Quarto Capítulo



CAPÍTULO IV


 


 


Inquieta com as fantasias capazes de atormentá-la, Hermione passou uma noite agitada e acordou cedo. Embora se aprontasse logo para partir, viu seus planos frustrados pela escolta, que ainda dormia. Na verdade, pelo que vira, Harry ficara acordado metade da noite, bebendo, com o único propósito de dormir a manhã toda. Quanto ao encontro perturbador com o homem no meio da noite, agora o considerava tão insignificante quanto um sonho febril. Pela manhã, não o encontrara no corredor, sentado nos juncos que cobriam o piso. Devia ter sonhado que saíra do quarto e o vira, sem falar na sensação de ligação entre eles;


 


Independentemente dos delírios que experimentara durante a noite, Hermione tinha certeza de que a única coisa que tinha em comum com Harry Potter era aquela jornada e a única emoção que ele lhe despertava era o desgosto. E o sentimento aumentava a cada minuto, enquanto via o sol desaparecer entre as nuvens, o novo dia se esvaindo entre os dedos. Embora se recusasse a ouvir qualquer sugestão ligada à intuição, sentia uma urgência em sua missão que não podia negar. Cada atraso atiçava seu temperamento indômito que pensara ter subjugado ao longo dos anos, e quem a culparia vendo-a diante da irresponsabilidade deliberada e continuada de Harry Potter?


 


De mãos atadas contra aquela liderança lamentável, Hermione só podia resmungar e irritar-se com Rosa, que suportava sua impaciência com serenidade irritante.. uma serenidade que Hermione sonhava um dia possuir. Naquele momento, tal existência calma parecia além de seu alcance, bem como estranhamente sufocante.


 


— Bem, se está com tanta pressa, por que não vai ao quarto dele e o tira da cama? — sugeriu a serva, rindo.


 


Hermione estava tão desesperada que até considerou a sugestão. Com prazer, imaginou-se arrancando o idiota arrogante de seu leito macio, e teria ido, caso acreditasse que conseguiria. Infelizmente, ele era grande demais, pesado demais... Hermione fechou os olhos para evitar a imagem de Harry Potter em meio a lençóis amarrotados, pois lhe trazia de volta fragmentos indesejáveis de seu sonho. As mãos sobre ela. A boca. O toque na mecha de cabelos escuros.


 


Com o coração aos pulos, Hermione afastou as lembranças. Não passavam de fantasmas, irreais, falsas, que nunca se concretizariam, convenceu-se. Não podia prever o futuro, nem nenhum dos Granger, não importava a crença das velhas tias. Era uma moça normal, comum e mediana em todos os aspectos, repetiu a si mesma, a frase tantas vezes recitada.


 


Infelizmente, via-se diante de uma procura que poucas moças podiam reivindicar, e sentia-se pressionada. Observando o horizonte já nebuloso, Hermione começou a imaginar o quanto haviam avançado e se ainda podia voltar ao castelo de Hogwarts sozinha quando o objeto de seu escárnio finalmente surgiu no corredor, parecendo refrescado, bonito e irritantemente calmo.


 


A simples visão dele a fazia estremecer. De repente, lembrou-se com perturbadora nitidez da noite anterior e do sonho intenso no qual aquele homem lhe fizera coisas que ela jamais imaginara. Ela, que desconhecia os homens, que nunca fora cortejada ou beijada, enrubescia ao lembrar-se do toque dos lábios, das mãos, do corpo másculo sobre o dela.


 


Hermione piscou enquanto aquele homem, que ela sabia ser terno, gentil e adorável, tão vulnerável quanto forte, dissolvia-se naquele patife arrogante. Apesar do desgosto que lhe provocava o sonho, experimentou uma sensação de perda. Aquele homem não existia. Era um fantasma, nascido de uma imaginação muito cerceada, enquanto Harry Potter era um bêbado que desperdiçara a preciosa manhã dormindo para compensar as horas de bebedeira.


 


Ela sentiu o coração tomar um ritmo mais calmo, endireitou os ombros e foi até o líder da escolta, determinada a se esquecer da noite perturbadora e avançar o máximo na jornada.


