Lene ergueu as duas sobrancelhas.


 - Sem as minhas malas? Não mesmo.


 - Eu não acho que você precise delas – Sirius continuou falando, e começou a se aproximar – Você fica bem melhor só com essa tira de pano.


 - Você é mesmo um idiota, não é, Six?


 - Eu só falo o que eu penso com sinceridade, Lene... – agora ele estava realmente perto.


 Com aqueles olhos cinzas brilhando com um fogo promíscuo. Ele sorriu torto, e Lene ofegou levemente enquanto se lembrava da maciez dos lábios dele contra os dela na noite passada – é claro que seus pensamentos não se restringiram apenas no beijo, eles foram muito além, entre os lençóis de seda e os gemidos na cama do quarto ao lado. As mãos grandes e quentes dele em segundos estavam na sua cintura, fazendo sua pele formigar.


 - Eu estava... estava indo para a piscina – ela começou a falar, instintivamente segurando-se nos braços fortes dele – Só que esqueci das roupas de cima, daí eu tive que...


 - Não precisa se explicar, querida – ele sorriu mais largamente ainda.


 - Era só pra você saber, não estou fazendo isso pra provocar você.


 Marlene estava se sentindo uma idiota por falar aquelas coisas. Mas o que mais poderia falar?


 - Mesmo sem intenção, funcionou – ele mordeu os lábios inferiores enquanto sorria.


 Ela espreitou os olhos na direção dele, sem conter um sorriso torto também. Então, seria daquela maneira. Ótimo.


 - Então que pena que você ainda está de roupas, Sirius – Lene inclinou-se de modo que ficasse com a boca rente ao ouvido dele.


 - Ah, Lene, isso a gente pode resolver em um segundo – ele agarrou-a pelas coxas e a fez sentar-se de frente para ele no encosto do sofá.


 Lene riu enquanto ele beijava seu pescoço, mas seus risos foram se transformando em suspiros e, de repente, ela não conseguiu conter um gemido rouco. Ele mordeu seu queixo e desceu os beijos para seus ombros. Mordeu a alça frente única do biquíni e puxou-a devagar com os dentes, fazendo-a rir pelo nariz e morder os lábios. Então ele desceu os beijos para o decote dela e passou um bom tempo beijando ali enquanto ela apenas o enroscava pelas pernas, acariciava os seus cabelos negros e arranhava suas costas fortes.


 Quando Sirius foi subindo os beijos, passando pelo pescoço, queixo, e até chegar aos lábios dela, Lene sentiu-se estupidamente derretida, como se suas pernas tivessem virado gelatina. Ainda bem que estava sentada no sofá. Não que isso fosse totalmente bom, porque a posição não era realmente... enfim. O desejo que subiu pela espinha dela foi arrebatador, exatamente como na noite anterior. Talvez maior.


 Ela sugou os lábios dele, voluptuosa, puxando os cabelos negros atrás da nuca e arrancando um gemido do fundo da garganta dele, que tentou disfarçar. Tarde demais. Lene puxou de uma só vez a camiseta dele para cima e ouviu uns estalos de linha quebrando. E sinceramente, que se danasse. O corpo de Sirius estava ali, só pra ela tocar e arranhar e se deliciar e...


 - Eu comprei uma coisa pra você – ele disse enquanto beijava sua orelha, o corpo tão quente quanto se pode imaginar.


 - O quê? Camisinhas de sabor? – ela perguntou, e ele riu.


 - Não, querida, comprei um presente.


 Marlene parou de agarrá-lo no mesmo instante e, segurando-o pelos ombros, puxou-o para olhá-lo no rosto. Ele estava falando sério. Ainda havia um rastro de sorriso nos lábios dele, e aqueles olhos idiotas pareciam querer transbordar de qualquer coisa.


 - Six, você sabe o que um presente significa pra uma mulher. – ela disse baixinho com um ar engraçado – Não pode sair distribuindo presentes após dormir uma noite com alguém... Principalmente comigo.


 - Eu sei que isso não vale pra você – ele espreitou os olhos na direção dela – Funcionaria se meu sobrenome fosse Diggory.


 - Maldito – ela murmurou, dando um soco de brincadeira no ombro dele.


 Sirius riu.


