O Funeral



N/A: Olá!!... Aqui está o capítulo 32, se quiserem botar uma musiquinha agradável de novo para ouvirem durante a leitura, faz bem...
=)



Capítulo XXXII
O funeral



Madame Pomfrey, conforme prometera, liberara ambos seus pacientes no início daquela mesma noite. Logo que os Granger voltaram trazendo a notícia de que Dumbledore os convenceram que seria melhor Hermione permanecer em Hogwarts, onde ela estaria mais protegida, a enfermeira tinha submetido os dois garotos a novas sessões de cuidados e exames, chegando à conclusão que Rony e Hermione estavam perfeitamente aptos a partirem. Assim, após um jantar pontuado com alegres sorrisos da Sra. Granger, olhares desconfiados do Sr. Granger e infindáveis comentários da enfermeira sobre como curioso era o fato de um bom sono ter feito tão bem ao estado emocional de Rony, os dois jovens deixaram a Ala Hospitalar. Juntos. Mas não sozinhos. Foram acompanhados de perto pelos pais da garota, já que ambos ficariam em Hogwarts para o funeral do dia seguinte e o Sr. Granger insistira incondicionalmente em acompanhar a filha e o ruivo até a entrada da Torre da Grifinória.

Quando disseram a senha e a Mulher Gorda girou para o lado (fato que os Granger observaram de olhos arregalados), Rony e Hermione se despediram dos pais dela, deram um passo adiante e se viram dentro de uma sala comunal muito cheia e barulhenta. Barulho esse que cessou no instante em que os vários pares de olhos dos presentes caíram sobre os recém-chegados. Um silêncio intenso e cheio de expectativas se estendeu então durante alguns segundos, nos quais todos pareceram se esquecer até mesmo de respirar. Mas não durou muito: gradualmente, como milhares de abelhas despertando simultaneamente dentro de uma colméia, cochichos, resmungos, gritos e exclamações encheram o ar, enquanto as pessoas apontavam Rony e Hermione indiscretamente e acenavam para eles. Rony fez uma careta e Hermione, atordoada, deu um passo para trás.

-É ela, é ela! – exclamou uma garotinha primeiranista muito miúda, de cabelos loiros brilhantes e bochechas rosadas abundantes. – É a “menina-que-retornou”!

-Sim, Sarah, mas é feio apontar!
– ralhou uma menininha morena ao seu lado.

-É verdade tudo o que disseram? – um secundanista gordinho indagou, curiosidade faiscando em seus olhos.

-Como é estar morta? – perguntou outra voz de um canto à esquerda.

-Você viu o “Você-Sabe-Quem”? Foi ele quem te matou? – Dênis Creevey quis saber, excitado.

-Foi ele quem matou a professora Brinks também? – Parvati Patil questionou curiosa, esfregando as mãos.

Hermione piscou ainda mais perturbada e sacudiu a cabeça, sem ousar dar outro passo à frente. Rony agarrou uma das mãos da menina dando um apertão reconfortante e se postou na frente dela, como se para protegê-la de tanto assédio.

-Cuidem das suas coisas e deixem ela em paz, bando de desocupados linguarudos! – esbravejou Rony, ignorando as faces chocadas e os resmungos indignados do pessoal em volta e abrindo caminho entre a multidão, puxando Hermione pela mão atrás dele.

-Ei! Vocês não avisaram que iriam sair hoje! – ofegou Gina, que vinha correndo junto de Harry, seus longos cabelos flamejantes reluzindo e esvoaçando sobre seu rosto sardento. – Tudo legal com os dois? – completou envolvendo o irmão e a amiga num carinhoso abraço.

-Estamos bem. – murmurou Rony se desembaraçando da ruiva e lançando olhares irritados ao redor da sala comunal, onde todos continuavam observando-nos.

-É bom te ver assim, Mione. – Harry disse com sinceridade. – Você parece bem agora.

-MUITO bem, eu diria. – corrigiu Gina notando as mãos unidas de Rony e Hermione com as sobrancelhas ligeiramente erguidas.

Hermione deu um sorrisinho tímido: - É bom estar de volta, também. – falou ela. – Embora eu gostaria muito que todos deixassem de me observar. – acrescentou nervosamente.

-MONITORA! – guinchou uma vozinha aguda de repente, um segundo antes de um afoito Adam Banks surgir e se atirar sobre Hermione, se atarracando na cintura da menina.

-Oi, Adam. – cumprimentou ela tentando se equilibrar de pé depois do “ataque” do garotinho.

-Oi, Monitora! – exclamou Adam com um largo sorriso, ainda grudado em Hermione. – Você está bem!

-Mas pode soltá-la agora?
– resmungou Rony puxando o primeiranista pelas costas das vestes. – É que ela ainda está se recuperando, você sabe.

Adam a soltou, sorridente e sem graça. Harry tremeu a cabeça e Gina murmurou debaixo de sua respiração: - O tempo passa, as coisas acontecem, mas há certas coisas que nunca mudam...

-Minha Monitora é a “menina-que-retornou”!...
– Adam continuou empolgado. – Isso não é fantástico?

Hermione forçou um sorriso simpático e afirmou com a cabeça. O ruivo soltou um muxoxo exasperado: - Se você não se importa, - disse colocando uma mão no ombro do garotinho e recuperando os dedos de Hermione com a outra – você poderia babar por ela uma outra hora? Agora ela precisa descansar.

-Rony.
– ralhou a menina de leve, girando os olhos e corando fracamente. Harry e Gina trocaram um relance instruído.

-Está certo, Monitor. – concordou o menininho. – Vejo vocês depois, então... Até mais.

-Até mais, Adam.
– Hermione lhe beijou a bochecha. – E obrigada por se preocupar.

O primeiranista se afastou, saltitante e encantado. Rony pareceu impaciente e resmungou algo incompreensível, o qual Harry achou distinguir as palavras “precoce” e “atirado”.

-Nós estamos parecendo uns idiotas parados aqui de pé.
– falou Gina. – Venham, vamos nos sentar. – chamou apontando para as habituais poltronas próximas ao fogo.

Os quatro cruzaram a sala comunal, se desviando dos curiosos e ignorando perguntas, e se sentaram bem em frente à lareira. Embora o tempo não estivesse frio, o fogo estava agradável e reconfortante.

-Vocês podem não acreditar, mas de fato eu estou realmente cansada. – suspirou Hermione se afundando mais na poltrona vermelha e ouro, atirando a cabeça para trás sobre o encosto e fechando os olhos.

-E por que não acreditaríamos? – quis saber Gina, que estava sentada no chão com as costas apoiadas nos joelhos de Harry.

-Bem, eu dormi por quase dois dias inteiros, não foi?

-Você passou por muita coisa, Mione.
– disse Harry sério, afagando o cabelo da ruiva abaixo distraidamente e sem se importar com a atenciosa platéia que continuava a encará-los. – Nada mais natural que esteja se sentindo assim.

-É.
– concordou Rony quietamente, puxando a cabeça da menina com cuidado para cima de seu ombro. – Você pode ser brilhante, Mione, mas não é de ferro. – acrescentou baixinho, quase num sussurro.

Hermione não abriu os olhos, mas deixou um sorriso discreto cruzar seus lábios e desfrutou em silêncio o cheiro doce e o toque macio do garoto outra vez naquele dia. Os dedos dele em seu cabelo a faziam se sentir tão bem que pareciam amenizar suas feridas, aliviar suas angústias. Sem mencionar que apenas a mera lembrança do gosto dos lábios dele era suficiente para fazê-la perder-se em arrepios.

-Talvez seja melhor você subir, Mione. – falou Gina observando atentamente a amiga e o irmão com uma expressão satisfeita.

-É, nós todos teremos um dia difícil amanhã. – murmurou Harry.

Hermione abriu os olhos para encarar o amigo, mas não desencostou a cabeça do ombro de Rony.

-A que horas será o funeral? – ela indagou quietamente.

-Às nove. – respondeu Harry. – As carruagens partirão para Hogsmeade logo após o café.

A menina não comentou e voltou a fechar os olhos.

-Eu REALMENTE queria que todos deixassem de me observar. – falou ela com um suspiro. – Isso me incomoda, eu me sinto como um peixe ornamental num aquário ou algo assim.

-Bem vinda ao meu mundo.
– disse Harry amargo. Gina e Rony sorriram, solidários.

-Obrigada, mas sinto que ainda não estou preparada para os holofotes. – Hermione resmungou se aconchegando mais contra Rony e escondendo a face na curva entre o pescoço e o ombro do ruivo.

-O que são “rolofortes”? – perguntou Rony enquanto seu braço envolvia os ombros de Hermione de modo displicente. Os dedos dele começaram a subir e descer num carinho leve no braço dela.

-Nada importante. – retrucou a garota, que por alguma razão estava com a respiração um tanto irregular agora.

-Diga mesmo assim. – insistiu ele numa voz estranha. O carinho no braço dela continuava.

-São coisas trouxas. Outra hora eu explico a você. – ela suspirou contra o pescoço dele. – É melhor eu ir para a cama agora.

-Certo. Eu te acompanho, então.
– falou o ruivo aéreo, observando Hermione sem sequer piscar.

-Você vai acompanhá-la? – Gina perguntou arregalando os olhos. – Para a CAMA? – completou num tom que ficava entre surpresa e diversão.