 


— Finalmente — murmurou ela, franzindo os lábios e o cenho para demonstrar o desgosto.


 


— Disse algo? — indagou Harry, erguendo a sobrancelha e Hermione irritou-se ao perceber que a voz dele ainda a afetava. Era péssimo as tias não lhe terem dado algo para calá-lo ou para ativar aquela liderança lamentável, pensou. Um pouco de magia viria a calhar naquela situação, pelo menos para aplacar aquele poder dele, emanando do rosto bonito e da voz sedutora.


 


Mas Hermione não acreditava em talismãs, feitiços ou no poder de sedução de Harry Potter.


 


— Podemos ir? Parece que vai chover — disparou ela, mal o encarando.


Dando de ombros, Harry anuiu, mas ela percebeu que, apesar da aparente concordância, o homem só faria o que desejava. Era enlouquecedor, e Hermione não pôde fazer nada enquanto ele levava o tempo necessário para se preparar para a partida.


 


Mesmo já na estrada, ele conseguia demorar-se. Praguejando contra o tempo que perderam enquanto ele dormia, Hermione tentou apressá-lo, mas o cortejo mantinha o ritmo exasperante.


 


— Por que anda nesse corcel enorme quando, nesse ritmo, um pônei daria conta? — questionou ela, após percorrerem uma pequena distância.


 


Harry emitiu uma risada que a arrepiou toda, apesar do esforço para se manter imune.


 


— Ora, senhorita, nunca ouviu dizer que um passo tranquilo e lento é melhor?


 


As palavras ditas de forma duvidosa acompanhadas da sobrancelha erguida fizeram Hermione franzir o cenho em resposta.


 


— Eu sacrificaria o conforto em troca de velocidade — respondeu.


 


— É mesmo? — rebateu ele, erguendo mais a sobrancelha. — Interessante. Mas prefiro ir no meu passo. E, quanto à qualidade, bem, nem é preciso dizer. — Uma leve risada dos soldados próximos indicou a Hermione que Harry Potter falava de algo totalmente diferente da viagem, e ela conduziu a caminhada o mais longe possível daquele homem deplorável.


 


Seguiram nessa ordem até, prematuramente, pararem para um almoço prolongado. Furiosa demais para se alimentar, Hermione permaneceu no limite do acampamento, dispensando até a companhia de Rosa, pois seu mau humor perdurava. Conformava-se imaginando que a viagem logo melhoraria que mesmo alguém com a inteligência limitada de Harry Potter perceberia que, quanto mais se demorassem, mais longa seria a jornada. Mesmo assim, haviam feito pouco progresso.


 


Então, começou a nevar. A rajada úmida e forte ameaçava congelá-los e retardava o passo do cortejo ainda mais. Hermione apertou o capuz em torno da cabeça e se inclinou para a frente, animada por estarem avançando. Mas logo se desanimaria outra vez.


 


Concentrada em conduzir a montaria pelo lamaçal, Hermione não prestou atenção aos gritos e comandos que ecoavam a seu redor, atenta ao cavalo que ia à frente, até que pararam. Erguendo o olhar finalmente, ela ficou atônita ao ver uma pequena casa feudal. Os cavalariços já se aproximavam para se encarregar das montarias enquanto um homem corpulento se apressava em saudá-los.


 


— Onde estamos? — indagou Hermione. Ajudaram- na a desmontar e a conduziram para dentro. E por que estamos aqui? --- perguntou-se.


 


— Hogsmeade, senhorita. Esta é uma das propriedades do senhor duque de Hogwarts — informou o homem corpulento.  


 


Hermione tropeçou na soleira. À noite mal dormida e o tempo ruim ameaçavam levá-la ao desespero quando compreendeu o que o homem informava. Ainda nem haviam saído das terras dos Potter. Como chegariam à casa de seu pai em tempo hábil?


 


Lentamente, Hermione aproximou-se do fogo e estendeu às mãos para aquecê-las. Atrás dela, a criadagem se agitava, saudando efusivamente seu acompanhante indolente. Ela se voltou e viu as criadas agrupadas em torno de Harry, como se ele andasse sobre a água. Que cena desprezível.