 - Na verdade, não é um presente, presente... É uma coisa pra nós dois.


 - Tem certeza que não são camisinhas de sabor?


 Sirius revirou os olhos e se afastou. Marlene ficou indignada e não se moveu um centímetro no sofá enquanto o observava contornar a peça e ir até o centro da sala. Quem ele achava que era pra deixá-la ali... naquele estado?


 Lene esperou impaciente, prestando atenção apenas nos ombros dele e nos músculos das costas e da barriga, que se contraíam conforme ele se movimentava. Deus do santíssimo céu. Aquilo só podia ser mentira. Desde quando Sirius Black, o fanfarrão idiota que gostava de ser cachorro, tinha se tornado tão gostoso?


 Ela só se tocou que ele estava bem na sua frente, tão palpável, quando Sirius enfiou diante de seus olhos, atrapalhando sua visão divina, um pacote quadrado e grande com um papel de embrulho vermelho. Ele estava com uma expressão decididamente constrangida e relutante – e Lene achou graça. Sirius coçou a nuca com uma careta.


 - Não vai abrir?


 - Eu estou apreciando a sua cara de “eu nunca fiz isso antes e estou me arrependendo”.


 Sirius riu e passou as mãos pelos cabelos, fazendo Lene sentir-se um tantindo arrependida por ter feito aquele comentário. Dando de ombros, ela rasgou o papel de embrulho e franziu a testa para o que estava vendo.


 Uma peruca. Uma peruca loira e curta.


 - Você só pode estar de brincadeira, né. – murmurou baixinho.


 - Se quiser a gente pode ir trocar – ele falou, aparentemente sem ouvir o que ela dissera – A loja não é longe e... bem, tem umas ruivas e outras rosa. Você ficaria bem no estilo emo. – terminou com um sorriso nos lábios.


 Lene estudou com cuidado a expressão dele. Estava tentando descobrir que raio ele estava querendo dizer com uma peruca. Por acaso seus cabelos estavam caindo e ela não sabia? Ou ele queria... ah, merda.


 - Por que você me deu uma peruca? – perguntou, tentando ser delicada.


 Sirius ergueu as duas sobrancelhas, surpreso, e então soltou uma gargalhada alta.


 - Você tem problema. – Lene murmurou, chateada.


 - Não é isso, é que... ah, você não pensou... pensou? – ele ainda ria exageradamente.


 Ela esperou que ele parasse de rir com os olhos pregados na peruca. Estavam em um molde de cabeça do tamanho real, e parecia perfeita. Parecia mesmo cabelos loiros e lisíssimos de verdade.


 - Hey, não fica assim – Sirius pousou uma mão na cintura dela, se aproximando carinhosamente, e colocou uma mecha de cabelo negro dela atrás da orelha.


 Lene ergueu os olhos para ele.


 - É pra você poder sair comigo hoje. – ele falou.


 Ela espreitou os olhos. E até fez algum sentido enquanto ele ainda ria baixinho para não magoá-la. Mas francamente, ela só conseguia pensar no quanto... no quanto aquele gesto havia sido gentil. No quanto havia sido preciso que ele pensasse nela para chegar a fazer aquilo. Ela nem sabia que ele estava mesmo preocupado com a questão dever dinheiro/ser perseguida.


 - Obrigada. – disse.


 Sirius parou de rir mantendo um ar debochado.


 - Não vai fazer a gente entrar num momento constrangedor, vai?


 - Eu deveria, porque eu sei do seu fetiche por loiras, Sirius – ela riu, e Sirius fez uma expressão chocada e começou a beijar o pescoço dela de uma forma que fizesse cócegas.


 Lene riu alto enquanto tentava se livrar dele, e quase derrubou a caixa da peruca no chão. Quando ele parou, afastou-se minimamente e sorriu com o canto dos lábios, bem perto dos lábios dela, para dizer:


 - Você sabe como a minha personalidade muda rápido... Meu fetiche por loiras foi totalmente devastado por uma morena.


 - Que morena ridícula – ela mordeu os próprios lábios.


 Sirius capturou seus lábios, sugando-os devagar. Muito devagar, enquanto suas mãos passeavam pelas pernas de Lene. Uma sensação gostosa a invadiu quando jogou o presente no sofá atrás de si com uma mão e levou a outra à nuca dele, puxando-o para aprofundar o beijo. Sua pele queimava. Ardia. Em segundos o beijo tornou seu desejo abrasante.


