Capítulo 8



Capítulo 8

Ela queria lembrar de tudo, lacrar de algum modo cada momento, cada som, cada gosto, na mente e no coração. Queria poder recapturar aquela incrível sensação que era ver-se carregada em braços fortes, ser desejada, e com tanta ferocidade, por um belo homem. De ser saboreada aos poucos por lábios habilidosos e famintos.
Não ligava se ele era delicado ou rude, paciente ou frenético. Desde que não deixasse de querê-la.
Então ele parou na escada, baixando a boca sobre a dela de uma forma que a fez flutuar para longe qualquer idéia de futuro, abrindo espaço para o presente que tudo abrangia.
Com um gemido de puro prazer, ela passou os braços em torno dele e saboreou com a boca o gosto de seu rosto, seu pescoço. O sabor acentuado dele despejou-se nela até fazê-la sentir a cabeça enxameada de sons e revolta com imagens meio formadas. A simples força de seu apetite a fez estremecer. Isto, ela pensou meio tonta, é só o começo.
Não mais a surpreendia descobrir que lutava com os dedos contra os botões da camisa dele. Queria senti-lo, tocá-lo, em toda parte, ao mesmo tempo.
Sem fôlego, ele sorria ao chegar ao seu próprio quarto.
- Está parecendo muito com ontem à noite. – disse e desabou sobre ela na cama. - Só que melhor.
- Não pode tirar essa coisa?
Ela também ria; não compreendera que isso era possível quando o desejo espremia cada pulsante centímetro de seu corpo com punhos suados.
- O seu é mais fácil.
Com um golpe de especialista, ele abriu o roupão dela. Hermione tinha uma palidez leitosa, o torso estreito. Emitindo um baixo ruído animal, ele abocanhou-lhe o seio.
O choque percorreu-a como um grito, e provocou uma avalanche de novas e inexploradas sensações. Enquanto lutava para limpar a mente e gravá-las, as mãos antes ocupadas com a camisa dele caíram e agarram em um frenesi a alisada colcha embaixo.
Cada puxão, cada mordida da engenhosa e faminta boca de Harry disparava flechas de dourado calor.
Um no centro dela. Cada flecha explodia em dúzias de setas que corriam por baixo da pele de Hermione, por cima, com estonteante velocidade.
Como poderia alguém sobreviver a tais sensações? Como poderia alguém viver sem elas?
Ele despiu-a em segundos, e banqueteou-se nela.
Havia um pânico, pânico ante a idéia de que se podia morrer de prazer. Hermione tinha a pele úmida e quente, tremula a cada passada daquelas mãos grandes e calosas. Jogada de um lado para outro por ondas de maré, ela rolava na cama com ele, desesperada para acompanhá-lo.
Ele jamais se fartava. Toda aquela pele lisa como a de um bebê, aqueles olhos maravilhosos, aqueles ossos longos e finos, os seios pequenos e firmes que pareciam maçãs. Ele sentia nela o cheiro do banho, e um simples sabonete jamais fora tão excitante. Pensou que podia devorá-la viva, uma mordida faminta após outra.
Ela se retorcia embaixo dele, lutava e passava para cima, as mãos rápidas e frenéticas. Aqueles olhos maravilhosos, os olhos que ele parecia jamais tirar da cabeça, estavam escuros como uísque agora, e com uma vívida intensidade. Em toda parte que ele tocava, ela reagia como se jamais houvesse sido tocada antes. Arrepiando-se, arqueando-se, fluindo. Um ronronar, um gemido, um arquejo.
Mulher nenhuma que ele já conhecera o fizera jamais sentir-se tão potente, tão livre, tão necessitado.
- Diabos.
Tonto de desejo, Harry sentou-se para tirar as botas. Ela se ergueu e envolveu o maravilhoso corpo nu em torno do dele, fazendo a visão dele oscilar ao abrir-lhe de rápidos beijos o pescoço e os ombros.
- Depressa. - Ela tirou a camiseta dele e agarrou-lhe as costas. - Oh, eu adoro seu corpo. Eu simplesmente... Huum...
Deslizou os seios sobre a pele exposta e levou os dois à loucura.