 


Obviamente, aquelas criadas viviam cegas de devoção à família, ou enxergariam a verdadeira natureza do jovem lorde alto e bonito que entrava com tranquilidade. Franzindo o cenho, Hermione observou-o aproximar-se da mesa, com maneiras nobres permeadas pelo charme Potter e, por um momento,  também se impressionou com sua presença. Meneou a cabeça quando ele tomou o lugar de honra e alguém colocava uma taça diante dele. Hermione gemeu alto. Já via aonde aquilo levaria e despiu a capa enquanto avançava, determinada a pôr fim à cena.  


 


Os batedores a ultrapassaram, ocupando os bancos à mesa. O cheiro de carne assada e temperos picantes alertaram-na de que um repasto era iminente. Hermione facilmente imaginava aqueles homens comendo e bebendo pelo resto do dia ao deter-se diante de Harry, os lábios contraídos. Seu acompanhante, ao contrário, recostava-se na cadeira de madeira ricamente entalhada, o corpo alto e musculoso relaxado, um sorriso divertido no rosto bonito.


 


Hermione lembrou-se da serpente do jardim do Eden, tentadora em sua forma, provocando a queda do homem.  


 


— Qual o motivo desta parada? — questionou.  


 


--- Ora, pensei que seria óbvio, até para a senhorita — respondeu ele, com um sorriso maldoso. — Ou não achou bom sair da umidade?


 


Ignorando o desdém abafado de algum ouvinte próximo, Hermione manteve a atenção no homem que começava a ver como seu castigo.


 


— Devo lembrá-lo, meu lorde de Hogwarts, de que o seu pai o incumbiu da tarefa de me levar até minha casa?


 


A menção do duque, Harry deixou de sorrir e Hermione experimentou um momento de triunfo antes que a expressão casual dele retornasse.


 


— Acredito que seja exatamente isso o que estou fazendo, senhorita.  


 


— Não. Até agora o senhor parece mais interessado em parar para comer e beber do que em nos conduzir a algum lugar — respondeu Hermione, severa.


 


Harry tomou uma expressão sombria, como que irritado, antes de tornar-se inescrutável. Então, mostrou-se ainda mais indolente, afundando-se na cadeira e pousando a perna num banco próximo. Hermione acompanhou o movimento, atenta aos músculos da perna coberta pela bota lustrosa, e imaginou o pé na extremidade antes de se deter.  


 


Erguendo o rosto, viu Harry curvar os lábios lentamente. Ele notara seu


devaneio? Hermione esperava que não, pois não queria que ele praticasse o charme espúrio nela, ou contribuir para inflar ainda mais aquele ego gigantesco. Hermione franziu o cenho, mas sua braveza apenas pareceu diverti-lo mais.  


 


— Não vamos a lugar algum com essa neve. Então, por que não se senta e relaxa? A senhorita sabe como fazer, não sabe? — ronronou ele, erguendo a sobrancelha levemente. O tom atrevido evocou imagens eróticas e Hermione cerrou os dentes, abominando a lembrança. Lutava contra a imagem do pé dele descalço. O maldito provavelmente tinha pés perfeitos.  


 


—Exatamente, quanto tempo pretende ficar aqui? — perguntou ela.


 


Harry deu de ombros, descontraído.


 


— O tempo que for necessário.


 


--- Necessário para quê? — pressionou ela, embora já desconfiasse da resposta. O tempo necessário para ficar bêbado. Sem esperar, continuou: — Se pretendemos esperar o tempo melhorar, acabaremos aqui até o meio do verão.


 


Novamente, Harry deu de ombros e Hermione sentiu a paciência se esgotar. O homem era um perigo, com aquela voz ardente, a boca sedutora e as mentiras douradas com as quais esperava aplacá-la. Ele a considerava uma idiota capaz de engolir ansiosamente suas palavras distorcidas? Encarou-o enfurecida.


 


— Perdoe-me, mas fico imaginando por que o duque achou adequado me conceder um comboio tão nobre quando me parece que eu teria feito mais progresso com minhas tias e nossa pequena comitiva.


