Uma longa noite



Capítulo XI
Uma longa noite



Naquela noite, durante o jantar, o assunto predominante entre os alunos ainda era a nova professora. Todos pareciam tê-la achado uma boa mestra, talvez apenas pelo fato de estarem felizes por se verem livres do desastre do ano anterior representado pela Umbridge.

-Você está melhor, Harry? – perguntou Hermione fitando o amigo.

-Sim, estou bem, não se preocupe. – respondeu ele, olhando de esguelha para a mesa dos professores onde Rebecca Brinks estava sentada. O garoto, não se sabe porque, esperava encontrar a professora o encarando. Ele sentira seu olhar. Mas ao virar-se totalmente para observá-la, Harry pôde ver que Rebecca tinha sim seu olhar voltado para a mesa da Grifinória, mas não para ele.

-O que há com ela que não tira os olhos de você? – perguntou Harry, se virando para Hermione.

-O que? – estranhou a garota. – Ela quem, Harry?

-A professora Brinks.
– respondeu – Ela não tira os olhos de você.

Hermione voltou sua atenção à mesa dos professores e de fato seu olhar encontrou com o de Rebecca, que sorriu para ela. Erguendo as sobrancelhas em sinal de surpresa, a menina olhou novamente ao amigo, pensativa.

-Vai ver ela está apenas impressionada com você... – disse Rony, entrando no assunto. -...Quero dizer, você é realmente inteligente e... bom... – completou, sem jeito, baixando os olhos para o prato.

Se havia alguma preocupação em Hermione em respeito do motivo da professora a encará-la, toda ela se dissipou, dando lugar a uma sensação quente e agradável no seu estômago.

“Ele me elogiou... Ele me elogiou...” – pensava ela, o rubor tomando conta vagarosamente de suas bochechas.

Mas Harry não conseguira se desligar. Embora não comentasse mais nada sobre o assunto, em sua cabeça ainda martelava uma pontinha de preocupação. Rebecca Brinks decididamente tinha algo de estranho... Tinha? Ou estaria ficando neurótico?? Talvez, como Rony mesmo dissera, ela apenas teria ficado impressionada com Hermione. E quanto ao fato do mal-estar repentino que ele sentiu perto dela, também haviam explicações plausíveis: Voldemort estava forte agora, o que faria com que ele sempre se sentisse assim, independente do local que estivesse ou da companhia. Com esses pensamentos, o garoto sacudiu sua cabeça e puxou para perto mais um prato de sobremesa. Não havia motivo para se preocupar. Pelo menos, não por enquanto...


*****



Hermione entrou devagar no seu dormitório. Demorara ir se deitar naquela noite, em parte por não querer se ver sozinha com Parvati e Lilá, mas também por ter perdido a hora assistindo Rony derrotando Harry inúmeras vezes no xadrez. Ela gostava da expressão que o ruivo incorporava quando estava jogando. Ele parecia tão decidido, tão seguro de si. Tão... tão... Tão Rony!... Aquela imagem do amigo somada ao vento que entrava no quarto, a fez arrepiar. Com um movimento rápido ela cerrou a janela, se trocou e enfiou-se debaixo de seus cobertores, fechando as cortinas e extinguindo qualquer fonte de luz que antes incidia sobre sua cama. Não demorou muito e ela adormeceu...

Hermione estava encolhida num canto de uma casa escura. Queria se esconder do mundo, queria fugir, queria desaparecer. Algo muito importante tinha sido arrancado bruscamente de sua vida. Uma parte dela tinha ido embora. Ficou em pé bruscamente e correu pela casa mal iluminada. Passou em frente a uma porta de um quarto onde uma mulher chorava baixinho. Observou-a por um instante, a dor em seu peito aumentando consideravelmente... Fez menção de entrar... desistiu. Encostou-se então à soleira da porta, sentindo lágrimas grossas e quentes rolarem por seu rosto. Ficou ali por uns minutos e só então continuou caminhando pelo corredor. Entrou na última porta. Um quarto bonito decorado com inúmeros livros. Seguiu em direção à pequena cama na parede oposta à entrada. Mas quando passou pela penteadeira seu olhar recaiu sobre o espelho. O que ela viu foi a imagem de uma garota de uns 12 anos. Magra e miúda, com olheiras bem acentuadas e olhos profundos. Seus cabelos ainda eram castanhos mas lisos e caíam rebeldemente à altura de seu ombro. Era bonita, porém sofrida. Largou-se então sobre a cadeira e não agüentando mais tanta angústia gritou. Mas a voz que saiu abafada de sua garganta também não era a sua. Assim como aquele rosto no espelho não era o seu.

