A Serpente tem que morrer




"A Serpente tem que morrer" – Ato I – Luzes.


Era quinta-feira à tarde quando Draco Malfoy apareceu na biblioteca, provavelmente da mesma forma que eu: clandestinamente é disfarçadamente.


Eu tinha que fazer um trabalho de Transfiguração, já ele eu não sei, e desejaria não ter descoberto mesmo. Nossa conversa, basicamente, se resume nisto:


– Na verdade, você tem dividas comigo.


Parei de ter esperanças de que um dia ele vai mudar, porque ele não vai mudar, não importa o que aconteça, então não cheguei me importar muito quando aquele projeto loiro chegou na biblioteca daquele forma descontraída dele que me mata de agonia, só me deixou surpresa o fato de Draco ter envolvido a minha pessoa e a palavra "dívida" numa frase.


– Dividas? Eu? Com você?


Draco assentiu.


– Hã, está confundindo os papéis.


– O trabalho de Poções, Hermione – Draco disse calmamente, me fitando.


EU SABIA. SABIA QUE NÃO DEVERIA TER ACEITADO PORCARIA NENHUMA DE FOLHA PORQUE A RAÇA QUE MALFOY PERTENCE NUNCA FAZ ALGO SEM DESEJAR OUTRA COISA EM TROCA.


Na hora, eu fiquei branca feito papel e apertei o lábio com uma força que chegou até machucar. Afoguei o rosto no livro grosso e empoeirado que estava na mesa, choramingando coisas como "Ah, não, não, não. Eu tenho dívidas com a serpente asquerosa". Algo que fez Draco rir de mim.


– Idiota. Eu nem pedi aquela folha – xinguei.


– Mas nem reclamou quando Snape te devolveu né?


– Que merda, Draco, por que tudo que você fez pra mim tem que ter uma recompensa?


– Pensa que é uma troca de favores...


– E o que é?


– Vamos sair no sábado.


Comecei a rir.


Não, comecei gargalhar, a ponto de escorrer uma lágrima de tanto que ri diante do loiro que me olhava irritado. Mas aí rapidamente eu parei, olhando para trás, para ver se a Madame Pince ainda estava desenformada do fato de que Draco + Me estavam na biblioteca. Os alunos prefeitos dela naquela escola, depois de Fred e Jorge Weasley. Por um instante, eu tinha me esquecido que estava banida da biblioteca.


E culpa de quem? Desse verme loiro malditamente lindo.


– Você bebeu – conclui. Achei muito sacana ele não ter rido comigo, geralmente é isso que fazem quando você caiu numa pegadinha.


– Não, ainda são cinco horas.


– Não vou sair com você, Malfoy.


– E por que não? Por acaso entrou em algum câncer terminal? Virou deficiente física? Está anoréxica? Vai frequentar algum grupo de apoio de viciados em droga? Vai fazer algum curso de culinária? Vai visitar seus pais? Vai ver seus tios do Afeganistão? Seu hamster morreu? Por qual motivo bom não pode sair comigo no sábado?


– Mas que droga, Malfoy! Por que afinal quer sair comigo no sábado? Não estava me evitando há alguns dias atrás? – eu perguntei irônica me lembrando de como estava sendo aquela semana em que Draco Malfoy estava ocupado demais sendo indiferente comigo e com todo o resto.


Aliás, estavam sendo horríveis. Draco não se incomodaria nem se comensais atacassem a escola e eu fosse a vítima. Acho que ele até serviria café para os atacantes ali presentes.


– É, mas eu já cansei disso – ele respondeu sem se importar com o olhar mortal que estava recebendo de mim. – E já está na hora de colocar meu plano em prática. Então vamos sair no sábado.


– Isso tudo não é por causa do Harry, né?


Que, por motivos bastante duvidosos e suspeitos, terminou, recentemente, com Gina Weasley.


– É claro que é. Embora ele não seja páreo para mim, ambos sabemos, mas às vezes preciso lembrar te lembrar que você me ama.


A fuzilada de olhar que eu fiz para Malfoy nunca mais conseguirei repetir de tão boa que foi. Ao que lembra que preciso treinar esses olhares ameaçadores no espelho ou com Gina, tanto faz, ambos não agem por conta própria mesmo.