Louco de prazer, ele tomou-a no colo. Com a boca, encontrou a dela ávida à espera. A necessidade dela, tão ensandecida quanto a dele, despejou-se dentro dele como uma dose de uísque puro.
Para satisfazer aos dois, ele enconchou-a, e encontrou-a quente e úmida. Sentiu o corpo dela se enrijecer, saboreou a súbita onda de impacto quando ela prendeu e soltou a respiração. Hermione enlouqueceu, arranhando-o com as unhas, movendo os quadris, deslumbrando-o com sua ilimitada ganância de prazer.
- Tenho de entrar em você. - A voz dele soou rouca, o corpo frenético. Beirando a violência, empurrou-a de volta na cama, arrancou a calça jeans. Não se lembrava de jamais ter sido desajeitado com as mãos, mas agora era, na ofensiva e esmagadora precipitação em possuí-la. - Quero inundar você. Quero ver você me receber.
- Depressa. - Ela já agarrava com as mãos os quadris dele. Oh, sentir isso de novo, saber que ele ia fazê-la voar de novo. - Eu não agüento mais.
E arqueou-se para dar-lhe as boas-vindas.
Ele enterrou-se nela, de uma única e brutal vez. E ficou paralisado. Choque, descrença, horror misturaram-se com o desespero quando ela gritou, quando se sentiu varar como um aríete a virgindade dela. Os músculos de seus braços tremeram com a tensão, os olhos, meio cegos, travados freneticamente nos dela.
- Hermione. Por Deus. Não se mexa.
- Como? - Ela sentiu-se perdida, em delírio. Oh, que extraordinária sensação era tê-lo dentro dela, dentro de seu corpo, inundando-a com a pura glória da invasão. - Que foi?
- Pelo amor de Deus, não se mexa. - Disse isso por entre dentes cerrados, lutando para controlar-se. Sentia o corpo tremer na extrema ponta da corda que puxava implacavelmente para manter no lugar. Bom Deus, ela era tão quente, tão ávida, tão úmida!
- Não vou machucar mais você. - Ele não conseguia respirar, simplesmente não podia sugar o ar de que precisava. - Só me dê um minuto.
- Como? - ela tornou a perguntar.
Com um instinto primal, trancou as pernas em torno dele e ergueu-se.
- Não...
O animal se apoderou, afastando tudo com as garras, menos a urgente necessidade de acasalar-se, e saltou livre. Incapaz de resistir, ele tomou-a e mergulhou fundo, levando-a a igualar seu ritmo frenético até o mundo parecer reduzir-se a nada além de dois corpos entrelaçados. O duro bater da carne na carne, a explosão de ar expelido dos cansados pulmões, os cheiros almiscarados de suor e sexo, e aquela gloriosa sensação de corpos escorregadios deslizando. O escuro prazer invadiu-o e esvaziou-o.
Fraco, Harry desabou em cima dela e tentou recompor o juízo disperso.
- Desculpe. - foi tudo que conseguiu dizer, mesmo isso não mais que um sussurro.
Tinha de sair, sabia que tinha de sair, mas simplesmente não podia. Nenhuma experiência em sua vida jamais o esgotara assim.
Disse a si mesmo que isso se devia à inocência dela e a culpa o esgotava.
Hermione tremia sob ele, arrepios rápidos e violentos, que o condenavam. Sentia um medo mortal de que ela estivesse chorando.
- Hermione, você devia ter me contado.
Tinha de haver algum meio de consolá-la, mas isso simplesmente transcendia a sua experiência.
- Contado? - ela repetiu, em uma voz quase fraca demais para se ouvir.
- Eu não teria insistido. Eu teria... Diabos, eu na certa teria, sim. - Encontrou forças para recuar e olhá-la. Ela mantinha os olhos fechados, os lábios separados para a precipitada respiração. - Eu machuquei você. Eu devo ter machucado você.
Ela abriu os olhos então. Em torno das pupilas, o dourado parecia menos que um círculo. Choque, ele pensou, tornando a se maldizer. Mas, para sua confusão, os lábios curvos abriram-se.
- Não, não machucou. Eu me senti maravilhosa. Me sinto maravilhosa!
- Mas...
