Uma Amizade de Longa Data

Uma Amizade de Longa Data




A edição da revista O Pasquim encontrava-se em total atividade, naquele fim de tarde abafado de verão. Não havia sequer uma brisa para tornar o ambiente um pouco mais fresco, e tinha sido assim desde o início da estação. Os tempos estavam mudando. Verão, agora, na Europa, significava época de muito calor. Muito calor mesmo.

Uma jovem de cabelos loiros bastante mal cortados estava escorada à janela do escritório do editor chefe da revista, tentando, sem muito sucesso, livrar-se do calor insuportável que fazia sua pele transpirar e, em conseqüência, seus cabelos ficarem com aparência ainda mais suja do que de costume. Seus olhos eram de um azul muito claro, quase prateados. Tinha a pele branca e lisa, livre de manchas, pintas ou outras coisas do tipo. O rosto da jovem parecia mais fino do que realmente era, pois grandes mechas de cabelo dourado caíam sobre suas bochechas coradas por conta da alta temperatura.

Luna Lovegood decidira por sua própria vontade passar seu último dia de férias com seu pai na edição d'O Pasquim. Era o seu lugar favorito para ir. Adorava observar o movimento dos repórteres indo e vindo, e o barulho das máquinas de escrever soava melhor do que música para seus ouvidos.

Seu pai não estava presente naquele momento. Estava ocupado acertando os últimos detalhes da capa da próxima edição da revista, que sairia na semana seguinte.

Luna não se aborrecia com isso. Estava acostumada a solidão. Gostava de pensar que era melhor está só do que má acompanhada. Não que isso se enquadrasse a seu pai, é claro. Realmente, adorava-o. Mas não podia dizer que compartilhavam muito o tempo juntos. Luna crescera sozinha. Sua mãe morrera quando tinha oito anos. Gostava de fazer experimentos em si mesma, e acabara sendo vítima de um acidente. Não tinha irmãos, e também não tinha amigos. Estudava na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, onde todos a conheciam como a estranha e excêntrica "Loony" Lovegood. Ao contrário da maioria dos outros alunos, a garota não podia dizer que passara bons momentos por lá. Todos estavam sempre caçoando de suas roupas, de seu cabelo, de seu jeito e de qualquer outra coisa que pudessem encontrar para falar mal sobre ela. Alguns eram mais maldosos. Escondiam suas coisas, ou até mesmo deixavam pó Esfola-Couro em seu travesseiro para que ela passasse o resto da noite se coçando sem parar.

Mas Luna aprendera a lidar com isso. E não se importava mais. Já estava acostumada.
De qualquer forma, também não podia dizer que não havia ninguém que fosse bom para ela. Oh, havia sim. Gina Weasley, da Grifinória. Ela era sempre muito simpática com Luna. Sempre tinha algo interessante para lhe contar, e Luna começava a achar que gostava da companhia de Gina.

Talvez por isso estivesse sentindo um pouquinho só falta de Hogwarts, aquele ano. Não era muito de falar, mas sinceramente adorava ouvir. E Gina estava sempre pronta a falar, falar e falar. Horas sem parar, se tivesse a chance. Luna gostava disso. Era divertido. De algum modo, sentia-se confortável com Gina. A garota nem reclamava que Luna ficasse encarando-a diretamente durante muito mais tempo do que seria normal! Muita gente não entendia, mas essa era uma ótima forma de gravar a fisionomia de alguém. Nunca se sabe quando você pode precisar de uma boa lembrança guardada na memória.

A porta da sala se abriu bruscamente, e o Sr. Lovegood entrou. Luna virou-se para ele, que parecia bastante satisfeito.

- Está tudo pronto, afinal - suspirou ele. - A capa, as reportagens... Esse pessoal ainda vai me deixar maluco. Imagine, esquecer de colocar a manchete do artigo principal da edição na capa! Ainda vou ficar maluco aqui.

Luna deu um meio sorriso. Voltou os olhos para a janela. Estava começando a escurecer.

- Que horas são? - indagou o Sr. Lovegood para si mesmo. - Vinte para as oito... Está tarde, já... Bem mais do que eu... Luninha, filha, acho que já é hora de irmos, não? Você tem que acordar cedo amanhã. Seria muito chato se você perdesse o trem, como aquela vez no ano retrasado.

- Está calor - disse Luna, simplesmente. O pai a observou durante alguns minutos.

- Está mesmo. Então o que acha de tomarmos um sorvete nessa bodega aí em frente? - perguntou ele, animado.

Luna virou-se e encarou o pai durante alguns minutos. Então conclui:

- Sorvete seria legal.


***


Luna não conseguiu acordar tão cedo quanto previra. Vestiu-se com muita rapidez, sem sequer reparar que trocara o par da sua meia (uma era rosa e outra era verde limão). Alisou o cabelo com as próprias mãos, ignorando a escova de cabelo na pia do banheiro. Seu pai obrigou-a a beber um copo do suco de abóbora e a levar alguns biscoitos de gergelim no bolso do casaco.

