Capítulo 10



"I´ve become so numb, I can´t fell you there
Become so tired, so much more aware
I´m becoming this
All I want to do i
Is be more like me
And be less like you

And I know
I may end up failing too
But I know
You were just like me
With someone disappointed in you”


Draco arfava, sentindo o suor molhar a camisa branca e grudá-la nas costas arrepiadas. Piscou os olhos repetidas vezes, a dor no lugar em que havia sido tatuada a Marca Negra como se ela tivesse sido produzida naquele exato momento. Snape apenas olhava pra ele, dividido entre a irritação e o rosto impassível. O que denunciava alguma emoção por parte do homem era a forma como ele mordia o lábio inferior, apertando, até que ficou uma pequena marquinha de sangue pisado.

O jovem estava cansado. As lembranças machucavam como se fossem espadas perfurando cada pedaço de sua pele, deixando à mostra as feridas que ele queria esconder. O ar faltava nos pulmões como se ele tivesse corrido uma maratona. Sentia-se tão infeliz quanto no dia em que esteve em Azkaban e experimentou uma maior proximidade com os dementadores. Eles não sugavam apenas toda a alegria que a pessoa era capaz de sentir. As estranhas criaturas levavam também qualquer sentimento abrigado no coração, mesmo aqueles mais profundos e secretos. Sugavam o amor e o utilizavam como um produto energético para movimentar suas sobre-vidas. Dementadores eram almas amaldiçoadas que tiravam o amor e a esperança de dentro dos corações e em troca compartilhavam desespero, dor e angústia de um jeito completamente intenso e irreversível.

Enquanto Draco lutava para conciliar novamente a respiração, Snape se aproximou da janela. A chuva já tinha se dissipado quase que por completo. Apenas uma garoa fina continuava a cair e molhar a janela. O homem passou o dedo pelo vidro sujo, deixando sua marca nele. Sem olhar para o jovem, pegou um copo que descansava sobre a lareira, enchendo-o de algo que estava numa garrafa de aspecto envelhecido, a rolha já quase totalmente gasta pelo tempo. Bebeu o líquido amarelado de uma só vez, deixando que a sensação de aquecimento tomasse seu corpo. Voltou a observar a janela, virando-se depois para Draco.

- Você precisa tentar com mais afinco. Com mais vontade.

- Sou um garoto amaldiçoado, professor Snape – Draco continuava com o tratamento que o dono da casa havia exigido, apesar de estar agora muito distante dos bancos escolares de Hogwarts. – Amaldiçoado pela minha falta de coragem. Decepcionei meu pai e causei a ruína da minha família! Tudo porque acreditei num ideal para o qual eu fui condicionado durante a minha vida inteira. Havia outra opção para mim? Porque eu simplesmente não consigo enxergar.

Snape continuava encarando as poucas gotas de chuva que insistiam em cair sob o vidro da janela. A aurora já começava a dar as caras de maneira tímida, avermelhando as bordas do horizonte que, em breve, explodiria em cores e em vida. E tudo o que aquele jovem de dezesseis anos sentia era a morte bater a sua porta com a fúria de um oceano em maremoto. A morte não apenas do corpo físico, mas de tudo aquilo que ele acreditava na vida.

- Sabe, Draco... as famílias felizes se parecem todas. As famílias infelizes o são cada uma à sua maneira.

- Eu achava que minha família era feliz. – Draco suspirou, juntando-se a Snape para observar a janela. - Sempre tive tudo o que quis! Honrei o nome dos Malfoy a vida inteira, dei o meu melhor para ser o que meu pai queria e para conservar a nobreza que veio diretamente das estrelas por parte da minha mãe. Continuo sendo um sangue-puro, e isso ainda importa muito, embora eu acredite que muitas coisas poderiam ter sido diferentes se ao menos eu... – e as palavras nunca vieram, guardadas que estavam em seu coração. E em tantos anos de silêncio, não seria Snape quem conseguiria quebrar aquela redoma de pedra que abrigava o coração de um Malfoy. O destino quis que aquela família carregasse o pesado fardo de ser só.

- Está pronto para tentar novamente, Draco? – Snape perguntou, já sacando a varinha e fazendo mira.

- E tem outro jeito? – rebateu o jovem, que parecia mais maduro depois da noite de provações pela qual havia passado.