- E sempre assim? - Ela soltou um longo suspiro de satisfação. - Tão arrasador, tão... imenso, como se nada pudesse impedir a gente de passar de um momento incrível para outro. É tão... - Tornou a suspirar. - Primitivo.
- Eu... Não... Sim. - Que diabos ele devia responder a ela? - Não estou conseguindo pensar direito.
Ouvir isso fez o sorriso dela aprofundar-se.
- Eu não me julgava tão boa nisso, mas fui. Não fui?
- Você? - Que diabo se passava? Ela não chorava, não se perturbara de modo algum. Parecia um gato que acabou de comer um pelotão de canários. Mais para si mesmo que para ela, falou devagar, com cuidado: - Hermione, você jamais esteve com um homem antes.
- Não me interessava especificamente por nenhum homem antes. - Ela encontrou forças e começou a erguer os braços para envolvê-lo. E aí seu sorriso desapareceu. - Não fui boa? Fiz alguma coisa errada? Você não se sente como eu?
- Você me destruiu. - Harry rolou de cima dela, de barriga para cima, e esfregou as mãos no rosto. - Eu não tive controle algum. Mesmo quando percebi, não consegui parar. Devia poder parar.
- Sinto não ter feito tudo direito. - Rígida agora de embaraço, ela sentou-se. - Foi minha primeira vez, e achei que você teria um pouco de paciência.
Ele praguejou contra ela e agarrou-lhe o braço antes que ela pudesse deixar a cama.
- Olhe para mim. Para mim. - repetiu, até que os olhos mal-humorados dela encontrassem os seus. - Não vou lhe dar uma maldita nota, mas lhe digo o seguinte. Eu quero você. Neste momento quero você de novo, tanto que poderia engolir você toda. Não parece nem se importar que eu me sinta culpado por ter sido rude. Se eu soubesse, teria sido delicado. Teria tomado mais cuidado. Teria tentado.
- Você não me machucou, Harry. - Alguma coisa no coração dela se mexeu quando ela ergueu a mão para o rosto dele. - Não lhe contei porque achei que não ia acontecer se você soubesse. Achei que ia querer alguém com experiência.
- Quem diabos é você? - ele murmurou. - Por que eu não consigo entender você?
- Eu mesma ainda estou tentando me entender. - Curvando-se para a frente, ela tocou os lábios nos dele, e deu um suspiro quando ele a puxou para acariciá-la. - Foi a mais bela primeira coisa de minha vida. Quero sentir de novo. Você é um amante incrível.
- Como você sabe? - Rendendo-se, ele enfiou o nariz no pescoço. - Ah, Hermione?
- Huum.
- Esses tipos acadêmicos têm algum problema? Como conseguiram deixá-la escapar?
Ela esfregou os lábios curvos no ombro dele.
- Se você tivesse me conhecido mesmo um ano atrás, não perguntaria. Nem teria olhado duas vezes para mim.
- Eu sempre olho pelo menos duas vezes para linda mulher. Qualquer mulher.
Ela deu uma risadinha, gostando da sensação dos músculos dele sob as mãos.
- Eu era um horror, acredite. - Não doía admitir isso agora, aninhada nos braços dele, ainda grogue de amor. - Uma verdadeira excêntrica.
Divertido, ele puxou-a de volta.
- Querida, nenhuma excêntrica jamais teve olhos como os seus. Pouco estou ligando para o que você tem no cérebro, esses seus olhos são puro pecado.
Ela piscou-os.
- São?
Ele riu e abraçou-a com mais força.
- Vamos ter de fazer muito amor. Embota os sentidos. - Fez com que ela inclinasse a cabeça para trás e beijou-a de leve. - Tenho trabalho que não pode ser adiado, senão íamos recomeçar agora mesmo.
Testando, ela deslizou as mãos pelo tórax dele.
- Pode trabalhar rápido?
Ele sentiu o coração gaguejar. Antes que pudessem se meter em encrenca, agarrou as mãos dela e levou-as à boca.
- Acho que hoje posso trabalhar rápido mesmo.
Ela também tinha trabalho a fazer, mas ficou onde estava quando Harry desceu. Ele teria de comer o desjejum frio, pensou, e sentiu-se maravilhosamente presunçosa com o conhecimento de que o amante sentira mais fome dela que de comida.