 -


 - Ela não olhou nem uma vez. Nem umazinha. Ela está olhando na outra direção e... merda, ela olhou – Lene estava narrando para Sirius, que riu no final.


 - Uma hora ou outra ela teria que olhar – ele murmurou de volta, as pontas dos dedos batucando no copo pequeno de whisky com gelo.


 - Aposto que está se mordendo por não ser a loira do seu lado. – ela riu baixinho.


 Sirius sorriu e passou um braço pelo ombro dela, beijando sua bochecha. Aflita, Lene olhou para o próprio reflexo no espelho atrás do balcão. Mas que ridícula estava se sentindo. Aqueles cabelos loiros Chanel não haviam combinado em nada com seu queixo levemente quadrado e suas sobrancelhas escuras e bem alinhadas com os olhos. Sua boca estava pintada num tom de vermelho escolhido por Sirius. “Se está mesmo querendo se passar por outra pessoa...” desculpinha esfarrapada. Vermelho sangue, seus lábios carnudos sorriram para ela mesma quando sentiu algo quente no próprio pescoço.


 Por um instante, fechou os olhos, deliciando-se com o beijo atrás da orelha. Por pura intuição abriu-os levemente, mirando o mesmo lugar de antes.


 - Oh-ou. – ela falou – Alguém está vindo conferir.


 - Vamos sumir daqui – Sirius ainda estava beijando sua orelha.


 - Tem razão. – Lene saltou do banquinho e agarrou a mão de Sirius.


 Rindo, ele estendeu uma nota no balcão que pagava os drinks dos dois e saíram pelo corredor principal do hotel. Anne não os alcançaria nunca com aquele salto agulha desesperadamente alto. As pessoas se desviavam deles sem prestar atenção, apenas em suas respectivas conversas. Sirius puxou-a para uma porta vai-vem branca com uma placa de “somente pessoal autorizado”. O cheiro que invadiu suas narinas era estranhamente ótimo para aquela hora da noite.


 - Ela nunca vai pensar que entramos aqui – Sirius falou enquanto começavam a andar normalmente entre as várias pessoas vestidas de aventais, tocas e roupas brancas.


 - Ela é Anne Flinch, a mulher que se apaixonou por você, Six – debochou Lene, ajeitando a peruca em umas geladeiras metálicas e altas – Tirando uma base disso, a gente percebe que ela tem algum problema. E não duvide de alguém problemático.


 Sirius riu alto e, de repente, seus passos se tornaram mais urgentes. Ele agarrou uma mão de Marlene enquanto a puxava para as portas grandes e metálicas que só podiam dar para os fundos.


 Lá fora, depois de correrem entre os corredores escuros e finalmente acharem o caminho da calçada, eles pararam perto do meio fio para chamarem um táxi. Marlene ficou atenta à expressão concentrada dele, os olhos cinzas espreitados para o horizonte a procura de um carro amarelo, e se divertiu ao ver o gesto frustrado que ele fez quando um táxi passou por eles buzinando.


 Quando conseguiram um, Lene escolheu o lugar: um cassino/boate que ficava quase do outro lado da cidade e ela se lembrava de como era bom. Eles passaram quase a noite toda ali. Ela tentou ensiná-lo a jogar BlackJack numa tentativa frustrada, mas ficou impressionada quando Sirius quis apostar em uma mesa de valores baixos de pôquer, e ficou mais impressionada ainda quando percebeu que ele sabia jogar, a hora de blefar e apostar alto. Ele ganhou a mesa, e recolheu as fichas sorrindo descaradamente para todos os outros jogadores, que o encaravam sem emoção alguma. Ela ficou pensando como a vida deles devia ser monótona – a maioria ali estava da outra vez em que ela fora à Vegas. Os mesmos rostos, estampando apenas... o vazio. Não importava mais perder ou ganhar – o importante era apostar. O vício corroia suas entranhas.


