O Plano Maligno



Capítulo XXVIII
O Plano Maligno



Quando o rodopio multicolorido de vento cessou, Harry sentiu seus pés se encontrarem bruscamente com o chão e desabou de lado, ao mesmo tempo em que Rony tombou logo à sua frente, com a cara afundada em algo que parecia ser uma terra úmida e fofa. Ambos ainda tinham os dedos apertados firmemente em torno do pequeno embrulho verde e quando finalmente ergueram os olhos e soltaram o pacote, notaram que ele jazia ali em meio ao mato alto e que caídos ao seu lado estavam outros dois pacotinhos semelhantes. Harry se ergueu sobre seus joelhos e aproximou o rosto do embrulho mais próximo, firmando sua vista para ler na sombria escuridão que os envolvia.

“Para Hermione” – ele leu na etiqueta presa ao embrulho vermelho, notando que a caligrafia contida ali era exatamente a mesma que escrevera “Para Harry” no outro pacote.

-O... o que é isso? – a voz temerosa de Rony sussurrou. – Onde é que nós estamos? Como viemos parar aqui?

Harry olhou ao seu redor, observando os vários túmulos, as árvores espaçadas, o mato alto e a precária cruz de madeira sobre uma capelinha ao longe. Ele compreendeu e seu estômago afundou violentamente, um arrepio eriçando os cabelos de sua nuca e descendo por toda sua espinha.

-Era uma armadilha. – ele murmurou de volta, fitando a face pálida do amigo, que corria os olhos azuis por toda a parte e parecia absolutamente assombrado.

-A-armadilha? – gaguejou o ruivo.

-É... – afirmou Harry. – Veja isso. – completou apontando os pacotes no chão.

Rony se ajoelhou também e se juntou a Harry para observar os embrulhos, esticando a mão para alcançar um deles.

-Não! – Harry falou urgentemente, agarrando o pulso de Rony e impedindo-o de tocar o objeto. – Não toque neles a menos que queira voltar! São chaves de portais e provavelmente lhe levarão de volta à Hogwarts!

-E isso é ruim? – Rony grunhiu com uma careta. – Eu decididamente não gosto desse lugar, Harry...

-Nem eu.
– disse Harry esfregando sua cicatriz com a ponta do dedo indicador, a outra mão agarrando sua varinha firmemente. – Esse é o mesmo cemitério que visitei quando toquei a taça do Torneio Tribruxo em nosso quarto ano.

Os olhos azuis de Rony se arregalaram como dois grandes faróis luminosos.

-Mas ela está aqui, Rony. – continuou Harry. – Hermione está aqui.

A expressão do ruivo tornou-se ainda mais desesperada e a julgar pela palidez estrondeante de sua face, Harry poderia apostar que não havia mais uma única gota de sangue correndo no corpo do amigo.

-C-como... como é que você sabe? – gaguejou ele.

Harry acenou outra vez para o pacote vermelho ao chão. Rony aproximou o rosto do objeto e também pôde ler o “Para Hermione” na etiqueta pregada ali.

-Pegue o pacote. – falou Harry repentinamente.

-O-o que? – murmurou Rony erguendo a cabeça para encará-lo.

-Eles a pegaram como isca, Rony. – explicou Harry, agora apertando sua cicatriz com mais força e mais urgentemente. – E eles querem a MIM, não a você. Pegue o portal. Volte.

Os olhos do ruivo estreitaram ligeiramente e quando ele falou, embora o terror ainda fosse nítido em sua voz, seu tom era mais firme e decidido:

-Você não pode REALMENTE acreditar nisso. – declarou ele. – Você não pode REALMENTE acreditar que eu deixaria meu melhor amigo na mão e entregaria minha garota de bandeja só para salvar a minha pele!

Harry piscou, surpreso: - Entregaria sua O QUÊ?

As orelhas de Rony queimaram e ele não encontrou coragem suficiente para repetir as palavras, falando ao invés:

-Entregaria Hermione...

-Certo.
– concordou Harry com um brevíssimo fantasma de um sorriso. – Mas não é essa a questão, Rony, você pode voltar e então nós-

-Eu NÃO irei voltar, Harry!
– cortou o ruivo, agora segurando sua varinha com firmeza também. – Não sem você e Hermione comigo!

Harry abriu a boca para retrucar, mas nesse instante o som de risadas ecoou em algum ponto não muito longe dali, cortando o ar gélido da noite e sobressaltando os dois garotos.

-V-você… você não acha que foi só uma pessoa que riu, acha, Harry? – perguntou Rony engolindo em seco.

Harry negou com a cabeça, na falta óbvia de palavras para descrever a situação desfavorável (para não dizer desesperadora) na qual se encontravam: em número de dois contra dezenas de cruéis Comensais da Morte.

-Há um grupo grande aqui, companheiro. – gaguejou ele.

-Foi o que eu pensei. – sussurrou Rony com outra careta.

-Certo… - começou Harry andando em círculos e cochichando febrilmente. – Certo. Tudo o que precisamos é de um plano de ataque… uma estratégia… primeiro devemos encontrar Hermione, então-

-Enfrentamos sozinhos um bando de Comensais da Morte sangrentos, vencemos Você-Sabe-Quem e resgatamos ela com a gente até um dos portais.
– completou Rony arregalando os olhos novamente. – É uma simples moleza, não?

Harry engoliu em seco também: - Quando você coloca as coisas dessa forma…

O silêncio caiu uma vez mais, quebrado quase imediatamente por um barulho amortecido e suave de passos que atingiu os ouvidos dos meninos, seguido pelo leve rumorejo de uma capa arranhando a superfície do mato. Harry agiu rápido, se escondendo atrás de uma lápide alta e rachada pelo tempo. Rony se abaixou sob a proteção de um túmulo de mármore negro, oculto parcialmente por uma árvore e pelo capim alto. Os passos tornavam-se gradualmente mais próximos, até que finalmente a visão dos garotos recaiu sobre uma figura atarracada e encapuzada, caminhando em linha reta e empunhando uma varinha com uma mão prateada particularmente luminosa.

-Rabicho. – Harry murmurou ferozmente, por entre dentes cerrados. Mas antes dele se decidir o que fazer, o pequeno homem com cara de rato ergueu sua varinha e berrou:

-Accio varinha do Potter!

Harry sentiu sua varinha deslizar de seus dedos, mas no último minuto conseguiu segurá-la. Agindo depressa, ele abandonou a lápide e gritou:

-Expelliarmus!

O clarão do feitiço atingiu Rabicho em cheio, jogando para longe a varinha do bruxo, que pareceu desnorteado com o ataque surpresa.

-Petrificus Totalus! – continuou Harry, fazendo o homem balançar precariamente e cair com um estrondo macio na terra fofa.