Tentara-o. Destruíra-o, pensou, sorrindo para o teto. Palavras dele. Que coisa poderosa, maravilhosa, era ser mulher...
Por mais que desejasse ficar aconchegada na cama com ele a manhã toda, sentia-se satisfeita por passar um tempo sozinha. Agora poderia reviver e saborear cada momento, cada sensação, cada surpresa.
A dra. Hermione Granger, prodígio, chata de galocha a vida toda, maravilhosa acadêmica e curiosidade social, tinha um amante pelo qual as mulheres matariam. E, ao menos por pouco tempo, todo seu.
Com um suspiro rouco, ela continuou deitada entre os travesseiros embolados, abraçando a excitação, a maravilha.
Ele tinha o rosto moreno e inteligente de um anjo, mãos de trabalhador rural, e corpo de... Bem, para que fazer por menos? O corpo de um deus.
E se buscasse abaixo da superfície, que se destacava, encontrava um homem bondoso e meigo. Volátil, sem dúvida, mas isso só acrescentava alguma coisa ao pacote. Era forte, o tipo de homem que fazia o que precisava ser feito, que dava duro, amava a família, respeitava suas raízes, ria de si mesmo. Por Deus, sabia até cozinhar! Na avaliação dela, era o mais perto da perfeição que a espécie podia chegar. E não tivera mesmo um belo golpe de sorte ao se apaixonar pela perfeição?
Ela ergueu-se na cama de um salto. Uma reação de manual, lembrou a si mesma, engolindo o pânico. Estava misturando emoção com experiência física. Ampliando a afeição e atração em uma complicada equação. Reação feminina bastante típica. Sexo igual a amor.
Não ia cair nessa. Era psiquiatra. Muito devagar, tornou a reclinar-se. Inteligência, treinamento, até mesmo bom senso, nada tinham a ver com aquilo. Ela levou a mão ao coração, delicadamente.
Claro que se apaixonara por ele. Estivera apaixonada por ele o tempo todo - o lugar-comum do "amor à primeira vista". Ignorara-o, dera-lhe nomes diferentes, vestira-o com sua recém-descoberta sofisticação. Mas era isso mesmo.
Bem, e agora? Não muito tempo atrás, teria fugido feito um coelho. Sem dúvida, se fizesse uma declaração de amor a Harry, ele fugiria feito um coelho. Não era, porém, mais uma experiência nova? Uma emoção a acrescentar às outras que ela finalmente se permitira sentir? A única ação sensata era aceitá-la, e lidar o melhor possível com o que viesse depois.
Dispunha de semanas para desfrutar o que pudesse, e experiência suficiente para saber como viver sem o que não podia ter. Talvez doesse no fim, mas ela podia aceitar também isso.
Muito pior que a dor, bem sabia, era nada ter.

Com os últimos dias de setembro despejando o resto do calor do verão, Harry suava quando se dirigiu para casa ao meio-dia. Vinha imundo, com os nós dos dedos esfolados em um rebite, um deles meio ensangüentado, e receoso de do seu cheiro lembrar um pouco o espalhador de estrume que acabara de usar.
Mas também trabalhara duro e rápido o suficiente para tirar duas horas de folga. Pretendia ocupar Hermione cada minuto desse tempo.
Sabia que exibia um sorriso idiota no rosto, e pouco estava ligando. Queria-a de novo na cama, e rápido. Precisava ver se fora apenas uma novidade para ela, ou mais alguma coisa. Só tinha certeza de que jamais se vira tão envolvido, tão perdido por uma mulher, como se vira com ela.
Como jamais encontrara nada diferente, acreditava que fazer amor significava sentir prazer. Mas com ela fora além do prazer, fora delírio. Ansiava por fazer de novo essa viagem.
Lá estava ela à mesa, trabalhando, os óculos encarapitados no nariz, os longos dedos voando. Ele começou a sorrir, e sentiu uma lança perfurar-lhe o coração, dolorosamente, quando ela ergueu o olhar e sorriu-lhe, iluminando o próprio rosto.
