Capítulo 6




Aquela barulheira infernal já não era tão incomodante quanto antes aos ouvidos de Rony. As pessoas passando com mãos lotadas de pastas, carregando o celular entre o ombro e o ouvido, além das mulheres ainda terem coisas para pegar na bolsa. O barulho provocado pelos escapamentos dos carros, aquele murmurinho de conversas entre jovens. Isso seria alucinante se você não estivesse acostumado.


Rony carregava uma mochila de aparência comum em suas costas enquanto observava com olhos desfocados a vitrine de uma loja de moda. Já não se incomodava em andar como um trouxa e principalmente como o típico mochileiro que fica se aventurando em lugares desconhecidos. Seus pensamentos estavam longe de pensar algo tão fútil.


Hermione estava enlouquecendo por causa dessa Guerra? Entendia que estava preocupada com Harry, uma vez que ele estava desaparecido há uns bons dias... Mas aquele ato era completamente desapropriado à situação! Onde já se viu infiltrar-se no território do inimigo, arriscar a própria vida, quando ela bem sabia que Harry tinha capacidade de se virar – e muito bem?! Até parecia que não conhecia todas as proezas do amigo! Ela já estava exagerando!


Rony achava inconcebível para sua mente imaginar Hermione com uma Marca Negra no braço. Mas, ao mesmo tempo, não duvidava das palavras dela, pois esta levava e muito à sério a perseguição às Horcruxes e a Guerra, onde já perdera muitas pessoas queridas. Mas ainda assim não era desculpa nenhuma para o que tinha feito!


Fechou a cara, focando novamente os olhos na vitrine e virando-se para prosseguir sua caminhada pela rua. Precisava encontrar um hotel onde passaria alguns dias, enquanto fazia suas pesquisas pela região. Quem sabe também abrisse as cartas que Hermione havia lhe enviado, mesmo depois da discussão feia que tiveram pelo galeão. Estava cansado da recente viagem que havia feito... Como trouxas suportavam ficar tantas horas sentados naqueles ônibus desconfortáveis, sem assentos que viravam camas e sem lanche para a viagem? Era terrível!


Enquanto caminhava, de cabeça baixa, sem olhar para onde seus pés o levavam, seus pensamentos novamente devanearam, o que ocorria com demasiada frequência naqueles tempos.


Rony aprendera muito sobre os trouxas quando começaram a procura pelas Horcruxes. Apesar de Dumbledore lhes dar pistas do que elas poderiam ser, achá-las era um inferno em vida. Você-Sabe-Quem sabia como esconder alguma coisa e protegê-la. Imaginava que sem a ajuda de Hermione não teriam conseguido destruir aquelas últimas duas, que quase custaram a vida dos três.


Faltava apenas mais duas. Pelo que souberam, devia ser o Diadema de Ravenclaw e a Cobra Nagini, que jamais saía do lado de Você-Sabe-Quem. Achava que Harry estava sendo precipitado ao querer ir sozinho para acabar com a cobra, mas fora tão repentino que nenhum dos dois tiveram tempo de impedi-lo.


Antes de poder continuar qualquer pensamento, uma pessoa trombou com ele, fazendo-o xingar pela má educação. O problema dos trouxas era aquele: se você não prestava atenção, era atropelado o tempo inteiro.


Ainda resmungando, conseguiu finalmente encontrar um hotel levemente descente onde se hospedar. Tinha um ar pouco receptivo, mas não estava muito exigente aqueles dias. Adentrou no local, caminhando em direção a recepção, a fim de fazer reserva de um quarto por uns dias. Pagou antecipado, pedindo apenas uma refeição ao dia. Pronto, seu novo refúgio, por algumas poucas semanas, estava feito. Agora precisava arranjar mais dinheiro para a próxima estadia no próximo hotel, além de averiguar se na região de bruxos próxima não haveria alguma pista do Diadema de Ravenclaw.


Assim que pegara o elevador – Rony começou a adorar aqueles inventos trouxas, depois que teve que abdicar-se da magia pela invasão e domínio do Ministério – ficara pensando sobre as cartas de Hermione. Sua frustração pela decisão súbita da amiga havia diminuído o suficiente para querer lê-las naquele momento.