– Eu vou fingir que não ouvi isso.


Malfoy suspirou. Falso.


Embora meu monólogo interno ficava martelando na minha cabeça a cena de alguns dias atrás, em que Draco dizia que "iria provar que não pensava mais na aposta", eu senti uma imensa raiva dele ter resolvido se manifestar justo quando eu estava até que me dando bem com Harry. Afe, não é porque eu revolvi agir feito vadia e "consolar" Harry agora, mas porque Draco ainda acha que pode mandar em mim. O que, sabemos, está fora de questão.


É incrível a facilidade que esses sonserinos tem se intrometido na minha vida, pqp, até um tempo atrás esses vermes não gostavam de sangues-ruins.


– E se eu disser não? – eu disse por fim.


– Okay, fique em dívidas comigo para sempre, não vou me importar – e finalizou isso com o pior sorriso da sua coleção: o canalha.


Fazendo eu me lembrar que essa era a real personalidade dele: canalha. Draco era um canalha.


Fiquei com tique no olho direito. Isso só aconteceu uma vez na minha mísera vida, e a criatura que presenciara isso era Dolores Umbrigde. Olhando por esse lado, ela e Malfoy devem até ser parentes distantes, porque, meu Merlin, como infernizam a vida alheia esses dois.


– Odeio você.


– Também te amo.


Grrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr


Eu balancei a cabeça.


– Sábado – o canalha disse antes de se levantar e lançar aquele sorriso debochado pra mim, eu quase matava ele com o olhar.


Idiota.


"A Serpente tem que morrer" – Ato II – Câmera.


– EU NÃO VOU! POUCO ME IMPORTA AQUELA PORCARIA DE DÍVIDA. QUEM TEM DÍVIDA COM QUEM AQUI É ELE! AQUELE PROJETO DE COMENSAL JÚNIOR. DONINHA QUICANTE. SERPENTE ASQUEROSA E ALBINA. Loiro dos infernos.


Essa ultima parte eu resmunguei chutando o criado-mudo, causando uma dor insuportável no pé. Lilá e Parvati me olhavam como se eu fosse uma espécie de E.T.


– Qual problema? Vocês só vão... – Lilá tentou falar.


– Qual o problema?! Ele é o problema! Como exige essa forma que eu vá para qualquer lugar com ele??


– Pelo que entendi, faz parte do – Luna fez aspas no ar – "plano".


Por Merlin e todos os santos, eu consegui fazer com que Luna entrasse na Sala Comunal da Grifinóira, depois de xingar Ronald, que discutia alguma coisa com a loira. Acho que interrompi uma discussão do casal, mas dane-se, amizade em primeiro lugar.


– Hermione, olha pra mim – Lilá pediu. – É sério! – me virei para a loira de má vontade – Você gosta dele?


Silêncio.


– Hermione... – Parvati provocou.


– Gosta? – Luna fez careta.


Silêncio.


– Ai, Meu Merlin, ela gosta – Lilá levou as mãos a boca. Suspirei entediada me sentando na cama ao lado de Luna.


– Não, eu não gosto dele.


– É claro que gosta – Luna disse – Se apaixonou por ele mesmo sabendo da aposta.


– Nunca em sã repita um absurdo desses, Luna Lovegood – ameacei, mas só consegui tirar umas boas risadas da lunática.


– Não olhe pra mim assim. Posso ser namorada do Ronald, mas você não me dá medo – a loira alfinetara me cutucando.


– É! – Lilá exclamou do outro lado do quarto – Você gosta do Malfoy, Hermione.


– E não negue – Parvati apontara o dedo pra mim como se me ameaçasse de um crime, mas eu ainda estava de cara fechada.


– Parem de repetir isso.


– Por que? A verdade dói?


– Eu não gosto do Malfoy.


– Não, Dumbledore gosta – Lilá revirou os olhos.


– Ele – Fiz careta me irritando com a quantidade de vezes que já mencionei Malfoy como "ele" só naquele dia. Desde quando aquele loiro metido tinha se tornado o maior dos meus problemas? – Aquele infeliz só pensa na aposta. Só está fazendo isso por causa da porcaria de aposta que se meteu.