- Você é realmente linda. - ele murmurou, e descobriu que se agarrava à maçaneta da porta para equilibrar-se. Alguma mulher, qualquer mulher, algum dia o arrebatara assim? Ela só pôde ficar olhando. Ninguém jamais a chamara de linda. - Se ao menos soubesse cozinhar.
- Consegui fazer um pouco de chá gelado.
- Já é um começo. - disse Harry. E talvez desse para aliviar a súbita secura em sua garganta. Ele pegou a jarra, serviu um generoso copo e emborcou-o. Sufocou-se. - Ah, quantos saquinhos você usou, doutora?
- Cerca de uma dúzia.
Ele balançou a cabeça, e esperou que os olhos permanecessem nas órbitas. O troço no copo tinha a grossura de um punho de caminhoneiro.
- Bem, deve fazer fluir o sangue nas veias. - Ela deu uma risadinha.
- Desculpe. Eu sou inútil na cozinha. E na certa não devia ter ficado três horas em infusão.
- Na certa. - Afastou com cuidado o copo. Não ficaria surpreso se ele simplesmente saísse andando por si mesmo. - A gente pode diluir. Eu tenho um tonel de duzentos e trinta litros aí fora.
- Posso fazer um sanduíche.
Quando ela se levantou, ele ergueu a mão.
- Obrigado. Eu mesmo faço. Não, não chegue perto de mim. Estou cheirando a estrume de vaca.
Gostando das pequenas bolhas de antecipação que lhe explodiam no corpo, ela correu a língua pelos lábios.
- Está sujo mesmo. - disse. E também gostava disso. - E suado. Tire a camisa.
Um raio de desejo riscou as entranhas dele.
- Você é muito exigente. Gosto disso em uma mulher. - Ainda assim, recuou. - Não quero tocar em você. Está toda alinhada e arrumada, e eu com as mãos cobertas de coisas que não vai querer nesse belo suéter.
Ela baixou os olhos para as mãos dele, e depois soltou um gemido de preocupação.
- Você está sangrando.
- Esfolei um dedo. Vou lavar.
- Deixe que eu lavo.
Pegou a mão antes que ele se voltasse para a pia. Banhou-a ela mesma, franzindo as sobrancelhas para o arranhão. Harry ficou ali parado, enquanto ela lhe enxaguava as mãos e esfregava-as delicadamente entre as suas. Ele começou a fantasiar um banho de chuveiro juntos.
Corpos molhados, pele escorregadia, o vapor subindo.
- Acho que você vai sobreviver. Mas devia ter mais cuidado. - Ela fungou e franziu o nariz. - Que foi que você andou fazendo lá?
Ele sorriu.
- Espalhando esterco. - Ela arregalou os olhos.
- Com as mãos?
A intrigante fantasia o fez gargalhar. Ele riu com tanta vontade que achou que as costelas iam rachar.
- Não, querida, nós temos tecnologia agora, até mesmo aqui no cafundó-do-judas.
- Que bom saber disso. - Deu as costas, pretendendo ajudá-lo com o almoço dele, e bateu de cheio na geladeira. - Droga, não faço isso há séculos. - Sentindo-se ridícula, tirou os óculos. - Eu esquecia que estava de óculos e vivia trombando com tudo.
Ele enviou-lhe um olhar curioso.
- Eu achava que você não esquecia nada.
- Só esqueço coisas sobre mim mesma. Pergunte sobre qualquer outra coisa, que eu lhe digo o capítulo e o verso.
- Lã.
Ela voltou-se e empertigou-se, um prato de presunto na mão, tirado da geladeira.
- Como?
- Talvez eu esteja pensando em comprar uns carneiros. Fale-me de lã.
- Não seja ridículo.
Ele encolheu os ombros e estendeu a mão para pegar o prato.
- Acho que descobri uma coisa sobre a qual você nada sabe.
Ele não precisou olhar para ver que ela estreitara os olhos. Ouviu-a falar.
- Fibra animal que forma a cobertura protetora ou tosão dos carneiros e outros animais como cabras e camelos. Obtém-se principalmente a lã pela tosa de animais vivos. A limpeza remove a substância gordurosa, que se purifica para fazer lanolina. Devo continuar?
Divertido, impressionado, ele examinou-a,
- Que legal. Onde andava você quando eu estava no ginásio?