Rony balançou a cabeça, como se saindo de um transe:

-... Anh...? – gaguejou. – NÃO! – exclamou entendendo, suas orelhas tingindo-se imediatamente de rubras. Hermione levantou a cabeça, tornando-se uma sombra funda de vermelho também.

-Eu vou acompanhá-la até a ESCADA! – explicou o menino sentindo seu corpo todo arder com vergonha e embaraço. Ele iria matar a Gina, ah iria. – Se eu puder, é claro. – somou timidamente.

-Sempre que você quiser. – murmurou Hermione sem olhar nos olhos de Rony. Ela ficou de pé num salto e ele a imitou, puxando o braço dela no dele depois de um segundo de hesitação.

-Boa noite. – falou a garota a Harry e Gina, se afastando rapidamente com todos os olhares ainda em cima de si e Rony ao seu lado.

Ambos atravessaram a sala comunal de braços dados e em silêncio, ignorando as novas perguntas dos curiosos pelo caminho. Hermione se sentia completamente protegida e amparada. Rony, orgulhoso e lisonjeado. Timidez ainda existia, mas o conforto que um tirava da presença do outro era mais que suficiente para deixá-la em segundo plano.

Só quando conseguiram chegar ao pé da escada para o dormitório feminino foi que Hermione levantou os olhos para Rony, que sorriu a ela do jeito inclinado que sempre a balançava e a fazia estremecer dos pés à cabeça.

-Bem... – falou ela na falta do que dizer.

-Bem... – repetiu ele ainda sorrindo e encarando encantado o modo que os dentes de Hermione apertavam sobre o lábio inferior dela. Lábio que ele estava achando incrivelmente difícil manter longe dos seus, agora que ele já tinha provado o gosto.

-Suponho que eu deva ir, então. – murmurou Hermione.

-Sim. – concordou Rony lentamente. – Você vai ficar bem?

-Graças a você.
– ela disse baixinho, um rubor fraco rastejando sobre suas bochechas ao notar que toda a sala comunal os assistia com interesse renovado.

“Danem-se todos!” – pensou antes de dar um passo à frente e abraçar Rony com toda sua força.

-Obrigada. – sussurrou quando ele se moveu e a abraçou de volta com a mesma vontade.

-Não agradeça, eu sempre estarei aqui para você. – respondeu Rony com os braços em volta de Hermione e a bochecha esquerda encostada no topo da cabeça dela.

-Eu sei. – disse a menina se afastando um pouco, ficando nas pontas dos pés e encostando os lábios de leve sobre a face sardenta do ruivo.

“Bem perto da boca, bem perto.” – ele notou com um calafrio engraçado. Rony nunca entendera como poderia sentir calafrios quando seu corpo inteiro parecia estar em chamas.

-Claro que sabe. Como sempre, Srta. Sabe-Tudo. – o menino arreliou e ela o estapeou no braço. Eles riram um pouco e só então Hermione falou:

-Boa noite, eu vejo você amanhã.

-Esteja certa disso.
– ele retrucou.

Os dois compartilharam outro abraço rápido e a garota sentiu uma punção de irritação ao se virar e ver Parvati e Lilá os encarando e juntando as cabeças para fofocar. Harry tinha razão: ela estava no mesmo mundo que ele agora, estando pronta para encarar os holofotes ou não. Assim, ao subir o segundo degrau, Hermione se lembrou de algo:

-Ron. – ela chamou suavemente, girando para olhá-lo.

Rony se virou de imediato:

-O que? Algum problema?

-Não, apenas é que você disse errado aquela hora. A palavra certa é “holofotes” e não “rolofortes”. Boa noite.


O menino pareceu confuso e assistiu calado Hermione sorrir de leve, lhe dar as costas e recomeçar a subir os degraus. Só quando ela chegou à curva da escada e sumiu de visão foi que ele balançou a cabeça, entendendo sobre o que ela estava falando, ou melhor, corrigindo. Certinha e perfeccionista como sempre, a Hermione. E maluca. E linda. E, quem sabe, toda dele.

*****



A manhã seguinte despontou muito clara e excessivamente quente para os padrões normais de uma primavera. O céu estava azul brilhante e quando os primeiros raios de sol iluminaram o dormitório feminino das sextanistas, Hermione há muito já estava acordada. Apesar de ter dormido profundamente durante toda a noite passada, a menina ainda sentia-se esgotada e com pouca inclinação a sair da cama e enfrentar tudo o que aquele dia reservava. Assim, Hermione permaneceu quieta e silenciosa, bem escondida atrás das grossas cortinas de sua cama de dossel. Ela ouviu a algazarra dos pássaros soar ao longe, saudando o amanhecer, escutou pequenos barulhos andares abaixo, o que simbolizava que os habitantes do castelo aos poucos estavam despertando e notou Lilá e Parvati deixando suas camas e por uma vez em anos conversando quietamente e sem emitir nenhuma risadinha.

Enquanto isso, Hermione mantinha-se lá, deitada e tentando bloquear os tantos pensamentos que insistiam em povoar sua mente. Pensamentos tristes se misturando a felizes, idéias assustadoras se entrelaçando a tranqüilizadoras. Imagens horríveis de olhos vermelhos de fendas eram amenizadas por relances doces de olhos azuis luminosos. Lembranças de gargalhadas sinistras e sem alegria eram afastadas por outras recheadas com sorrisos sinceros. E recordações latejantes das dores de um Cruciatus eram jogadas para longe por memórias empolgantes da sensação e do sabor de um certo lábio macio.

Empolgante.

Hermione estremeceu apenas por pensar nessa palavra. Rony tinha a chamado de empolgante. Só a mera lembrança do que tinha acontecido depois disso já era suficiente para deixar o corpo inteiro da menina em labaredas e fazer suas pernas bambas de tal forma que ela não conseguiria deixar aquela cama nem se quisesse. Então, no momento em que a porta do quarto se abriu e Parvati e Lilá partiram, a garota se sentiu aliviada por estar sozinha. Ela atirou longe seus lençóis e puxou o travesseiro para cima de seu rosto, tentando se acalmar e alegando ao seu coração que deixasse de bater tão depressa. Mas aparentemente outra pessoa tinha entrado, pois Hermione ouviu com atenção o pequeno som de passos se aproximando de sua cama.

-Hermione? – veio a voz quieta e hesitante de Gina do outro lado da cortina. – Você está acordada?

-Estou.
– Hermione respondeu, sua voz soando abafada por causa do travesseiro.

A cabeça ruiva de Gina surgiu no segundo seguinte por uma brecha na cortina e ela espiou a amiga cautelosamente, seus grandes olhos castanhos brilhando com preocupação.

-Tudo certo? – ela perguntou e Hermione finalmente afastou o travesseiro de cima da face e olhou a ruiva, limitando-se a afirmar com a cabeça.

-Er... todos estão esperando por você. – contou Gina. – Seus pais e os garotos, eu quero dizer.

Hermione suspirou longamente: - É, suponho que estejam... – ela respondeu baixinho.

-Olha, Mione, - começou a ruiva afastando a cortina um pouco mais e se sentando na ponta da cama – eu estou certa que todos entenderiam se você não quisesse ir. Todos que te amam sabem os maus bocados que você passou e entenderiam se você não estiver preparada. As outras pessoas poderão até fofocar, mas o que importa? Você não deve satisfações a ninguém.

-Eu preciso ir, Gina.
– falou Hermione com firmeza. – Estando preparada ou não, eu PRECISO estar lá. Eu devo isso à Rebecca. E a mim mesma.

-Você não deve fazer nada se não estiver bem com isso, Hermione.
– argumentou Gina. – E eu tenho certeza que a professora Brinks também não iria querer que você fizesse. – acrescentou mais timidamente.

-Eu sei. – sussurrou Hermione se sentando. – Mas não é só por ela, Gina, é por mim. Eu nunca poderia estar bem comigo novamente se não conseguisse me despedir de uma pessoa que foi minha mãe, minha amiga, minha confidente e minha salvação. Eu tenho parte da essência de Rebecca em mim agora, mas na verdade acho que sempre tive.

A ruiva agarrou a mão da amiga: - Bem, você é quem sabe. – disse. – Faça o que for melhor... Mas se você vai ao funeral é bom se apressar, as carruagens sairão logo após o café, você está atrasada.

Gina pensou que Hermione saltaria da cama como um flash ao ouvir sobre seu atraso, mas se espantou ao ver que a menina continuou quieta no mesmo lugar.

-Então...? – questionou ela. – Não vai se levantar?

-Eu não estou disposta a encarar uma sala comunal cheia de gente cochichando a meu respeito e muito menos um salão principal repleto de olhos virados para mim, Gina.
– confessou Hermione. – Vou esperar até que todos partam para o café e depois seguirei direto para encontrar uma carruagem.

-Sem parar para tomar café?

-Estou sem fome mesmo.
– ela encolheu os ombros.

-Tudo bem. – concordou Gina. – Nós vamos com você.

-Não, Gina.
– protestou Hermione. – Não precisa. Vão, tomem café e me encontrem na carruagem daqui a alguns minutos.

-Você tem certeza?


A menina acenou em concordância.

-Mas como nós saberemos em qual carruagem você vai estar?