 Depois disso, foram para o bar da boate, e pediram drinks. Sirius pediu um cor-de-rosa tão chamativo que Lene gargalhou quando ele levou um choque nos lábios por causa da luzinha acesa no fundo do copo. Haviam pompons e guarda-chuvinhas por toda borda. Ele franziu as sobrancelhas levemente, levando os dedos aos próprios lábios. Marlene saltou do banquinho e se aproximou dele, de modo que ficasse entre suas pernas, encaixando-se ali, perto demais do rosto dele.


 - Own, tadinho – murmurou, tirando os dedos dele dos lábios. As mãos de Sirius foram ligeiras para a sua cintura – Esses drinks malvados. – ralhou, fazendo ele rir baixinho.


 Lene riu e mordeu os lábios, indecisa. Mas as mãos de Sirius começaram a fazer carinhos em suas costelas, e ela se aproximou para sugar os lábios dele entre os seus, produzindo um choque muito diferente do anterior no momento do contato, e o choque desceu por todo o seu corpo, ultrapassando todas as suas células e nervos e veias. Sentiu o coração bombear mais rápido e culpou a bebida. Suas mãos afundaram nos cabelos negros de Sirius quando ele mordeu seus lábios, deixando-a mais tonta ainda.


 - Sarou? – perguntou Lene quando Sirius se afastou para beijar seu pescoço, totalmente inclinado no banco de frente para ela.


 - Na verdade, está doendo mais – ele falou com a boca em seu ouvido – Mas eu tenho uma leve impressão de que se você continuar tentando, vai conseguir me curar.


 Marlene riu e puxou-o para a pista, onde dançaram enquanto às vezes tentavam... curar Sirius. Depois de várias músicas e beijos e frases sussurradas no ouvido, Lene sentiu alguma coisa vibrar no bolso de trás da sua calça. Mas Sirius percebeu primeiro e com um movimento rápido, puxou o celular de seu bolso e o abriu; ela esticou-se para ver. Josh Miller.


 Sirius olhou para ela, indagador. Ela deu de ombros. Estava bem magoada com ele para atender.


 - Alô? – Sirius atendeu, as sobrancelhas franzidas. Ele tapou o outro ouvido com uma mão e começou a se afastar da pista rapidamente, fazendo Lene seguí-lo, frustrada. - ... perto. Não significa que ela queira, porra. – ela conseguiu ouvir por cima da música.


 Por que Sirius parecia bravo?


 - Não – ele continuava respondendo – Não vou passar pra ela, cara. – uma pausa – Se estamos juntos? Ah, mas isso é mesmo um grande problema seu. – ele riu alto.


 Marlene começou a ficar preocupada. Zombar de Josh era dar adeus a todo o plano. Olhou para Sirius alarmada, fazendo gestos para que ele lhe desse o telefone.


 - Quem disse? – ele perguntou novamente. Ela já estava ficando seriamente curiosa. – Espera, otário.


 Sirius estendeu o telefone para ela. Mesmo que tentasse, Lene não conseguiu definir a sua expressão. Enquanto botava o aparelho no ouvido e se afastava um pouco mais do som alto, Sirius a seguiu com uma mão na base de suas costas.


 - Josh?


 - Oh, meu Deus, Marlene. O que esse idiota está fazendo com você?


 - Bem, se não se lembra, ele está me dando hospedagem.


 - E diversão está incluída no pacote?


 - Francamente, você me deixou sozinha na outra noite. Eu deveria estar te ignorando, Josh, e te mandando para o diabo que o queira.


 Lene tentou ignorar a risadinha que Sirius deu, satisfeito.


 - Lene, eu... estou tão arrependido por ter feito aquilo. Eu fiquei pressionado. Os caras do Ambruzzi vieram atrás de mim também... eles acham que a gente está armando para eles e...


 - Por que não atendeu meus telefonemas ontem? Ou os capangas roubaram seu celular também?


 - Querida, você tem que confiar em mim.


 - Você não me deu motivo algum para isso. – ela engoliu seco, sentindo os olhos arderem. Ah, que raio de situação! Só queria que tudo acabasse logo.


 Sirius puxou-a pela cintura, abraçando-a por trás enquanto ela continuava ouvindo.


 - A gente tem que se encontrar. Essa noite. Temos que fechar o plano antes que vá tudo por água abaixo.


 - Você consegue a quantidade hoje? – ela frisou bem para que Sirius escutasse.