 


Harry sorriu.


 


— Bem, suponho que ele tenha achado que a senhorita viveria para ver seu destino com uma escolta de soldados de verdade, em vez do bando de ralé escolhido por suas tias.


 


Hermione enfrentou o olhar desdenhoso com outro à altura.


 


— Chegamos ao castelo de Hogwarts sem problemas.


 


Harry grunhiu.


 


— E quem, diga, se atreveria a atacá-las nas terras dos Potter? — indagou ele. — As senhoras viajaram por áreas reconhecidas como domínios de meu pai, se não por possessões próprias.


 


Hermione percebeu que, pela primeira vez, Harry falava a verdade, mas ainda assim sentia-se tentada a voltar ao castelo. Se ao menos pudesse fazer isso sem insultar o duque... Harry devia ter notado o ceticismo, pois suspirou.


 


— A senhorita é mesmo ignorante se acha que passará sem ser molestada em qualquer lugar. Fora dos domínios de Hogwarts, as estradas são piores, frequentemente intransitáveis, e mesmo os viajantes mais precavidos são presas de salteadores, ladrões e toda espécie de ameaça.


 


--- Meu irmão Neville foi atacado no sul e o comboio todo, capturado — exemplificou, como se apreciasse a história. Tentava assustá-la?


 


Com o silêncio, ele recostou-se e elevou a outra perna, que cruzou com a outra nos tornozelos, como se precisasse de ainda mais conforto.


 


— Mas, se acha que consegue sozinha, por favor, pegue o seu cavalo e vá. — Harry a desafiava convencido, observando-a por entre os cílios grossos e compridos que provavelmente faziam as virgens desmaiarem.


 


Mesmo irritada, Hermione não negava a apreensão diante do homem. Mas não era nenhuma virgem comum para se deixar iludir por um encanto masculino, por mais potente que fosse. Nem era estúpida. Sorriu levemente antes de apresentar a resposta.


 


— Ah, mas então o que dirá a seu pai?  


 


Harry pegou o cálice de vinho, se para saciar a sede ou para distraí-la da tensão no maxilar, Hermione não saberia dizer. Ele sorveu um longo gole e ela observou a mão que segurava a taça, os dedos longos, retos e bonitos. Enquanto o vinho rodopiava, Hermione viu aquelas mãos nela, provocando a pele, aplacando sua determinação, despertando uma paixão que ela desconhecia. A imagem virou um sonho, uma lembrança, uma premonição...


 


Hermione cambaleou, por um momento envolvida numa ilusão tão forte que precisou se esforçar para banir a sensação. Era apenas o fantasma perseguindo-a novamente, convenceu-se, embora a visão tivesse se alterado sutilmente. Hermione engoliu em seco e voltou a atenção ao rosto de Harry, encontrando uma expressão curiosa.


 


— Está se sentindo bem? — indagou ele, avaliando-a atentamente com aqueles olhos verdes sedutores.


 


— Estou — disparou Hermione, totalmente no controle de si mesma.


 


— Ótimo — respondeu Harry e a preocupação que ele simulou logo se esvaiu, tão rápido quanto surgiu. — Então, parece que estamos atrelados um ao outro, senhorita. Eu a aconselho a se sentar e aproveitar a hospitalidade dos Potter.


 


Com isso, ele se deteve para fitá-la e Hermione teve a estranha sensação de que Harry via mais do que ela esperava de um sujeito tão preguiçoso. Talvez houvesse nele um pouco da personalidade do pai, afinal.


 


— A menos, naturalmente, que esteja tão apressada para clamar sua herança? — indagou ele, erguendo a sobrancelha levemente enquanto erguia novamente a taça.


 


Era uma pergunta casual, feita sem intenção alguma, e Hermione se convenceu de que ele não sabia de nada. Na verdade, ele só queria irritá-la, insinuando que era uma mesquinha ansiosa para pegar o dinheiro do pai. Mas Hermione sabia que não havia nenhuma moeda aguardando-a no País de Gales, não era aquela sua herança.