- Em uma esnobe escola na Suíça, se meus cálculos estão certos.
- Imagino que sempre estejam. - ele murmurou. O tom, e a fria defesa nele contida, disse-lhe que havia ali alguma coisa a ser explorada nela. Ela falava no internato como ele um dia falara de fígado: uma coisa absolutamente detestável. - Não se trata apenas de lembrar-se de fatos. - disse. - Obvio que você os aplica. Então, como decide o que estudar?
Isso a estava deixando pouco à vontade; não podia evitar. Por mais raro e politicamente incorreto que fosse, preferia o interesse dele pelo seu corpo ao interesse pelo seu cérebro.
- No começo, me mandaram estudar. Meus pais tinham um plano muito específico para a minha educação. Depois eu me concentrei no que me interessava. - Falou com uma voz fria e entrecortada, mas ele não se sentia muito disposto a deixar o assunto morrer. Virou-se para pegar a mostarda.
- Você deve ter impressionado seus professores. - Ela continuou no mesmo lugar, ainda segurando o prato.
- Eles eram escolhidos pelas credenciais no trabalho com crianças talentosas.
- Meus pais já ficavam muito aliviados se não me arrastassem para o gabinete do diretor uma vez por semana. Os seus devem ter ficado emocionados com você.
- Os dois já eram muito bem-sucedidos por si mesmos. - ela disse simplesmente. - Meu pai é um dos maiores cirurgiões vasculares do país, e minha mãe uma engenheira química respeitada. Esperam que eu me mostre excelente. Alguma outra pergunta?
Terreno pantanoso de novo, ele pensou arrependido de ter posto esse tom de formalidade na voz dela. Voltou-se, olhou-a, e também se arrependeu de haver-lhe posto aquele ar distante nos olhos. No momento, queria vê-la tornar a sorrir.
- Só uma. - disse. - Que é que você está usando debaixo dessa blusa?
- O de sempre.
- Ah, é?
Ela sorriu com vontade, ao pôr o prato na mesa.
- Talvez queira ver por você mesmo.
- Era nisso mesmo que eu estava pensando.
Ela passou para o outro lado da mesa quando ele se aproximou.
- Depois do almoço.
Curvou os lábios; os olhos dançaram. Ele parecia maravilhosamente perigoso.
- Não quero almoço.
Ele circulou a mesa; ela também.
- Você precisa manter a força, para espalhar todo aquele esterco.
- Comi um grande desjejum. Um grande e tardio desjejum. - Simulou um ataque, quase a agarrou, mas ela escapuliu, sorrindo. - Você é rápida.
- Eu sei.
Ele fez outra simulação de ataque e, quando ela rodopiou, estendeu um braço para abraçá-la pela cintura. Ao erguê-la dos pés, ela guinchou de tanto rir.
- Eu sou mais rápido.
Era estonteante perceber que ele podia mantê-la suspensa apenas com um braço. Estonteante e excitante.
- Eu deixei você me pegar.
- Cascata.
Ele beijou-a com força, depois passou o braço em torno dela e a fez girar em três rápidos círculos.
- Está me deixando bêbada de novo.
Rindo, ela agarrou os ombros dele e desfrutou a viagem.
- Ótimo.
Ele tornou a girá-la, colhido no prazer daquilo, no prazer dela. O som do riso de Hermione era emocionante, conhecido. A sensação do corpo dela contra o dele, de repente tão vital quanto o lar...
- Ponha-me no chão, seu tolo, John. - Revirou a cabeça para trás. - A comida está queimando.
Ela sentia o cheiro. O fundo da panela estaria torrado com certeza. Ela sentia o cheiro dele, suor, fumaça e animal. Por baixo do avental, o bebê que ela trazia agitou-se.
O pânico e outra coisa entupiram a garganta de Harry. Ele a pôs no chão, ainda sustentando-a ao sacudi-la.
- Hermione. Que é?
- Está acontecendo de novo. Como ontem à noite. - ela respondeu. Tinha o rosto branco como um lençol e a voz se tornara fraca e sonhadora... - Tem ensopado na panela. Você trouxe mais lenha para o fogo? - Com os olhos desfocados, ela apertou a barriga com a mão. - É uma menina. Johnnie vai ter uma irmãzinha... - E então, como se houvessem ligado uma luz, os olhos dela clarearam. - Meu equipamento. - Soltou-se e correu para a sala de visitas. - Olhe só isso! Olhe só! Um registro mais alto que ontem à noite. Tem tanta energia. Eu sinto na pele, como choques elétricos.