Assim que chegou aos aposentos, tirou a mochila das costas, abrindo-a e retirando um envelope amarelado, depois jogando a mochila em qualquer canto. Caminhou em direção à cama e ali desabou, com o envelope em suas mãos.


Ele já estava extraviado, isso porque tinha colocado a página de jornal ali dentro, para não perder. Mas naquele momento ele tinha se esquecido completamente e, quando retirou a folha de pergaminho, a página de jornal caíra sobre seu colo, assustando-o um pouco.


Sentou-se decentemente na cama, deixando momentaneamente a carta de lado, e pegando a página, observando espantado uma foto de alguém que conhecia.


- É aquela garota! - havia exclamado para si mesmo, observando os cabelos levemente cacheados, aqueles mesmos olhos com sobrancelhas um pouco grossas que quase obrigavam o observador a encará-los. Parecia carregar algo com ela, mas para ele isso não era novidade, por isso nem deu valor ao fato.


Mesmo que a foto estivesse em preto e branco, ainda lembrava-se dela. Seus cabelos pareciam muito com os de Hermione, mas, quando batia alguma luz, um leve tom avermelhado aparecia. Seus olhos eram cor-de-mel, muito claros, e sempre existia um ar confuso neles quando encarava-os ou mesmo quando falavam algo para ela, que pouco falava. A garota era muito estranha.


Observou a data do jornal assim que parou com as lembranças antigas. Percebeu, ao olhar, que era de um jornal bem desconhecido e de 7 anos atrás, não era pra menos que parecia tão desgastado. Depois de constatar isso, começou a ler a reportagem que se seguia logo abaixo de sua foto com certo interesse. Perguntava-se o que havia acontecido com ela, após sumir.


Nicole Tiger.


Seus olhos encaravam essas duas palavras que formavam o começo da reportagem, processando. Procurando em sua mente. Apesar de fazer muito tempo, tinha absoluta certeza de que aquele não era o nome da garota que se hospedara em sua casa! Ela teria uma irmã gêmea? Mas e aquele sobrenome? Era algo muito comum e lembrava-se que de comum não havia nada no sobrenome da hóspede inesperada. Incoerência estranha... Decidiu continuar a ler. Talvez estivesse se confundindo com alguém muito parecido.


Nicole Tiger, 11 anos, desapareceu durante essas férias de natal em sua viagem de trem para retornar à Londres.


Rony automaticamente foi à data de publicação do jornal, onde constatou que havia uma incoerência de informações ali. O jornal datava quase um mês após as férias de natal! Coçou levemente o lado da cabeça, confuso, enquanto retornava à leitura.


Tudo indica que houve algum mal entendido, pois vários alunos interrogados afirmam tê-la visto adentrar o trem. No entanto, sua família afirma que ela mandou uma carta dizendo que iria passar o natal na escola. Seu desaparecimento só foi notado quando não retornou às aulas depois das férias passadas.


Alunos...? Pois não foi em qualquer trem que aquela garota desapareceu! E como não fiquei sabendo disso, se eu estava cursando Hogwarts?, pensou. Era seu sexto ano quando descobriram que Você-Sabe-Quem havia retornado, qualquer coisa estranha os jornais já publicavam e faziam o maior sensacionalismo. E aquela reportagem era digna de sensacionalismo... E, no entanto, parecia ter sido completamente ignorada!


O que também o deixava impressionado era como não pensaram que a carta podia ter sido interceptada por alguém com más intenções, apesar de achar tão irreal... Era mais provável que ela planejara fugir de casa e encontrou a situação perfeita. Por que nunca tivera essa ideia...?


Não era hora pra ficar pensando nisso. Achava estranho não ter notado a semelhança intensa entre ela e a garota que se hospedara em sua casa. Provavelmente, aquela foto enganaria até sua mãe. Depois lembrou-se... O nome simplesmente não era igual, nem minimamente parecido. Era um bom motivo pra nunca ter reparado.


O resto da reportagem era desinteressante. Estavam procurando-a, mas não tinham muitas pistas. Pediam por auxílio, mesmo que anônimo... O mesmo de sempre para um desaparecimento.