-Hum...
– Hermione pareceu ponderar por alguns instantes. – Eu manterei as portas dela fechadas. Ninguém fecha as portas das carruagens até que elas comecem a andar, então vocês saberão qual é a minha.

-Certo, então.
– disse Gina se levantando. Hermione fez o mesmo.

-E o que eu digo aos seus pais? Eles estão aguardando você do lado de fora do buraco do retrato.

-Não sei...
– falou ela pensativa.

-Quer que eu lhes diga que você se atrasou e que eles esperem lá por mais um tempo?

-Não. Eu não acho que seja uma boa idéia tê-los plantados na entrada da sala comunal, isso só iria gerar mais curiosidade e eu não quero que os dois sejam alvo de fofocas e perguntas indiscretas.

-Então eu faço o quê?

-Hum...
– fez Hermione torcendo as mãos. – Diga a eles para encontrarem uma carruagem sem mim. Fale que eu me atrasei e que se eles me esperarem lá todas as carruagens ficarão ocupadas. Eu encontrarei os dois em alguns minutos, então peça a eles que também fechem as portas da carruagem para que eu a identifique.

-Ok.
– concordou a ruiva. – E você ainda quer que nós encontremos vocês depois do café ou prefere mais um tempo sozinha com seus pais?

Hermione olhou fundo nos olhos da amiga antes de responder, a sinceridade presente em cada sílaba:

-Me encontrem, por favor, Gina. Eu não acho que poderei enfrentar tudo isso sem vocês ao meu lado.

Gina pressionou os lábios numa linha muito fina e com uma expressão bem séria e os olhos bastante brilhantes envolveu a amiga num grande abraço.

-Nós sempre estaremos ao seu lado, você sabe. – ela disse quietamente.

-Obrigada, Gina. Se há algo que eu preciso agradecer durante o resto dos meus dias são os amigos que tenho. – respondeu Hermione tomando uma respiração longa e tentando segurar a emoção. – Me lembre de dar um beijo no Trevo qualquer dia desses. – acrescentou mais brincalhona.

-Trevo? – Gina questionou franzindo a testa em nítida confusão.

-O sapo do Neville. – esclareceu a menina, mas vendo a expressão intrigada permanecer no rosto sardento da ruiva, explicou: - Se ele não tivesse fugido do dono naquele primeiro de setembro de quase seis anos atrás eu nunca teria saído para procurá-lo, nunca teria batido numa certa cabine e nunca teria conhecido Harry Potter e Rony Weasley. E se eu não tivesse me aproximado do Rony, provavelmente não me aproximaria de você.

Gina sorriu ternamente para a amiga e começou a caminhar para a saída, embora não deixasse de falar:

-Faz sentido, mas eu ainda acho que existem pequenos furos nessa teoria.

-Furos?
– estranhou Hermione. – Que furos?

A ruiva alcançou a porta, tocou a maçaneta e só então olhou de novo na direção de Hermione:

-Primeiro: você teria conhecido os meninos do mesmo jeito, entrando naquela cabine ou não. Afinal, vocês estão no mesmo ano e pertencem à mesma casa. Não foi o fato de você entrar na cabine que os tornou seus amigos.

-Então quem sabe eu tenha que beijar aquele Trasgo Montanhês ao invés do Trevo. Eu farei isso se encontrá-lo algum dia.
– disse Hermione com um leve sorriso o qual Gina retribuiu antes de se tornar séria novamente e continuar:

-Segundo furo: tenho certeza que nós duas ainda teríamos nos tornado amigas, de um jeito ou de outro.

-Ah, Gina!...
– exclamou Hermione, tocada. – Eu sei, a gente sempre se deu tão bem e-

-Não.
– cortou a ruiva fazendo um aceno com a mão. – A gente sempre se deu bem sim, mas não é por isso que estou dizendo.

-Não?
– indagou a menina erguendo as sobrancelhas. – Então por quê?

Gina se voltou para a maçaneta, abriu a porta calmamente e devagar deu um passo para fora do quarto. Ela sorriu um pouco antes de deixar seus grandes olhos castanhos pousarem nos de Hermione outra vez:

-Nós duas teríamos nos tornado amigas de qualquer forma porque um Weasley sempre reconhece o outro. SEMPRE.

E dizendo isso ela fechou a porta e partiu. Partiu antes mesmo de Hermione poder esboçar qualquer reação. Se ela tivesse lhe dado tempo, Hermione talvez poderia ter lhe contado exatamente sobre uma situação de anos atrás que essas palavras a fizeram relembrar. Bem, outra hora ela contaria...

*****



Nem quinze minutos depois, Hermione estava deixando o seu dormitório sorrateiramente. Ela estava vestida em suas habituais vestes escolares negras caprichosamente limpas e ordenadas e tinha o cabelo preso num rabo-de-cavalo casual que dificilmente domava a metade de suas madeixas, deixando praias de fios castanhos caídas de modo negligente aqui e acolá. Cautelosamente e tão silenciosa quanto possível a menina fechou a porta e desceu os degraus, apontando apenas a metade do rosto através do portal ao fim da escada e correndo os olhos pela sala comunal com apreensão. Gratamente o lugar estava deserto, o que fez Hermione deixar sair um suspiro quieto de alívio. Ela afastou uma faixa de cabelos particularmente teimosa de cima dos olhos, a cutucando para detrás da orelha e já começava a cruzar a sala na direção do buraco do retrato quando uma voz familiar a sobressaltou, fazendo-a saltar:

-Ei, Mione.

A garota se virou depressa para olhar, as mãos apertando o peito por causa do susto:

-Rony? – ela disse surpresa encarando o ruivo de pé próximo à mesma poltrona em que eles estiveram na noite anterior. – O que você está fazendo aqui? – completou meio ofegante e sentindo seu coração acelerar impiedosamente.

-Esperando por você. – ele respondeu com simplicidade, caminhando devagar rumo à menina e lhe premiando com um sorriso morno de boas-vindas.

-Eu... eu pensei que você estivesse no café junto com todo mundo. – falou Hermione ainda parada no mesmo lugar. – Não vi que você estava aqui.

-Eu estava sentado ali desde que a Gina voltou do seu quarto.
– contou Rony, finalmente a alcançando e surpreendentemente, sem nenhuma hesitação, a cumprimentando com um abraço grande seguido de um estalado beijinho na bochecha.

Hermione ofegou audivelmente e pareceu sem ação. Rony sempre tivera esse poder sobre ela, a levando às extremidades, a entorpecendo, a induzindo a extravasar todas suas emoções mais escondidas, que na presença dele sempre brotavam por cada poro do seu ser. E agora, depois de tudo o que acontecera entre eles, tudo aquilo ainda vinha numa intensidade dez vezes maior.

-O que foi? – perguntou o ruivo observando com preocupação o rosto perturbado da garota e notando sua respiração pesada e suas mãos ainda apertadas junto ao peito. – Você está se sentindo mal? Está com alguma dor? Quer se sentar um pouco?

Hermione levantou o olhar e ficou chocada ao ver tantos sentimentos misturados nos olhos de Rony, que no momento pareciam duas massas azuis de carinho, proteção, amor, desejo, preocupação, dúvida, amizade, ansiedade e paixão, tudo enovelado numa só linha e embaralhados numa só luz. Ela sorriu ligeiramente, sentindo as batidas do seu coração cada vez mais frenéticas.

-Não se preocupe, Ron, não é nada disso. – a menina o acalmou. – É só que... que... bem, não importa. – disse olhando os próprios pés, suas bochechas ganhando pálidas manchas rosas.

-É só que o quê, Hermione? – Rony a pressionou, alcançando para ela e erguendo o seu queixo cuidadosamente para que ela o encarasse.

-É só que... ver você. – Hermione disse suavemente. – Ver você faz isso a mim e me deixa desse jeito. – confessou num sussurro.

Rony pareceu confuso por um segundo e então sorriu a ela, aquele mesmo sorriso ardiloso que tinha feito os joelhos dela derreterem desde que ela tinha onze anos. Ele deu um passo para mais perto, envolveu a mão trêmula de Hermione na dele e guiou a palma da garota até o peito dele, a colocando sobre seu coração de forma que ela poderia sentir seu ritmo.

-Você quer dizer DESSE jeito? – ele murmurou.

Ela afirmou com a cabeça.

-Bem, você sabe o que costumam dizer... – continuou o ruivo a fitando profundamente e sentindo sua pele formigar em cada ponto do seu peito onde os dedos da menina o tocavam.

-E o que costumam dizer? – ela quis saber com um arrepio.

-Que o coração sempre sabe quando você está apaixonado.

Hermione arregalou os olhos e Rony ficou parado durante vários instantes, suas orelhas começando a corar. Ele embrulhou os longos braços frouxamente ao redor dela e a garota caminhou mais íntimo, encostando o ouvido no lugar do peito dele onde há pouco estava sua mão, permitindo que o ruivo a puxasse mais firmemente, embalando sua cabeça contra ele. Hermione escutou o coração de Rony e percebeu que aos poucos ele estava entrando em ritmo com o dela próprio.

-Isso é incrível! – ela murmurou de mansinho, sentindo as batidas do coração dela soando nos mesmíssimos momentos que as do coração dele. – Mas como é possível?