Enquanto ele olhava, sem nada dizer, ela começou a murmurar consigo mesma, verificando mostradores, medidores, monitores. Muito objetiva, com movimentos secos e precisos, voltou-se para o gravador.
- Evento iniciado às treze e vinte e vinte e cinco segundos. Fortes estímulos sensoriais. Visuais, olfativos. - Como distraída, ela passou a mão pelos cabelos, e, competente, contou o que acontecera. - Uma sensação generalizada de bem-estar. - concluiu. - De felicidade. Amor. É possível que a antecipação sexual tenha sido causada mais por estímulo anterior que pelo evento, ou acentuada pelo estímulo prévio. - Bateu com o dedo nos lábios, pensando. - Fim do evento às treze e vinte quatro e cinqüenta e oito segundos, o que o torna por quatro minutos e cinqüenta e três segundos o mais longo até hoje. - Com um longo suspiro, largou o gravador. - É o mais forte. - murmurou.
- Estímulo anterior?
Ela arrancou-se de seus pensamentos e virou-se para Harry.
- Desculpe, o quê?
- E assim que você chama? Estímulo anterior?
- Tecnicamente. - Ela passou as mãos pelos cabelos de novo até eriçá-lo. - Foi incrível, absolutamente incrível. Ontem à noite eu estava sentada na cozinha e a vi mudando. Ficou menor, e havia um fogo na pequena lareira de pedra, tortas no balaustre da janela. Um bebê chorava, Harry. - A excitação brilhava nos olhos dela e parecia reverberar no ar em volta. - Gravei o choro do bebê em fita. - Pressionando as faces com as mãos, riu. - Eu própria mal acreditava, mesmo depois de voltar a fita uma dezena de vezes. Por isso peguei o vinho. Um pequeno brinde que se tornou vários outros grandes. Eu pretendia contar a você hoje de manhã, mas me distraí.
- Distraiu.
Finalmente, o tom impaciente da voz dele e os olhos sem expressão vararam a euforia dela, cujas faces perderam o fulgor. Harry estava pálido, o rosto imóvel, os olhos duros.
- Por que está zangado? - ela perguntou.
- Porque isso é bobagem. - ele devolveu, preferindo a raiva à estonteante sensação de medo. - E porque não me agrada ser chamado de distração ou estímulo anterior.
- Não é só isso.
- Não me analise. Guarde seus diplomas no bolso e não cutuque o meu cérebro.
- Você não está zangado. - ela disse em voz baixa. - Está com medo.
Por um instante, os olhos dele pareceram letais.
- Tenho coisas a fazer.
Ela correu atrás dele e agarrou-o pelo braço quando chegaram à cozinha.
- Você disse que ia me ajudar, Harry, me deu sua palavra.
- Deixe pra lá. - Ele se livrou rudemente dela. - Me deixe em paz.
Ela apenas se meteu na frente dele e bloqueou-o. Sabia que outro homem talvez a esmagasse. E Harry tinha mau gênio para isso, além de força. Mas também tinha o que o fazia Harry.
- Você teve a mesma experiência que eu e sentiu as mesmas coisas. Estou vendo no seu rosto.
Ele estendeu os braços, pegou-a e afastou-a da frente.
- Eu mandei deixar pra lá.
- Quem eram John e Sarah? - Ela expirou quando barrou o caminho dele para a porta. - Ela se chamava Sarah. Quem eram eles, Harry? Quem éramos nós alguns minutos atrás?
- Eu sou exatamente a mesma pessoa que era alguns minutos atrás. E você também. Se for continuar com esse jogo, me deixe de fora.
- John e Sarah. - ela repetiu. - Eram John e Sarah Posso? Posso encontrar os nomes deles na árvore da sua família?
Ele virou-se e dirigiu-se à geladeira. Com mão rígida, abriu a porta e pegou uma cerveja. Após arrancar a tampa, jogou-a de lado e bebeu metade da garrafa.