 - Se eu disser que o dinheiro está bem aqui ao meu lado, vai deixar essa gracinha de lado?


 - Isso não é gracinha, é orgulho. E não vou deixar de lado.


 - Pois bem. Quem sabe o Black arrume uns... oh, cinqüenta mil dólares pra te emprestar.


 - Cala a boca, Josh. Você disse que ia me ajudar – Lene usou a voz melosa para tentar convencê-lo. Sirius a olhou incrédulo antes de passar as mãos pelos cabelos e se afastar dando uma risadinha. Ela fez um gesto de “quê?” pra ele antes de começar a ouvir:


 - Ah, Lene... eu... eu fico doido de saber que te deixei por apenas um dia e você já está com esse cara. Eu conheço tipos como ele.


 - Onde quer marcar, Josh? – ela ignorou o que ele dissera. Sirius meneou a cabeça com uma careta, olhando para um ponto distante, e Josh pigarreou.


 - No Francis Kitchen Club está bom pra você?


 - Ótimo. Te vejo em meia hora.


 - Meia hora? Nã... – mas ela desligou. Ia ser do jeito dela, agora.


 Olhou para Sirius, que havia se afastado até uma das grandes janelas quadriculadas e observava o exterior fixamente, um braço cruzado e roendo uma das unhas dos dedos da outra mão. Lene se aproximou, enfiando o celular no bolso de trás, tentando decifrar aquela expressão pensativa do homem. A pele dele refletia uma luz colorida do outro lado da rua, deixando sua expressão um pouco mais sombria.


 - O que foi? – ela perguntou quando estava perto o suficiente pro perfume dele tomar conta do seu consciente.


 - Você vai mesmo se encontrar com ele? – perguntou, sem encará-la e nem responder.


 - Claro que sim.


 - Você só pode estar de brincadeira, né?


 - Oras, Sirius, nã...


 - Não, Lene. Eu e você sabemos o que esse idiota quer.


 - E porque isso afeta tanto você?


 No mesmo instante se arrependeu de ter falado, quando os olhos dele se abaixaram para encontrar os seus. Os cinzas naquela miscelânea de indignação e confusão que a atordoaram profundamente. Sentiu o coração palpitar e – diabos! – não havia bebido o suficiente pra isso acontecer tanto naquela noite.


 - Certo – ele finalmente rompeu a linha entre seus olhos, afastando-se dela devagar – Eu não deveria estar fazendo esse papel de... ahm, ok, eu te levo. E depois sigo o meu rumo.


 Ela abriu a boca pra falar, mas ele já tinha dado as costas. Foi o melhor, porque não sabia o que dizer. Seguiu-o até o lado de fora e, quando saiu pelas portas, ele já havia conseguido um táxi e aguardava dentro dele. O homem seguiu as instruções de Marlene.


 Ela esfregou as mãos uma na outra, estranhando aquele sentimento que estava apertando seu peito. Tinha certeza que tinha começado quando ele a olhara daquela maneira. Aqueles malditos olhos azuis claros demais para serem reais. Imprudentes demais e maliciosos demais. No meio da viagem silenciosa, seguida de olhares constantes do motorista pelo retrovisor para se certificar que eles estavam vivos, ela teve tempo de avaliar a situação.


 Estava saindo com Sirius. E pior: estava gostando daquilo. Gostando de se sentir asfixiada pelo perfume dele como acontecera na manhã, gostando daquela sensação intensa que sentia quando estava nos braços dele. Daquela certeza irritante que tinha de saber, só de olhar pra ele, no que ele estava pensando. No entanto, isso parecia impossível agora, e esse fato serviu para irritá-la.


 - Aqui estamos. – o taxista de repente estacionou o carro, apressado.


 Lene passou as mãos na peruca, tentando ajeitá-la. E lembrando-se severamente que Sirius havia conseguido que ela se tornasse um pouco não identificável. Isso aumentou a sua culpa. Ele estava pagando o homem enquanto ela pensava, ajeitando o vestido no corpo.


 Então, sem hesitar, inclinou-se no banco e puxou o rosto dele com uma das mãos. Os olhos cinzas caíram sobre os seus, surpresos e indagadores.


 - Eu vou voltar pra você. – ela murmurou antes de beijar sua bochecha.