Snape lançou novamente o feitiço. Desta vez, Draco resistiu por mais tempo, selecionando e escondendo as informações que julgava pertinentes. Snape era habilidoso, vasculhava cada canto no qual percebia que a guarda estava baixa. Investia como um guerreiro valente, espada em punho, desbravando uma terra desconhecida, mas que representava poucos perigos. E assim, atacando suscessivamente, o professor conseguiu encontrar uma nova brecha na mente do aluno. Perigosa e definitiva.

Draco se ajoelhou quando encarou novamente o pai. Este estava diante de vários dementadores, subjugado, envelhecido, os cabelos outrora loiros e bem cuidados pontilhados de fios brancos e as costas curvadas de uma velhice que chegava precocemente. A mãe sentada ao seu lado deixou que uma lágrima brilhante, perolada, escorresse pelo olho pintado quando o marido se sentou em frente a eles. Duas algemas mágicas prendiam a mão de Lúcio quando ele a ofereceu para que ambos a segurassem. E assim, calados, os três se entendiam mutuamente, apenas pela troca de olhares. E então teve certeza de que não queria mais ser como o pai. Mas que sempre seria exatamente igual a ele. A sina dos Malfoy.

Esforçando-se o máximo que podia, Draco repetia para si, como num mantra, que não permitiria que Snape entrasse naquela visão. Não queria deixar o homem perceber que ele estava arrependido dos juramentos, das falsas mentiras, e que tudo o que queria era apenas retornar para o momento em que nasceu e pôde sugar pela primeira vez o alimento reconfortante do peito da mãe.

Foi então que, pela primeira vez na noite, exausto, Draco conseguiu repelir o ataque de Snape e revidar. Cansado, com a guarda baixa por não acreditar que o aluno conseguiria reverter o feitiço, Snape não percebeu que Draco enxergava uma conversa que ele tivera alguns dias antes de assassinar Dumbledore. O professor estava ali, sentado em sua cadeira de espaldar alto na Diretoria de Hogwarts. Os quadros dos outros diretores já falecidos fingiam dormir, como sempre, os roncos pouco convincentes para um convidado mais acostumado ao ambiente onde estavam. Snape estava sentado diante de Dumbledore, a Penseira do Diretor rodopiando a um canto, resguardando a última lembrança de Slughorn onde Tom questionava a ele sobre como se faziam horcruxes.

Draco apenas conseguiu ouvir as palavras roucas de Dumbledore antes que Snape pudesse repeli-lo:

- Você terá que me matar, Severo. Terá que ser assim, para o bem de todos nós. Eu confio apenas em você.

Snape estava absolutamente furioso quando conseguiu dominar a própria mente. Interrompeu o contato visual e levou a mão aos cabelos, afastando-os do rosto e alisando-os ainda mais, produzindo uma gordura brilhante sob os fios. Draco sabia que tinha entrado em terreno proibido, mas não esperava a ordem que recebeu:

- Vá dormir, Draco! Chega. Já te ensinei demais.

- Mas... mas... – o jovem não sabia nem como começar a protestar. – Eu sequer consegui controlar completamente a minha lembrança! Como você julga que poderei esconder o que não fiz do Lorde das Trevas? E o que foi que Dumbledore te disse a respeito de matá-lo? Ele...ele ordenou que você o fizesse?

- Não faça perguntas. E não sou eu quem tem que acreditar que vai conseguir esconder as memórias do Lorde. É você. Agora anda, cama, os quartos ficam logo ali nos fundos e eu preparei um deles para você. Descanse algumas horas.

Vencido, Draco rumou para o aposento indicado por Snape. Durante o tempo em que tentou adormecer, teve um pesadelo estranho. Sonhou que Snape e Voldemort eram a mesma pessoa e que ambos só queriam que a família Malfoy sumisse para sempre. Viu luzes verdes que se pareciam com a Maldição da Morte e temeu pelo que viria. Quando acordou pela segunda vez banhado em suor, decidiu que não dormiria e treinaria durante as horas que lhe restavam para fechar a própria mente. Talvez assim pudesse, ao menos, ter uma chance. Pequena, que fosse, mas na qual ele pudesse se agarrar. Não havia dementadores ali. E ele tinha comido os biscoitos de chocolate.

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