- Meus bisavós.
Ela soltou um longuíssimo suspiro.
- Entendo. E moravam aqui, nesta casa. Foram os que tentaram salvar o jovem soldado da União no dia da batalha.
- É o que diz a história.
- Que foi que acabou de acontecer aqui? Você sentiu coisas semelhantes antes.
Ele surpreendeu o rápido olhar dela ao computador e cerrou os dentes.
- Não. Não vai me usar como um maldito rato de laboratório, diabos.
- Tudo bem. Desculpe. Isso perturba você. - Ela encaminhou-se até ele e correu as mãos pelos seus braços acima. - Acho que precisa saber que há anos tenho rido sonhos. E agora sei que eram com esta casa e essas pessoas. - Ele baixou a cerveja, mas nada disse. Hermione esperou um instante, imaginando se esse tipo de intimidade era mais do que qualquer um dos dois se dispunha a aceitar. - Os sonhos foram um dos principais motivos pelos quais comecei a pesquisar esse campo. Eram, são... reais, Harry. Eu vi este aposento, esta casa, como eram há mais de cem anos. Eu vi John e Sarah. Não sei se você tem velhas fotografias deles para corroborar isso. Eu sem dúvida posso descrevê-los para você, em diferentes épocas de suas vidas. Posso até lhe dizer coisas que ela pensava, sentia, queria. Acho que você pode fazer o mesmo com ele.
- Não. - ele respondeu, simples e terminantemente. O que é mentira para um homem honesto, é defesa para um bravo. - Não acredito em nada disso. - frustrada, ela ergueu as mãos.
- Acha que estou inventando, que estou inventando tudo que acabou de acontecer?
- Acho que tem muitas coisas entulhadas nesse seu cérebro de acadêmica. - Para aliviar a garganta quente, ele tomou outro gole de cerveja. - E eu prefiro a realidade.
Ela podia dizer-lhe que isso era uma negação, mas só o teria deixado zangado e talvez mais relutante. A paciência, decidiu, seria mais produtiva.
- Tudo bem. Vamos deixar isso pra lá, contanto que você entenda que pode discutir o assunto comigo a qualquer hora.
- Você não é minha terapeuta.
- Não, não sou.
A voz dele, no todo, era racional demais. Ele bateu com a garrafa.
- Quero você na cama, entenda. E o que eu quero, o que eu preciso. Só você, só eu. - Agarrando-a pela mão, arrastou-a da cozinha. - Os sonhos são apenas sonhos, e o lugar de fantasma é em filme antigo. Logo pode desligar esse seu cérebro. Distração uma ova.
Quase a carregava escada acima, e ela sentiu sensações iguais de medo e excitação.
- Não era para ser um insulto.
- Você tem gente demais dentro de si, diabos. Eu gosto da coisa simples.
Soltou-a para sentar-se na beira da cama e tirar as botas.
- Eu não sou simples. - ela disse baixinho. - Não como você quer.
- Isto é simples. - Despachadas as botas, ele se levantou para tirar a camisa e desafivelar o cinto. - Eu quero você. Começo a suar todo só de pensar em você. Isso é básico, Hermione. Simples.
Foi o amor, tanto quanto a necessidade, que a fez aproximar-se dele e envolvê-lo com os braços.
- Estou aqui.
Ela ergueu a cabeça e puxou-lhe a boca para a sua. Acariciou-o, como ele faria com um animal cabreiro. Mãos tranqüilizantes, lábios receptivos. Ele disse a si mesmo que, se conhecia isso, esse afundar nela, esse deixá-la afastar suas preocupações com carícias, era porque se deitara com ela ali apenas nessa manhã.
Mas ao entrar no ritmo doce e sedutor do amor com ela, foi como se não tivesse havido ninguém antes e não fosse haver ninguém depois. Só a textura da pele dela ficaria na lembrança, o gosto da sua boca, o som do seu suspiro. E quando ela se ergueu ao encontro dele naquele fluido movimento do sexo confortável, parte da mente de Harry receou que ele jamais quis se, jamais pudesse querer, qualquer outra.
Mesmo quando despencou pela última borda de prazer, ele recuou de uma queda maior e mais perigosa.



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