A cena mudou.

Hermione agora estava sentada na sua poltrona favorita em frente à lareira da sala comunal da Grifinória. Estava novamente angustiada, mas agora a sensação não era de perda. O que ela sentia nesse momento é como se estivesse sendo observada, vigiada. E como se um veneno muito potente estivesse correndo por suas veias. Algo mau, nojento, cruel... Como se dividisse seu corpo com algo que não pertencia a ela. Levou suas mãos ao rosto e apertou-as fortemente sobre a face, marcando suas bochechas. Quando pensou que não fosse mais agüentar aquela sensação, a cena mudou novamente.


O dia estava nublado e chuvoso. As nuvens negras no céu davam um ar de filme de terror. O vento gelado e cortante eriçou os finos pêlos de seus braços e fez com que suas vestes negras esvoaçassem. Novamente o sentimento de perda açulava seu coração. O cenário agora era o que parecia ser um grande jardim. Muitas pessoas. Pessoas chorando, abaladas. Uma mulher abraçou-a pelas costas, apertando seus ombros. Hermione virou-se para olhá-la. Ela era alta e olhando para cima Hermione notou que seu rosto estava coberto por um véu negro. Estranhamente sentiu-se amparada. A mulher chorava baixinho e Hermione novamente pôde sentir suas próprias lágrimas criando um caminho por seu rosto. Ouviram um pequeno tumulto mais a frente e então uma movimentação. Um grupo de pessoas, todas vestidas de preto, empurrava algo. Algo que parecia horrivelmente com um... caixão. Hermione chorou ainda mais alto à medida que o grupo se aproximava. Quando chegaram suficientemente perto a garota pôde ver a face magra do cadáver. Um homem de cabelos castanhos, baixos e lisos. Tinha uma face rosada, e embora estivesse morto conservava uma certa beleza. Mesmo nunca tendo visto aquele rosto antes, Hermione sentia que o amava. Incondicionalmente. Seu coração doeu ainda mais e desvencilhando-se do abraço da mulher, Hermione atirou-se sobre o caixão, chorando audivelmente. Foi então que ela gritou:

-“Papaaaai!!!!!!!!”

Alto, forte, um grito de estourar os tímpanos. E novamente ela pôde perceber que aquela voz não era a dela. Era uma voz infantil que saía de sua garganta. A mesma voz que outrora saíra quando ela havia gritado naquele quarto escuro...

A mulher alta com o véu cobrindo o rosto correu em seu socorro. Devagar e carinhosamente a retirou de cima do cadáver. Hermione ergueu os olhos e viu sua própria imagem refletida numa pedra brilhante que pendia de um colar ao pescoço da mulher. Novamente não era ela. O que ela via era a imagem da mesma garotinha, com olhos profundos e cabelos lisos e rebeldes. Nesse momento houve um pequeno barulho e Hermione virou-se para ver que o caixão agora estava tampado. Vagarosamente abaixaram-no em um buraco que até agora ela não tinha notado que estava ali. Começavam a atirar terra por cima quando novamente ela gritou, seu peito explodindo com a dor da perda:

-“Papaaaai, nãooooooooo!!!!!”



Banhada de suor, Hermione acordou ofegante. Estava deitada em sua cama, em seu dormitório na Torre da Grifinória. Sua testa estava molhada com o seu suor e suas bochechas estavam molhadas com suas lágrimas, que ainda insistiam em escorrer.