– Mas ele não disse que iria provar o contrário? – Parvati mencionou.


– Eu sei, mas custo acreditar.


– Aaaah então esse drama todo é por orgulho ferido? – Lilá provocou.


– É.


Silêncio.


Acho que ninguém esperava que Hermione Granger, dama de ferro da Grifinória, admitiria a provocação de Lilá. As três ali no quarto me olharam num misto de surpresa e sarcasmo. Eu admiti... Não, espera, eu admiti. Meu Merlin, eu admiti! To ferrada.


– Você vai a esse encontro custe o que custar. Nem que eu tenha que te arrastar por essas molas até Hogsmeade.


– Molas? – eu fiz careta para Lilá.


– Foda-se, você vai – a traidora disse antes de sair do quarto.


Parvati suspirou e depois de um tempo, Luna saiu também. Fiquei deitada encarando o teto, enquanto Parvati me contava de umas tretas que estavam acontecendo nos meus momentos de ausência do mundo. Um deles foi o motivo do triste termino de Gina e Harry.


Muito triste mesmo.


Gina ficou com Dino.


– Aconteceu só uma vez, Simas contou – Parvati se levantou e começou mexer em seu malão, depois foi para o guarda-roupa – Só que Harry não perdoou.


Ela me jogou um mini vestido com estampas de flores.


– Para o piquenique? – eu disse erguendo o vestido. Meu comentário sarcástico foi ignorado – Acho que também não perdoaria.


Parvati se encostou no guarda-roupa, com uma jaqueta na mão: – Você fala isso porque é a Gina – e voltou a vasculhar as roupas.


– Verdade – concordei deixando o vestido de lado para pegar a jaqueta que ela tinha acabado de jogar. Era de um jeans claro e era bem bonita. – Ei, posso ficar com essa?


– Pode – ela disse, depois se virou e me mostrou uma blusa rosa decotada – É, mas mesmo assim, antes de Harry, Gina dava uns pega no Dino. O que acha?


– Decotada demais – eu disse da blusa, que Parvati jogou no seu malão. – Ela teve uma recaída.


– Uma trágica recaída – ela se virou pra mim com mais um vestido, dessa vez num misto de vermelho e laranja que eu até achei bonito – Nada contra o Dino, mas trocar o Harry é bem preocupante. Combina com você esse aí.


Eu deixei na cama.


– Você trocou o Harry. É bonito.


Parvati jogou uma calça jeans, que foi muito bem aprovada por mim.


– Não, Harry me trocou – ela disse aquilo com um sorriso fraco que me fez questionar os sentimentos dela diante de Harry até mesmo agora. Mais uma que é trocada por uma próxima opção na vida de Harry. Vou montar um grupo de apoio para as mulheres na vida do Santo Potter.


Parvati pegou uma blusa branca dentro do guarda-roupa, a jaqueta jeans que eu gostei e a calça, como se encerrasse o assunto.


– Ótimo, já temos a roupa que você vai sair com o Malfoy – ela finalizou sorrindo, guardando o resto das roupas que tinha jogado pra mim, exceto o vestido vermelho, que guardei no meu malão.


E, acredite, o resto da semana, que eu queria que passasse como uma tartaruga, só não foram piores que as semanas pré e pós-baile.


Lilá acordava na sexta com um sorriso de orelha-a-orelha. Eu cheguei perguntar se ela e Samuel transaram ultimamente e ela só mostrou a língua – bom, mas não negou, o que é suspeito. Parvati também acordara animada, me fazendo perguntar se ela e Simas também tiveram um bom dia (ou uma boa noite...). Eu fui acertada por uma almofada.


Mas aí eu joguei umas três de volta e fui perdoada pela piadinha.


Odeio quando essas hienas vulgo minhas amigas se animam com a minha desgraça. Se eu for pra forca, mas se Malfoy estiver junto, elas vão exclamar aquele exagerado "awntttttt" delas que me dão nos nervos. O pior é quando Luna se junta com elas, e ficam as quatro – porque até Violet está nessa – exclamando "awntttttt" pra mim. Que raios significa isso? Ataque cardíaco? Tomara, porque elas estão merecendo.