 


— Não. Não há pressa — respondeu Hermione. Embora cada instinto a pressionasse para lá, negava a urgência, preferindo manter a cautela. Além disso, já conhecia Harry Potter bem o bastante para saber que sua confirmação só faria com que viajassem com mais vagar ainda, pois ele parecia se divertir em contrariá-la.


 


Assentindo como se esperasse resposta, Harry gesticulou amplamente para que se sentasse a seu lado. Hermione meneou a cabeça, provocando uma risada. Ao vê-lo voltar-se para os homens, dispensando-a, Hermione sentiu vontade de colocá-lo no lugar.


 


Tateando a pedra que ainda guardava no bolso, ela o observou pensativa. Se ao menos acreditasse em magia...


 


 


 


 


Harry ouvia o mordomo de Hogsmeade, Argus Filch, mas mantinha o olhar em Hermione, que se afastava, a forma esguia, os ombros delicados nivelados. Observando o andar orgulhoso, o ar de suprema competência, Harry sentiu-se estranhamente inseguro.


 


Que moça estranha. Harry provocara reações variadas nas mulheres ao longo dos anos, a maioria com entusiasmo, umas poucas nem tanto, mas nenhuma se comportara como Hermione Granger. Ela parecia inusitadamente imune a seu charme, mesmo assim, às vezes, Harry jurava sentir seu interesse. Mas, se era esse o caso, por que ela o rejeitava como vinha fazendo, e com tanta veemência?


 


Harry meneou a cabeça, confuso, embora tentasse sufocar a irritação, pois ela não o interessava como mulher. Era magra demais para seu gosto, além de irritante, com aquela expressão séria e o constante resmungar. Ora, ela resumia tudo o que ele não gostava! Franziu o cenho. Certo, talvez tentasse fazer Hermione adotar sua linha de raciocínio, mas não sabia até onde teria ido para escapar daquela jornada.


 


E nada era tão simples. Por exemplo, havia o pequeno sermão que recebera do pai antes de partir. O duque, totalmente sério, alertara-o para manter as mãos longe da moça, o que teria bastado para atiçar seu apetite, se ela fosse mais do seu gosto.  


 


Harry curvou os lábios levemente ao lembrar-se do pai aconselhando-o a se comportar e o fato ainda magoava. Fosse ou não intenção do duque, Harry se ofendera com a súbita preocupação por suas inclinações amorosas, como se isso denegrisse sua honra.


 


Ao mesmo tempo, Harry notou a mudança sutil nas palavras do duque, além de sua própria teimosia em desafiar o pai. Afinal, não devia corresponder às baixas expectativas do duque? Contraiu o lábio à ideia, pois era nisso em que sempre se empenhara, contrastando com seus irmãos mais comportados. Toda família precisava de uma ovelha negra, não precisava? Harry ergueu a taça, brindando silenciosamente à posição que aceitava para si mesmo no esquema das coisas.


 


E seduzir a espinhosa Hermione com certeza o levaria a uma nova repreensão, pensou, dando uma olhada na moça que se sentara num banquinho junto ao fogo. Infelizmente, não se entusiasmava com a perspectiva. Além da falta de encantos femininos e excesso de hábitos irritantes, Hermione Granger era simplesmente muito irrequieta com aqueles olhos de feiticeira. Embora Harry jamais admitisse ter superstições, mexeu-se na cadeira, incomodado com algo inominável acerca de Hermione Granger.


 


Naturalmente, só o jeito como ela o fitava bastava para deixá-lo desconcertado. Harry já estava cansado de seus lábios eternamente comprimidos, quando não franzidos, enquanto o fitava desdenhando abertamente, algo que ninguém ousara fazer antes. O que a fazia achar-se tão superior? Harry ergueu a taça vazia e fez o metal tilintar para que o servissem.


 


Sentia-se inquieto, como que preso por um laço, e deu uma olhada no salão, buscando distração, quando viu Hermione inclinando-se para o fogo. Obviamente, ela sentia frio e ainda reclamava por terem parado! Harry grunhiu. A mulher não tinha juízo nenhum e pouca carne nos ossos para manter-se aquecida. Enquanto a observava, ela voltou o rosto e lhe dirigiu um olhar frio, acusador.


