Solidão



Tic-tac. Tic-tac. Tic-tac.

Maldito relógio. Gina não agüentava mais escutar aquele barulho. Quanto tempo mais McGonagall iria demorar? Já estava esperando na sala dela há pelo menos meia hora, e nem sinal da professora.

- Espere aqui – dissera Minerva, praticamente forçando Gina a sentar na cadeira dura de madeira negra diante da sua mesa. – Preciso resolver algumas coisas, mas logo estarei de volta para que possamos conversar.

Gina não teve tempo de concordar ou fazer perguntas. A bruxa bateu a porta da sala e deixou a garota sozinha com os seus próprios pensamentos. O único som que se ouvia eram as irritantes batidas do relógio na parede. Harry também se fora. McGonagall se irritara com o garoto, pois ele não parava de interrompê-la durante o trajeto de volta ao castelo.

- Potter, já que está aqui, faça alguma coisa de útil. Procure o professor Hagrid e diga-lhe que venha ter comigo imediatamente – ordenara Minerva, decidida. Harry obedeceu, contrariado.

E Gina? Pode-se dizer que ela estava apavorada. Luna estava desaparecida. A sua Luna. Por que? Por que as coisas pareciam ficar piores a cada segundo que se passava? Onde ela podia ter ido? Estaria machucada? Gina sentiu que estava muito fraca para conseguir raciocinar, apesar de sua cabeça estar fervilhando pensamentos.

Como fora estúpida de não desconfiar daquele sumiço repentino de Luna. Era óbvio, evidente que não podia ser uma coisa normal. Devia ter procurado algum professor antes... Talvez ainda houvesse tempo. Poderiam achá-la... Se acontecesse alguma coisa à Luna, Gina sabia que jamais poderia se perdoar.

Ela levantou-se e caminhou lentamente até a janela da sala de McGonagall. Encostou a testa no vidro da janela, observando a escuridão da noite nos jardins de Hogwarts. Seus olhos perceberam um movimento furtivo na orla da Floresta Proibida, atraindo a sua atenção. Viu, então, dois vultos correrem de trás das árvores. As mãos estavam engatadas e seus cabelos esvoaçavam ao vento. Com um aperto sufocante no peito, Gina viu quando Padma puxou o rosto de Hannah para si, colando seus lábios nos dela.

Fechou os olhos, deixando os dedos escorregarem pela vidraça fria da janela.

Hogwarts amanheceu coberta de neve naquela manhã gelada de inverno. Quando descia para tomar café, Gina foi abordada por uma Luna completamente excitada que estava praticamente dando pulinhos de felicidade com a perspectiva de passarem a tarde brincando na neve.

- Temos neve todos os anos, Lu – bocejou Gina sonolenta, enquanto era puxada por Luna para fora do castelo. – E você sempre precisa fazer todo esse estardalhaço.

– Oh, eu adoro neve! Eu adoro neve!

Luna estava tão animada que Gina não consegui manter-se rabugenta por muito tempo. E aquele foi um dos melhores dias que elas passaram juntas. Fizeram um grande boneco de neve, que estava ficando bastante bom até o momento em que Gina tropeçou e caiu em cima dele, destruindo a obra de uma hora de trabalho árduo com o peso de seu corpo e enterrando o rosto na neve.

A garota ficou de pé, recompondo-se, e começou a limpar o gelo da roupa e dos cabelos. Foi então que, antes que ela pudesse compreender o que se passava, uma bola de neve voadora atingiu-a na cabeça.

- Ei! – exclamou a garota, indignada.

- Isso é por ter destruído o boneco! – Luna disse, e Gina não conseguia saber se ela estava de fato irritada ou apenas brincando.

Em alguns minutos, as duas meninas estavam completamente entretidas em uma guerra de bolas de neve, correndo uma atrás da outra. Suas risadas ecoariam mais tarde na cabeça de Gina, juntamente com o amargo peso da saudade em seu peito. Ela lembraria que, de repente, Luna desaparecera dentro da Floresta Proibida, mesmo sob os seus protestos furiosos.

A garota esperou durante vários minutos, o coração batendo acelerado, mas Luna não voltou. Gina, então, caminhou lentamente para o meio das árvores.

- Luna? – disse quase num sussurro. – Luna, é melhor sair daí. Se alguém denunciar você para os professores, com certeza será castigada com detenções. Sinceramente, Lu, não seja tão...

Mas Gina não completou sua frase, porque naquele momento Luna pulou do meio das sombras e agarrou seus ombros, empurrando-a com alguma força de encontro ao tronco de uma árvore maciça. O ar saiu violentamente de seus pulmões, e Gina soltou uma exclamação de surpresa.