 E, sem acreditar nas próprias palavras piegas demais, ela virou o rosto antes de ver a expressão dele e saiu do carro, batendo a porta ao passar. Josh estava do lado de fora do prédio, andando nervosamente de um lado para o outro, e as suas bochechas estavam vermelhas e seus cabelos loiros bagunçados. Lene sorriu torto pra ele, sem emoção alguma, tentando apenas ser simpática com o homem que a salvaria do drama.


 - E beijos no carro também estão no pacote, não é mesmo? – ele perguntou rudemente.


 Frígida, ela passou por ele sem cumprimentá-lo diretamente e deu um empurrão na porta. Josh a seguiu com o passo firme pelo corredor abarrotado de gente.


 - Eu acho bom que você tenha uma boa desculpa pra esse comporta...


 - Quer calar a sua boca, Josh, e se concentrar no trabalho, que foi por isso que eu fui atrás de você? – ela interrompeu, irritada, parando de andar de repente.


 Josh empinou o queixo, tentando não mostrar que estava intimidado, mas seus olhos ficaram agitados.


 - Por que está com essa peruca ridícula?


 - Talvez pra que ninguém me pegue de repente pra me dar uma surra. – ela destilou, começando a andar de novo. Quase trombou em uma mulher com um cachorro poodle no colo, e tentou manter o foco no pensamento para não gritar com qualquer pessoa que atrapalhasse seu caminho. Tinha que relaxar. E só conhecia um lugar naquele lugar que podia fazer isso.


 Pôquer.


 - Lene, ah, ninguém vai te dar uma surra e... Lene? Onde diabo você está indo? Hey! – ele ainda estava atrás dela. Com desgosto, revirou os olhos, empurrando outra porta vai-e-vem.


 Ali sim. Era uma sala em forma de ovo com um bar na maior parte da parede e mesinhas espalhadas com jogos de pôquer de todos os valores possíveis. Tinha sido ali que havia praticamente falido no mundo trouxa. Precisava resolver de uma vez por todas, porque agora estava criando outros problemas – e se continuasse assim isso seria uma bola de neve. Sentou-se no balcão e pediu um drink enquanto puxava um cigarro da caixinha e o acendia com a ajuda da mulher que estava ao seu lado fumando também. Agradecida, ela virou o corpo para ficar de frente para as mesas de aposta.


 Seus olhos vasculharam a sala cheia. Exatamente como no outro dia, com seguranças bem posicionados, homens conversando em rodinhas enquanto avaliavam os jogos. Ela deu uma tragada, observando tudo através da fumaça espiralante diante de seus olhos. E exatamente quando a fumaça se dissolveu, ela reconheceu uma silhueta troncuda de costas para ela: Ambruzzi. Sentiu um frio na espinha, mas logo Josh enfiou o próprio corpo em seu campo de visão.


 - Vamos sair daqui pra conversar, querid... – ele ia falando, mas ela o empurrou para o lado com um braço. Estava muito interessada no que estava acontecendo.


 - Vamos apenas observar, Josh. – ela sibilou enquanto entendia tudo.


 E a sua mente pifou e a tentativa de relaxar foi por água abaixo quando meteu o dedo no peito largo de Ambruzzi e gritou, furiosa: - Canalha!








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n.a: huh, eu sei, foi maldade ter terminado o capítulo assim, maaans! gente, novamente eu tô postando com pressa, e olha que eu nem ia postar hoje! amanhã tem vestibular e antes do final da semana que vem começam a sair os resultados então provavelmente eu vá entrar em depressão profunda ou estado de alegria retardada e isso vai fazer com que eu demore para atualizar. não fiquem bravos, ok? vou fazer o meu melhor.. rezem por mim? :D ah, e, cara, de novo eu estou sem palavras pra todos vocês que comentam.. só MUITO OBRIGADA, sério! amo cada um dos comentários e adooooro ouvir uns pirando no Sirius, outros acabando com a Anne e o Josh *-* me emociona! tomara que vocês continuem comentando porque isso me estimula a continuar aqui, sem dúvida alguma ;) e, como sempre acontece quando eu quero passar com pressa, eu comecei a falar demais. comentem queridos! e REZEM, não esqueçam! HIESHAIESA beijo.

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