Colocou a página na cama e olhou para a porta de seu quarto, observando a mochila que jogara próximo dali, pensando sobre os motivos da amiga ter mandado aquela reportagem. Sabe, 7 anos era tempo suficiente para terem achado a garota, devolvido aos pais e até ter completado Hogwarts!


Depois de ter deixado o jornal de lado, suspirando, desdobrou a carta de Hermione, que tinha deixado de lado por causa da página de jornal. A mensagem estava codificada e, provavelmente, lotada de feitiços. Compreendia as palavras criptografadas que Hermione havia inventado como se fosse a sua própria língua. A primeira página explicava sobre algumas pesquisas, o que descobrira do Diadema e que perdera seu rastro quando parecia ter sido roubado em algum século que Rony não queria traduzir dos algarismos romanos. Só Hermione para ter esperanças de que ele perdesse tempo lendo número romano!


Foi quando finalmente algo lhe interessou, quando virou o verso da carta para ler o resto.


Rony, sei que isso não parece muito comum e sei que você provavelmente já deve ter esquecido de muita coisa daquela nossa discussão, mas Harry pediu para que eu encontrasse a garota da foto do jornal, viva ou morta, mas agora estou dando essa missão a você.


Rony arregalou os olhos. Harry procurando alguém vivo ou morto? Desde quando ele tinha adquirido essa missão!? E desde quando Harry se preocupava com desaparecimentos ligeiramente incomuns?


Fiz algumas pesquisas enquanto ele esteve desaparecido e vou dividi-las com você, pois precisará fazer o resto por mim.


Percebeu que a foto é estática? Pois é, foi porque a família dela é trouxa e só tinha fotos dela estáticas.


Interrompeu sua leitura para olhar o teto, inconformado. Ah, não, Hermione! Jura? Às vezes, Rony pensava que Hermione devia achá-lo um retardado. De onde ela tirava essa dedução absurda!?


Tentei encontrá-los, mas eles parecem ter desaparecido do mapa, assim como a garota. Percebe como é estranho? Não dá nem para saber se encontraram a garota ou se foi sã e salva aos pais.


A garota desaparece, depois os pais...? Não se sabe mais nada? Qualquer um acharia estranho, óbvio. E, no entanto, ninguém notou nada! Harry sabia daquilo? Nossa, o amigo era muito bom para camuflar as pesquisas dele!


Ela teve uma infância levemente incomum, apesar de não ter visto nada realmente amedrontador. Pelo que consegui de informações, ela parece ter sido deixada na porta da casa de sua família já com nove anos de idade, sem memória alguma. Sabia apenas falar.


Ele poderia até mesmo ouvir o som de um breque repentino, quando sua mente travou ao ler esse último parágrafo. Todas as incoerências pareciam ter se encaixado quando Hermione comentou sobre ela ter sido encontrada já com nove anos de idade.


Se tinha dúvidas se era alguém muito parecido ou aquela garota, agora teve a certeza. Então a memória dela foi retirada ou modificada após sair de sua casa e deixada aos cuidados de uma família trouxa. Aquela menina parecia ter uma vida meio perturbada...


Pela vizinhança, descobri que os pais tiveram de registrá-la. Seu passado simplesmente parece não existir! Como pode aparecer uma pessoa com nove anos de idade, sem qualquer registro, sem nenhum passado e sem memória!?


Se ela se mete em alguma encrenca com o Ministério, qualquer um perde a memória, querida Hermione! Isso também explica a estranha mudança de nome!


Ela era quase um bebê, parece que os pais tiveram de ensiná-la a escrever e ler, antes de tentarem mandá-la à escola. O que era mais estranho é que ela não parecia ter dificuldade nisso. Em um mês ela já sabia até mesmo contar. No entanto, dizem que ela era meio fechada e demorou a conseguir tornar-se expansiva.


Bom! Mas então ela foi para Hogwarts e eu não pude mais pesquisar nada, pois Voldemort está exatamente lá. Rony, sei que você provavelmente vai me xingar, mas quero muito que pesquise algo que ocorreu antes desse surgimento repentino dela, além do que lhe pedi. Procure pela história dela antes de acabar na casa trouxa. Pelo menos tente.


Se necessitar de alguma ajuda, mande mensagem pelo galeão, que eu lerei quando puder. Sabe, estarei atarefada esses dias. Quando descobrir coisas satisfatórias, mande uma carta disfarçada.


