O Dia das Bruxas




31 de Outubro amanheceu nublado, com uma brisa gelada que arrepiava a nuca de qualquer pessoa que audaciosamente colocasse a cabeça para fora de casa. Mas isso não era o suficiente para diminuir os ânimos dos estudantes de Hogwarts no dia tão esperado da festa de Dia das Bruxas. As meninas andavam pelo castelo conversando aos cochichos, e os garotos olhavam para elas com renovado interesse.

E por mais inapropriado que parecesse a quem visse, uma jovem de cabelos ruivos estava deitada na grama amarelada do jardim do castelo. Seus olhos estavam fechados, e ela respirava lentamente. Dificilmente alguém poderia compreender o que se passava em sua cabeça, e a gigantesca confusão de sentimentos que apossara-se dela nos últimos tempos.

Mas desde a tarde passada estava decididamente pior. Não conseguia pensar, não conseguia sequer respirar direito. Seu peito estava tão apertado, como se algo muito pesado estivesse comprimindo cruelmente seu coração. Não conseguira dormir a noite passada nem por alguns segundos, e por conta disso havia olheiras sob seus olhos claros.

Um beijo. Poderia um simples beijo perturbar de tal maneira a cabeça de uma garota? Para Gina Weasley, a resposta era sim. Talvez porque não fora um beijo qualquer. Caramba, beijara sua melhor amiga! E seria muita falsidade da sua parte dizer a si mesma que não gostara. Na verdade, nunca sentira nada assim antes com seus ex-namorados. Como se houvesse uma chama dentro de si, algo que fazia o sangue em seu corpo circular mais rapidamente. A sensação era a de uma brasa que é instigada a acender, e dificilmente poderia ser apagada depois.

Infelizmente não podia evitar. Luna era... Era como um sonho. Incrivelmente maravilhoso. Gina não conseguia pensar em alguém que adorasse mais do que a amiga. E ao mesmo tempo, aí morava o seu pior pesadelo. Seu mais terrível receio, pois sabia que nunca poderia ser. Sempre aprendera que era errado.

- Você não pode, não pode, Gina - murmurou a garota para si mesma, abrindo os olhos. - Não...

Não podia deixar sua amizade com Luna intensificar-se a esse ponto. Tinha que parar. Tinha que esquecer. O único problema era que não sabia como.

Realmente, esses pensamentos atormentaram a jovem Weasley durante todo o dia. E quando ela estava em seu dormitório, terminando de se arrumar para a festa, percebeu que não conseguia encarar seu reflexo no espelho. Não queria ver o brilho da falsidade em seus próprios olhos.

Harry estava esperando por ela numa poltrona do salão comunal. Harry. Ironicamente, ela esquecera-se totalmente dele nos últimos tempos. Quando Gina desceu as escadas do dormitório feminino, ele pôs-se de pé imediatamente. Ela percebeu os olhos do rapaz subindo e descendo pela sua figura, e corou levemente. Harry aproximou-se dela.

- Gina - ele disse lentamente. - Você está muito bonita.

Ela deu um pequeno sorriso, e teve certeza de que pareceu falso. Como poderia verdadeiramente sorrir se estava gritando por dentro?

O casal trocou algumas palavras rápidas, e então desceu sem pressa para o salão principal sob o olhar assassino de Dino Thomas.

- Ele não parece muito feliz ultimamente, não é - Harry comentou displicentemente.

- Dino? Ele é um bobão. Já está na hora de superar isso. Ele nunca vai me ter de volta.

- Você o odeia? - indagou Harry.

- Oh, não. Não chega a tanto. Ele é só um panaca, e se possível não quero ter que olhar na cara dele outra vez.

Harry não disse nada. Permaneceram em silêncio a maior parte do trajeto. Gina observava os outros casais por que passavam, imaginando se Luna já estaria na festa. Novamente sentiu-se culpada, e decidiu que não iria pensar sobre isso aquela noite. E então riu de si mesma. Se fosse apenas uma questão de querer ou não, tudo seria bem mais fácil.

O salão principal estava decorado de maneira muito diferente de como estivera no Baile de Inverno. O local estava coberto por uma bruma que dificultava a visão, e a única luz era a das abóboras que flutuavam recheadas com velas. Havia fitas roxas e pretas que pendiam de algum lugar, mas era impossível enxergar onde. Algumas bexigas da mesma tonalidade despencavam vez ou outra sobre a cabeça das pessoas. Era decididamente uma festa com cara de festa.