-Hermione, o que foi que aconteceu? – uma Lilá assustada acompanhada de uma Parvati sonolenta, apareceu abrindo uma fresta em sua cortina.

Ela ainda chorava. Não conseguia entender o que fora aquele sonho, mas seu coração estava pesado e ela não podia impedir as lágrimas de saltarem de seus olhos.

-Você está bem? – insistiu Lilá. – Você estava gritando por seu pai... Aconteceu alguma coisa?

Respirando com dificuldade para controlar as lágrimas, Hermione murmurou:

-F-foi só um pesadelo, eu est-tou bem...

-Tem certeza?
– Lilá continuou, ainda olhando assustada para o rosto chapinhado de lágrimas da garota. Hermione limitou-se a balançar a cabeça afirmativamente e, afastando totalmente as cortinas, saltou fora de sua cama.


*****



Do outro lado da Torre da Grifinória, Harry Potter também tinha um sono agitado. Suado e com a respiração pesada, ele também se mexia desconfortavelmente em sua cama.


Ele observava tudo de um canto de uma sala escura e muito empoeirada. De onde estava podia ver apenas as costas de uma poltrona preta muito velha. Nessa poltrona alguém estava sentado. E em frente a ela, outro alguém estava prostrado.

-“Então ela já está em Hogwarts?” – perguntou uma voz fria e cruel, saindo da boca da pessoa sentada na poltrona.

-“Sim, milorde. Ela já está.” – respondeu a voz trêmula e rouca do homem prostrado ao chão. Harry teve a nítida impressão de conhecer aquela voz e aquilo não lhe trazia boas lembranças.

-“Agoras as coisas caminharão por si sós. Geralmente não é preciso a intromissão de ninguém para que as almas se reconheçam. Mas se for preciso o garoto estará postado lá. Os fatos estão correndo muito bem. Tudo está perfeitamente a nosso favor... Hahahahhhhhahaaaaaaahaaaaa...”

Aquela risada fria e cruel, sem alegria e sem vida, fez Harry estremecer. Sua cicatriz doeu a tal ponto que ele não suportou. Caiu ajoelhado comprimindo a testa com ferocidade. Começou a gritar. Seus gritos aos poucos se tornando mais altos do que a risada...



-Harry!! HARRY! ACORDA! – a voz de Rony chegou a seus ouvidos. Abrindo os olhos devagar, Harry pôde perceber que o amigo o sacudia. As imagens estavam difusas. Ele não conseguia enxergar direito devido a dor maçante que ainda o atingia. Borrões difusos. Isso era tudo o que ele podia distinguir. Mas felizmente, aos poucos a dor foi diminuindo e as imagens foram clareando a sua frente. Os rostos assombrados de Rony, Dino, Simas e Neville o rodeavam.

-Harry, está tudo bem, cara? – perguntou Rony nervoso. – O que foi que aconteceu??

O garoto lançou um olhar aos outros companheiros de quarto e voltou a encarar Rony, como se dissesse que não poderia falar a verdade com eles ali presentes.

-Foi só... Só um sonho, nada mais. – murmurou ele. Mas vendo que os amigos continuavam a encará-lo, continuou: - Olha, eu estou bem. Foi só um sonho, já disse. Voltem a dormir.

Devagar os garotos voltaram às suas respectivas camas. Rony se demorou um pouco mais, sentando-se na ponta da cama do amigo.

-O que realmente aconteceu, cara? – perguntou o ruivo baixinho.

-Voldemort. – sussurrou Harry de volta. – Ele está feliz. Algo está dando certo. Algo que ele quer muito. Eu o vi falar com um de seus Comensais. Alguém... uma mulher... alguém está em Hogwarts.

-Em Hogwarts?
– falou Rony totalmente amedrontado.

-Sim... E há algo que irá acontecer naturalmente... Algo sobre almas que se reconhecem...

-Almas?
– perguntou o ruivo, agora confuso.