-Muito bom, Harry! – exclamou Rony se erguendo de trás do túmulo. – Menos um!

Mas de repente, como se vindos de todos os lugares e de lugar algum em particular, clarões de feitiços cruzaram o ar e os garotos se viram exatamente no meio de um fogo cruzado, assistindo as mais variadas azarações ricochetearem de todas as direções sobre as suas cabeças.

-Abaixe-se! – berrou Harry mergulhando na terra, seu braço roçando com força no matagal, abrindo pequenos cortes. Rony saltou de bruços também, olhando por cima de seu ombro e vendo uma infinidade de Comensais encapuzados, como imponentes e sombrios morcegos negros particularmente crescidos.

-Interrompam os ataques! – exigiu a voz alta e arrastada de uma das figuras encapuzadas. – O mestre quer o Potter vivo!

Imediatamente o clarão causado pelos feitiços cessou e só o que restava era uma lânguida faixa de luz prateada vinda do luar. O silêncio momentâneo feria os ouvidos dos meninos. Harry e Rony ergueram as cabeças e viram-se cercados por quase uma dúzia de Comensais, formando um círculo ao redor deles.

-De pé! – ordenou a mesma voz arrastada, a qual ambos sabiam pertencer sem sombras de dúvidas a Lúcio Malfoy. – De pé os dois!

Rony pegou o olhar do amigo como se buscasse instruções, mas Harry meramente fez um sinal positivo com a cabeça e se ergueu. O ruivo fez o mesmo.

-O Lord ficará mais que satisfeito em vê-lo, Potter... – sorriu Malfoy.

Harry deu um relance ao homem e mesmo através da capa e da máscara, o garoto pôde ver que Lúcio tinha o rosto magro e abatido, com certeza conseqüência de meses inteiros enclausurado em Azkaban.

-Como foram as férias em Azkaban, Malfoy? – desdenhou Harry numa tentativa desesperada de ganhar tempo até decidir-se o que fazer.

-Não muito melhores do que as suas serão no inferno, Potter. – retrucou o Comensal, despertando risadas de seus comparsas. – Mas antes disso o Lord garantirá que você tenha uma boa parcela de diversão com ele, não se preocupe.

-Mesmo?
– indagou Harry com sarcasmo, seu cérebro trabalhando furiosamente em busca de uma solução.

-Oh, sim. – respondeu Malfoy. – Não fique ansioso. Você terá que esperar apenas um pouco, já que no momento o Lord deve estar se divertindo com a pestilenta da sua amiguinha Sangue-Ruim imunda e nojen-

-Silencio!
– explodiu Rony brandindo sua varinha com fúria e interrompendo bruscamente a frase de Malfoy.

-Expelliarmus! – um outro Comensal berrou às costas dos garotos, fazendo a varinha do ruivo voar alguns metros e ir descansar no chão de terra a centímetros de distância dos pacotes-portais.

-Estup- - começou Harry se virando depressa, mas sentiu um soco forte do lado de sua face, entortando seus óculos e sangrando o canto dos seus lábios.

-Incarcerous! – um terceiro Comensal gritou, apontando a varinha para ele, que sentiu grossas cordas envolverem todo seu corpo, o imobilizando completamente. Houve mais alguns gritos, estampidos e, desesperado, ele olhou ao redor à procura de Rony. O amigo estava envolto em cordas também, caído de costas ao chão, um fino filete de sangue descendo de seu nariz.

-Ho-ho... – desdenhou Malfoy, recuperando sua voz. – O santo Potter herói dos Sangue-Ruins está em dificuldades agora...

-Cale sua estúpida boca nojenta, Malfoy!
– esbravejou Rony sem conseguir se conter. Os olhos cinzentos de Lúcio brilharam de malícia.

-Ora, ora, ora... – cantarolou ele. – Seu pai ficará orgulhoso, Weasley! Muito bem, suponho que finalmente conseguirá algum destaque para sua família de perdedores quando mandarmos seu corpo dilacerado de presente a Arthur... Quem sabe você não consiga a honra de ser morto pelo próprio Lord?

-Você é desprezível, Malfoy!
– gritou Harry nervoso. Sua cicatriz ardia como brasa quente e seu paladar provava o gosto nauseante de sangue, vindo do corte em seu lábio.

O homem abrira a boca para outra réplica mordaz, mas nesse instante outro Comensal se aproximou apressado, juntando-se aos vários outros presentes ali.

-O Lord já está se impacientando com a demora, Lúcio. – falou ele. – É melhor que leve o garoto de uma vez.

Malfoy resmungou algo que os meninos não compreenderam e, no momento seguinte, ambos sentiram-se sendo arrastados mais para o fundo do cemitério.

*****



Hermione ergueu a cabeça e piscou com energia para forçar fora do caminho as lágrimas que estavam embaçando sua visão. O medo absoluto ainda preenchia todo seu ser, mas mesmo sob a ação de tanto terror ela ainda pôde notar que algo estava acontecendo. Vários Comensais tinham deixado o círculo e a voz aguda, arrepiante e fria de Voldemort tinha cessado. Ele parecia ter repentinamente mergulhado numa maré de ansiosa e maligna expectativa. Então sons abafados de feitiços cortando o ar atingiram os ouvidos de Hermione e o coração dela acelerou. Ela suou, ela sofreu, ela chorou. E no segundo em que suas bochechas já estavam coalhadas com lágrimas e seu lábio inferior tremia tão incontrolavelmente quanto as folhas das árvores com o vento, a menina viu um movimento à frente: um grupo encapuzado caminhava lentamente de volta, encabeçado por uma silhueta alta e esguia que arrastava outras duas figuras, uma de cada lado. O estômago de Hermione se contorceu dolorosamente. Mesmo dentro da escuridão, ela sabia de quem se tratava. Ela não precisava VER, ela SENTIA a presença deles...

Lúcio Malfoy caminhou mais alguns passos adiante e quando chegou perto o suficiente para que os olhos da garota encontrassem um olhar azul luminoso, ela teve suas suspeitas confirmadas. Seu coração flutuou e gritou aliviado por ver Rony novamente, mas sua razão o queria bem longe dali, salvo e vivo. Se alguém tivesse que se machucar, que fosse ela. Não Rony. Não Harry. Isso sim a machucaria para valer...

-Harry! Rony! – ela encontrou forças para gritar, sua voz engrolada com o choro. Ambos os meninos a encararam. Harry tinha um brilho decidido incrustado em seus olhos verdes muito vivos. Rony (que já tinha a localizado antes) tinha uma expressão firme, embora uma fina e quase imperceptível lágrima teimou em descer acariciando sua bochecha.

-Mione! – ele gritou, o desespero nítido em seu tom.