Hermione contatara a pessoa certa para a tarefa. Pela primeira vez, Rony sentiu-se importante por saber algo que Hermione não conseguira descobrir. Não que soubesse muito sobre a garota, mas conhecia alguém que poderia saber mais do que ele, só seria um pouco difícil de contatá-lo. Bom, precisava de um pouco mais de emoção na vida, mas precisava descobrir o jeito que Hermione fizera para disfarçar a sua assinatura mágica, pois onde iria requeria uso de magia. Complicações, complicações...


Olhou de esguelha para a foto no jornal, observando a menina que encarava o nada, eternamente naquela posição fixa. No entanto, imaginava que, mesmo que ela se movesse, provavelmente só olharia para os lados, parecendo eternamente perdida.


- No que foi que você se meteu dessa vez, menina...?


Dentro das paredes de Hogwarts, nas masmorras...


- Isso é injusto! - exclamava Harry que, pela décima segunda vez consecutiva, perdia para Lacbel no jogo do Jo-Ken-Po. Ele tinha escolhido pedra, mas Lacbel ganhara com papel - Você deve estar arranjando um jeito de ler minha mente! Já são 3 dias seguidos de derrotas humilhantes!


- Você é uma pessoa previsível, Potter. - respondia Lacbel na sua eterna voz sem emoções. Poucas vezes demonstrava leves traços de sentimentos através dela, mas Harry simplesmente já se acostumara a esse fato e com sua voz enrouquecida. - Seu corpo denuncia o que você pensa.


- Meu corpo? - Harry não compreendera o que Lacbel queria dizer com aquela afirmação e automaticamente olhou para o seu próprio corpo, a fim de encontrar alguma coisa.


- São sinais, reações. Em algumas pessoas são mais sutis, em outras, mais evidentes. Você está incluído nas evidentes. Pode não ser uma arte que me dê informações precisas, como a Legilimência, mas é útil para saber o que sente e seu provável próximo passo. Pessoas costumam ser movidas a sentimentos.


- E você? É movido a isso? - perguntou Harry logo em seguida, quase o cortando.


Demorou algum tempo para que viesse a resposta. Lacbel poderia estar tanto processando sua pergunta quanto tentando pensar em algo que não fosse tão simples de ser compreendido. Normalmente, tinha o silêncio de Lacbel como o predecessor para um enigma.


- Creio que eu não tenha nenhuma motivação para me mover. - fora a resposta inesperada, fazendo automaticamente Harry querer processá-la para encontrar alguma coisa que pudesse ser coerente. Encontrar os elos, as razões e os motivos. Estava tão habituado a fazer isso que demorou pouco para descobrir.


Descobrir e contestar.


- Errado! - Harry tinha um ar sorridente, mas sério – Talvez isso ocorresse antes de me desafiar, mas você motivou-se de algum modo a transgredir regras e ordens. - percebeu uma movimentação da capa, indicando leve desconforto - Sim, eu sei que você está fazendo isso. - sorrira um pouco mais, começando a compreender o que Lacbel dissera sobre ler as expressões corporais. Isso seria útil, já que Lacbel tinha uma Oclumência simplesmente intransponível em todos os sentidos – Você está movimentando-se, você deseja alguma coisa de mim. Creio, no momento, que seja por querer que eu descubra quem é você. Mas você não quer que eu descubra tão facilmente, tem medo de que algo desagradável aconteça se fizer isso.


Harry agora começava a olhar para a parede, com ar pensativo, fazia algum tempo que pensara sobre isso e repentinamente via-se abrindo suas deduções com Lacbel, coisa que não fazia com frequência, sobre suas descobertas. Tinha medo que Lacbel começasse a bagunçá-las.


- Não compreendi ainda o que deve ser esse algo desagradável e não sei também se é para mim ou para você. - Harry suspirou. Pensar cansava.


Lacbel levantou-se, virando de costas para ele. Isso indicava que ele queria pensar em alguma coisa sozinho, antes de voltarem a conversar.


Lacbel observava a solitária tocha que ficava acesa perenemente em frente aquela cela, igualmente solitária. Tocava com a ponta dos dedos no medalhão distraidamente, seu hábito frequente.