Quando se recuperou do susto, percebeu com uma pontada de irritação que Luna ria, a testa encostada no tronco da árvore e os lábios roçando gentilmente o ombro esquerdo de Gina.

- Qual é a graça? – resmungou a ruivinha, empurrando Luna fracamente.

- Você teria molhado as calças – murmurou Luna, ainda rindo.

Não era exatamente uma gargalhada. Era um riso baixo, quase um sorriso. Um pouco forçado, mas de uma maneira agradável. Gina percebeu que não conseguiria se zangar de verdade.

- Eu não teria – retrucou lentamente.

Luna continuou rindo, escorregando os lábios pelo pescoço de Gina devagar. A ruivinha sentiu o hálito quente da amiga em seu pescoço quando esta abriu a boca para colocar seus dentes na sua pele. Trancou a respiração, sentindo a mordida de Luna ficar mais forte, dolorosa e arrepiante gradativamente. Quando a pressão tornou-se insuportável para ela, Gina desviou-se da garota.

- Desculpe – Luna disse num sussurro.

- Tudo bem – Gina disse, sacudindo a cabeça. – Você sabe que eu gosto...

Luna sorriu e inclinou o rosto, oferecendo os lábios para Gina. A garota aceitou, sentindo-se aquecida pelo contato doce da boca da amiga na sua.

Entrelaçaram as mãos.


Gina deu um pulo no lugar quando a porta da sala se abriu com estrondo. McGonagall entrou, pressurosa, tomando lugar atrás de sua mesa. A ruivinha virou-se para a professora, um pouco confusa.

- Sente-se, querida – disse Minerva, indicando a cadeira a sua frente. Parecia exausta.

Gina obedeceu. Observou a professora apanhar um frasco de dentro de uma gaveta, retirar a tampa e pingar três gotas num copo de água que estava sobre uma pilha de livros. O líquido adquiriu um tom amarelado que lembrava muito urina de rato. Gina apressou-se em recusar o que quer que fosse quando McGonagall lhe ofereceu.

- Beba, vai mantê-la mais calma – disse a bruxa, empurrando o copo para as mãos da aluna.

- Eu já estou calma – Gina disse sinceramente. De fato, uma espécie de frieza e conformismo se apossara dela nos últimos minutos. Estava deprimida demais para sentir-se agitada.

- Não seja ridícula – Minerva disse, aborrecida, enquanto preparava para si mesma uma solução igual a anterior.

Gina suspirou e apanhou o copo. Arriscou um gole, com uma careta. O gosto era amargo e desagradável. Novamente, fez Gina lembrar urina de rato. Nunca parara para pensar no assunto, mas achava que o gosto não podia ser muito diferente.

- Primeiramente, eu gostaria de lhe fazer algumas perguntas, Weasley – McGonagall começou, e sequer esperou Gina concordar para começar o interrogatório. – Qual foi a última vez que você viu Lovegood na escola?

- Há dois dias atrás – Gina respondeu sem pensar muito.

- Onde, exatamente?

- No banheiro da Murta- Que- Geme. Ela estava chorando.

- Chorando?

- É, chorando.

- Por que?

- Não faço idéia.

Um momento de silêncio em que McGonagall observava Gina atentamente.

- Vocês conversaram?

- Praticamente.

- Ela disse alguma coisa sobre fugir?

- Não. Quer dizer, ela disse que ia embora... Não achei que estivesse falando sério.

Mais silêncio. McGonagall parecia pensativa; Gina permanecia apática.

- Você não precisa esconder nada de mim, Weasley – Minerva disse, afinal. – Eu sei.

Gina ergueu os olhos para a professora, sem emoção. Durante algum tempo nenhuma das duas disse nada.

- A senhora acha que ela está bem?

- Eu acredito que sim. Lovegood é muito mais esperta do que parece – Minerva disse com um sorriso breve.

- Acha que podem encontrá-la?

- Claro. O Ministério pode localizar qualquer bruxo pelo sistema de registro de varinhas. Se ela fizer algum feitiço, saberemos imediatamente onde ela está.

- Mas se Luna não quiser ser encontrada, ela não fará mágica – Gina disse com uma tranqüilidade doentia.

- É verdade – concordou Minerva. – Mas, sinceramente, nós sequer acionamos o Ministério ainda. Não queremos confusão. Além disso, acho que Lovegood não pode estar tão longe assim. Acho que poderemos descobrir aonde ela foi, se pensarmos um pouco e juntarmos as pistas certas. Já entramos em contato com o pai dela via coruja. Em breve receberemos uma resposta e...