-Oh, não! O que vocês dois estão fazendo aqui? – exigiu com urgência uma outra voz.

Harry olhou na direção das palavras e Rony relutantemente desgrudou seu olhar de Hermione para observar também.

-P-professora Brinks? – murmurou Harry completamente chocado. Os dois garotos pareceram muitíssimos surpresos (quase espantados) por ver a mulher a qual julgavam culpada, envolvida em grossas cordas assim como eles.

Malfoy fez seu espaço até o centro do círculo recém reestruturado e com violência atirou Harry e Rony sobre o chão de terra, ao lado de Hermione e Rebecca. Os meninos caíram de costas e gemeram com o impacto. Hermione soluçou mais alto.

-Merlim! – continuou Rebecca em tom lamentoso. – Vocês não deveriam estar aqui, não deveriam...

-E o que a SENHORA está fazendo a-
- começou Harry fitando a mulher, mas foi cortado no meio da frase.

-CALEM-SE TODOS VOCÊS! – explodiu o urro macabro de Voldemort, causando calafrios em todos e fazendo a cicatriz de Harry arrebentar em dor. O menino sentia como se milhares de agulhas em chamas perfurassem sua testa, rasgando sua pele, dilacerando sua carne, rachando seu crânio... Ele gritou, mas seus berros de dor e agonia foram repentinamente abafados: Voldemort acabara de conjurar grossas mordaças para cada uma das pessoas amarradas no meio do círculo. Ele soltou outra gargalhada sem vida, antes de voltar a falar:

-Oh, vejo que temos a presença de um penetra para nossa pequena festa... – desdenhou, voltando seus olhos vermelhos demoníacos para a face branca e apavorada de Rony.

-Quer que eu me livre dele, mestre? – ofereceu um Comensal dando um passo adiante.

Harry e Hermione arregalaram os olhos ao som dessas palavras e se debateram em suas amarras, as cabeças colidindo dolorosamente com o chão de terra no processo. Rony suava frio e lágrimas corriam torrencialmente pelo rosto de Hermione.

Voldemort riu uma vez mais, juntando as pontas dos seus longos dedos muito brancos e analisando criticamente as reações dos garotos.

-Não ainda, Dolohov. – disse ele lentamente. – Acho que será extremamente divertido termos um espectador a mais para assistir ao espetáculo dessa noite... De qualquer forma, no fim ele terá o mesmo destino dos outros... – completou gargalhando. Os Comensais acompanharam-no, mesmo sem sequer saber o porquê estavam rindo.

-Comensais da Morte! – chamou Voldemort. – Essa noite será a mais especial que suas medíocres existências poderão lhes proporcionar. Nessa magnífica escuridão e em meio a esse fantástico cenário, algo mudará para sempre os rumos do universo... E isso acontecerá pela simples razão que hoje, além de ser o bruxo mais poderoso que o mundo já viu, a criatura vivente mais poderosa que alguém possa ter sonhado existir, eu também alcançarei a tão preciosa e cobiçada imortalidade.

Houve um silêncio tenso e quase palpável sob essa declaração. Rony parecia paralisado. Harry ofegava em dor e Hermione soluçava silenciosamente. Rebecca Brinks, por sua vez, parecia aterrorizada, mas ouvia atentamente. Voldemort prosseguiu:

-E vocês podem se perguntar por que escolhi esse lugar, não? Por que escolhi alcançar tal glória no meio de um cemitério onde estão enterrados os restos mortais do meu pai trouxa desprezível e abominável... É um tanto quanto óbvio, mas se suas mentes desfavorecidas não conseguiram chegar à resposta, eu lhes direi: como todos vocês sabem, esse foi o lugar onde me reergui depois de longos e duros anos. Aqui foi onde recuperei meu corpo e meu poder, minha força e minha astúcia... Logo, nada estranho e muito justo que esse também seja o palco de onde, hoje, atingirei minha maior meta, alcançarei minha maior vitória!...

Ele se aproximou do lugar onde Harry estava estatelado de costas ao chão, com os olhos apertados e lacrimejantes e se abaixou, afastando uma mecha de cabelo escuro da testa do garoto e tocando sua cicatriz com a ponta do longo dedo indicador. O menino tentou berrar, mas o som ouvido foi apenas um grunhido, já que seu grito foi abafado pela mordaça mágica que cobria sua boca.

-Ora, ora, ora... – sussurrou Voldemort maldosamente. – Nos encontramos de novo, caro Potter... E hoje vou presenteá-lo com o que você já deveria ter ganhado há muito tempo... Hoje você finalmente será premiado com a morte, Harry Potter!... Mas antes terá a chance de assistir todo o espetáculo, não se preocupe.

-Milorde...
– chamou uma voz temerosa à esquerda. – Será que poderíamos ter a honra de conhecer os seus planos para essa noite?

Voldemort virou seus característicos olhos vermelhos de pupilas verticais para o Comensal que acabara de falar e a figura encapuzada se encolheu ligeiramente.

-Eu não aprecio bisbilhoteiros curiosos, Nott. Você sabe disso, suponho... – falou ele numa voz enregelante.

-Perdão, meu amo, perdão. – sussurrou Nott. – Eu lhe imploro sua miseric-

-Está bem, está bem, sem resmungos e choramingos agora.
– cortou Voldemort. – Como Lord misericordioso que sou, os deixarei saber mais sobre o espetáculo que dentro em breve vocês presenciarão...

-Obrigado mestre, obrigado.
– Nott murmurou freneticamente, se ajoelhando até Voldemort e beijando-lhe as barras das vestes. O homem olhou-o com nojo e rispidamente mandou que se afastasse. Em seguida, sorriu maliciosamente:

-Essa noite, Comensais da Morte, será realizado aqui, com todos vocês como testemunhas, o Encantamento das Almas.

Um silêncio ainda mais pesado caiu sobre todo o grupo. Durante alguns segundos pareciam que todos ali estavam assimilando as palavras de Voldemort. Havia no ar um quê de surpresa e sinistra excitação mal disfarçada. Harry, que finalmente conseguiu manter seus olhos lacrimejantes de dor abertos por um tempo maior que um minuto, trocou um breve relance confuso com Rony, ambos nitidamente não entendendo o significado da declaração de Voldemort. Hermione, ainda chorando, enrugou a testa em concentração, como se tentasse se lembrar de algo e, Rebecca Brinks, com a boca escancarada, parecia completamente horrorizada, embora também apresentasse um ar de certa incompreensão.

-Mas Mestre, - falou uma voz arrastada mais à direita – como será possível...?

O tom de Lúcio Malfoy também era temeroso, embora ainda fosse muito mais firme e decidido do que o que Nott usara há pouco.

