Sobreviventes nas Cinzas









Capítulo 1 – Sobreviventes nas Cinzas


 




  Hogwarts começou a sumir através da janela de vidro, enegrecida e esfumaçada. Como um grande mamute destroçado a escola podia ser avistada de dentro do trem com melancolia. Suas torrinhas luminosas não trariam claridade aos jardins, agora queimados, por um bom tempo.




  O penhasco, firme e tomado pelas heras, continuava a sustentar o que sobrara de sua estrutura. Parecia querer amparar cada pedra, madeira e granito, mais que isso, cada toque de mágica, esperança e perseverança, depositado por todos os bruxos e bruxas que passaram por ali através dos séculos.




  Hermione também desejava ficar. Desejava ajudar Hogwarts, parte por parte, o seu segundo lar, o local onde se moldara como pessoa e crescera como bruxa, a se restaurar. Mas certas decisões estavam acima de sua vontade agora...




 Os professores, os integrantes mais velhos da Ordem e até seus colegas, haviam exigido que os alunos partissem no expresso para o mais longe possível de tudo aquilo assim que o sol raiou e a vitória, amarga, mas conquistada, chegou.




 Todos sabiam inclusive ela mesma, que não havia nada ou ninguém que tivesse força suficiente para contrariar Hermione Granger no auge de sua determinação.  Mas ali, vendo os terrenos chamuscados da escola sumirem num borrão de cores cada vez que o trem pegava mais velocidade, a morena compreendia que quem urgia para que ela partisse dali o quanto antes eram seu corpo e seu espírito.




 Largada numa das cabines do segundo vagão, ela sentia toda a fadiga da batalha latejar em cada músculo de seu corpo magro. As mãos tremiam levemente e as pernas — tinha quase certeza — não responderiam ao seu comando se tentasse se por de pé. Fazia horas que a batalha havia acabado, mas seu corpo continuava injetado de medo e ansiedade. Aquela sensação ruim de defensiva e receio que a dominou durante toda a madrugada anterior.




  Mas um corpo se restaurava facilmente com uma poção fortalecedora e longas horas de sono. O que nunca poderia voltar a ser o que era naquela jovem bruxa era seu espírito. Sim, o que os olhos não vêem o coração não sente, porque o que eles vêem o destroça, traumatiza... transforma. Sozinha na cabine, Hermione teve que segurar firme para não se esgoelar de agonia. Suas cicatrizes externas não eram nada perto dos cortes internos. Os gritos, as maldições lançadas e o som seco de um corpo inocente tombando sem vida pelo chão de pedra, não abandonavam suas lembranças.




  O barulho da porta da cabine se abrindo arrastou-a para longe daquele martírio.  Hermione olhou para porta e viu ninguém menos que Rony.




— Eu consegui um pouco de suco de... — disse ele com duas garrafinhas na mão, mas parou abruptamente quando viu os olhos de Hermione muito vermelhos.




  Vê-la naquele estado deixava Rony com o peito mais pesado do que já estava. Rapidamente ele pousou as garrafinhas no assento e foi sentar-se ao lado dela, silenciosamente. Hermione fitou-o através dos olhos emaranhados por lágrimas e ao esquadrinhar seu rosto cansado, mas bonito viu metade da escuridão que nublava seus pensamentos ir embora.




  Cuidadosamente o ruivo passou um dos braços ao redor dos ombros dela e trouxe-lhe o corpo para mais perto do seu. Abraçar a morena daquela forma era uma experiência nova para Rony, e ele não reclamava. Pelo contrário, o cheiro e a quentura do corpo da amiga acalmavam-o e fazia-o por hora esquecer-se dos amigos e do irmão abatidos no campo de batalha.




— Desculpe...— murmurou ela, enxugando as lágrimas da face com uma das mãos, porém continuando aninhada ao corpo do ruivo.




— Desculpe pelo que? — perguntou ele.




— Por ficar chorando enquanto você se preocupa em arrumar algo para comermos.




— Mione, você tem todo direito de se sentir triste e de chorar... Afinal, veja só pelo que passamos! — disse enfaticamente — E eu tenho todo o direito de cuidar de quem gosto quando achar preciso.




  Hermione recuou um pouco o corpo para olhá-lo de frente. Ela queria dizer que ouvir aquilo dele era demais para uma garota apaixonada. Na verdade queria fazer mais. Queria mergulhar as mãos dentro daqueles cabelos despenteados e tocar naquela boca rosada com seus próprios lábios. Beijar-lo de novo, intensificar cada toque, nunca mais sair de perto de Rony Weasley.




 Entretanto, ela não fez nada daquilo. Novamente sentia que seu corpo já sofrera todas as emoções possíveis para um único dia e conversar sobre os complexos sentimentos que nutria pelo melhor amigo necessitava de carga extra de ânimo. Ela estava esgotada, portanto conseguiu apenas dizer:




— Obrigada por estar aqui, Ron.