 


Que ingrata! Deliberadamente, Harry desviou o olhar, determinado, mais do que nunca, a aproveitar cada momento em Hogsmeade. Merecia uma folga na jornada hedionda que fora forçado a empreender, e receber o olhar condenatório da culpada por tudo aquilo definitivamente não era sua ideia de divertimento.


 


Na verdade, se sua sorte mantinha-se ativa como sempre, encontraria algo mais a seu gosto, pensou, e verificou o salão mais uma vez. Claro, Hogsmeade não tinha muitos residentes, mas... Lá. Acabava de notar uma figura vacilante junto à escada. Uma morena vistosa o olhava de modo vetado, com os cílios baixos. Sorriu devagar.


 


— Quem é ela? — indagou a Filch, que se sentara a seu lado.


 


Um tipo baixo e amistoso, o empregado olhou na direção indicada e suspirou.


 


— Sally. Viúva do meu sobrinho. Ele se foi de febre no ano passado, deixando-a com um filhinho. Eu a trouxe para a casa e ela se revelou uma prenda, pois é muito habilidosa com a agulha. — Mostrou a manga para demonstrar os talentos da mulher. — Ela assumiu os teares também.


 


— Muito bem — disse Harry, dando uma olhada na túnica do mordomo. Então, voltou a se concentrar em Sally, com carga total. Uma jovem viúva bonita talvez fosse exatamente do que precisava para remover da boca o gosto ruim daquela jornada. Avaliou os lábios carnudos e rubros e teve certeza. Notou o suspiro de Filch, mas manteve a atenção na viúva, que enrubescera.


 


 


— Por favor, convide-a a juntar-se a nós — disse Harry. Filch não emitiu nenhum protesto e levantou-se, com outro suspiro, para atender ao pedido.


Logo, Sally aproximava-se, hesitante, como que tímida, embora os olhos escuros e convidativos contassem outra história. Harry conhecia as mulheres. Apesar da mostra de relutância, a admiração dela era evidente. Assim é melhor, pensou, relaxando na cadeira, enquanto se preparava para a adoração à qual se acostumara.


 


De fato, após várias taças de vinho e uma refeição decente, Harry começou a se sentir mais caridoso com o mundo e com todos, com a possível exceção de Hermione. Várias vezes durante a tarde correra o olhar pelo salão só para vê-la carrancuda, em extrema desaprovação. Sorrindo, Harry experimentou uma forte sensação de triunfo, pois estava em seu elemento, não numa estrada lamacenta, mas conquistando passagem para a cama de uma bela mulher. Talvez agora a rígida Hermione lamentasse o tratamento que lhe dispensava, pensou, arrogantemente satisfeito. Voltou-se para Sally, sempre de cílios baixos, e brincou com uma mecha de seus cabelos negros.


 


Para seu prazer, viu Hermione acompanhar seu movimento, até entender a intenção e voltar o rosto indignada. Satisfeito, enquanto acariciava habilmente as tranças de Sally, imaginou qual seria a cor dos cabelos de Hermione por baixo da touca. Sentindo a curiosidade aumentar rapidamente, soltou as tranças de Sally para pegar a taça de vinho.


 


Talvez Hermione não tivesse cabelos por baixo da touca, adepta de raspar a cabeça, como alguns monges, conjeturou Harry, enquanto tomava um gole. Com certeza, ela se comportava como um monge, sempre séria e censurando o vinho, o prazer e toda forma de conforto. Enquanto a avaliava, ela lhe deu as costas, como que deliberadamente desdenhando- o, ao que sentiu um peso no estômago. Esforçando-se para ignorar o mal-estar, adotou uma atitude de justa indignação. Quem ela era para julgá-lo e à viúva por aproveitarem umas poucas horas de paixão? Não um monge, mas uma freira, sem dúvida. Ela não sabia nada sobre prazer, sendo só um grande transtorno.


 


Aquela repulsa produziu uma grande vontade de desafiá-la e Harry segurou a excitante Sally pela cintura, puxando-a para seu colo. Embora as formas exuberantes da viúva pouco contribuíssem para aliviá-lo, os gritos de prazer provocaram o efeito desejado. Hermione voltou-se e Harry divertiu-se manuseando a mulher, mais para escandalizar do que para tirar uma amostra dos encantos da nova companhia.