-Lúcio, Lúcio, Lúcio... – cantarolou a figura medonha de Voldemort. – Será que do alto de sua experiência a sua mente tacanha ainda não possa compreender? Você não sabe o que é o Encantamento das Almas?

-Sim, eu sei, meu amo.
– respondeu Malfoy prontamente. – Apenas não compreendo como...

-Meu caro Lúcio, acho que realmente você não sabe... Suponho que preciso oferecer uma conferência sobre o assunto a todos vocês leigos... Mas, esperem! Por que eu gastaria tempo e energia numa tarefa tão enfadonha quando nós temos aqui uma PROFESSORA? Aposto que ela saberia explicar todas as coordenadas a vocês, não é mesmo, Brinks?
– acrescentou se virando para a assustada mulher ao chão, amarrada e amordaçada.

-Vamos, retirem-lhe a mordaça para ouvirmos o que ela tem a dizer sobre o assunto!

Um dos Comensais, o mais alto e corpulento, se adiantou e arrancou bruscamente a grossa faixa negra que cobria a boca da professora, a colocando de pé. Os lábios dela estavam trêmulos e pálidos.

-Diga a todos, Brinks. – ordenou Voldemort. – Diga a todos tudo o que você sabe sobre o Encantamento das Almas.

A mulher não se moveu. Ela apenas encarou o chão, seus lábios apertados firmemente como se ela fosse totalmente incapaz de pronunciar qualquer palavra.

-Será que você também não sabe? – desdenhou Voldemort. – Ah, como Dumbledore ficaria decepcionado ao saber da ignorância de sua professora de Defesa Contra as Artes das Trevas!

Rebecca não deu qualquer sinal de ouvir e meramente continuou fitando o chão, tremendo da cabeça aos pés.

-Bem, bem... Isso está começando a me irritar. Fale agora, mulher inútil! Imperio! – gritou Voldemort apontando a varinha na direção da mulher, que pareceu repentinamente relaxada e com o olhar vítreo. – Agora fale a todos sobre o Encantamento das Almas! – exigiu ele.

Rebecca abriu a boca automaticamente e no instante seguinte falou, sua voz estranha e distante:

-O Encantamento das Almas é um feitiço antigo muito poderoso, porém maligno e absolutamente complexo, sendo muito difícil de ser realizado.

-Certo, continue.

-Esse feitiço pode ser usado para oferecer ao Receptor um dos dois objetivos ambiciosos: o primeiro é a vida eterna, a imortalidade, e o segundo é a r-

-Não importa o segundo.
– cortou Voldemort. – O objetivo hoje é justamente esse primeiro, a imortalidade... Explique a esses bastardos imbecis como o feitiço é feito, vamos!

-O Encantamento das Almas envolve três gerações,
- continuou Rebecca – e para que ele seja realizado é necessário que as três pessoas envolvidas estejam presentes no momento. Essas três gerações, essas três pessoas, serão chamadas de Doador, Receptor e Terceiro Participante. O Doador é aquele que doará a sua alma ao Receptor, dando a ele o objetivo em questão, que é a vida eterna ou a –

-Nesse caso a vida eterna.
– Voldemort interrompeu outra vez. – Prossiga.

-O Receptor então receberá a alma e alcançará o objetivo desejado, mas um alto preço será pago pelo Doador: como ele terá doado sua alma, sua essência, ele morrerá instantaneamente.


Harry, Rony e Hermione, todos prestando total atenção às palavras da professora, arregalaram os olhos. Harry mordeu os lábios por baixo da mordaça, Rony engoliu com força e Hermione deixou as lágrimas escaparem com mais facilidade, encharcando suas bochechas, seu pescoço e as frentes de suas vestes que não estavam ocultas pelas cordas.

-Para que o feitiço funcione, - continuou Rebecca – o Doador deve ter seu coração repleto de dois sentimentos distintos: amor e ódio. Ele deve estar sentindo ao mesmo tempo amor e ódio pelas outras duas pessoas participantes, amor por uma e ódio pela outra. Mas esse amor não poderá ser de qualquer tipo, deverá ser um amor familiar obrigatório, ou seja, de filho para pai ou mãe, de pai ou mãe para filho, de avô para neto, de neto para avô... O Encantamento das Almas é infalível se realizado da maneira correta, mas não funcionará se uma das gerações não estiver presente ou se um dos três envolvidos for uma criança com menos de treze anos completos. – ela finalizou e continuou estática, com o olhar parado e vítreo. Os Comensais encaravam Voldemort com um misto de curiosidade e espanto. Ele voltou a gargalhar.

-Suponho que tenham entendido a base do feitiço agora, Comensais? – perguntou desdenhoso. – Seu cérebro infeliz conseguiu acompanhar, Lúcio?

-Sim, Mestre.
– murmurou Lúcio. – Mas apenas não consigo compreender como isso será possível sem as três gerações presentes...

-Ah, isso sim é uma boa história, meu caro. Acho que está na hora de todos aqui se reconhecerem exatamente pelo que são...


Voldemort fez então um breve movimento com a varinha e o olhar de Rebecca pareceu entrar em foco outra vez. Ela piscou uma ou duas vezes e novamente sua expressão se encheu de terror. A maldição “Imperius” tinha sido retirada.

-Voltemos no tempo alguns anos, que é onde está o palco inicial dessa fantástica história... – riu Voldemort. – Estávamos em 1942 e mesmo já acreditando que futuramente eu chegaria a ser o que hoje sou, eu ainda usava o nome nojento e indigno do meu pai trouxa: Tom Riddle.
Eu estava em meu sétimo ano em Hogwarts, era Monitor-Chefe, invejado por todos, admirado pela maioria absoluta dos professores e rodeado por garotas. Bom... havia uma garota em especial que chamou minha atenção. Não por essas baboseiras de amor e paixão, mas por sua beleza e status. Ela era uma sextanista da Corvinal que chamava atenção aonde ia, cobiçada por todo e qualquer aluno do castelo. E foi esse o principal motivo que fez com que eu me aproximasse dela, para provar que eu conseguiria o que quisesse ou quem quisesse a qualquer hora. Essa foi a razão pela qual conquistei e seduzi Jamile Church.


Rebecca Brinks arregalou seus grandes e profundos olhos castanhos e sua boca se escancarou.

-O que? – ela murmurou num tom quase inaudível. Voldemort sorriu cruelmente e, sem fazer comentários, prosseguiu com sua narrativa:

-Naquele ano eu me formei e deixei Hogwarts, indo em busca de planos mais ambiciosos, conquistas mais significativas...
Foi só dois anos depois, em 1944, que reencontrei Jamile. Ela estava ocupando um cargo alto no Ministério. Recém-formada, tão jovem e já tão influente... E isso foi o que fez com que eu aproximasse dela novamente, a seduzisse uma vez mais...