E se eu disse que era pior quando Luna se juntava, é porque eu tecnicamente não estava de mal humor quando vi Violet começar a série dos "awntttttt".


– Estava sabendo do encontro e não nos contou nada? – Lilá reclamou para a Traidora Mallette.


– Fiquei sabendo pela fonte – ela disse.


– E POR QUE NÃO IMPEDIU ELE?! – eu realmente gritei.


– Porque acho que já tá na hora de vocês se resolverem – ela respondeu.


PQP espero que a TV bruxa tenha adotado a ideia de fazer um programa de pegadinhas, e no final do mês os câmera vão aparecer, junto com os apresentadores famosos felizes pelo cachê alegando que eu era a vítima e que toda essa baboseira do Malfoy era PURA ENCENAÇÃO. "Não existia aposta, Hermione, você está no (insira aqui o nome do programa clichê)! Dá um oi pro pessoal."


Coisas assim.


Então no sábado Lilá acordou com um sorriso mais largo ainda e Parvati estava mais animada ainda. Eu também fiquei um pouquinho animada porque a Grifinória iria jogar e seria a estréia de Ronald, mas aí eu lembrei que depois eu seria obrigada a ir num maldito encontro.


– Ah, é um sacrifício sair comigo – a serpente dissera naquele dia quando estávamos indo para o campo de Quadribol.


Foi mais ou menos assim:


– Ei, Granger.


– Oi, Malfoy.


– Tudo bem?


Aí eu comecei reclamar com ele. E não parei de falar até me ver com a respiração ofegante já, fora as vezes que eu (1) chamei ele de canalha que (2) só sabia fazer canalhices. E outros nomes bastonetes usados em situações como esta.


Então Draco concluiu o que está escrito a alguns parágrafos acima: "Ah, é um sacrifício sair comigo".


Lógico que é! E eu não vejo isso no sentido ruim da coisa. Eu vejo naquele sentindo em que eu posso perder o que resta da minha autoconfiança e foder tudo de uma vez, fazendo o que eu só sei fazer ultimamente: abrir essa minha boca larga e falar burradas, ou até mesmo fazer, que seja.


Meu instinto é ficar quieta perto de Draco, mas assim que ele chega com aquele sorriso que tem o poder de curar o câncer de tão lindo que é, eu me derreto e fico irritada com isso, entende? Aí eu começo tagarelar, porque é isso que eu faço quando fico nervosa. E eu fico nervosa perto desse ser indigno de oxigênio. PRONTOFALEI.


– Você não faz ideia – eu respondi por fim, depois de fuzilar o olhar para ele mais uma vez naquela semana, o matando mentalmente.


Fomos interrompidos pelos inconvenientes e outros traidores também sonserinos que chegaram naquele exato momento, poupando uma ótima briga para aquele fim de semana.


– Estou em um dilema – Brian brincara, passando a mão pelo meu ombro, segurando uma camiseta amarela.


E praticamente parou por aí porque eu vi Luna de um canto da arquibancada e fui pra lá, agradecendo aquela loira por me livrar de uma boa.


Bom, para resumir e poupar o drama, a Grifinória venceu.


Não sei dizer especificamente por quanto, porque não entendo de Quadribol, mas o povo saiu das arquibancadas comemorando. Principalmente Ronald. Os lufanos não pareceram se importar muito.


Eu já estava saindo das arquibancadas para ir comemorar na sala comunal, quando Lilá, Parvati, Violet e Luna me olharam da mesma forma exatamente no mesmo momento. Arghhhhhhhhh.


Fiz de tudo para evitar isso, coisas como ficar compondo com meu violão, ir ver os elfos na cozinha e ajudar eles com o banquete da janta, passar umas detenções para uns terceristas, ler mais um pouco, adiantar os trabalhos que Snape passou. Mas ao que parece, nenhum deu certo.


Me recusei ir me trocar, mas Lilá e Parvati me escoltaram até o dormitório, onde me ajudaram na maquiagem e no cabelo.


Bom, essa parte eu preciso contar.