 


Infelizmente, a reação de Hermione não foi a que ele esperava. Em vez de chocada, ela parecia desgostosa. Ela lhe lançou uma variação daquele olhar que sempre lhe dedicava, só que muito pior, a ponto de fazê-lo experimentar a sensação desagradável no estômago mais uma vez. Frustrado, Harry sentiu o hálito quente de Sally junto ao pescoço e a puxou contra si, encorajando-a, enquanto fitava Hermione em silêncio desafiador.


 


Finalmente, ela se moveu, levantando-se tão depressa que o banquinho cambaleou precariamente. Ficou algum tempo parada, com os punhos cerrados junto ao corpo, como se fosse avançar para repreendê-lo. Harry sorriu, sentindo o sangue pulsar. Finalmente, conseguira abalar a mulher! Ciente da atenção inclinou a cabeça devagar para beijar a pele alva acima do corpete de Sally. Logo se viu excitado, um efeito bem-vindo à pequena demonstração. Embora não fosse dado a demonstrações públicas, a situação era diferente. Tratava-se de um bálsamo necessário e urgente ao seu orgulho ferido, bem como uma punição para a mulher que o desprezara.


 


Ao separar os lábios das formas generosas de Sally, porém, Harry percebeu que seu divertimento fora em vão. Hermione dera-lhe as costas e ele observou atônito que ela já subia a escada. Com certeza, não decidira se recolher tão cedo? Ou debandava como uma covarde?


 


De repente, o jogo de Harry com Sally perdera a graça e ele se levantou, quase derrubando a viúva no chão com a pressa. Para fazer o quê? Seguir Hermione? E o que pretendia fazer, se desculpar? Harry sentou-se novamente. Dificilmente. Estava confuso. Então, Sally passou as mãos ásperas em seu rosto, tentando atraí-lo de volta a seu colo magnífico. Sim, a jovem viúva estava ansiosa, mas estranhamente essa ansiedade irritava Harry. A admiração feminina tão bem-vinda de início passou a aborrecê-lo enquanto ouvia os suspiros e sentia as carícias junto ao pescoço.


 


Sally era atrevida demais, concluiu Harry, que não era homem de apressar a corte. Até Filch expressava desgosto, e ele imaginou se a moça costumava ser liberal com seus favores. Era bonita, mas a atitude displicente não o agradava. Egoísta, Harry não gostava de compartilhar suas mulheres.


 


Enrijecendo o maxilar, começou lentamente a se livrar da viúva. Sally fez beicinho, mas ele conseguiu afastá-la sem muito protesto. Pedindo mais vinho, disse-lhe para se comportar e piscou, como que prometendo prazeres futuros, mesmo sentindo que não se veria inclinado a encontrá-la ao cair da noite. Infelizmente, desconfiava de que seu apetite arrefecera e a culpada era Hermione. Não era por desejá-la. Longe disso! Mas a sensação desagradável no estômago que ela de algum modo provocara dominara-o completamente. Ora, de repente, sentia-se como um garotinho, punido por um erro menor.


 


Harry sorveu um longo gole de bebida enquanto imaginava o que havia na atitude de reprovação de Hermione que lhe tirava o prazer que normalmente encontraria na viúva de olhos escuros.


 


Se fosse outra pessoa, até acharia que os comentários sobre as Granger eram verdadeiros e que elas realmente possuíam poderes misteriosos. Já ouvira histórias de homens que alegavam que uma praga de feiticeira causara atrofia em suas partes inferiores, mas nunca acreditara. Mesmo assim, mexeu-se na cadeira até ter certeza de que sua própria parte prodigiosa permanecia intacta.


 


Um monte de bobagens resmungou, enquanto erguia a taça. Enganara os próprios irmãos vezes demais com histórias exóticas para começar a acreditar nelas. A única coisa de bruxa que Hermione tinha era a carranca, mas isso seria fácil de esquecer com a ajuda do bom vinho à sua frente.


 


 

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