Minerva foi interrompida pelo barulho de batidas na porta. Hagrid entrou, parecendo um pouco assustado. Gina teve uma visão de um Harry muito mal humorado tentando espiar dentro da sala para ver o que estava acontecendo, mas no minuto seguinte o meio gigante já havia batido a porta no nariz do rapaz.

- Professora, Harry disse que queria falar comigo – grunhiu Rúbeo, sem jeito.

- Perfeitamente – disse Minerva. – Ele comentou sobre o desaparecimento de Luna Lovegood, imagino?

- Eh – Hagrid disse rapidamente.

- Acha que pode me ajudar com alguma informação?

- Ah, bem... não creio que possa...

McGonagall suspirou.

- Você viu Lovegood nos arredores da Floresta Proibida nos últimos dois dias?

- Nah... Não acho que ela tenha entrado lá, sinceramente. Quer dizer, não vejo nenhum motivo para isso...

- Pode ser, mas mesmo assim eu gostaria que você fizesse uma busca na floresta.

- Certo.

- Leve o Potter com você. Ele parece realmente excitado para fazer alguma coisa.

- Certo.

- Pode ir – Minerva falou erguendo uma sobrancelha, como quem diz “o que você está esperando?”.

Gina afundou em sua cadeira.

- Weasley – Minerva disse assim que Hagrid saiu. – Você tem certeza de que não sabe onde a menina pode estar?

Gina sacudiu a cabeça lentamente.

- Não sei.

- Faça um esforço... Onde Lovegood poderia ter ido?

- Não faço a mínima idéia – Gina disse após alguns segundos.

Minerva parecia frustrada. De algum modo, a professora realmente acreditara que a chave para localizar Luna estava em Gina. Se enganara.

- Acho que isso é tudo, Weasley – Minerva concluiu, recostando-se em sua cadeira de maneira exausta. – Vá tomar um banho, procure descansar... E fique calma, nós vamos encontrá-la logo.

- Eu já estou calma – Gina murmurou, mais para si mesma do que para a professora.

Levantou-se e caminhou até a porta com passos pequenos, fechando a porta suavemente atrás de si. Sua cabeça estava pesada e seu corpo parecia dominado pelo torpor. Minutos mais tarde, Gina estava debaixo de um chuveiro, sentindo a água quente escorrer por todo o seu corpo.
Não tinha o costume de seguir conselhos de professores, mas, analizando melhor, até que McGonagall dissera coisas que faziam sentido. De nada adiantava ficar se culpando pelo desaparecimento de Luna. Eles iriam encontrá-la, mais cedo ou mais tarde, e ela com certeza estaria bem. Tinha que estar...

Agora, a única coisa que Gina Weasley queria fazer era deitar a sua cabeça no travesseiro e dormir. Talvez, quando acordasse na manhã seguinte, Luna já estivesse de volta e a salvo. No entanto, depois que tomou seu banho e foi para o quarto descansar, percebeu que não conseguiria pegar no sono enquanto não tivesse notícias da garota. Espiando no relógio em seu pulso, constatou que já passava das duas da madrugada.

Fazendo a menor quantidade de barulho possível, Gina desceu pé ante pé para o salão comunal. Sentou-se em uma cadeira perto da lareira, e tentou ler um pouco. Sua concentração divagava, e precisava ler e reler as mesmas linhas várias vezes para conseguir captar o significado.

Depois de algum tempo, seus olhos foram ficando pesados, e sua visão, turva. Adormeceu. Não teve um sono tranqüilo. Ela e Luna estavam brincando na neve, e de repente estava sozinha no meio da Floresta Proibida. Estava procurando por Luna, sabia que ela entrara lá. Mas não conseguia achá-la, por mais que se esforçasse. Começou a perceber que ela não estava ali e, portanto, nunca poderia encontrá-la. Agora estava perdida, mas Harry estava falando coisas... Algo que ela não podia entender. Ele dizia:

- Acorde, Gina...

Ela abriu os olhos, voltando a si. Harry estava acocorado diante dela, uma sobrancelha erguida curiosamente. Parecia pálido e exausto.

- Acho que peguei no sono – Gina murmurou.

- Na verdade, sim – Harry falou, arriscando um sorriso. Sentou-se na poltrona diante de Gina. – Estou completamente acabado. Estava ajudando Hagrid a procuar a Luna na floresta...

- E descobriram alguma coisa? – indagou Gina, ajeitando-se na poltrona.

- Não – Harry suspirou. – Perda de tempo. McGonagall sabia que seria inútil, então não sei porque mandou Hagrid entrar lá... E comigo junto. A única vantagem é que eu e Rúbeo pudemos passar algum tempo juntos, o que não fazíamos há meses.

- É, vocês não têm estado mais tão próximos – Gina murmurou.