-Mione,
- Rony falou num resmungo – entenda uma coisa: qualquer coisa é possível quando duas pessoas estão apaixonadas.

E com isso a milimétrica distância existente entre os rostos dos dois se extinguiu, os olhos deles caíram imediatamente fechados e os lábios de Rony encontraram os de Hermione no mesmo milésimo de segundo que ambos os corações cantarolavam uma batida simultânea. O ruivo escovou os lábios sobre os da menina suave e quase reverentemente, mas Hermione parecia impaciente por mais contato, entreabrindo a boca devagar e estremecendo por inteira em resposta ao gosto maravilhoso do garoto, que tinha aceitado a sugestão e também partido para provar o sabor de Hermione pela segunda vez. Rony apertou a menina com mais força, a puxando junto dele como se pensasse que qualquer espaço entre os dois fosse uma ofensa mortal. Ela o acariciou carinhosamente na bochecha antes de esticar o braço direito e descansá-lo ao redor do pescoço de Rony, deslizando os dedos nos fios de cabelo vermelhos da nuca do ruivo, que agora se encontravam eriçados devido aos arrepios que corriam de um jovem para o outro. A mão esquerda de Hermione pousou outra vez sobre o peito do garoto e ela pôde perceber que o coração dele ainda estava em sintonia com o dela e ambos estavam agora estrondeando como um mar em fúria ou como um jogo de tambores.

Este era REALMENTE o segundo beijo deles? Eles não tinham estado deste modo desde... sempre?

Hermione até tentou ponderar uma resposta a essa questão, mas no momento ela estava congelada: a língua de Rony há pouco tinha tocado o lábio inferior dela, pedindo entrada.

A língua.

De Rony.

Tocado. O. Lábio. Inferior. Dela.

Certo, esse era realmente um fator novo, que nunca ocorrera até agora. Mas Hermione nunca fugia a desafios e ela se preparou para aceitar a oferta. Entretanto, justamente quando isso iria acontecer, o sinal alto que indicava o início e término das aulas soou pelo castelo e ambos quebraram o beijo, assustados, ofegantes e corados.

-Uau... – Hermione murmurou balançando a cabeça para clarear as poucas idéias coerentes que restavam lá.

-Uau. – repetiu Rony em tom de concordância, parecendo desnorteado.

-O sinal... – a menina tentou ser racional. – O sinal tocou.

-Anh?
– fez o ruivo tocando os próprios lábios com os dedos numa espécie de transe. – Que sinal?

-O sinal que normalmente anuncia o fim do café e o início das aulas, Rony.
– Hermione disse com mais energia, embora um tom sonhador digno de Luna Lovegood não deixasse sua voz. – Todos devem estar a caminho das carruagens agora.

O garoto pareceu finalmente acordar:

-E você quer chegar lá antes deles, para evitar os olhares curiosos, Gina contou! – exclamou ele agarrando a mão de Hermione e a arrastando correndo para o buraco do retrato. – Vamos!

Os dois correram desabalados pelos corredores e dentro de pouco alcançaram as carruagens, que estavam postadas nos terrenos em frente à entrada do castelo. A carruagem com as portas fechadas foi identificada depressa e logo Rony e Hermione estavam dentro dela, se unindo a Harry, Gina e os já impacientes Granger. E assim, quando com uma sacudidela brusca eles finalmente partiram, Hermione pôde se sentir segura e corajosa para enfrentar todas as tristezas que aquele dia reservava, porque ela simplesmente sempre poderia tudo com Rony ao seu lado.

*****



O sol da manhã estava teimosamente brilhante quando as carruagens pararam e os garotos desembarcaram em frente ao pequeno e rústico cemitério de Hogsmeade. O céu azul límpido e sem nuvens se encaixava perfeitamente à grama muito verde e bem aparada do local, dando um estranho ar de paz. Pequenas flores coloridas brotavam aqui e ali e algumas borboletas agraciavam a todos com seu complicado balé entre as pétalas. Pássaros algazarreavam nas copas das árvores e uma brisa fresca e suave soprava nos rostos dos presentes, completando o quadro triste de uma anormalmente bela manhã de primavera. Os recém-chegados foram enchendo o lugar respeitosamente em silêncio, os alunos sendo guiados pelos professores até uma parte mais ao fundo do terreno onde havia duas fileiras de bancos simples de concreto, parecidos com degraus largos, sem pés ou encostos. Entre as duas fileiras havia um trilha comprida e estreita feita de pedrinhas miúdas arredondadas, que terminava numa espécie de mesa alta também de concreto.

Hermione suspirou longamente ao deduzir a função da tal mesa e fechou os olhos.

-Coragem, mel. – a Sra. Granger sussurrou beijando o topo da cabeça da filha, que acenou com a cabeça logo antes de sentir seus dois braços sendo envolvidos pelos de Harry e Rony, um a cada lado. Ela percebeu diversos olhares sobre eles assim que caminharam para alcançar um dos bancos, o trio de braços dados, Gina um pouco à frente e os Granger fechando o cortejo. Mas estranhamente os olhares de todos não incomodaram Hermione dessa vez. A menina se sentia muito protegida para isso, amparada pelos dois garotos que mais amava em sua vida, próxima à sua melhor amiga, cuidada por seus pais e, com toda a certeza, assistida por Rebecca, sua mãe de alma, que embora tivesse partido tinha deixado em Hermione um pouco de si. Não apenas sua chama vital, mas sua presença, incrustada para sempre no coração da menina.

Os quatro jovens e os pais de Hermione se sentaram no último banco da fileira à direita e aguardaram. Gina, sentada na ponta mais próxima à trilha de pedras, encostara a cabeça no ombro de Harry, que estava acomodado à direita da ruiva. Ele deslizou o braço esquerdo nos ombros da garota, enquanto o direito ainda se mantinha entrelaçado ao de Hermione. Rony, por sua vez, segurava forte a outra mão de Hermione, acariciando-a ternamente com a ponta do polegar e remexendo-se incomodamente por causa dos olhares bravos e suspeitos que o Sr. Granger, sentado bem ao seu outro lado, lhe atirava com freqüência.

Logo todos os bancos estavam ocupados e nem cinco minutos depois houve uma comoção ali perto e eles ouviram Gina ofegar. Se virando para olhar, eles se depararam com um bruxo velho, baixo, gordo e de bochechas rosadas adentrando a trilha de pedras. Ele tinha vestes prateadas que cintilavam sob a forte luz do sol e uma careca que brilhava quase tanto quanto o tecido. Empunhava uma varinha no alto e guiava um caixão envolto por escuros panos roxos, que flutuava quase meio metro acima de sua careca. Todos ergueram os rostos para observar melhor: alguns pareciam tristes, outros chocados e alguns até curiosamente interessados. E foi só nesse momento que a realidade bateu com toda força sobre as costas de Hermione. E foi só nesse momento que o bolo em sua garganta ressurgiu, as lágrimas picaram seus olhos e ela voltou a chorar. Rony a ouviu e virou-se imediatamente para olhá-la:

-Shhh... – fez ele apertando a mão dela e limpando uma lágrima da face da menina com a mão livre. – Tudo bem, agora fique calma... – sussurrou em tom de consolo. Mas Hermione soluçou ainda mais forte e inadvertidamente mergulhou sobre ele, soltando o braço de Harry e afundando mãos e rosto no peito do ruivo, molhando a camisa dele com seu choro.

-Shhh. – Rony repetiu baixinho, abraçando Hermione de volta e encostando a bochecha no topo da cabeça dela, o perfume do cabelo da garota enchendo suas narinas. Ele suspirou, sentindo uma infinidade de sentimentos contraditórios travarem uma batalha por domínio dentro de seu peito. Ver Hermione ali, encolhida junto dele, era tão bom. Mas ao mesmo tempo, vê-la chorando e sofrendo lhe trazia uma angústia sem igual. O ruivo sentia-se orgulhoso por tê-la ali e desesperado com a tristeza dela. A única certeza que ele tinha era que aquele, de todos os lugares do mundo, era o lugar de Hermione. Nos braços dele. E o lugar dele não poderia ser outro se não nos braços dela também.

Só quando a voz calma do bruxo de vestes prateadas soou alta pela ensolarada manhã de primavera foi que Rony levantou um pouco o rosto de cima da cabeça de Hermione e muito relutantemente permitiu que a garota se desenroscasse dos seus braços, embora tivesse se apressado em agarrar a mão dela, amedrontado em perder todo o contato.

-...quisera as sublimes forças superiores regentes do universo que nos encontrássemos aqui hoje para oferecermos nossos pesarosos e respeitosos cumprimentos derradeiros à Sra. Rebecca Brinks Taylor... – falava o bruxo careca de modo ininterrupto e sem emoção, claramente apenas recitando palavras decoradas previamente.