Um soluço alto interrompeu brevemente a história e Harry, Rony e Hermione viraram as cabeças ao mesmo tempo para ver Rebecca Brinks em prantos.

-Cale-se, mulher estúpida! – bradou Voldemort. E com um quê de diversão acrescentou: - Eu ainda nem mesmo me aproximei das melhores partes...
Certo, onde parei? Ah, sim, muito bem... Minha relação com Jamile Church não foi duradoura. Em meados de 1945 ela começou a perceber minha ambição, minha sede de poder e minha falta de amor por ela, e isso a assustou como a morte!... Os fracos são demasiado covardes à perspectiva das coisas grandes e dessa forma, ela se afastou de mim e fugiu. Foi viver com outro, um trouxa asqueroso de nome Daurien. Daurien BRINKS.


Como se fossem um só, Harry, Rony e Hermione ofegaram. Rebecca soluçou com ainda mais vontade e mesmo os Comensais pareceram se agitar, surpresos.

-Pulando para 1946, - continuou Voldemort, claramente desfrutando as reações causadas por suas palavras – temos uma parte mais divertida da história: nesse ano eu já estava me tornando muito poderoso e meu prazer nas coisas simples como matar e torturar já estava aguçado. Então invadi a casa dos Brinks, matei o traste do trouxa Daurien e sua linda esposa Jamile.

-Desgraçado!
– berrou Rebecca sobressaltando a todos. Os Comensais lhe apontaram as varinhas de modo ameaçador, mas Voldemort gargalhou gostosamente.

-Estamos chegando nas partes boas, estamos chegando... – disse ele. – Como eu ia dizendo, matei Daurien Brinks e antes de matar Jamile, ela me confessou que quando fugiu de mim estava grávida e que eu era o pai do bebê que dormia no quarto dos fundos daquela casa. O bebê de poucos meses que o trouxa assumiu como filha e lhe deu seu nome sujo. Tom Riddle era o verdadeiro pai da criancinha imunda chamada Rebecca Brinks.

Todos os olhares dos presentes se voltaram para a mulher parada ali ao centro do círculo. Rony e Harry pareciam estupefatos e Hermione, penalizada. Rebecca Brinks tinha a face pálida e lágrimas silenciosas deslizavam fora de seus profundos olhos castanhos.

-Filha? – ela sussurrou temerosa. – SUA filha? – perguntou se virando para a figura maligna de Voldemort. Ele a ignorou completamente, absorto em pensamentos e nitidamente ávido para continuar a falar:

-Depois dessa confissão, eu matei Jamile também, mas poupei o bebê. Não porque me tocasse o fato dela ser minha filha, mas porque na época eu já conhecia os poderes dos laços sanguíneos e já sabia que futuramente a criança poderia vir a me ser útil. Talvez tenha sido por curiosidade ou receio de ver reflexos de meus poderes em outra pessoa, mas o fato é que sempre acompanhei cada passo dessa criança maldita. Soube que foi criada pela avó materna e tive notícias de quando ela fora para Hogwarts. Só então tive certeza de que ela não herdara nada de mim, nenhum poder sequer. Ela não tinha nada de excepcional, não falava a língua das cobras e nem sequer se tornou uma sonserina. Se tornou, ao invés, uma corvinal medíocre como a mãe.

-Não pode ser, não pode ser...
– Rebecca murmurava febrilmente.

-Rebecca Brinks negou completamente meu sangue e fez jus ao nome imundo do trouxa que acreditava ser seu pai. Outra prova disso foi quando em seu último ano de escola, começou a se relacionar com um paspalho grifinório de sangue ruim chamado Jerry Taylor.

-Cale a boca!
– explodiu a mulher de repente, caindo de joelhos e chorando desesperadamente. – Cale a boca!

-Respeite o papai, Rebecca.
– zombou Voldemort. – Crucio!

A mulher se estirou no chão de terra e se contorceu como um animal ferido com o corpo em chamas. Seus gritos ecoaram em cada canto do precário cemitério, cortando o ar triste e parado da noite. Harry fechou os olhos apertados, sua cicatriz explodindo em dor também. Rony fez uma careta e Hermione desejou do fundo do coração que tudo fosse apenas mais um pesadelo e ela acordasse de uma vez.

-Ok. – disse Voldemort erguendo a varinha e suspendendo a maldição sobre a mulher ofegante aos seus pés. – Antes de mais diversão, deixe-me terminar a história...
Rebecca Brinks casou-se com Jerry Taylor quando terminou Hogwarts e em 1966 deu a luz a uma criança, a pequena meliantezinha chamada Kimberly Taylor...

-Cale-se.
– ofegou Rebecca do lugar onde estava prostrada. – Cale-se!

Voldemort não lhe deu qualquer atenção.

-Em meados de 1972, já no auge de meu poder e fama, me recordei do feitiço antigo chamado Encantamento das Almas e tracei um plano em busca da vitória contra a morte, em busca da imortalidade. Esse plano envolvia, obviamente, Rebecca e Kimberly Taylor, minhas mais próximas ligações sanguíneas, formando juntamente comigo as três gerações necessárias para o sucesso do feitiço...

-Crápula... Canalha!
– praguejou Rebecca forçando sua voz. – Não fale de minha filha com sua boca indigna!

-Crucio!


A mulher rolou pela terra e berrou de dor e agonia novamente. Os Comensais riram maldosamente, satisfeitos.

-Fique quieta! – sibilou Voldemort. – Não gosto de interrupções e a fantástica história ainda não terminou!...
Assim, com o plano pronto, só restava esperar para colocá-lo em prática. Eu não poderia realizar o Encantamento das Almas de imediato, porque como a nossa querida professora Brinks já mencionou, o feitiço não é válido se um dos três participantes for uma criança com menos de treze anos. Desse modo, eu teria que aguardar alguns anos, até que a meliantezinha da Kimberly Taylor atingisse a idade.


Rebecca tentou protestar pelo insulto à memória da filha, mas não teve forças. Voldemort prosseguiu:

-Em 1978, quando a menina tinha doze anos, eu resolvi dar andamento ao plano que há muito estava congelado, tentando deixar a Doadora, Rebecca Taylor, nas condições ideais para a realização do Encantamento das Almas. Ela obviamente já sentia amor por uma das partes, sua filha, mas eu precisava aguçar nela o outro sentimento. Eu precisava acender nela o ódio. O ódio pela outra parte, o ódio por mim. Só sentindo ao mesmo tempo amor e ódio é que ela poderia doar-me a alma, tornando-me assim, imortal, único.