Lilá fizera um milagre. Ela alisou o meu cabelo. Mas aí eu fiquei irritada e prendi num coque – e até que ficou bonitinho assim, com a franja de lado –, alegando que Draco não era para tudo isso. Então a criatura passou um batom vermelho em mim que chegava até parecer Natal ali. Eu tirei um pouco quando ela não viu, mas mesmo assim ficou um pouco. E eu não consegui escapar da roupa que Parvati tinha arranjado: a blusa branca com a jaqueta e os jeans justos – fora o sapato, que eu não vou nem comentar.


– Eu ainda vou me vingar de vocês – eu murmurei tentando entrar naquela calça.


– Tá, tá, quando você e Draco forem um casalzinho feliz, vou me lembrar disso.


– Manera nos contos de fadas, Lilá – eu ainda tinha dificuldade em fechar aquela coisa. Jeans justo não é de Merlin não.


– Ah, vamos lá, você está linda! Tem que agradecer a gente! – Parvati enlaçou o braço dela no meu e me conduziu até a Sala Comunal, onde estava 90% dos grifinórios comemoravam – porque 10% ou estava ficando com alguém ou TINHA UM PUTA DE ENCONTRO COM O SER MAIS GALINHA E CANALHA DE HOGWARTS ou era anti-social mesmo. Eu adoraria ser anti-social agora.


Eu respirei fundo antes de passar pelo quadro da Mulher Gorda, porque já sabia o que me esperava do outro lado – além da medonha escadaria.


– É o Malfoy, não um bicho de sete cabeça – Lilá dizia.


É.


Vai dar tudo certo.


Apesar de que um bicho de sete cabeça deveria ser mais compreensivo que o Draco.


"A Serpente tem que morrer" – Ato III – Ação.


Descer as escadas e ir de encontro a Draco que estava encostado no corrimão nunca foi uma das coisas que estava na minha lista de prioridades. Usar aqueles sapatos muito menos.


São três coisas que eu não poderia evitar naquele dia: (1) as escadas, (2) Draco e (3) aqueles sapatos de Parvati.


Com nenhuma das opções dava para voltar atrás.


Mas mesmo assim eu desejei que Draco estivesse como um trasgo quando visse, e desejei não amar a forma que o cabelo dele estava "bagunçado" – um ato, que eu sei bem, que ele fazia quando estava nervoso – ou como ele estava lindo naquela jaqueta.


A primeira coisa que ele fez foi dar aquele melhor sorriso, fazendo meu estômago dar voltas como se estivesse numa roda-gigante.


– Eu só não vou dizer que você está linda por que isso passaria por cima do meu orgulho.


– Desde quando você honra isso?


– Olha quem fala.


Eu revirei os olhos ao entrar no coche, que Draco tinha deixando a porta aberta para eu passar. A ida para Hogsmeade não fora tão ruim assim como eu pensei, e ficamos conversando sobre nada de importante até chegar no bar, onde boa parte dos sonserinos estavam reunidos numa mesa. A azeda da Parkinson estava lá.


– Wawww quem fez o milagre no seu cabelo?


Minha mão coçou.


– Lilá – respondi me sentando – Você deveria tentar.


Os garotos ali na mesa deram risada. Só Parkinson que ficou me encarando de um jeito desprezível. Ela se virou para Draco, que trazia duas garrafas de cerveja amanteigada.


– Draquinho, por que você ainda insiste em ficar com essa... Garota? Ela é tão insolente e mal-educada. Não serve para você.


– Ah, e você serve? – eu resmunguei deixando a garrafa de lado, mas Draco tinha falado junto comigo, evitando o que poderia ser uma boa briga.


– Controle-se, Pansy.


– Agora passou em cima do seu orgulho? – eu sussurrei para ele, irritada comigo mesma por causa daquilo, mas meu nervoso parecia atingir todos ali, exceto Draco.


– Você sabe que sim - ele respondeu de volta.


– É, só por que Draco te deixou de lado para ficar com Hermione não quer dizer que... – Niall começou falar e não terminou, porque a Parkinson se levantou, empurrou algumas garrafas vazias na mesa e saiu do bar. Que garota mimada.


– Seu insensível – Paul provocou e eu até achei que era verdade, mas ele riu junto com Niall. Estavam todos ali, exceto Samuel, que deveria estar com Lilá. – Sinuca, Malfoy?