Rony suspirou, retirando o olhar da figura ofuscante do homem atarracado à frente, passando os olhos rapidamente pelo caixão coberto por panos roxos postado sobre a mesa alta de concreto e só então deixando sua atenção vagar ao redor. A maioria dos presentes tinha os olhos vítreos e a julgar pelas expressões impassíveis em suas faces, pareciam, assim como Rony, nada entender ou sequer escutar algo da ladainha rebuscada que o bruxo celebrante falava. O ruivo correu os dedos pelo cabelo, sério, e olhou ao longo do próprio banco em que ele estava sentado: Sr. Granger tinha um braço ao redor da esposa, ambos compenetrados e ocasionalmente atirando relances preocupados à filha, que parecia muito distante dali, com a cabeça baixa e mechas rebeldes caindo de seu rabo-de-cavalo frouxo e cobrindo seu rosto, onde lágrimas silenciosas deslizavam continuamente. Rony acariciou as costas da mão dela suavemente e por não suportar vê-la sofrendo mais um segundo que fosse, tornou sua atenção a seu amigo e sua irmã. Gina não chorava, embora tivesse os olhos bastante vermelhos. Harry, por sua vez, encarava o bruxo à frente carranqueando ligeiramente, uma ruga de dúvida presente em sua testa.

-Quem é ele? – Rony ouviu o amigo indagar baixo a Gina, apontando o celebrante com um aceno discreto da cabeça.

-O celebrante de ciclos do Ministério da Magia, por quê? – Gina murmurou de volta.

-Ciclos? – a carranca confusa de Harry aumentou.

-É, você sabe, nascimentos, casamentos, funerais, esse tipo de coisa. – esclareceu ela. – Mas por que a pergunta?

O menino encolheu os ombros:

-Por nada, é só que soa como se ele fizesse isso todos os dias, o que de fato ele deve fazer. Eu nunca tinha ido a um funeral bruxo antes...

Gina fez um gesto afirmativo e ambos se calaram novamente. Rony tornou a arrepiar seu cabelo com os dedos e encarou o céu escandalosamente azul, a grama muito verde e as árvores altas, observando a balbúrdia alegre dos pássaros durante muito tempo, alheio a tudo ao seu redor e só atento à presença de Hermione ao seu lado e aos suspiros quietos da garota. Assim, o ruivo até se surpreendeu quando algum tempo indeterminado depois todos estavam ficando de pé.

“Acabou finalmente?” – ele pensou esperançoso, mas notou que ninguém estava se movendo para sair. Todos estavam olhando para frente ao invés e, seguindo a direção dos olhares, Rony pegou a visão da figura alta e esguia de Alvo Dumbledore, parado de pé ao lado do bruxo careca e usando vestes negras de veludo muito elegantes com um chapéu pontudo combinando.

-O que meu amigo Órion aqui tem tentado nos dizer todo esse tempo, - disse o diretor dando uma palmadinha gentil nas costas das chamativas vestes prateadas do celebrante – é que chegou a hora de nos despedirmos. A vida é tão curta e a tarefa de vivê-la é tão difícil que quando começamos a aprendê-la, já é hora de partir. Mas não digamos “Adeus”, digamos “Até algum dia”. Chegará o tempo em que todos se reencontrarão e, além do mais, pessoas queridas nunca partem realmente, pois elas deixam para trás as marcas maravilhosas dos seus feitos no nosso mundo e continuam vivas em cada reflexo de suas ações e dentro dos corações de todos que as amaram. (...) Então, o que aconteceu é que chegou a hora de dizer “Até algum dia” a uma bruxa talentosíssima, uma mãe apaixonada, uma esposa dedicada, uma professora espetacular, uma amiga sincera e uma batalhadora vitoriosa. Chegou a hora de dizer “Até algum dia, Rebecca Brinks.” – Dumbledore finalizou com simplicidade, alisando a longa barba prateada pensativamente e deixando grande parte dos presentes em lágrimas.

A professora Sprout soluçava segurando seu chapéu apertado contra o peito e até a professora McGonagall tocava os olhos delicadamente com um lencinho xadrez. Algumas garotinhas primeiranistas soluçavam alto, abraçadas umas às outras e outros alunos mais durões desviavam os olhos para longe tentando não chorar. Lágrimas finas desciam pelo rosto da Sra. Granger e mesmo Harry coçou os olhos disfarçando sua súbita vermelhidão. Gina chorava silenciosamente e Rony, desesperado com o intenso arroubo de choro e soluços no qual Hermione havia entrado, esfregou suas próprias lágrimas para longe de suas bochechas sardentas com as costas da mão e alcançou a garota, prendendo-a em seus braços outra vez e sentindo os ombros dela tremerem e balançarem com a força de seu choro.

O ruivo suspirou angustiado e mentalmente buscou por qualquer coisa que pudesse fazer para acabar com o sofrimento de Hermione. Não encontrando nada, ele limitou-se a dar um beijo macio nos cabelos dela e apertá-la com mais força. E foi nesse instante que um arrepio estranho percorreu seu corpo e o menino pôde quase enxergar a magia que começou a invadir todo o lugar, enchendo-o de paz e calmaria. Magicamente pétalas brancas começaram a cair suavemente, como se vindas do céu, trazendo um perfume agradável e cobrindo os bancos de concreto e a grama. Rony poderia até jurar ter ouvido sinos e uma canção morna vibrando dentro dele. Olhando ao redor, ele viu Harry esboçar um pequeno sorriso e soube que todos deveriam estar sentindo a magia também. Hermione ainda chorava, mas pelo menos os ombros dela tinham deixado de tremer e seus olhos marrons tinham o mesmo brilho de entendimento que costumava aparecer quando ela compreendia algo particularmente difícil ou obtia uma informação interessante em um livro novo. Então, no momento seguinte, as pétalas deixaram de cair e todas as que cobriam o chão desapareceram, dando lugar a perfeitas rosas brancas que do nada se materializaram nas mãos de cada um dos presentes, uma para cada pessoa.

-O que foi isso? – perguntou Harry abobado, olhando da rosa em sua mão para as faces fascinadas das pessoas ao redor. – Faz parte da cerimônia?

-Aposto que foi coisa do Dumbledore.
– disse Rony convicto, esticando o pescoço para tentar ver o diretor por cima das cabeças da pequena multidão, que agora caminhava lentamente para perto da mesa à frente e, um a um, atiravam as rosas recém-surgidas sobre o caixão.

-Não é nada disso. – Hermione surpreendeu a todos ao falar baixinho numa voz ligeiramente mais calma, embora ainda nitidamente triste. – Esse fenômeno mágico é raríssimo e só ocorre quando nos despedimos de uma pessoa que tenha partido em paz com ela própria. – explicou. – Em outras palavras, uma pessoa que tenha conseguido cumprir sua missão aqui nesse mundo. – ela sorriu suavemente por entre lágrimas e o trio compartilhou um olhar de compreensão antes de serem apressados por Gina, que caminhava à frente deles e logo atrás dos Granger na direção da mesa onde estava o caixão.

-Vamos. – chamou a ruiva olhando para eles por cima do ombro. – É hora de dizermos nossa última palavra à professora Rebecca.

Os três se olharam por mais um segundo, deram os braços novamente e a seguiram, fechando a grande fila que tinha se formado e caminhando como numa procissão.

À medida em que se emparelhavam com a mesa, as pessoas atiravam sua flor e murmuravam suas últimas palavras à Rebecca Brinks. A grande maioria parecia estar seguindo o conselho de Dumbledore, jogando sua rosa e dizendo “Até algum dia”. Ambos os Granger também tinham dito isso. Já Gina lançou sua flor com um “Descanse em paz” e se afastou lentamente para a saída atrás da aglomeração, deixando Harry, Rony e Hermione sozinhos de frente à mesa.

-Eu estava errado sobre você. Espero que possa me perdoar. – disse Harry engasgado, atirando a rosa, soltando delicadamente o braço de Hermione e partindo atrás de Gina.

-Obrigado. – Rony falou baixinho antes de jogar sua flor. Ele então fez menção de se afastar, mas Hermione juntou seus braços ainda mais forte, impedindo-o de dar outro passo. Ele observou-a quando com lágrimas silenciosas no rosto ela beijou a rosa branca que segurava e ao invés de jogá-la, postou-a suavemente na superfície já coberta de flores do caixão, exatamente no rumo onde dentro dele deveria estar o coração de Rebecca Brinks.

-Eu amo você, Rebecca. – foi tudo o que ela disse antes de deslizar a mão abaixo o braço de Rony, entrelaçando os dedos do garoto nos dela e partir junto dele sob a luz clara e alegre do bonito sol da manhã.

E de onde estivesse, Rebecca Brinks estaria sorrindo em aprovação.

*****



De volta à Hogwarts, os alunos tinham caminhado famintos rumo ao salão principal, visto que já passava muito da hora do almoço. Todos estavam anormalmente quietos e silenciosos e mesmo a mesa da Sonserina parecia respeitar o momento (Malfoy não era visto em lugar algum, aparentemente envergonhado demais para isso). Depois de uma difícil despedida dos pais, que tinham sido levados de carona na aparatação de Dumbledore ainda em Hogsmeade, Hermione estava cabisbaixa e muito calada. Ela tinha tentado partir direto para a Torre da Grifinória logo que chegaram, certamente com a intenção de se afundar na cama, mas Harry, Rony e Gina tinham impedido a garota, alegando que ela não tinha tomado nem mesmo o café e portanto precisava se alimentar. Assim Hermione encontrava-se agora sentada à mesa da Grifinória, embora não tocasse em nada do enorme prato de costeletas de carneiro com polenta que Rony tinha empurrado em sua frente.

-Você sabe que precisa comer, não sabe? – o ruivo indagou suavemente, seus brilhantes olhos azuis preocupados.