Harry não disse nada. Ele podia ver uma ruga de preocupação desenhar-se na testa da menina. Por um momento, sentiu um impulso de levantar-se e abraçá-la, mas a lembrança da conversa que tiveram algumas horas atrás voltou a sua cabeça, nocauteando-o de volta para a realidade. Estava acabado... E ele sentiu-se o garoto mais infeliz do planeta, num pensamento clássico de todos que já tiveram o coração partido por alguém.

- O que você estava fazendo aqui, afinal? – ele indagou, desanimado.

- Lendo – Gina disse, encolhendo os ombros. – Não conseguia dormir.

- Está preocupada com a Luna?

- Estou...

- Vão achá-la logo – Harry disse, forçando um sorriso para tranquilizá-la.

- Espero que sim – Gina falou num sussurro.

Durante algum tempo, nenhum dos dois disse nada. Harry limitava-se a observar Gina, que tinha o olhar vago e o pensamento distante. Então, o garoto colocou-se de pé, atraindo a atenção de Gina e trazendo-a de volta para a realidade.

- Estou acabado – Harry falou. – Vou tomar um banho e cair na cama.

- Certo – Gina falou. – Tente não se afogar no chuveiro, ok? – ela brincou. Sorriu um sorriso morno, usando toda sua força de vontade.

- Pode crer – Harry acenou a cabeça e afastou-se com alguns passos.

Foi então que, antes que pudesse pensar no quão sem sentido aquilo pareceria, Gina chamou o garoto outra vez. Harry voltou-se para ela, a testa franzida em confusão.

- Será que você podia... – Gina mordeu o lábio inferior. – Bem... Será que podia só... me abraçar?

O rapaz ficou parado alguns momentos, enquanto seu cérebro terminava de decifrar o que a menina acabara de dizer. Ele realmente não esperava isso, mas não se opôs. Aproximou-se de Gina, passando o braço direito ao redor do pescoço da garota e puxando-a de encontro ao seu peito.

Durante vários minutos eles ficaram ali, abraçados. Harry perguntava-se se seria a última vez que teria seu corpo junto ao dela; e Gina descobriu que sentiria muita falta daquela sensação de proteção que os braços do rapaz lhe proporcionavam.

***

Gina acordou na poltrona do salão comunal. Seu corpo estava dolorido, e havia olheiras negras sob seus olhos. Cambaleou até o banheiro mais próximo, e enxeu as mãos em concha de água. Em seguida, mergulhou o rosto no líquido transparente uma, duas, três vezes.

Suspirou.

Puxou uma toalha de rosto, e enxugou a pele lentamente. Ergueu os olhos para o espelho, e mal pôde reconhecer o reflexo que a encarava do outro lado.

- Você está terrível – murmurou ela, desviando o olhar.

Imaginou se já teriam conseguido alguma notícia de Luna. Pensou em McGonagall. Falaria com ela no salão principal. Salão principal? Isso lhe lembrava comida. Há quanto tempo não colocava alguma coisa no estômago? Gina resmungou. Não conseguia lembrar se havia jantado a noite passada ou não. De todo modo, estava faminta.

Subiu rapidamente ao seu quarto no dormitório feminino da Grifinória, trocou de roupa. Vestiu uma jeans velha que ficava um pouco larga para ela, apanhou a primeira camiseta que achou em seu baú, e colocou um moletom preto que, no passado, pertencera a Rony.

Quando atravessou o buraco do retrato, puxou o capuz do casaco para cima, cobrindo a cabeça. Não desejava ser importunada por ninguém hoje. Mas sua tentativa de passar despercebida não teve muito sucesso, pois foi abordada pela professora Minerva no exato momento em que colocou os pés no salão principal.

- Weasley – ela disse, agitada. – Conseguimos. Parece que a achamos.

Gina piscou, atordoada. McGonagall não esperou que ela dissesse qualquer coisa. Contou, pressurosa, que tinham recebido a resposta da carta que enviaram ao Sr. Lovegood. Ele garantiu que tinha quase certeza absoluta de onde a filha estava, e estaria indo atrás dela o mais rápido possível. Entraria em contato assim que tivesse notícias.

Gina sentiu-se um pouco mais leve.

***

Caro Prof. Dumbledore,

Recebi a sua carta. Fico espantado em saber que minha filha está desaparecida há dois dias, e, no entanto, só agora os senhores tomaram ciência do fato. Estou aflito e aborrecido, mas, procurando manter a cabeça fria, pensei a respeito e acho que sei onde minha menina pode estar. Assim que despachar essa carta, estarei saindo para averiguar se minhas suspeitas estão corretas.

Entrarei em contato.

Louis H. Lovegood


***

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