A música alta de uma banda que Gina não conhecia embalava o ambiente, e a maior parte das pessoas estava dançando. Aparentemente, não havia onde sentar.

- Quer dançar? - perguntou Harry, mais por obrigação do que por querer realmente.

Gina concordou, e xingou-se intimamente de todos os palavrões que conseguiu recordar quando percebeu que estava tentando identificar Luna por cima dos ombros do garoto.


***


Ele disse alguma coisa que ela não conseguiu compreender.

- Como é? - gritou.

- Quer dar uma volta nos jardins? - disse Rony, o mais alto que pôde.

Luna sentiu-se surpresa. Gina já lhe falara sobre aquilo, é claro. Se ele a chamasse para o jardim, é porque algo aconteceria. Mas não esperava que ele fosse pedir tão rápido. Sinceramente, não fazia idéia de quanto tempo já se passara desde que chegara no salão. Mas não estava sendo tão divertido quanto Gina dissera que seria. Talvez melhorasse agora.

- Tudo bem - concordou Luna, e Rony a guiou pela mão para fora do salão. Havia alguns casais se agarrando no saguão de entrada, e Luna olhou para eles com interesse. Rony não pareceu reparar.

- Nossa, estava realmente abafado lá dentro, não? - comentou ele, quando saíram para o ar gélido do jardim.

- Muita gente respirando - Luna sacudiu a cabeça. Rony ergueu uma sobrancelha.

- Quer caminhar por aí? - convidou ele.

- Pode ser - Luna encolheu os ombros.

Os dois caminharam lado a lado pela noite, vez ou outra esbarrando com um casal em situação constrangedora. Rony desviava os olhos rapidamente, mas Luna olhava com atenção e interesse. Várias vezes Rony precisou puxá-la para que continuasse a andar.

- Está um pouco frio aqui fora - Rony disse displicente. - Não acha?

- Um pouco.

- Quer o meu casaco? - indagou ele, e já estava tirando a peça quando Luna sacudiu a cabeça negativamente e continuou a andar. Ele demorou alguns segundos para recompor-se e correr atrás dela. - Você está muito bonita, sabe.

Luna parou e encarou o garoto durante alguns minutos. Rony já estava remexendo-se incomodado quando ela finalmente falou:

- Então já podemos?

- Podemos o que?

- Bem, você sabe... - Mas Rony não parecia saber, então Luna percebeu que teria que explicar. - Nós já fizemos tudo que tinha para ser feito, não? Quer dizer, já ficamos na festa um pouco, já fomos para o jardim, já demos umas voltas e você já me passou uma cantada malfeita. Então acho que podemos acabar logo com isso.

Rony ficou sem ação durante alguns segundos, incrédulo. Luna o fitava com um ar de "e aí?".

- Eu realmente não... peguei o sentido da coisa - confessou Rony.

- Oh, Gina estava realmente certa quando disse que você era tapado - Luna falou sacudindo a cabeça. - Bem, se você não me beijar logo eu serei obrigada a fazer isso primeiro. O que acha?

Rony ficou boquiaberto por alguns momentos, então aproximou-se de Luna e empurrou-a desajeitadamente contra uma árvore. Então colocou seus lábios nos dela. Enquanto Rony a abraçava de maneira bastante estúpida, Luna fez uma careta imaginando o que diabos ele estava fazendo. Era muito ruim.

Luna o observou enquanto a beijava, e imaginou onde estava aquela sensação de calor e conforto que experimentara com Gina. Um beijo não deveria ser assim? Fora o que Gina dissera. Então Gina mentira? Não... ela não mentiria para Luna. Mas, por Merlin, o que era aquilo que ele estava fazendo? Luna estava ficando enjoada. Então sentiu algo contra a sua virilha e sentiu um sentimento estranho que identificou como sendo raiva.

Empurrou Rony, irritadíssima.

- Não encoste em mim de novo, ou eu grito - disse, para a total confusão do garoto. Então Luna simplesmente saiu correndo, deixando-o para trás com uma bela cara de idiota.

Precisava encontrar Gina.


***


- Quer beber alguma coisa? - perguntou Harry em seu ouvido, pois era a única maneira de ouvir alguma coisa naquele ambiente.

- Não seria má idéia - concordou Gina, e observou Harry afastar-se até a mesa de bebidas.