-Não desce. – Hermione respondeu com simplicidade, sentindo que era tudo que ela precisava dizer para explicar o fato de sua garganta estar temporariamente impedida por um nó enorme e amargo.

-Faça um esforço. – insistiu Rony com sua melhor cara de unicórnio filhote ferido em tiroteio.

-Não, eu realmente não estou com a menor fome. – disse ela com convicção, ficando de pé repentinamente.

-Espera! – exclamou o ruivo agarrando-a rapidamente pelo pulso. – Aonde é que você vai?

-Caminhar um pouco, eu preciso espairecer.
– falou a menina se desvencilhando delicadamente da mão firme de Rony e se apressando para fora do salão, centenas de pares de olhos a acompanhando. Rony soltou seu garfo imediatamente e fez menção de se levantar para segui-la, mas Harry segurou seu ombro e o olhou com seriedade:

-Deixe ela sozinha. – disse num tom definitivo.

-M-mas... – gaguejou o ruivo.

-Dê um tempo a ela, Rony. Hermione precisa disso.

O garoto suspirou derrotado, mas acenou com a cabeça de acordo e relutantemente voltou a atenção para seu prato, quase tão intocado quanto o de Hermione. Mas ele sabia que não conseguiria comer. Depois de tudo o que aconteceu era excepcionalmente difícil ficar longe de Hermione. Em seu íntimo ele sentia que não poderia perdê-la de vista, que deveria estar sempre junto dela, alerta, assistindo-a, cuidando-a. A sensação de perder aquela menina era a pior dor que poderia existir e ele nunca queria senti-la outra vez.

“Meia hora”. – ele pensou decidido. – “Meia hora é o prazo máximo pelo qual eu vou me segurar antes de ir atrás dela checar se ela está bem. Eu estarei dando o tempo dela, mas isso é tudo que eu posso suportar.”

*****



-Você tem certeza, Gina? – perguntava um Rony aflito algum tempo depois, quando ele, Gina e Harry se encontravam sentados nas poltronas de uma sala comunal quase vazia. – Você olhou direito se ela não estava deitada debaixo dos lençóis?

-Eu não sou cega, Rony.
– retrucou Gina exasperada, girando os olhos para o irmão. – E nem idiota ao ponto de não conseguir perceber se há uma pessoa deitada numa cama, estando ela coberta por lençóis ou não!

-Onde vocês acham que ela se meteu então, se não está no dormitório?
– o garoto continuou, agitado, arrepiando seus cabelos ruivos com os dedos num hábito há muito adquirido. – Ela sumiu há tempos!

-Rony!
– Harry falou num tom leve de repreensão. – Quer por favor se acalmar? Não faz nem uma hora que Hermione deixou nosso lado!

-QUARENTA E DOIS MINUTOS, Harry!
– Rony declarou gravemente, olhando para seu gasto relógio de pulso. – Quarenta e três, agora!...

-Merlim, quanto tempo!
– desdenhou a ruiva. – Você faz soar como se fossem milhares de anos. – ela falou brava com as mãos na cintura. – Dê um descanso a ela, Rony! Deixe de bancar a Lula-Gigante grudenta e deixe a menina respirar um pouco!

-Eu não estou bancando a Lula-Gigante grudenta, sua desbocada!
– ele retrucou ofendido. – Eu apenas me preocupo!... Ainda me permitem preocupar com minha... com minha melhor amiga, não permitem?

Gina soltou uma risadinha sarcástica: - A quem você está querendo enganar? MELHOR AMIGA, faça-me o favor!...

O ruivo se ruborizou ligeiramente, parecendo prestes a enforcar a irmã e Harry achou que já era hora de interferir na discussão:

-Está um dia ensolarado lá fora. – ele falou casualmente e os outros dois olharam espantados para ele, claramente estranhando seu comentário sem sentido.

-E o que isso importa? – perguntou Rony irritado.

-Hermione pode estar lá fora nos jardins. – esclareceu Harry. – Ou ter ido ver o Hagrid. Ela já fez isso quando estava chateada outras vezes, não fez?

-Fez!
– Rony praticamente saltou até a janela mais próxima para espiar a cabana de Hagrid ao longe, na orla da Floresta Proibida. – Não vejo nada daqui, mas não custa descer para verificar.

Ele já ia se virando para sair quando a voz de Harry o chamou:

-Rony, espere!

-O que foi?
– ele parou e olhou ao amigo por cima do ombro. – Eu já dei um tempo a ela, se é o que você vai falar...

-Não é nada disso, eu sei que ninguém vai te segurar quieto por mais nem um minuto. É só que se você esperar aqui eu posso buscar o C.L.I. e poderemos ver exatamente onde Hermione está.

-O C.L.I.!
– exclamou Rony dando um audível tapa na própria testa. – Como eu não pensei nele antes?

-E desde quando você pensa?
– Gina murmurou ainda brava por ter sido chamada de desbocada. Rony a ignorou.

-Eu vou buscar o C.L.I. – disse Harry partindo para a escada do dormitório masculino. O ruivo retornou para a janela e assistiu inquieto os estudantes que aproveitavam o dia ao ar livre. Até que algo pegou sua atenção: lá embaixo próximo ao lago, num lugar meio escondido à sombra de uma grande árvore, Hermione estava sentada sozinha, os joelhos abraçados junto ao peito e os cabelos ondulando graciosamente com a ação da brisa suave que soprava. O coração do garoto falhou uma batida.

-Gina, diga ao Harry que eu não vou precisar mais do cartão. – ele falou à irmã, sem esperar por resposta e correndo como um louco para a saída da sala comunal. Gina fez uma expressão confusa, enquanto alguns poucos estudantes presentes ali olharam curiosos para o afobado menino.

Rony passou pelo buraco do retrato com apenas um salto e voou pelos corredores e escadas, pulando degraus de dois em dois, esbarrando em pessoas e despertando olhares engraçados pelo caminho. Pouco importava que era proibido correr dentro do castelo e que ele era um monitor. Ele já tinha quebrado regras muito mais sérias outras vezes, não tinha?

Quando já estava no térreo, quase atingindo o hall de entrada e partindo para os terrenos da escola, o ruivo se lembrou de algo e freou com dificuldade, por pouco não batendo de cara na curva da parede do corredor à frente, tamanha era sua velocidade. Ele tomou o caminho contrário, então, voltando a correr e a saltar degraus abaixo até que finalmente se viu diante de um belo quadro com a pintura de várias frutas. Fazendo coceguinhas na pêra e assistindo uma grande maçaneta surgir, Rony sorriu. Ele não queria só ver Hermione, afinal. Ele queria cuidar totalmente dela. Mesmo que fosse até nas coisas mais simples.

*****



Hermione observava pensativa as ondulações suaves na superfície escura do lago, onde vez ou outra alguns tentáculos da Lula-Gigante surgiam preguiçosamente, como se a criatura estivesse desfrutando possuir tantos espectadores para quem ela pudesse se exibir. A garota não pôde deixar de pensar na infinidade de seres fascinantes que certamente viviam ali, naquela imensidão negra à sua frente. Tanta água guardando tanta coisa, camuflando tantos segredos, escondendo tantos mistérios. Um universo à parte, alheio e independente a esse onde havia castelos, jardins e crianças que corriam atrás umas das outras numa tarde de primavera. Aquele outro universo de água era diferente desse estranho onde pessoas sorriam, sofriam e choravam. Morriam e se apaixonavam. E mesmo assim, às vezes esses dois mundos tão distintos ainda se comunicavam, fosse quando amigos se jogavam nas águas do lago por brincadeira ou quando a Lula-Gigante surgia para agarrar migalhas de pão jogadas próximas à superfície.

Pensando, Hermione percebeu que a vida de cada um também era isso: um universo único e particular. E apesar das diferenças as pessoas precisavam umas das outras, da mesma forma que os universos distintos deveriam se comunicar de vez em quando. Ela abraçou mais os joelhos contra o corpo e se lembrou do universo solitário que ela própria fôra um dia, durante sua infância sem amigos. Pensou nas tantas vezes que fôra excluída, zombada ou esquecida, mas se recordou exatamente de quando isso começou a mudar e o seu mundo se comunicou aos de Harry e Rony, entrelaçando-os num só e misturando as qualidades, imperfeições e diferenças que cada um deles possuía, justamente como uma amizade deve ser. Ela pensou em seus pais, em Rebecca e em como a vida poderia ser estranha algumas vezes. Pensou no sorriso de Gina, na sabedoria de Dumbledore e nos olhos verdes sinceros de Harry. E como não poderia deixar de ser, pensou em Rony. Pensou em tudo sobre ele e pensou tão forte que de fato começou até a sentir a presença do garoto. Ela fechou os olhos e desfrutou a sensação, mas só quando a voz do ruivo falou foi que ela percebeu que o Rony real estava ali, de pé ao seu lado.

-Ei. – ele falou quietamente, suado, ofegante e segurando um pequeno pacotinho embrulhado em guardanapos brancos.

-Ei. – ela respondeu sem sair do lugar.

-Essa árvore dá sombra para mais um? – perguntou o menino a fitando esperançoso.