Precisava concordar que existia, realmente, uma motivação, mas não emocional. Tinha quase plena certeza. Os motivos, para ele, era bem simples.


Habituara-se a sufocar o máximo que conseguisse qualquer indício de sentimentos, no intuito de conseguir suportar sua existência. Era um instinto estranho que se acometia sobre si de que era a melhor maneira de sobreviver, mas não sabia para que o queria. Apenas sabia que em todas as vezes que passava mesmo a leve ideia de desejar pela morte a imagem dela aparecia...


Era por isso que não podia fazer aquilo. Faria qualquer coisa por ela e sabia que não queria sua morte, por mais deplorável que estivesse sua existência.


Segurou firmemente no medalhão enquanto seu corpo se tencionava pela dor ao lembrar-se de seu rosto. Sentiu seus olhos lacrimejarem pela dor aguda em seu peito, por sentir aquelas terríveis sensações por todo o seu corpo.


Controle-se! Controle-se! Repetia uma voz em alerta dentro de sua mente. Mantinha seus lábios selados um ao outro, pois sabia que gemeria de tanta dor. Não podia fazer isso na frente de Harry Potter. Não podia fazer isso na frente de ninguém. Não podia demonstrar fragilidade. Já bastava um saber dela.


Fechou os olhos com força. Após alguns minutos, havia se virado para a cela novamente, onde Potter continuava sentado no mesmo lugar, esperando que voltasse a sentar-se para baterem papo ou brincar de jogos tipo Par ou Ímpar e Jo-Ken-Po. Afinal, eles tinham tanta coisa para fazer...


- O que você decidiu fazer com as minhas deduções? Vai complementá-las ou vai deduzi-las? - perguntou ele, com ar levemente irônico.


- Não consegui me decidir. - pensou se estaria mentindo ou produzindo um jogo. Seria melhor complementar com alguma coisa - Ainda estou vendo se você foi um bom garoto. - Era melhor deixar claro que era um jogo. Gostava de falar com ele, achava divertido.


Principalmente quando ele ria.


- De tudo que eu imaginei ao estar preso em uma masmorra, fazer amizade com um Comensal da Morte não estava entre o planejado e nem que ele fosse considerado um demônio... - ele falou sorridente quando parou de rir.


Naquele momento, decidiu fazer uma pergunta. Era uma curiosidade, afinal, ele se aproximou dele pensando que era um demônio e descobriu só mais tarde que eram apenas boatos.


- Mas e se eu fosse mesmo um demônio? Por que se aproximaria de mim? - a pergunta provavelmente o pegou de surpresa e os olhos verde vivo encararam seu capuz intrigados. Potter era mesmo um livro aberto.


- Bom, se você fosse mesmo um demônio... - ele deu uma pausa, encarando-o e analisando-o – Com certeza seria o mais gentil que eu já teria conhecido. - a sinceridade daquelas palavras era muito evidente. - E... - nesse momento ele pareceu desconfortável – E... Eu me aproximei, porque... - cada vez ele ficava mais vermelho e desconfortável.


- Por que...? - insistiu Lacbel. Isso que o estava interessando mais.


- Porque eu não entendi o motivo de você pedir desculpas enquanto eu estava fugindo! - Harry falou rapidamente, dando mínimas pausas para pegar fôlego, escondendo o rosto entre os joelhos após tê-lo feito, provavelmente de tanta vergonha – Eu sei que não é o melhor motivo, mas... mas... você era um comensal... Voldemort tinha ordenado... Não fazia sentido. - quanto mais ele tentava se explicar, menos parecia fazer sentido ele ter ultrapassado o medo só para descobrir algo tão banal.


- Você ultrapassou seu medo irracional para tentar descobrir isso...? - perguntou Lacbel e, para os ouvidos de Harry, a insensibilidade das palavras dava uma conotação de desprezo.


- N-não er-ra só isso. Qu-quer dizer, talvez fosse, ma-mas... - começara a gaguejar, dali a pouco não conseguiria mais falar, pois só iria começar a piorar.


- Eu agradeço. - não importava exatamente o motivo de ele ter se aproximado, mas saber que foi por causa de uma tentativa sua quase frustrada de não afastá-lo foi gratificante. Seu ato não fora ignorado.