-E o que exatamente deu errado nesse plano tão bem elaborado, milorde?
– indagou uma voz feminina que fez o estômago de Harry se contorcer de aversão.

-Tenha paciência, Bela. – disse Voldemort. – Eu chegarei lá...
Muito bem... Para aguçar o ódio de Rebecca por mim, eu invadi a casa dos Taylor e assassinei pessoalmente seu marido Jerry Taylor em sua frente, fazendo questão de deixá-la assistir o paspalho agonizar até a morte...

-Desgraçado... desgraçado...
– Rebecca resmungava baixinho, completamente sem forças.

-Com certeza a ação teve o efeito esperado: Rebecca me odiou com todo seu coração...! Mas então as coisas começaram a desandar. Kimberly Taylor era muito apegada ao palerma medíocre do pai e caiu doente com a notícia de sua morte, morrendo no verão seguinte, antes mesmo de completar seus treze anos e estragando completamente o plano que eu cuidadosamente cultivava há tantos anos.

-E como milorde reestruturou o plano depois de tanto tempo, meu amo?
– perguntou outro Comensal.

-Usando minha mente perspicaz e minha inteligência fora do comum, Goyle. – respondeu Voldemort. – Coisas que você nunca conseguirá compreender totalmente...
Como todos vocês sabem, eu recuperei meu corpo e meus poderes há dois anos, nesse mesmo lugar e com a ajudinha do nosso amiguinho Potter aqui.
– Ele colocou um pé sobre a face de Harry, fazendo o garoto tremer com a ardência terrível de sua cicatriz. – Desde então eu não perdi meu tempo para procurar por Rebecca, vendo que meu plano poderia ser reorganizado. Mas minhas fontes me informaram que ela não voltou a se casar e nunca teve outro herdeiro. A inútil tinha caído em depressão e enterrado seu passado, até mesmo voltando a usar seu nome de solteira, o nome herdado do trouxa sarnento que ela acreditava seu pai. Ela voltara a se denominar Rebecca Brinks. (...) Foi apenas há poucos meses, no entanto, que tudo se reanjou. Talvez fosse por mero hábito, mas o fato é que eu não tinha deixado de controlar de perto a vida de Rebecca. E foi com surpresa e prazer que recebi a notícia que Dumbledore tinha a convidado para voltar à Hogwarts, fazer parte do seu corpo docente. Só então uma feliz idéia formou-se em minha cabeça, baseada num detalhe bobo que eu nunca sequer me lembrei ou dei atenção.

-Nós estamos desejosos para saber qual seria esse detalhe, meu Lord, lhe suplicamos que nos conte...

-Você está tão ávida por informações quanto vampiros por sangue, Belatriz.
– cortou Voldemort. – Mas para simplificar e apressar as coisas, lhes permitirei saber: o detalhe de qual me lembrei foi um fato bobo do mundo bruxo. Me lembrei que quando um bruxo ou bruxa morre antes de seu décimo quinto equinócio de primavera, ou seja, antes de seus quinze anos, sua alma não migra para a dimensão dos mortos. Ela fica na Terra para cumprir sua missão e reencarna num prazo máximo de dois anos após sua morte. E como Kimberly Taylor morreu em agosto de 1979, sua alma teria reencarnado até no máximo em 1981, tendo ela hoje entre 15 e 17 anos, ou seja, idade escolar. E Hogwarts, a ESCOLA de Hogwarts, era para onde Rebecca iria para trabalhar. Eu simplesmente não poderia deixar de promover esse encontro entre as almas, poderia? – riu ele.

-Mas milorde, - interrompeu outro Comensal postado bem à direita – como o senhor poderia de fato saber que a reencarnação de Kimberly Taylor estava em Hogwarts e não em outro lugar, outra escola?

-Suposições.
– respondeu Voldemort. – Acertadas suposições, Crabbe. Os bruxos costumam reencarnar no mesmo território onde morrem e todas as crianças bruxas nascidas na Grã-Bretanha freqüentam Hogwarts, não é mesmo?

-E milorde conseguiu encontrar a criança, então?
– tornou a perguntar Crabbe. – Conseguiu encontrar a reencarnação de Kimberly Taylor?

-Não seja tão pateticamente burro, Crabbe.
– ralhou Voldemort. – É claro que encontrei, ou do contrário as três gerações não estariam completas e vocês não estariam aqui esta noite, prestes a presenciarem o feitiço que me dará a tão sonhada imortalidade.

-E quem é a reencarnação, milorde?
– outro Comensal quis saber, excitado. Mas dessa vez não foi a voz fria de Voldemort que respondeu. Rebeca Brinks, entre lágrimas e soluços, murmurou num tom abafado, mas suficientemente alto e claro para que todos os presentes ouvissem:

-A reencarnação é Hermione Granger.

Todas as atenções repentinamente se viraram à mulher e dela à pálida garota chorosa enrolada ao chão. A atmosfera de excitação entre os Comensais da Morte era grossa e quase palpável, enquanto todos eles murmuravam entre si.

Harry forçara seus olhos abertos uma vez mais e, ignorando a dor e com os interiores se revirando de temor e mórbida surpresa, encarou a amiga caída ao seu lado. Então era isso: Rebecca Brinks tinha o mesmo sangue de Voldemort e por isso ela o fazia tão mal, mesmo inconscientemente. E Hermione era a reencarnação da filha da professora, certamente o motivo delas se darem tão bem...

Rony sentira seu coração parar de bater e seu estômago pesar como se ele tivesse comido toneladas de chumbo derretido. Suas mãos gelaram, suas pernas tremeram e seus cabelos ruivos grudaram na sua testa por causa do suor. Algo mais que terrível estava prestes a acontecer, ele poderia sentir. Algo mais que terrível estava prestes a acontecer com Hermione. E isso, definitivamente, ele não poderia suportar.

Hermione ouviu as palavras de Rebecca Brinks, mas simplesmente não pôde as assimilar. Não QUIS as assimilar. Seu cérebro estava formigando com a informação e seu coração pulsando com a dor que isso a causara. Ela de repente se sentia suja, indigna, culpada. Finalmente ela pôde compreender todos aqueles pesadelos nos quais ela se via como uma garotinha. Eles nada mais eram que lembranças. Lembranças de uma vida anterior vivida por sua alma. Ela compreendera o mistério, mas o preço a pagar fora demasiado cruel. Hermione acabara de descobrir que sua alma também pertencera a alguém que tinha correndo em suas veias o mesmo sangue da criatura mais sórdida que já havia existido em todo o universo. Ela acabara de descobrir que era a reencarnação de Kimberly Taylor, a neta de Lord Voldemort.

-Oho! – exclamou Voldemort repentinamente. – Vejo que subestimei você, Brinks! Então você sabia o tempo todo?