Chegou à Estação King's Cross bastante em cima da hora de partida do Expresso de Hogwarts. A plataforma 9 e 1/2 já estava tão cheia de alunos e pais que era quase impossível se mover sem esbarrar em alguém. Luna carregava seu malão sozinha, arrastando-o com dificuldade para dentro do trem.

Foi bastante complicado achar um vagão que estivesse vago, mas conseguiu encontrar um lugar bem ao final do trem. Infelizmente, não estava tão vazio assim...

- Que diabos, Dino... achei que você já tinha superado isso! - exclamava Gina Weasley, uma expressão de aborrecimento no rosto.

- Gina, você não vê? O que houve entre a gente foi... foi especial! Foi diferente e...

- Oh, totalmente especial. Tanto que você não pode resistir ao primeiro trasgo de saia que te apareceu na frente - Gina disse, revirando os olhos.

- Eu errei! Será que você não pode ter só um... um pouquinho de compaixão? Errar é humano, caramba! - protestou Dino, desesperado.

- Certas coisas não podem ser consertadas, Dino. Sinto muito. Agora, se quiser fazer o favor de... - a garota virou-se para indicar a porta do vagão para o ex, e finalmente reparou que Luna estava ali a observa-los. - Luna!

- Era só o que me faltava - resmungou Dino, mas Gina ignorou-o completamente. Pulou no pescoço de Luna, abraçando-a saudosamente.

- Que saudades! Sua danada, nunca responde as minhas cartas!

Luna tinha se esquecido desse habito desagradável que Gina adquirira de agarrar-se ao pescoço das pessoas até quase matá-las por falta de ar.

- É, é bom ver você também - disse Luna, com dificuldade. - Mas não precisa me sufocar por isso.

- Oops... Me desculpe - Gina sorriu constrangida. Dino pareceu se revoltar ainda mais.

- Legal. Então, Loony, quer fazer o favor de se retirar? Caso você não tenha reparado, eu e minha namorada estamos no meio de uma conversa série e...

- Três coisas - interrompeu-o Gina, e Luna reparou que a expressão no rosto da garota não era das mais amigáveis. - Primeiro, eu não sou sua namorada; Segundo, nós não temos mais nada para dizer um ao outro. E terceiro, quem vai se retirar daqui é você. E agora, seu traste!

- Mas...

Gina olhou-o de maneira assassina. Dino soltou um palavrão e saiu batendo a porta do vagão atrás de si. A garota ruiva largou-se no acento, exausta.

- É um idiota - suspirou, massageando a testa.

Luna não disse nada. Começou a puxar seu malão para dentro do vagão. "Oh, deixe-me ajudá-la!" Exclamou Gina, pondo-se de pé novamente. Com alguma dificuldade as duas colocaram o malão de Luna no compartimento de bagagens, e se largaram nos acentos uma de frente para a outra.

Luna ficou encarando Gina, com era de costume. O cabelo de Gina estava mais curto do que da última vez que a vira. Batia em seus ombros agora. Os sedosos fios vermelhos balançavam delicadamente com o movimento do Expresso que agora começava sua viagem. Gina parecia chateada.

- Você está zangada - disse Luna. Gina olhou-a com chateação.

- É tão difícil assim responder a uma carta? Nem algumas linhas, Luna... Nem isso. Por que você é assim? Não se importa com as coisas... Sabe, isso me deixa triste. Parece que você sequer lembra de mim.

- Eu esqueço de responder - disse Luna, com sinceridade. - Além disso, não gosto de corujas. São animais traiçoeiros.

Gina sacudiu a cabeça, conformada. Luna nunca ia mudar. Já se conheciam há cinco anos, e ainda assim ela continuava a agir como se Gina fosse apenas uma colega. Como se Gina já não tivesse lhe contado coisas o suficiente sobre si mesma... Sobre seus sentimentos e seus problemas. E sobre tudo o mais que acontecia em sua vida. Luna sempre ouvia calada, mas de algum modo isso era reconfortante para Gina.

Quando Harry a salvara da Câmara Secreta, em seu primeiro ano em Hogwarts, todos os amigos que pensara possuir afastaram-se rapidamente dela. Visivelmente evitavam a sua companhia, e faziam comentários maldosos sobre ela nos corredores. Mas Luna não. Luna simplesmente não se importava com o que quer que tivesse lhe acontecido, ou com o que os outros diziam de Gina. Continuara a sentar na carteira ao seu lado, na aula de poções. E não deixou de realizar as atividades de herbologia em sua companhia. Inevitavelmente, nasceu uma simpatia de Gina pela excêntrica colega. Logo passava muito mais tempo com Luna do que com qualquer outra pessoa em Hogwarts.