  Rony deve que controlar a vontade imensurável de beijar-la. Frágil, Hermione era tão lindamente desejável quanto impetuosa. Eles já haviam se beijado, afinal. Aquilo na opinião dele já servira como uma explícita declaração mútua. Mas o ruivo entendia que tinha que trilhar o caminho com calma, nem ele mesmo sabia o quão fragilizado emocionalmente estava.  No fim das contas tinha que ser compreensível e esperar o melhor momento... para os dois.




— Agora você precisa se alimentar. — decidiu ele, vendo o rosto abatido dela — Bem, vamos lá... Eu trouxe suco de amora e — puxando um saquinho de papel pardo de dentro do bolso da calça completou — feijõezinhos de todos os sabores.




Hermione segurou uma careta.




— É, eu sei que não é a melhor refeição do mundo, mas quem sabe tenhamos sorte nas escolhas dos sabores. ― comentou o ruivo.




― Se você me ensinar os truques para escolher sabores aceitáveis. ― sorriu a morena, fragilmente. Rony viu um raio de sol num dia de chuva só por aquela simples insinuação de alegria no rosto dela.




― Para comer feijões sortidos só existe uma regra, que nem sempre é aplicável ― disse ele passando uma garrafa com suco de amora para ela ― fique longe das cores azul, verde, marrom, amarelo limão, roxo, e talvez você não esbarre em um sabor repugnante.




― Isso parece muito animador! ― exclamou Hermione, tomando um primeiro gole do suco de amora. ― Faz eu não me arrepender de deixar os feijõzinhos com você e o Harry quando íamos pra Dedosdemel. Mas o suco está muito bom!




  Rony capturou o primeiro feijãozinho e fez uma careta segundos depois, tomando rapidamente o suco de amora.


 


― O que foi? ― perguntou a morena.




― Pasta... de... ECA! Pasta de Alho! ― reclamou ele.




― Oh, não. E você ainda quer que eu me aventure nesse saquinho?




― É o mínimo depois de eu tê-lo ido buscar pessoalmente para você. ― brincou ele.




  Hermione torceu o nariz e espiou dentro do saquinho. Devia uma tentativa a ele e faria isso, só esperava que a sorte estivesse ao seu lado.




― Certo. ― tomada de coragem, capturou um feijãozinho branco-gelo e o engoliu após duas mordidas cautelosas. Imediatamente sua boca se preencheu de doce.




― E então? Qual foi o sabor? ― quis ele saber.




― Simplesmente chocolate branco. ―respondeu ela, sorrindo de orelha a orelha.




 Rony a beijaria por aquele sorriso lindo que viu em seus lábios se não estivesse com um tremendo bafo de alho, mas só para não perder o costume ele reclamou.




― Eu não tenho sorte mesmo...




― Quem sabe você pega um feijãozinho de menta com hortelã na próxima tentativa?! ― disse ela.




  Ambos riram. Nada extravagante, apenas uma descontração rápida utilizada como válvula de escape contra tudo que os rodeava. Mas um sorriso ou um comentário engraçado estava longe de fazê-los esquecer da dor e isso se comprovou quando Rony associou aquelas guloseimas mágicas ao imensurável talento de Fred em enfeitiçá-las.




 Hermione viu o sorriso do ruivo minguar pouco a pouco até desaparecer por completo. Ele ainda tentou disfarçar, abaixar a cabeça e cutucar os feijõezinhos casualmente dentro do saquinho, porém ela já havia capitado o momento em que seus olhos lindamente azuis haviam se tornado opacos.




— Como vocês estão em relação a Fred? — perguntou ela, quase como num sussurro, enquanto cobria sua mão na dele. Quentura e compreensão era o único tipo de consolo que podia oferecer neste momento.




 Rony ergueu a cabeça olhando-a diretamente. E então, num suspiro longo disse:




— Eu não sei, Mione. Não sei como será o dia de amanhã. Se mamãe vai parar de chorar — e lembrou-se de Molly aos prantos, abraçada a Arthur alguns vagões à frente. — Se Jorge vai voltar a expressar alguma reação... — comentou não podendo deixar de recordar do estado de choque em que Jorge se encontrava desde a morte de Fred.  ― Parece que todas as respostas sumiram, e que as certezas mais óbvias continuam a ser somente dúvidas...




   A morena passou a mão livre, a que não segura a de Rony, pelos cabelos e em seguida esfregou os olhos para afastar mais lágrimas que quase se insinuaram a cair. O que o amigo dizia era uma verdade absoluta. Enquanto os três fugiam de Voldemort e tentavam encontrar as Horcruxs naqueles longos meses a fio, nada, por mais que fossem otimistas, era certo. Naturalmente, depois da guerra eles imaginavam que essa nuvem cinzenta de impossibilidades evaporaria, mas não era o que ela sentia agora. Não era o que Rony sentia e provavelmente estava sendo do mesmo jeito para Harry.