Draco me olhou, como se perguntasse. Eu assenti e bebi mais um gole daquela cerveja, cheguei achar que se ele fosse, eu não tinha necessariamente que ir, e poderia ficar ali na mesa, fazendo a melhor coisa que namoradas abandonadas sabem fazer: nada. Mas eu fui puxada e arrastada até a mesa de sinuca junto com aqueles sonserinos. Suspirei.


Sinuca nunca foi uma das minhas atividades favoritas. Meu pai costumava jogar com meus tios e primos quando tinha os eventos da família, e os primos menores até me chamavam para fingir que estavam jogando, mas eu nunca ia, porque nunca vi sentido naquilo. Igual Quadribol. Qual o sentido de Quadribol???


E, olha só!, sinuca não era tão difícil assim. Eu até que era boa, só que ainda não via graça na coisa. Sabe nos filmes e séries quando o garoto ensina a garota a jogar sinuca? Até chega ser bonitinha, mas não foi o que rolou. Eu tive que me virar para ver como fazia aquilo, e os garotos me ajudaram em algumas "táticas", mas Draco só observava a cena que era eu tentando acertar a bola no buraco rindo. Rindo de mim. Filho da mãe.


Depois disso os garotos tiveram a audácia de deixar Draco e eu na mesa. Sozinhos. Algo me diz que isso não terminaria bem. Ou terminaria em beijo. O que dá na mesma.


Bem, para evitar todo o drama, nós ficamos boa parte daquele "encontro" conversando. Não brigamos.


Hahahahahaha é claro que brigamos, mas isso aconteceu no coche, quando estávamos quase em Hogwats.


Ok, um pouco antes disso.


– Está vendo só como o dia fica produtivo quando você não dá seus escândalos?


Eu revirei os olhos, me encostando no coche. Não queria ir embora.


Draco se inclinou e colocou uma mão na porta, a outra ao meu lado, deixando nulas as chances de eu sair daquela armadilha. Mas eu estava ligando? Nossas respirações já estavam juntas numa só, e faltava pouco para as bocas se unirem. Eu deveria correr; mas não fiz nada.


Madame Rosmerta, a paquera do Rony, passou por aquele absurdo sendo seguida por um grupo de crianças.


– Ah, por favor, sejam discretos – ela disse, rindo, levando as crianças para a Dedos de Mel. Eu vi a mulher piscar pra mim ao se virar.


MEU DEUS EU IRIA BEIJAR DRACO MALFOY. DE NOVO.


A cena minha chorando na Sala Precisa quando tinha visto Harry e Gina aos amassos no corredor veio quase que subitamente. Draco me decepcionaria da mesma maneira. Ele é canalha e galinha. Ele ficou com a Carvin no mesmo dia em que me beijara na sala da monitoria-chefe. Ele não presta e eu já estava vendo o final dessa história: eu, de coração partido. Por eu eu tive noção de que aquilo ali de eu quase beija-lo não era só um absurdo, como também era mais uma chance de eu me dar muito mal.


– Odeio quando nos damos bem – eu me vi dizendo antes de me afastar e entrar no coche logo de uma vez, emburrada.


Draco entrou do outro lado do coche, com aquela cara de que alguém iria morrer hoje. Ele se sentou do outro lado, longe o suficiente de mim.


– Você é bipolar? Numa hora está bem comigo, noutra... Eu não sei. Decida o que quer!


– Decida você! Que não sabe o que quer. Num dia acorda com a missão de me irritar, depois me deixar em paz, e aí de repente você quer ter uma relação estável. Deixa eu te contar uma coisa: não sou mais uma das garotas de Hogwarts que morrem de amor por você e você pode ter hora que bem quer.


– Você sabe que eu não te vejo dessa maneira, Hermione. E quem não sabe o que quer aqui é você – a essa altura estávamos gritando um com o outro, e o "você" ali foi bem frisado. – Desde o começo eu deixei claro tudo isso.


– Lógico! Tinha se metido numa aposta.


– Tá vendo? É esse o problema! Você não esquece essa porra de aposta.


– Só me diga, Malfoy, por que raios me queria aqui hoje.


– E por que você veio?


– Porque você foi canalha o suficiente para me chantagear!


– Até porque você é uma garota indefesa que não tem opinião própria, claro, tinha que vir mesmo só por que eu pedi.