Não se podia dizer que a companhia de Luna era das mais divertidas. Ela não falava muito. Gina precisava fazer milagres para manter a garota falando durante pouco menos de cinco minutos. Mas era uma boa ouvinte. Estava sempre lá para guardar seus segredos e desabafos. Gina realmente sentira a sua falta essas férias, e estava magoada porque a garota que tanto considerava não se esforçara para escrever quaisquer três linhas que fossem em um pedaço de pergaminho contando como estava. Ou apenas dizendo que tinha saudades também.

Gina ergueu o rosto ao ouvir o som de Luna mastigando alguma coisa. A garota tinha alguns biscoitos de formato esquisito nas mãos, e parecia bastante concentrada neles.

- O que você está fazendo? - indagou Gina, procurando parecer indiferente.

- Estou tentando concertar os biscoitos que se quebraram - explicou Luna lentamente. - Mas não estou tendo sucesso. Alguns pedaços se despedaçaram em partículas tão pequenas que fica difícil... do que você está rindo?

Gina começara a gargalhar repentinamente. Não conseguia entender como alguém tão completamente louca como Luna podia ser sua companhia favorita acima de qualquer outra. Mas certas coisas não são para serem compreendidas, afinal.


***


A viagem para Hogwarts foi bastante longa, como de costume. Luna dividiu seus biscoitos de gengibre com Gina, que precisou gastar o pouco dinheiro que tinha comprando dois grandes copos de suco de abóbora para descer o gosto amargo que ficara em ambas as bocas.

Em determinado momento do trajeto, Rony apareceu no vagão das garotas durante sua ronda pelo trem. Luna o encarou de maneira constante e decidida. O irmão olhou para Gina com uma careta, e a garota simplesmente encolheu os ombros e riu. Talvez estivesse bastante enganada, mas achava que Luna tinha uma quedinha descarada por Rony. Mas sabia que não devia comentar isso com a garota, pois ela certamente se aborreceria.

Luna cochilou a maior parte da viagem, de modo que Gina passou a maior parte do tempo observando a paisagem passar veloz pela janela do vagão pensando naquele que não podia e não conseguia esquecer: Harry.

Tanto tempo, e ela não conseguia deixar de desejá-lo. Decidira à algum tempo que a coisa certa a fazer era esquecer o garoto, mas simplesmente não tinha forças suficiente para fazê-lo. Sentira-se tão mal quando soubera do envolvimento de Harry com Cho Chang, no ano anterior. Fora duro, mas tentara não transparecer seus sentimentos. Todos estavam bastante convencidos de que ela já não sentia nada pelo melhor amigo de Rony. Mas era mentira, obviamente.

Não havia um dia em que não pensasse em Harry, e muitas vezes chorava por ele. E odiava-se por ser assim tão boba. Sabia que não tinha chances com o rapaz. Ele nunca conseguiria vê-la de um modo diferente do que como uma irmã. Por que tinha que se apaixonar justamente por ele? O único garoto que não podia ter. Por mais que se esforçasse, ele nunca reparara nela. Nem sentira ciúmes ou coisa do tipo quando Gina começara a sair com outros garotos. Não. Ela era invisível para ele.


***


Quando chegaram a estação em Hogsmeade, era Gina quem estava dormindo e foi Luna quem a despertou com um cutucão nada gentil. Resmungando aborrecida, Gina seguiu a garota para fora do trem e elas acompanharam a massa de estudantes em direção às carruagens puxadas pelos sombrios cavalos alados que ela não podia ver. Mas sabia que eles estavam ali.

Caía uma chuva violenta, de modo que quando chegaram à segurança do saguão de entrada todos os alunos estavam bastante molhados. Luna e Gina seguiram cada uma para as mesas das suas respectivas casas. Gina sentou-se entre Harry e Hermione, e diante de Rony.

- Realmente estranha - disse Rony, olhando fixamente para a mesa da Corvinal. - Essa Loony Lovegood. Por que você anda com ela? Vão pensar que você é louca também.

Gina e Hermione olharam feio para o garoto.

- Não chame-a desse jeito - protestou Gina. - Ela é legal, só é um pouco.. ah.. excêntrica. - Maluca seria a palavra certa - riu Rony. Gina acertou um chute na canela do irmão, que reclamou de dor.

- A Gina está certa, Rony - disse Harry, sacudindo a cabeça. - Não é legal caçoar da Luna. Ela é... boa gente.

Ele suspirou e recostou-se em sua cadeira, aguardando o fim da cerimônia de seleção para ouvir o discurso de Dumbledore. Gina o observou durante alguns minutos. Estava sempre assim, ultimamente. Cansado, abatido, deprimido. A morte de Sirius decididamente o afetara.

Gina desejou poder fazer alguma coisa por ele. Mas sabia perfeitamente que não era possível. Quando deitou sem sua cama, após o delicioso banquete de abertura do ano letivo, Gina continuava com Harry em sua cabeça. Perguntava-se se algum dia conseguiria não pensar nele. Se algum dia conseguiria se livrar daquela paixão boba que parecia crescer a cada dia. E Gina sentia que estava estacionada no tempo.

***

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