Ela suspirou, tirou uma mecha de cabelo dos olhos e olhou ao redor. Ainda não vira Luna em lugar algum. Em certo momento pensara tê-la encontrado, mas quando a garota se virou Gina constatou que era uma quintanista da Lufa-Lufa. A ruiva sacudiu a cabeça. Precisava superar isso, ou ficaria louca. A essas horas Luna provavelmente estava nos braços de Rony, e era assim que as coisas tinham que ser.

- É melhor tomar cuidado com a cabeça, Weasley - disse uma voz às suas costas, e quando se virou identificou Draco Malfoy afastando-se às gargalhadas com Pansy Parkinson.

Gina revirou os olhos e voltou-se para procurar Harry. E então viu algo que deixou suas orelhas quentes de irritação: Harry estava conversando com Cho Chang logo adiante. A jovem estreitou os olhos, sentindo uma onda de frustração invadir seu corpo. Como Harry ousava ficar de papo com Chang bem debaixo do seu nariz?

O orgulho ferido, Gina fechou a cara e caminhou decidida para fora do salão. Ninguém pareceu se importar ou sequer reparar. E o que Gina imaginou que seria uma noite perfeita estava despedaçando-se diante dos olhos marejados de lágrimas da garota. Ela esfregou as vistas com as costas das mãos, condenando-se por ser tão estúpida. Mas pensamentos maldosos não paravam de vir a sua cabeça: Harry e Cho Chang rindo de Gina, e Luna aos beijos com Rony.

Gina desejou ser invisível. Sentia-se tão péssima como nunca antes. Queria se isolar de tudo e de todos. Queria não ter que olhar na cara de Harry nunca mais. Queria que Luna e Rony fossem para o fim do mundo. Só desejava que sua mente pudesse ficar em paz por algum tempo.

Quando se sentia assim, perdida, só havia um lugar onde Gina conseguia pensar em estar. Seu lugar favorito em todo o castelo. Desde a época em que era atormentada pelo diário de Tom Riddle Gina refugiava-se de tudo e de todos na Torre de Astronomia. Era proibido ir até lá fora do horário de aulas, é óbvio, mas a garota era bastante boa em se esgueirar pelos cantos do castelo fora do olhar de Filch. E hoje, em especial, não havia motivos para se preocupar com o zelador. Ele estava muito ocupado patrulhando os jardins.

Gina observou a vista do alto da torre, o vento desarrumando seu cabelo e fazendo as lágrimas que caiam secarem mais rapidamente.

- Eu sabia que encontraria você aqui - disse uma voz, e Gina levou um susto.

Por um momento Gina achou que fora pega por Filch, mas então identificou o vulto de Luna sentada sobre a murada.

- O que você está fazendo aqui? - perguntou Gina, surpresa.

- Fumando um cigarro e esperando você - Luna disse, pulando displicentemente para o chão.

Ela aproximou-se de Gina com um pequeno sorriso, e deu uma tragada em seu cigarro.

- Achei que você tinha parado com essa porcaria - disse Gina, olhando feio para a amiga.

- Eu menti. Tenho fumado sempre nos banheiros - Luna falou, encolhendo os ombros. - Desculpe.

Gina suspirou e sentou-se no chão de pedra fria.

- O que aconteceu? - perguntou Luna, sentando ao lado da amiga. - Por que você não está com o Harry?

- Ele é um idiota - Gina falou, sacudindo a cabeça. - Eu já devia ter aprendido.

Luna a fitou cuidadosamente com seus olhos aguados.

- Você chorou - concluiu - Não quero ver você chorar por causa desse tipo de merda de novo.

Gina deitou no colo da amiga e apanhou o cigarro da mão dela. Deu uma tragada e começou a tossir.

- Como você consegue...? - falou Gina, devolvendo o cigarro para a amiga. Luna encolheu os ombros. - E por que você não está com o Rony?

- Eu acho que não gosto dele, afinal. - Luna falou sem animação.

Elas ficaram em silêncio. Luna acariciava delicadamente os cabelos de Gina. As duas trocaram olhares cheios de cumplicidade. E sorriram.

- Você sumiu o dia todo - murmurou Luna. - Eu odeio quando você faz isso. Sinto a sua falta.

Gina sorriu levemente, e acariciou o rosto da garota.

- Eu também sinto a sua falta, Lu - ela falou, e puxou a amiga para que seus lábios se encontrassem. Elas se beijaram delicadamente.

Então ficaram observando o céu e as estrelas, e Gina sentiu que estava leve por dentro. Estava tão junto de Luna, e isso era tudo o que podia desejar.

***

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