-É, não entendi muito bem. E parece que há um garoto postado no lugar certo. Que com certeza sou eu... – completou tristemente.

-M-mas... O que você acha que significa?

-Não tenho a menor idéia... Mas, Rony. Acho que já sei quem é a mulher...

-Sabe?...
– estranhou Rony – Ei, espera aí!... Você não está falando... não está falando da...

-Rebecca Brinks.
– Harry completou por ele. O ruivo fez uma careta. Harry suspirou longamente e saltou da cama.

-Onde é que você vai? – perguntou Rony, olhando Harry abrir a porta do quarto o mais silenciosamente que conseguia.

-Esfriar a cabeça. – respondeu. – Não se preocupe, eu não sairei da Torre da Grifinória. Volte a dormir. – completou ao ver a cara de preocupação do amigo.


*****



Harry desceu as escadas do dormitório muito devagar. Sua cicatriz ainda formigava desconfortavelmente e sua cabeça fervilhava de pensamentos desconexos. Tinha certeza que Voldemort estava falando sobre Rebecca. Será que ela era uma Comensal da Morte disfarçada? Outra vez alguém usando uma poção polissuco disfarçando-se de professor?... O cérebro do garoto doía de pensar nisso. Caminhando lentamente para sua poltrona favorita perto da lareira (já quase apagada naquela hora da madrugada), ouviu um pequeno soluço e notou uma figura pequena encolhida numa das poltronas. Estreitando os olhos Harry a reconheceu: Hermione soluçava baixinho e lágrimas silenciosas corriam pelo seu rosto, já muito manchado.

-Mione? – chamou ele. A garota sobressaltou-se e deu um pulo, assustada.

-Harry? – fungou ela. – O-o que você está fazendo a-aqui?

Harry abriu a boca para contar sobre o pesadelo, mas vendo o estado da amiga resolveu deixar para falar daquilo depois.

-Nada. – disse ele. – O que aconteceu com você?

-Eu tive um pesadelo, Harry. Um pesadelo HORRÍVEL.

-Hmm... Você quer falar sobre isso?
– perguntou.

-Bom... Sim. Não. Quer dizer, não sei... – falou ela, confusa. – Isso vem acontecendo comigo desde o verão, na verdade. Não foi a primeira vez.

-Seus sonhos são com Voldemort, Mione?

-Não. São sonhos estranhos. É como se... ah, bem, você não iria entender.

-Por que você não experimenta dizer?

-Tudo bem.
– falou ela ainda chorosa. – É como se eu não fosse eu mesma nesses sonhos. Eu me vejo na forma de outra pessoa. E tem horas que eu sou eu mesma, mas sinto como se algo ou alguém estivesse me... vigiando, me observando... Tomando conta de mim... Algo mau... – completou, seus olhos enchendo-se de lágrimas novamente.

Harry a fitou, espantado. Não sabia realmente o que dizer. As coisas estavam estranhas naquele ano...

-Bom... Talvez sejam apenas sonhos. – disse ele pouco convincente.

-Ah, Harry!... O-obrigada. – murmurou ela, abraçando-o carinhosamente.

Mas nesse momento alguém descia as escadas do dormitório masculino. Um ruivo preocupado que ficou com as orelhas imediatamente rubras ao deparar-se com aquela cena.

-Parece que estou atrapalhando alguma coisa, não é mesmo? – falou ele com raiva.

Hermione e Harry soltaram-se depressa e a garota ergueu o rosto para encará-lo. Assim que Rony viu aqueles olhos castanhos arrependeu-se do que tinha acabado de dizer. Eles expressavam tristeza, desespero. Eles pediam ajuda. E de alguma forma, Rony daria tudo para ajudar. Ele sentiu como se esmagassem seu coração com uma mão de aço. Vê-la daquela forma o fazia se doer por dentro.

-Como assim atrapalhando? – perguntou Harry. – Não seja idiota, Rony! Hermione apenas teve um pesadelo e-

-Esquece.
– murmurou o ruivo, arrependido pela cena.