-Bom, apesar da sombra ser pequena e esse “um” ser muito grande, você pode tentar. – disse Hermione sorrindo fracamente. Rony respondeu com um sorriso morno e se desabou ao lado dela, sua respiração já desigual devido a corrida se pondo ainda mais irregular pelo fato de estar perto de Hermione novamente.

-Eu trouxe para você. – o ruivo falou após um breve silêncio, empurrando o pacotinho nas mãos da garota, que o pegou e retirou os guardanapos com uma expressão curiosa.

-Torradas com geléia... – ela murmurou surpresa. – E bolo de chocolate recheado... Ah, Rony, não precisava! – completou emocionada com o carinho e a dedicação implícitos naquele pequeno gesto do garoto.

-Não precisava? – disse Rony deitando-se esticado de lado na grama e firmando-se com um cotovelo para olhar Hermione. – Você está todo o dia sem comer nada, Mione! E eu não quero ver você naquela Ala Hospitalar outra vez. – declarou com firmeza. – Nada contra o lugar. – acrescentou baixinho, recordando-se do que tinha acontecido lá e ganhando um sorrisinho tímido de Hermione.

Os dois ficaram calados novamente. Ela começou a beliscar as torradas e o bolo e Rony continuou a encará-la, fascinado. Hermione remexeu-se, ligeiramente encabulada em ser observada tão deliberadamente.

-Está um dia bonito hoje. – ela comentou casualmente, olhando o céu que estava mais azul do que ela se lembrava de ter visto em muito tempo.

-Está. – concordou Rony sem desgrudar os olhos dela. “Esses olhos castanhos, esse nariz pequeno, esse cabelo selvagem se desprendendo do rabo-de-cavalo...” – Muito bonito. – murmurou distraído.

-Er... o céu está muito mais azul do que de costume. – continuou a garota, sem-graça.

“...essa bochecha rosada, o cheiro dela... e Merlim, essa boca!...”

-Mas o sol está meio forte, não?
– disse Hermione colocando os guardanapos com o lanche na grama ao seu lado, puxando o cabelo para cima num coque improvisado e se abanando com a mão. – Ainda bem que está ventando um pouco.

“...Senhor bom!... E essa pele macia do pescoço dela?...”

-Rony? Você está me ouvindo? Eu estou falando com você!

-Anh?
– Rony piscou os olhos e sacudiu a cabeça levemente para sair dos seus devaneios. Lentamente ele se sentou:

-Me desculpe. – pediu baixinho. – Eu me distraí.

-Tudo bem.
– ela encolheu os ombros. – Não era nada importante de qualquer maneira. Eu só estava comentando sobre o dia, o céu, essas coisas...

-Mione.
– o ruivo falou segurando as duas mãos da menina, repentinamente sério. – Isso não importa, realmente.

-O que?
– ela o olhou confusa, enquanto seu coração se acelerava mais e mais.

-Essas coisas sobre o dia e o céu. – ele esclareceu. – Isso não importa.

Hermione pareceu meio desconcertada:

-Eu sei, eu disse que não era nada importante e-

-Não.
– interrompeu o garoto. Ele levou uma das mãos dela até o lábio e beijou ternamente, fazendo calafrios viajarem pelo corpo da menina. – Mione, o que eu quero dizer é que nada disso faria sentido se você não estivesse aqui. Não importa se foi o dia, o sol, o vento, a lua ou qualquer outro segredo do universo que colocou você no meu caminho. Só o que importa é que eu juro que nunca mais vou deixar você sair da minha vida...

-Ah, Ron...
– ela sussurrou com lágrimas nos olhos. – E eu nunca vou querer sair... – completou o abraçando apertado.

Mas nesse momento os dois ouviram alguém pigarrear de leve e se soltaram, se virando para olhar e ver Terêncio Boot de pé próximo a eles, meio desconcertado com uma rosa amarela em sua mão.

-Eu espero não estar interrompendo... – disse o menino corvinal. Hermione corou ligeiramente e Rony fez uma cara que demonstrava que nada lhe daria mais prazer que atirar Terêncio no lago como um petisco generoso à Lula-Gigante.

-Nem sempre o que a gente espera acontece, Boot. – falou o ruivo com os dentes cerrados e atirando um olhar sujo à flor na mão do menino. – O que você quer?

Terêncio pareceu irritado e já tinha aberto a boca para retrucar, mas por alguma razão mudou de idéia e na última hora escolheu ignorar Rony categoricamente.

-Tudo bem com você, Hermione? – disse ele educadamente.

“Céus, isso não vai terminar bem.” – Hermione pensou freneticamente antes de responder:

-Tudo bem.

-Ah, isso é para você.
– continuou Terêncio se abaixando e oferecendo a rosa à menina.

-Hum... obrigada. – murmurou ela atirando um relance aflito para Rony com o canto dos olhos e percebendo ele apertar os punhos.

-Eu soube da história toda, - disse Terêncio – então vim parabenizar você pela sorte e coragem. A “menina-que-retornou”, anh? – somou com um sorriso, mas ficou sério logo em seguida ao perceber pela expressão de Hermione que tinha dito a coisa errada.

-Eu não quero ser mal-educada, Terêncio, mas não acho que mereço parabéns. – disse a garota muito séria. – E honestamente, essa coisa de “menina-que-retornou” é ridícula.

Terêncio se ruborizou e Rony riu maldosamente.

“Toma essa, Grindylow do mato!” – pensou ele satisfeito.

-Sim, tudo isso deve ser mesmo muito desagradável. – prosseguiu Terêncio se recuperando.

“Será que ele não desiste?” – Rony bufou arrancando um feixe de grama com irritação.

-Bom... Eu posso falar com você um minuto, Hermione? – pediu o corvinal.

-E você está fazendo o quê? – se impacientou o ruivo estreitando os olhos para o menino. – Grasnando?

Hermione o repreendeu com o olhar, mas abafou uma risadinha. Terêncio se virou para Rony:

-É particular, Weasley. – e se voltando para ela: - Vamos, Hermione?

-Er... Eu... Eu não estou muito disposta a conversar hoje, Terêncio.
– a garota respondeu timidamente. – É importante ou urgente?

-Importante e urgente.
– falou o menino. – E rápido, também.

-E você tem medo de dizer na minha frente, Boot?
– Rony o encarou cruzando os braços ameaçadoramente.

-Rony, chega, por favor... – pediu Hermione. – Eu não demoro. – completou. Mas assim que ela estava prestes a se levantar, Terêncio a interrompeu:

-Eu não tenho o menor medo de você, Weasley. E eu digo e faço o que bem quiser, na sua frente ou não.

E como se para provar suas palavras o corvinal olhou para Hermione:

-Eu vim até aqui para convidar você para ser meu par no baile à fantasia, Hermione. O que me diz?

Hermione gelou:

“Oh, Merlim, o baile!” – pensou ela. – “Eu nem me lembrava disso! Oh não, está acontecendo de novo, oh não, o que eu vou fazer, o que eu vou fazer? Eu não posso ir com outro novamente, eu não posso! Mas o que eu digo? Eu não posso mentir que já tenho um par! E se o Rony acreditar? Ah, bom Deus...”

-Ela já está acompanhada, Boot.
– Hermione boquiabriu-se ao ouvir a voz de Rony vindo em sua salvação.

-Ela está? – estranhou Terêncio, cético.

“Eu estou?” – a menina também se perguntou intimamente. – “Oh sim, Merlim, eu estou!...”

-Sim.
– confirmou o ruivo com firmeza. – Ela está.

O corvinal pareceu muitíssimo embaraçado, mas não perdeu a petulância quando disse:

-Eu fiz a pergunta à Hermione, não a você. Então eu gostaria que ELA respondesse, não você. Você já está acompanhada, Hermione?

Ambos os garotos encararam Hermione, cheios de expectativa. Ela os encarou de volta e não pôde deixar de achar aquela situação um tanto irreal. Suspirou antes de finalmente responder:

-Estou, Terêncio, me desculpe.

Terêncio pareceu murchar como um balão perdendo o gás. Rony, ao contrário, inchou o peito e sorriu vitorioso.

-Certo, então. – murmurou o garoto. – E com quem é que você vai? – quis saber, apenas para confirmar.

Hermione se irritou ligeiramente com a pergunta e quis responder com um “Não te interessa”, mas foi Rony quem respondeu outra vez:

-Você é da Corvinal, não é? – falou ele. – Então deve ter inteligência o suficiente para deduzir a resposta sozinho. – concluiu colocando um braço sobre os ombros de Hermione.

Terêncio fez uma expressão parecida com a de alguém que engoliu algo particularmente amargo e se virou, caminhando a passos largos para longe dos dois sem olhar para trás uma vez sequer. Hermione ergueu os olhos para Rony, mas os desviou logo que disse timidamente:

-Suponho que eu deva tomar isso como um convite, Ron?

-Absolutamente.
– respondeu ele depressa. – Suponho que eu deva tomar isso como um sim?

-Absolutamente.
– ela repetiu e ambos sorriram, deixando os olhares se cruzarem por mais tempo finalmente.

-Formigas! – exclamou Rony de repente, sacudindo o pé e olhando para baixo.

-O que?

-Formigas!
– ele tornou a dizer apontando para a grama entre os dois onde uma infinidade de grandes formigas andavam para lá e para cá sobre a comida no guardanapo, algumas já subindo pelo tênis surrado de Rony. – Mas que droga! – praguejou ele batendo os pés novamente. – Elas estão atacando tudo!

