Capítulo 6



”I’ve become so numb, I can’t fell you there
Become so tired so much more aware
I’m becoming this all I want to do
Is be more like me and be less like you...”



A melodia do piano foi interrompida bruscamente com o ribombar de um novo trovão. A chuva continuava lavando a noite do lado de fora. Snape apoiou os cinco dedos de cada mão nas teclas do piano, e este ficou sem produzir som algum. Ele pressionava as teclas com força, os nós dos dedos ficando brancos. Draco se viu novamente na sala suja e mal cheirosa da casa de Snape, sem saber se o que acontecia com ele eram apenas lembranças ou se ele tinha adquirido a incrível habilidade de viajar no tempo. Cada pensamento parecia real, e tanto a dor quanto a alegria vividas naqueles momentos assaltavam seu peito como se fosse a primeira vez. Ou talvez pior, pois era uma repetição sem fim de acontecimentos que marcaram sua vida e o trouxeram até onde ele estava agora, sentado na poltrona puída da sala fétida da casa arruinada da rua povoada de trouxas onde Snape vivia. Uma perspectiva nada agradável para um verdadeiro Malfoy, sobrenome que ele julgava que nada mais valia a cada nova investida de seu cérebro contra ele mesmo, como numa batalha eterna onde jamais há vencedor, só perdedor.

Snape se levantou da banqueta em frente ao piano e caminhou até Draco, puxando uma cadeira velha de madeira escura e sentando-se próximo ao garoto. Este ainda deixava a cabeça descansar no encosto da poltrona, os olhos abertos fixos nos cabelos oleosos que se amontoavam sobre o rosto do ex-professor. Draco esperava que ele falasse. No entanto, Snape apenas o encarava, a mesma feição indecifrável que ele repetia todo o tempo em que estavam ali. Era como se Snape fosse uma esfinge prestes a propor um enigma que Draco sabia que não iria acertar. E então, ele devoraria suas entranhas até que ele morresse de tanto sangrar, assistindo impassível sem poder evitar.

- Você vai ter que aprender Oclumência, Draco – ele falou afinal, surpreendendo o jovem loiro, que se endireitou no encosto para ouvir com mais atenção. – E nós só temos esta noite.

- Como assim, Snape? – Draco questionou, incrédulo diante da informação que acabava de receber. – De que me adianta saber Oclumência? Ou você julga que serei capaz de enganar o Lorde das Trevas? Não, senhor, eu matei Dumbledore, todos os outros Comensais estão malucos quando dizem que foi o Snape, fui eu, eu juro! Você me faz rir, sabia? – e Draco forçou uma gargalhada falsa, que não mudou a expressão séria de Snape. – Você só pode estar brincando. Você tem que estar brincando – o tom de voz passou de ironia a urgência.

- Eu apaguei as memórias dos Comensais – falou Snape como quem comenta o que comeu no jantar. – De todos eles. Nenhum deles sabe que fui eu quem matou Dumbledore.

A nova informação fez com que um bolo se formasse na garganta de Draco ao mesmo tempo em que seu coração se enchia de esperanças. Talvez ainda houvesse uma chance de ele não ser assassinado na primeira oportunidade em que estivesse diante do Lorde. Talvez ele pudesse salvar sua família. Ainda havia uma chance de perpetuar a existência dos Malfoy por mais algumas décadas, quem sabe por mais algumas gerações? Então, a verdade caiu sobre ele como uma bomba: ele precisava aprender Oclumência. Em uma noite. Snape continuava a falar:

- Mas é claro que isso não dá a você um álibi muito forte. Só nos dá tempo para arquitetarmos um meio de salvar sua família. O Lorde irá descobrir o que aconteceu. Potter sabe que fui eu quem proferiu o feitiço e fará questão de contar isso ao mundo bruxo. Como o traidor da Ordem da Fênix enganou Dumbledore e cumpriu a missão do fedelho filho de Lúcio Malfoy, nas palavras do Eleito.

Draco abriu a boca para protestar, mas Snape fez sinal para que se calasse. Então, continuou:

- Eu prometi à sua mãe, Draco. Prometi que cuidaria de manter você vivo. Estou fazendo o que posso, mas você precisa colaborar.

- Por que simplesmente você não remove a memória da minha mente? – Draco questionou, o desespero evidenciado pelo tom de voz. – E planta algo novo, algo que me faça acreditar que fui eu quem deu cabo da vida do velho gagá?

- Porque nem sempre o mais fácil é o certo – filosofou o ex-professor.

- NÃO VENHA ME FALAR DO QUE É CERTO! – sem conseguir se conter, Draco gritou com Snape, as palavras escapando por entre os lábios junto com gotas de saliva. – VOCÊ ENGANOU E MATOU O DIRETOR DE HOGWARTS E VEM QUERER DIZER O QUE EU DEVO FAZER OU DEIXAR DE FAZER? QUAL É A SUA...

- Silencio! - e desta vez Snape proferiu o feitiço que calou Draco. – Controle-se, moleque mimado! Eu poderia dar cabo de você com minhas próprias mãos e o Lorde das Trevas me agradeceria se eu o fizesse. Portanto, pare de bancar o estúpido filhinho-de-papai e concentre-se no que deve fazer para salvar o seu próprio lombo!

As palavras morreram na boca de Draco. De que adiantaria tentar enfrentar Snape se ele estava certo? Onde a arrogância do jovem o levaria afinal? Mas era a única maneira que sabia se comportar. Assim como seu pai, havia aprendido que precisava ser sempre superior aos outros, por meio das palavras e dos atos. Era isso que significava ser um Malfoy, a superioridade e nobreza da raça bruxa.

“Talvez seja o momento de ser mais eu e menos como o meu pai” - pensou o garoto, engolindo em seco diante da perspectiva de não saber ao certo quem ele era. A única imagem que tinha de si mesmo era uma cópia mal-acabada de Lúcio Malfoy, tudo o que foi condicionado a ser a vida inteira. Deu-se conta do inegável: ele não era mal, era apenas fruto daquilo que aprendeu debaixo de seu próprio teto.

Acabou por encarar a difícil realidade:

- O que eu preciso fazer para aprender Oclumência, Snape?

O homem do nariz em formato de gancho esboçou um esgar de sorriso ao responder:

- Primeiro, chamar-me de professor Snape.


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