– Ridículo – eu xingara mais pra mim do que para ele. – O que faz achar que eu viria?


Draco deu uma risada seca e forçada, quase sarcástica.


Idiota, mil vezes idiota.


Mas, para ser sincera, a idiota da história era eu mesmo por não ter notado logo de uma vez que EU NÃO ERA OBRIGADA estar ali. E dane-se a porcaria de dívida que eu tinha, PORQUE NÃO TINHA TROCA DE FAVORES NENHUM ALI.


– Você me ama, Granger, e acho que já está na hora de admitir – e, por favor, vamos esquecer que o Granger também foi bem frisado.


– E eu acho que já está na hora de treinar as maldições imperdoáveis em você, mas não treino – odeio meu sarcasmo.


– Isso não combina com você – ele disse balançando a cabeça.


– Isso não combina com você – eu rebati nervosa. Por que está demorando muito para chegar em Hogwarts?


– Eu gosto de você, é tão difícil entender isso?


Prendi a respiração.


– E o que você está ganhando ao sair com a sabe-tudo Granger hein?


– Pelo amor de Merlin, Hermione, PARA DE PENSAR QUE TUDO O QUE EU FAÇO É POR CAUSA DASSA APOSTA.


– ENTÃO PARA DE FAZER COM QUE SEJA!


– EU TO TENTANDO.


– ME EVITAR CONTA COM ISSO? AH, DESCULPE, MAS NÃO É ASSIM QUE VOCÊ VAI ME CONVENCER.


Finalmente tínhamos chegado em Hogwarts. Eu abri a porta e pulei para fora antes do coche parar, com um Draco irritado logo atrás.


Para minha infelicidade, estava chovendo.


Eu só parei de correr quando Draco me puxou pelo braço, e eu fiz menção de cair na lama. Levantei irritada, e ao ver que Draco tentava prender o riso, eu praticamente explodi.


– Não acredito que acreditei em você. Você é tão estúpido. Não sei o que eu tinha na cabeça quando achei que você mudaria ou sei lá, que isso ia dar certo ou que eu não era apenas mais uma garota na sua longa lista.


Cale a boca, Hermione, cale ou de arrependa.


– Sabe que eu realmente mudei – ele disse daquele jeito descontraído que me dava nos nervos. – Se isso fosse há dois anos atrás, eu te zoaria no corredor por conta do seu cabelo.


– Eu era feliz e não sabia – resmunguei dando as costas, segundo para o corredor.


– Já acabou?


– Ainda nem comecei.


– Desculpe então, mas eu vou ter que interromper esse seu discurso entediante.


Mas é claro que minha vontade era de voltar e dar uns tabefes naquela cara azedamente divina. E foi o que eu fiz, mas não cheguei muito longe, porque Draco segurou o meu pulso, me fazendo encara-lo, observando como ele ficava lindo até mesmo na chuva, que aliás, estava aumentando.


Então ele fez mais um absurdo.


Me beijou. E na chuva.


Empurrei seu peito com força, mas eu ainda tinha as mãos sendo agarradas por ele, fazendo-me amolecer em seus braços. Agarrei seu cabelo molhado e encharcado enquanto ele agarrava minha cintura. Meu coração batia ainda mais rápido e minha respiração estava ainda mais ofegante.


Senti sendo puxada mais pra cima, ficando na ponta dos pés. Passei a mão pelo seu ombro, dessa vez com o objetivo de empurra-lo logo de uma vez, antes que eu já entre em algum tipo de transe ali, mas ele capturava meus lábios com tanta facilidade que eu até duvidava que eu estava mesmo deixando.


Além de gostar dele eu gostava do beijo dele.


– Se você acha que pode me beijar toda vez que brigarmos, então está muito enganado.


Mereço um prêmio por conseguir interromper aquele beijo.


Mas deu nem tempo de raciocinar direito e aquela boca já estava na minha de novo. Aquilo foi suficiente para eu ter um tipo de amnesia para esquecer até meu nome. O pior é que eu tive a sensação de estar acostumada com aquilo. Onde estavam as borboletas? Tinham sumido? Se foram? Me abandonaram? Droga, eu estava mesmo gostando dele. Ok, lá no baile eu assumi pra mim mesma que gostava dele, mas agora o negócio ficou sério. É um gostar diferente. Merlin, como isso é complicado. Eu deveria ter me convertido como minha avó tanto sonhava, porque assim eu evitava momentos como este... contato entre línguas e troca de saliva.