-Linguagem, Rony.
– repreendeu Hermione. – Elas atacaram você? – indagou mais suavemente e com preocupação.

-Não, mas arruinaram o seu lanche... – falou cabisbaixo. – Por que é que elas não comeram essa flor aí ao invés? – perguntou olhando mal-humorado para a rosa amarela que Terêncio tinha dado à menina.

-Esqueça isso, Rony. – pediu ela fazendo um movimento com a varinha e atirando comida com formigas e tudo dentro da água, onde um tentáculo grande apanhou logo em seguida. – A flor não tem culpa de nada e eu não estava com forme, de qualquer jeito.

-Você nunca come quando está triste.
– o ruivo disse quietamente. A menina não respondeu, mas ambos sabiam que era verdade. – Ela não gostaria de vê-la sofrendo, Mione. – Rony continuou. – E nem eu gosto, também.

-Eu sei.


Alguns minutos se passaram onde os dois jovens apenas ficaram lá, lado a lado e perdidos em seus próprios pensamentos. Hermione foi quem voltou a falar primeiro:

-Ron? – sussurrou ela.

-Hmm?

-Eu posso te perguntar uma coisa?

-Claro, o que é?

-Por que... Por que sua última palavra à Rebecca foi “obrigado”?


Rony olhou para ela, não podendo se impedir de a achar extremamente bonita apesar da expressão triste:

-Eu achei que devia. – murmurou olhando para o chão.

-Por que? – ela insistiu, hesitando por um segundo antes de descansar sua mão sobre a dele.

O ruivo agarrou a mão dela: - Eu devo minha vida à ela, Hermione. – falou num tom pouco acima de um sussurro.

-O quê? – espantou-se Hermione. – Você não acha que está trocando um pouco as bolas, Rony? EU é quem devo minha vida à ela!

O menino ficou em silêncio durante um longo tempo. O polegar dele movia-se suavemente sobre a parte de trás da mão de Hermione e com a outra mão ele despetalava distraidamente a rosa amarela trazida por Terêncio Boot. E quando por fim ele ergueu o rosto, ainda não falou imediatamente. Ao invés, tocou de leve o cabelo de Hermione e brincou com uma mecha, sentindo a textura dos fios entre os dedos polegar e indicador. Colocou a madeixa atrás da orelha dela, mas não notou a garota estremecer. Passou então as costas da mão carinhosamente sobre as bochechas dela, testa e deslizou o polegar de um lado para o outro sobre seus lábios, fazendo-a fechar os olhos e sua respiração acelerar. E só então respondeu a pergunta:

-Eu devo minha vida a Rebecca Brinks simplesmente porque ela devolveu a vida a você, Hermione. E você é minha vida.

O coração de Hermione explodiu de tal forma com a ação dessas palavras que a menina jurou que morreria ali mesmo. Merlim, como era de fato possível amar uma pessoa assim tão intensamente? O seu amor por Rony era tanto que parecia não querer caber dentro dela. Ele parecia querer sair, se expandir e cobrir o mundo. Hermione amava tanto aquele ruivo que chegava a doer.

Ela tremeu mais uma vez quando sentiu ele a abraçar. Se arrepiou quando ele segurou seu rosto e quis chorar e rir ao mesmo tempo ao ver todo aquele amor refletido nos brilhantes olhos azuis do garoto. Ela queria beijá-lo até a insensatez e apertá-lo até que ambos os corpos se aderissem um ao outro permanentemente. Mas ela não podia. Não hoje. Simplesmente parecia errado e injusto sentir tal felicidade apenas algumas horas depois de ter se despedido de Rebecca. E com esse pensamento Hermione empurrou suavemente o peito de Rony e impediu o beijo explosivo que estava prestes a acontecer.

-Não, Ron... – ela sussurrou não ousando encará-lo. Se fizesse isso ela sabia que perderia o controle.

Rony pareceu confuso e ferido, mas não reclamou nem insistiu, apenas beijou o rosto dela e respeitou sua decisão, mesmo que não a entendesse. Ambos deitaram-se de mãos dadas e de costas na grama, fitando o céu mudar de cor e assistindo juntos o sol se pôr. Sem falar. Somente sentindo e assistindo. Sentindo um ao outro e assistindo o primeiro dos muitos pores-do-sol que ainda presenciariam juntos.

*****



I had no choice but to hear you
You stated your case time and again
I thought about it

Eu não tive escolha a não ser ouvir você,
Você explicou seu caso várias vezes,
Eu refleti sobre isso...


You treat me like I'm a princess
I'm not used to liking that
You ask how my day was

Você me trata como se eu fosse uma princesa,
Não estou acostumada a gostar disso.
Você pergunta como foi meu dia...



(chorus)
You've already won me over in spite of me
Don't be alarmed if I fall head over feet
Don't be surprised if I love you for all that you are
I couldn't help it
It's all your faults

(refrão)
Você já me conquistou apesar de mim,
E não fique alarmado se eu cair de cabeça para baixo,
E não fique surpreso se eu te amar por tudo que você é.
Eu não poderia evitar,
É tudo culpa sua...


Your love is thick and it swallowed me whole
You're so much braver than I gave you credit for
That's not lip service

Seu amor é abundante e me absorveu inteira,
Você é muito mais valente do que eu te dava crédito,
Isso não é falso elogio...


You are the bearer of unconditional things
You held your breath and the door for me
Thanks for your patience

Você é o portador de coisas incondicionais,
Você segurava sua respiração e a porta para mim.
Obrigada pela sua paciência...


You're the best listener that I've ever met
You're my best friend
Best friend with benefits
What took me so long

Você é o melhor ouvinte que eu já encontrei.
Você é o meu melhor amigo,
Melhor amigo com vantagens.
O que me segurou por tanto tempo?


I've never felt this healthy before
I've never wanted something rational
I am aware now
I am aware now

Eu nunca senti tão saudável assim antes,
Eu nunca quis algo racional.
Estou ciente agora,
Estou ciente agora...



*****



N/A: Bem, aí está. Essa música do final foi a música que achei simplesmente perfeita para o capítulo, é a Head Over Feet da Alanis. Eu estava digitando o capítulo ouvindo essa música e quando resolvi analisar vi que cabia perfeitamente para o capítulo. Quem não conhece, vale a pena! Se quiserem relê-lo ao som da canção, fiquem à vontade...rs...

O próximo capítulo é ”O baile à fantasia” e o último, o epílogo, na verdade não é bem um capítulo e sim as considerações finais dos personagens, no modelo do primeiro capítulo.

Ah, teve uma cena que ficou em aberto, mas no próximo capítulo vocês saberão qual foi a situação que as palavras de Gina fizeram Hermione se lembrar.

Agradecimentos:

Um super beijo especial à todos que leram e especialmente aos que comentaram: Betynha Gryffindor, Miss.Granger, Bruna, Marina Barrocas, magna, Ma Simões, Giana, Mithya Oliveira(muito obrigada por oferecer-se a postar para mim, fiquei emocionada, mas não foi preciso!), pottex, Letícia Wons, Larissinha, McGonagall, suzi-mel, Ginny, Ana Paula Cordeiro, Kakau, Mandi Weasley, Humildemente Ju, Tiago F. M., Bruxinha Mione, JuLiAnA_PoTTeR, Memalyne, Luciana Alves, juane valentim Miranda, Muggle Shipper, Lucas, Brine(saudades, menina!), ananda granger weasley, nanda_weasley, Bella Rosa, Ju_Potter, Xufi Weasley(vou te mandar um e-mail explicando o negócio do negrito), purespirit, Bruna Perazolo, Talita Tonks, Mariana Vieira, lepaaa, luciana Souza, Fabiana Potter, Morgana Black, Mila Mayara, Daiane Aguilera, M. Black, Sônia Sag(amo sua fic!), bernardo, Luan Won-won(meu sobrinho querido!), carina granger, Jewel Potter e Kawa Potter.

Beijos especiais à Alulip, que outra vez me enviou um e-mail maravilhoso sobre o capítulo, à minha amiga Val que eu adoro e a Aline Oellers, que revisou esse capítulo comigo e foi de quem eu obtive a idéia de colocar uma música.

Até a próxima então!!


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Comentários (3)

  • Andréa Martins da Silva

    Mais uma vez a emoção se fez presente. E eu amo as frases de Ron. Uma das melhores esteve nesse capítulo: "Você é da Corvinal, não é? Então deve ter inteligência o suficiente para deduzir a resposta sozinho." kkkkkk Frase típica de Ron.

    2013-11-10
  • Lu Ranhosa

    Nossa eu to amando mesmo essa historia to acompanhando faz uns dias,eu nao comentei antes porq eu tava lendo no celular e la nao da comentar,bom eu to de boca aberta nossa o beijo do Ron e Hermione perfeito eles sao lindos,adorei as festas das casas quanta criatividade nossa,a parte do Voldemort querendo fazer o encantamento super mega perfeito me senti lendo algum livro do Harry adorei mesmo,to anciosa para ler os ultimos capitulos e prometo q agora comento Parabens s2

    2012-12-23
  • Lana Silva

    Awwww *------------------------* triste mais lindo o capitulo! Gostei bastante! 

    2012-03-09
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