― Eu não acho que Harry fez bem em ficar lá. ― disse, referindo-se a Hogwarts ― Tudo bem, nós o conhecemos, sabemos o quanto continua se sentindo culpado por tudo que houve, mas não acredito que vá fazer bem a ele permanecer mais tempo no meio daquilo.




― Harry estaria muito pior aqui, sem poder fazer mais nada, do que lá, ajudando o restante da Ordem e dos professores a auxiliar os feridos, levar todo resto para casa em segurança, ajudar as criaturas que nos ajudaram, e todo resto.




― E você não acha que deveríamos estar lá também? ― interrogou ela, quase se sentindo culpada diante desse ponto de vista.




― Eu não iria deixar você permanecer no meio daquilo tudo, Mione! ― afirmou ele, resoluto.




― Ron... ― gemeu ela, travando uma batalha contra um nó que se instalara na garganta.




― Não aguento mais te ver no meio de escombros, dor e medo, Mione. Não quero mais... ― e sem mais nem menos, sem aviso, largou as guloseimas que segurava e envolveu-a num abraço forte e protetor com os dois braços.




   Parando de lutar contra a tristeza de vez, a morena entregou-se aos braços do ruivo e afundando a cabeça na curva do pescoço dele, chorou. Chorou com toda a força que seus pulmões podiam suportar, na intensidade que sua alma suplicava desabafar. Não havia vergonha, nem nenhum sentimento limitante entre ela e ele que a impedia de fazer aquilo.




 Droga, como eu odeio te ver assim. Pensou Rony desolado e quase a beira das lágrimas também por ver Hermione tão vulnerável em seus braços. Ele tinha que oferecer-lhe algo além de um abraço.




— Eu sei que grande parte da sua dor tem a ver com a ausência de seus pais. — Hermione diminuiu a intensidade do choro, mas continuou com a cabeça enterrada no pescoço dele. Rony afagou-lhe o topo da cabeça e prosseguiu firme na decisão que acabara de tomar — Nós iremos, eu e você, atrás da sua família. Vamos encontrá-los onde quer que estejam e devolver a eles até a última lembrança que tinham da filha.




  Vagarosamente a morena com o rosto inchado e vermelho, ergueu a cabeça para fitar-lhe. Esperança ― foi este brilho que Rony viu em suas íris antes dela perguntar:




— Você... faria... isto... por... mim? — soluçou.




  Rony só podia ser sincero.




— Faria isso e muito mais.


 


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Comentários, bem vindos. Não esqueçam!


Bom pessoal, prioridade total é A Origem dos Dementadores, mas acho que entre os intervalos das postagens do capítulo da pra eu me dedicar a esta fic que inicialmente será uma short. Digo "inicialmente" por que a gente nunca sabe até quanto pano pra manga uma história pode render.


Abraço à todos!


Pra quem não me conhece, minhas outras fics:


A ORIDEM DOS DEMENTADORES - http://fanfic.potterish.com/menufic.php?id=42628


NUNCA IGNORE O VERDADEIRO AMOR - http://fanfic.potterish.com/menufic.php?id=42545


EU ESTAREI LÁ POR VOCÊ - http://fanfic.potterish.com/menufic.php?id=42537


 

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Comentários (6)

  • Andréa Martins da Silva

    Lindo! Você captou exatamente da forma que poderia ter sido se ouvesse outro livro.

    2013-10-30
  • Luisa Weasley

    Super emocionante... Muita emoção, queria saber passar isso como você :D Além disso, acho que a maioria das fics que relatam o pós-guerra de Hermione negligênciam esse nomento que está por vir, apenas dizendo que ela encontrou os pais e tudo voltou ao normal como num passe de mágica, o que a lógica grita que não seria uma tarefa nada fácil se fosse real. E agora que Van-vet resolveu adicionar mais um punhado de complicações nesse momento da vida de Hermione, nem imagino o que etá por vir :)

    2012-04-07
  • willi santana

    ralmente só podia ser a Van atacando de novo!!!!! ainda fico besta com Enfim ron e mione...e ela me aparece com uma fic sobre a busca dos paius de mione essa menina é uma caixinha de surpresas, assim como suas fics!!!! capitulo maravilhoso!!!!!

    2012-02-25
  • June Weasley

    Ah, só podia ser da Van mesmo! Quero mais capítulos, viu? Ainda não superei a mudança no Enfim Ron & Mione.brinks! continua :D

    2012-02-23
  • gabyhosanas

    Amei Van...

    2012-02-23
  • Hermione Rosier Black Malfoy

    verdadeiramente adorei esse começo ficou otimo,apesar de curtinho,mesmoo assim adorei !!!! super ansiosa  :D

    2012-02-17
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