-Se me dão licença então, estou indo dormir. Afinal, essa noite parece não ter um fim! – Harry exclamou irritado. – Acho melhor você tentar fazer o mesmo. – falou mais brandamente, virando-se para Hermione. A garota meramente acenou com a cabeça, os olhos inchados e as lágrimas ainda caindo.

-Você não vem? – perguntou Harry a Rony. O garoto olhou de Harry para Hermione, hesitou por uma fração de segundo e fitando o chão, respondeu:

-Vá indo na frente. Estou logo atrás de você.

Harry ergueu as sobrancelhas para o amigo e dizendo um boa noite se retirou em direção às escadas do dormitório masculino.


*****



Rony aproximou-se devagar e sentou-se ao lado de Hermione. Como ela ainda chorava, o garoto não notou que nesse instante ela ofegou. Ultimamente ela se sentia estranha na presença de Rony. Meio que entorpecida. E agora, com ele ali tão perto, sentindo o seu cheiro e ouvindo sua respiração, sozinhos no meio daquela sala escura, o ar parecia não chegar aos seus pulmões. Havia um silêncio incômodo, entrecortado apenas pelos pequenos soluços da garota.

-Hmm... – fez Rony – Pesadelos? – perguntou, olhando-a de esguelha. Hermione afirmou com a cabeça.

-Parece que a noite está propícia para isso. – disse ele.

A garota ergueu seus olhos inchados para Rony, uma ruga em sua testa expressando confusão.

-Como disse? – estranhou ela.

-A noite parece propícia para pesadelos. – falou Rony com simplicidade.

-O que você quer dizer com isso? – perguntou ela com a voz pastosa.

-Bem, primeiro o Harry, agora você...

-O Harry teve um pesadelo?
– disse Hermione, fungando.

-Sim. Ele não te disse? – estranhou o ruivo.

-Não, não me disse nada... Foi com... Voldemort? – sussurrou ela.

Rony teve um tremor involuntário ao ouvir aquele nome. Recuperando-se depressa, ele acenou com a cabeça.

-E como é que ele está? – perguntou ela com preocupação. – Ele não parecia nada bem hoje a tarde, não é mesmo?

O garoto deixou escapar um suspiro.

-O Harry tem sorte. – falou, expressando em palavras o que ele desejava ter mantido só em pensamento.

-Sorte? – disse ela – Não estou lhe entendendo, Rony.

Rony olhou para baixo, de repente achando suas mãos uma atração muito interessante.

-Bom... – murmurou ele, sem jeito – Harry tem todos esses problemas e tudo o mais... mas ele tem quem se importe e se preocupe com ele.

Hermione o encarou, finalmente parando de chorar. Os cabelos dele estavam graciosamente despenteados e suas sardas pareciam se salientar ainda mais por causa da fraca luz que ainda restava na lareira. Talvez fosse só efeito do fogo, mas ele parecia corado. Então, antes de seu cérebro conseguir formar algo coerente que ela pudesse dizer, a voz de Rony a sobressaltou novamente.

-Você, por exemplo. – falou ele num sussurro rouco.

-Eu o quê? – disse ela, a voz ligeiramente trêmula.

-Apesar de estar com seus próprios problemas ainda acha jeito para se preocupar com ele. – concluiu meio ressentido.

-É para isso que servem os AMIGOS, não? – perguntou Hermione.

-Suponho que seja... – suspirou ele.

Um silêncio pesado recaiu sobre eles outra vez. Hermione mexeu-se desconfortavelmente na poltrona enquanto o ruivo parecia absorto em seus pensamentos. Mas depois de um instante, Rony quebrou o silêncio:

-O Harry é um cara especial. Por mais que tudo aconteça, ele sempre vai ser O Harry, sabe? Sempre vai ser O menino que sobreviveu, O garoto, O melhor amigo... Diferente de mim, que nunca vou passar de mais UM... UM Weasley, UM amigo, UM ruivo... – ele encheu o peito de ar como se tomasse coragem e fitando os próprios pés, continuou quietamente:

-Sabe, Mione... A vida inteira eu sempre tive que dividir as coisas com alguém. Nunca tive nada que fosse apenas MEU, entende?... Daí eu vim para Hogwarts e bem... percebi que nada mudou quanto a isso. – ele soltou uma risadinha abafada – Ainda tenho que dividir meu melhor amigo com você e... bom... – aqui sua voz baixou um oitavo – tenho que dividir você com ele.