A mulher apenas piscou e continuou a soluçar, seus olhos buscando os de Hermione, mas a garota se negava a encará-la.

-H-Hermione. – gaguejou ela. – Hermione, por favor, olhe para mim. – implorou.

A menina continuou olhando na direção oposta.

-Eu sei que você deve estar decepcionada porque eu menti para você, eu não tiro sua razão, mas eu tive meus motivos, querida. – Rebecca começou a falar muito depressa, chorando impetuosamente. – Eu amei você desde a primeira vez que lhe vi, mas só soube realmente o porquê quando você me contou dos sonhos e eu vi a marca do seu pulso. A mesma marca que eu tenho, a mesma marca que Kimberly tinha... Apenas naquele instante eu soube que você era a minha menina, Hermione. A minha menina que tinha voltado para mim.

Os Comensais agora davam risinhos debochados do desespero da mulher. Voldemort, por sua vez, parecia se divertir, interessado na cena:

-Isso, deixe o amor invadi-la, Brinks... Seu ódio eu alimento depois... – disse ele.

Rebecca não lhe deu atenção, continuando a falar febrilmente:

-Você deve estar se perguntando por que eu não lhe contei logo que descobri, não, Hermione? E eu lhe respondo: porque tive medo! Eu escondi isso de você por covardia, por medo de que você se assustasse e se afastasse de mim. Eu não suportaria perdê-la outra vez...

Hermione finalmente virou a cabeça e deixou que seus olhos se encontrassem com os profundos da professora. Ambas tremeram com a profundidade do olhar compartilhado e a menina, com grossas lágrimas deslizando em suas bochechas já molhadas, fez um aceno minúsculo com a cabeça, como se dissesse: “Eu perdôo você.”

-Muito bom, muito lindo, muito comovente, mas o espetáculo tem que continuar.
– zombou Voldemort, rindo daquela forma fria.

-Meu amo! – chamou a voz empolgada de Belatriz outra vez. – Será que o senhor nos daria a honra de saber como foi que o senhor descobriu a menina?

-Está aí outra parte interessante e que merece ser compartilhada, Bela.
– respondeu ele. – Sim, eu contarei a vocês.
Bom, assim que presumi que haveria boas chances da reencarnação de Kimberly Taylor estar em Hogwarts, meu próximo passo seria identificá-la e agir em prol de uma aproximação entre ela e Rebecca Brinks, pois somente dessa forma poderia florescer o amor entre elas e eu poderia realizar o Encantamento das Almas. Certamente as almas de ambas já se reconheceriam por si só, mas eu tinha que descobrir a garota antes, eu tinha que controlar para que nada atrapalhasse meus planos dessa vez...
Quando um bruxo ou bruxa morre antes de cumprir sua missão, além de reencarnar em no máximo dois anos e geralmente no mesmo território onde morreu, muitas vezes, ou melhor, na maioria absoluta das vezes, a alma volta em outro corpo, mas mantendo todas as principais características de sua personalidade. Algumas vezes até retorna com muitas semelhanças físicas com seu corpo anterior, embora isso seja definitivamente mais raro. Dessa forma, tudo o que eu precisava fazer era identificar alguém entre 15 e 17 anos e que possuísse as mesmas características de personalidade da pequena meliantezinha chamada Kimberly Taylor...

-Não fale assim da minha filha, seu imundo!
– se exaltou Rebecca, bradando furiosamente. Voldemort se limitou a sorrir cruelmente, antes de prosseguir:

-Como eu já tinha dito antes, sempre procurei vigiar de perto cada passo de Rebecca e, conseqüentemente, de Kimberly também, logo que ela nasceu. Assim, eu conhecia a personalidade da menina muito bem, sabia que Kimberly era desastrosamente estudiosa, pateticamente esforçada e, embora não herdasse a beleza de sua avó Jamile, também chamava atenção por sua inteligência excepcional para os padrões da idade. E era uma grifinória petulante, ousada e corajosa.

As lágrimas de Rebecca agora despencavam de seus olhos de modo tão torrencial que era admirável que ela estivesse as produzindo em tão grande quantidade num espaço de tempo tão pequeno.

-Eu precisava encontrar alguém em Hogwarts com essas características. Provavelmente na Grifinória ou Corvinal... – continuou Voldemort. – Mas como eu faria isso em pleno verão, quando todos os alunos estavam em casa e a escola estava vazia? Minha opção ideal seria recorrer aos Comensais com filhos em idade escolar, filhos que pudessem me passar nomes de estudantes que se enquadrassem nas características procuradas... Mas então, outro agravante: esses Comensais que poderiam me ajudar tinham sido demasiado idiotas para deixarem-se ser pegos e por esse motivo estavam encafifados em Azkaban. Não é mesmo, Crabbe, Goyle, Nott, Malfoy?

Os quatro homens citados remexeram-se desconfortavelmente no mesmo lugar, mas não disseram nada. Voldemort continuou:

-Foi sob essas condições que ordenei à Belatriz aqui que trouxesse até mim sua amável irmã Narcisa, esposa do nosso caro Lúcio. Ela concordou de bom grado em me ajudar, obtendo as informações necessárias do filho Draco. E eu, tão misericordioso, prometi tirar o traseiro inútil de Lúcio para fora de Azkaban caso tudo corresse como o planejado.
Dentro de pouco tempo eu tinha em mãos uma pequena lista com nomes de alunos que poderiam ser aquele que eu buscava. Mas um deles me atraiu muito mais que os outros, o nome que Narcisa me disse ser de uma Sangue-Ruim asquerosa. Uma Sangue-Ruim asquerosa que agradavelmente ainda acontecia de ser a melhor amiga do meu querido metido a heroizinho, Harry Potter.


Harry ouvia tudo com estupor. A cada segundo e a cada nova palavra aquela história parecia mais surpreendente, sórdida e assombrosa. E a dor de sua cicatriz também estava cada vez mais afiada. Ele olhou para ambos os lados e assistiu um Rony tão assombrado quanto ele próprio e uma Hermione desolada de tal forma que ele nunca se lembrava de ter visto. Seu coração apertou tanto que até disfarçou por alguns momentos a dor em sua testa...

-Confesso que fiquei eufórico com a possibilidade de Hermione Granger, a Sangue-Ruim amiguinha de Potter, ser a garota que eu buscava, pois isso não apenas se adequaria aos meus planos como também me abriria um mundo de possibilidades. Quem diria que além de conseguir realizar o Encantamento das Almas eu também conseguiria ter uma boa isca para atrair Potter até mim e destruí-lo de uma vez por todas?

-Magnífico, milorde, magnífico!
– exclamou Belatriz Lestrange.