Draco me prendeu ainda mais pelas costas, como sempre, contendo que eu fuja, e eu tinha uma mão perdida no seu peito e a outra naquele braço que pelo amor de Merlin, puxava ele para mais e mais perto, se é que era possível. Houve um bendito momento que paramos e ficamos nos encarando, sem ter noção do que fazer, mas então eu fiz aquela sacanagem que só eu sei fazer. Beijei ele.


De novo.


E fui muito bem retribuída.


Eu só tive "noção" das coisas quando senti sendo puxada mais pra cima, a ponto de entrelaçar minhas pernas nas costas de Draco ali mesmo no corredor, deixando ele meio doido a ponto de nos enfiar numa salinha ali, me deixando sentada numa mesa de madeira. Então, com muito esforço de vontade, eu segurei o rosto dele, obrigando-o a me encarar.


– Isso... Isso tá indo longe demais – eu disse com a respiração ofegante.


Draco ficou me olhando. O cabelo loiro bagunçado por minha causa, com alguns fios jogados nos olhos cinza, como um menino de 10 anos depois de tanto brincar.


– Preciso ir – falei sem um pingo de vontade de sair daquela sala, nem que seja necessário usa-la como refúgio.


– Ok! Vai. Fuja novamente como você sempre faz – ele disse abrindo a porta – Eu não me importo mesmo, não é?


O estalo da porta batendo com força deu eco na salinha, me deixando surpresa e com raiva de mim mesma. Poderia ir atrás dele, mas quando sai nem o vi mais.


Eu não poderia gostar GOSTAR dele. Gostar eu posso, mas gostar GOSTAR já é preocupante. Porque depois do gostar GOSTAR vem uma coisa muito cruel... E se eu continuar desse jeito com ele, o gostar GOSTAR que já é perturbador vai se modificar para aquela coisa cruel. E eu não quero admitir essa coisa cruel, mal admito o gostar GOSTAR, entende?


Por favor, entenda para poder me mandar uma carta explicando porque nem eu mesmo entendo meus sentimentos diante de um ser que, há um tempo atrás, eu tinha ódio só de ver.


Ainda não sei como, ou com quê força de vontade eu sai daquela sala, deixando Draco lá para poder ir o mais rápido possível para a Grifinória, tomar um banho digno e desabafar com Lilá e Parvati. Com sorte, Luna estaria lá com Ronald e eu poderia arrasta-la para o quarto, onde eu me encontrei alegando minhas teorias.


Agora eu preciso me manter o mais distante possível de Draco.


– E por que? Só por que descobriu que gosta GOSTA dele? – Lilá questionou penteando seu cabelo.


– Não quero isso pra mim. É como beber a noite toda e sentir ressaca depois.


– Depende da bebida – Parvati respondeu.


– Pera aí, isso é muita coisa pra mim. Quem vai beber hoje? – Lilá se intrometeu, depois me olhou com piedade, sorrindo de forma meiga. Eu estava jogada na cama de qualquer jeito, com um bom e velho conjunto de moletom depois de um demorado banho. Não estava tão ruim assim. – Ah, Hermione, você supera essa.


Afoguei meu rosto no travesseiro.


– Queria que ele fosse feio, e não ficasse tão irresistível quando sorri daquele jeito idiota dele.


Eu ouvi uns sussurros entre as duas antes de Parvati apagar a luz, se virar e dormir, Lilá fizera o mesmo, mas não sem antes de me olhar daquele jeito que só ela sabe arqueando a sobrancelha.


Resumidamente foi isso.


Tomei nota de que agora as coisas possívelmente se tornarão piores pra mim e que minha vida seria mais fácil se Draco sofresse um súbito acidente e morresse. Ou talvez não, porque agora eu gosto GOSTO dele, mas podemos deixar essa parte de lado. Queria só odia-lo, tornaria as coisas bem mais fáceis.


Escrevo quando puder.


 

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