O coração de Hermione acelerou selvagemente e ela sentiu seu estômago saltar como se ela tivesse descido sem querer um degrau de uma escada. Aquele era mesmo o Rony, falando aquelas coisas a ela? Abrindo-se como um livro que permite ser desvendado?... Tudo o que ela mais queria nesse momento era abraçá-lo e dizer a ele o quanto ele era importante. Tomada por impulso ou sob o comando de seu coração, Hermione deitou levemente a cabeça no ombro do garoto, que pareceu assustar-se. Devagar, Rony ergueu uma de suas mãos e desajeitadamente acariciou os cabelos da menina. Ficaram assim por alguns momentos, ambos com medo de se moverem. Ambos aterrorizados por estarem sentindo aquele turbilhão de emoções dentro de si...

-Olha, Rony. – começou Hermione, sua voz agora decididamente trêmula – Você sempre fica se comparando aos outros, se rebaixando... Achando que tem que conquistar tanto quanto o Gui, ser tão bom no Quadribol quanto o Carlinhos, tão estudioso quanto o Percy, tão famoso quanto o Harry... – Aqui ela ergueu a cabeça para olhar em seus olhos, embora estivesse lamentando-se intimamente por perder o contato com o seu ombro – Mas o que você não sabe, Rony, é que nada disso realmente importa. O que todos esperam de você não é que você seja nada disso. Todos esperam que você seja apenas O Rony. Você não é só UM Weasley, UM amigo ou UM ruivo... Você é O Rony. E isso já é o bastante.

O garoto finalmente parou de fitar o tapete e encarou Hermione. Seus olhos se encontraram e era difícil saber qual dos dois sentiu impacto maior com aquele encontro. Rony sorriu.

-Você é incrível, Mione. – murmurou ele num volume quase impossível de se ouvir.

“O que foi que ele disse? O QUE FOI QUE ELE DISSE? Oh, Merlim...!” – pensava ela, extasiada.

-Me desculpe. – a voz de Rony entrou pelos ouvidos da garota, quebrando sua linha de pensamento.

-Anh? Desculpar pelo quê? – perguntou, confusa.

-Eu aqui te enchendo com meus problemas enquanto deveria estar lhe ajudando com os seus. – esclareceu – Você não parece nada bem, Mione.

“Merlim, Merlim, Merlim! Quando foi que o Rony passou a ser tão... doce??”

-Você já me ajudou, Rony.
– disse ela, levantando-se da poltrona. – Eu me sinto bem melhor.

-Ajudei?
– perguntou ele com uma careta que expressava confusão.

-Às vezes... – começou ela, mordendo o lábio -...às vezes um gesto vale mais do que qualquer palavra. – completou, pensando no quão bom foi encostar-se ao ombro dele e sentir sua mão correr por seus cabelos tão carinhosamente, quase com temor.

-Boa noite, Ron. – E subiu as escadas, deixando para trás um Rony totalmente confuso mas ao mesmo tempo estranhamente satisfeito.


*****



Bom... Esse foi definitivamente o capítulo mais sinistro da fic até agora. Pelo menos essa foi a intenção, não sei se consegui... Mistérios e dúvidas pairam no ar, portanto sugiro que ofereçam um pouco mais de atenção ao capítulo, porque tem certas coisas importantes que serão esclarecidas mais tarde, ok?

No mais, muito obrigada de coração a cada um que está lendo e um especial a todos que estão comentando: Val, Ju, Alulip, Pequena Pri, Pablo, Letícia, Brine, Gabi... Valeu mesmo!

Beijos!

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Comentários (2)

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