-Sim, Bela, mas deixe-me continuar... Ávido para descobrir se o destino me fora tão gentil, eu comecei a invadir a mente e os sonhos de Hermione Granger durante todo o verão, observando-a, colhendo informações que confirmassem ou negassem minhas suspeitas. Eu a via durante essas invasões, o que me fez ainda mais excitado, pois a garota tinha sim uma certa semelhança física com Kimberly Taylor, sutis, como a forma de olhar e enrugar as sobrancelhas, mas ainda sim semelhanças inegáveis.

Hermione agora chorava tanto que mesmo a mordaça que cobria sua boca não era capaz de abafar completamente o som dos seus soluços. Rony a observava com os olhos azuis brilhantes de lágrimas também, embora não as deixasse cair.

-O interessante, - Voldemort prosseguiu – era que a garota parecia notar minha presença em sua mente, pois sempre acordava chorando desesperada. Mas claro, isso só fazia as coisas mais divertidas...
Então, finalmente, na sétima ou oitava invasão, a certeza que eu buscava e a confirmação que eu esperava vieram até mim. Da mesma forma que aconteceu com nossa querida Rebecca, eu também vi a mancha no pulso interno da menina. A marca de família que Jamile tinha, que Rebecca herdou e passou também à Kimberly. E foi naquele instante que eu soube que Hermione Granger era a garota que eu buscava.
Assim, eu interrompi minhas invasões quase diárias à mente da menina, invadindo-a apenas ocasionalmente. Narcisa, por sua vez, garantiu-me que conversara com o filho e que ele estaria com um olho atento sobre a Granger, pronto para agir se eu precisasse de algo. Embora nenhum deles conhecesse nada sobre o plano em si, claro.
A partir daí tudo ocorreu como o esperado: as almas de Granger e Brinks se reconheceram, o sentimento patético entre elas floresceu e eu pude partir para o passo seguinte.

-E qual foi esse passo, mestre?
– indagou a voz de Dolohov.

-Eu tirei a maioria de vocês de Azkaban, seus palermas imprestáveis! E então o filho de Lúcio foi para casa gastar seus feriados de Páscoa e para não botar meu plano em risco confiando minhas fichas naquele garoto covarde, ordenei que Lúcio o colocasse sobre a “Imperius” e lhe ordenasse que vigiasse cada passo da menina Granger.

-Draco teria ficado satisfeito e honrado em fazer o serviço mesmo sem a maldição, milorde.
– disse Malfoy em seu típico tom arrastado, um breve quê de aborrecimento mal oculto em sua voz.

Voldemort riu bastante desdenhoso:

-Eu não tenho tanta certeza, Lúcio. – disse ele. – Sinto um cheiro de covardia no garoto... Embora eu confesse que estou agradado com o trabalho dele, mesmo sob a “Imperius”. Quem sabe futuramente ele dê um bom Comensal, por que não?

-Estou certo que sim, meu amo.
– respondeu Lúcio.

-O que o garoto Malfoy fez exatamente, milorde?

-Isso não é óbvio, Macnair? Ele vigiou cada passo da Sangue-Ruim. E entreouvindo uma conversa entre a menina e a Brinks, descobriu que elas se encontrariam para um chá na sala da mulher na tarde de hoje. Então ele enfeitiçou três pacotes para que se tornassem chaves de portal e aproveitou o tempo que Brinks estava brincando de dar aulinhas para colocar um deles sobre a escrivaninha dela. Não demorou e a curiosidade levou a melhor sobre a imbecil, fazendo-a tocar o pacote e trazendo-a até mim. Logo o mesmo ocorreu com a Granger e o nosso amigo Potter aqui...

-E como foi que o garoto atraiu os dois à sala da Brinks, meu amo?

-A menina já iria até lá para seu chá com a professora, não ouviu? Agora com o Potter foi um pouco diferente. O filho de Lúcio já havia observado que Potter não confiava um só dedo na Brinks, talvez por ela lhe causar certas sensações devido ao sangue dela ser o mesmo que corre em minhas veias... Garoto tolo!
– ele voltou a comprimir a face de Harry com um dos pés. O menino ofegou em dor. – Então, como sempre, o senso de heroísmo falou mais alto e, notando a ausência da amiguinha de sangue imundo, Potter foi procurá-la na sala da Brinks malvada... O garoto Malfoy estava postado ali para colocar outro pacote-portal logo que o primeiro e o segundo desapareceram, então Potter encontrou a surpresinha e agora, acabou aqui. Não é a história mais fantástica que todos vocês já ouviram, Comensais?

As figuras encapuzadas deram risinhos e exalaram burburinhos de concordância. Rebecca e Hermione choravam silenciosamente, Harry tinha os olhos fechados e os lábios apertados por baixo da mordaça e Rony guardava uma expressão que mesclava medo e profunda tristeza.

-Mais fantástico que essa história, - prosseguiu Voldemort erguendo os braços e exigindo silêncio – apenas será o espetáculo dessa noite. Eu não somente alcançarei a imortalidade e glória eterna, mas serei brindado com a morte de meu pior inimigo... Despeça-se da vida, Harry Potter. Aliás, despeçam de suas vidinhas medíocres, todos vocês.

-Não toque nessas crianças, não toque nelas, é a mim que você quer, é da minha alma que você precisa!
– gritou Rebecca, implorando chorosa.

-E me privar de um pouco mais de diversão? – zombou Voldemort. – Creio que não, minha cara... – gargalhou ele. – Mas agora, chega de tanto papo furado, explicações, baboseiras e vamos ao que realmente interessa. Lúcio! Tire a mordaça da garota, desamarre as duas e tragam-nas até mim! O espetáculo vai começar...

*****



N/A: Bem, está aí, a solução de quase todos os mistérios da fic e praticamente toda a trama exposta. Espero ter conseguido ser bem clara e espero do fundo do coração ter correspondido às expectativas. Foi um capítulo muito difícil de escrever, mas no fim até que gostei do resultado, só resta saber o que VOCÊS acharam, que é realmente o que interessa.

Milhões de agradecimentos a cada um que leu e principalmente àqueles que comentaram, eu juro que se não fosse os comentários já teria parado de escrever há muito tempo... Então agradeço do fundo do coração a todos que sempre comentam e também aos que comentaram pela primeira vez. Qualquer reclamação, crítica, dúvida, estou aqui para isso, ok?

Beijos e até a próxima!

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Comentários (2)

  • Andréa Martins da Silva

    Parabéns. Sua mente é bem fértil e a história é digna de um livro da saga.

    2013-11-09
  • Lana Silva

    Nossa, trama muito bem armada. Nem acredito em tudo isso é muita coisa *-*Vixe, por isso ouvi dizer que te consideram a segunda J.K demais flr *----------------* 

    2012-03-08
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