- O-o que!? - Harry poderia esperar muitas coisas, mas Lacbel parecia reagir de modo bizarro às situações. E Harry não se acostumara ainda a isso.


- Achei que não tivesse percebido isso, por causa do pavor. - ele falava com uma naturalidade...


Harry suspirara, silenciando-se por alguns segundos, pois nem tudo tinha conseguido realmente se acostumar com Lacbel. Quando achava que Lacbel teria um acesso de desprezo, ele agradecia. Quando achava que falaria algo pessimista da situação, era muito otimista, encontrando várias coisas boas da situação. Não conseguia entender como ele se tornou Comensal da Morte...


E pensando nisso...


- Lacbel, sabe, sempre tive certa curiosidade... - comentou, coçando logo abaixo do queixo, onde uma pequena barba começava a aparecer. Viver preso tinha tantas desvantagens. Prosseguiu quando ouviu uma interjeição para que continuasse provinda de Lacbel – Como é ter uma Marca Negra no braço?


- Marca Negra? O que é isso?


- Está brincando, não é? - perguntou Harry, olhando-o desconfiado – Todo comensal tem que ter uma Marca Negra no braço!


- Que sorte você tem. Acabou de achar um que não tem marca negra em nenhum braço. - o sarcasmo era detectável a quilômetros.


- Mas... mas... Isso não faz sentido! A Marca é como Voldemort convoca seus comensais. Você deveria tê-la! - Harry exclamou ainda inconformado com aquela fala.


- Eu vivo ao lado Dele, Potter. - quando Lacbel começava a falar de modo seco, como no momento, era quando a conversa não estava lhe agradando. Isso normalmente acontecia quando tocavam, mesmo que levemente, sobre a relação que existia entre Voldemort e ele.


- Você está bem longinho, no momento. - Harry não sabia o quão perigoso era continuar adentrando naquele terreno, mas não conseguira segurar.


- Até quando terminar o que me ordenou aqui. - não conseguia definir o que exatamente Lacbel estava sentindo ou pensando, mas, de qualquer forma, sabia que não era agradável. Mas a ausência da marca, conforme Lacbel falara, era simplesmente inconcebível.


Decidiu que não era uma boa ideia tentar se aprofundar naquele assunto. Apesar de Lacbel comentar sobre ele não conseguir irritá-lo, lembrava-se que ele colocara um “Creio” antes da frase, o que indicava que se forçasse a barra numa situação propensa à isso podia descobrir que era possível tirá-lo do sério. Não achava que valia a pena colocar todo seu esforço a perder por uma curiosidade idiota que acabou numa revelação estranha. Era melhor fazer algo para desanuviar a tensão instalada entre os dois.


- Vamos continuar a jogar Jo-Ken-Po? - perguntou meio temerosamente.


- Tudo bem. - fora a resposta, após alguns segundos, aliviando um pouco a preocupação de Harry.


- Agora eu vou testar essa sua teoria... Vamos ver se funciona com você.


Harry sorrira, enquanto via Lacbel se ajeitar para mais uma batalha de papel, pedra e tesoura. Descobrira há alguns dias como Lacbel gostava de fazer aquelas brincadeiras primitivas. Aprendera como lidar com ele, como saber daquilo que o agradava e o desagradava. Mas achava muito estranho como, além de não escutar música, parecia nunca ter brincado.


Tinha se desconcentrado e recebera mais uma derrota. Era melhor Harry se concentrar em não denunciar o que pretendia antes de tentar desvendar os sinais de Lacbel.


Tudo isso era visto através da bacia por um par de olhos vermelhos, ligeiramente entediados.


- Que perda de tempo, que perda de tempo... - comentava a voz aguda, ligeiramente insatisfeita com os rumos que estava tomando as peças principais de seus planos. - Sua morte pode não ser de meu inteiro agrado, Potter, por isso não me preocupa o tanto tempo que leve para desvendar o que necessita, mas não quero que leve a vida inteira e fique desviando-se com brincadeiras e conversas inúteis. - nesse momento, ele desviou os olhos, encarando um livro extremamente antigo com letras tão desbotadas que seu título acabou por perder-se. Sorrira. - Será que terei de te guiar pela mãozinha, para caminhar na linha?

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