Norma



-Você não pode sair daqui.
-Por que não? Não há outra maldita divisão por aqui perto?
-A questão não é o quão perto ou quão longe fica a próxima divisão.
-Então qual é a questão? -perguntou Harry entre dentes.
-Nós não podemos perder ninguém agora.
Harry deu um riso amargo. Estava ali há três meses e o máximo que fizera (ou que lhe deixaram fazer) fora ajudar Sany a cuidar de alguns feridos. Na opinião de Harry, estavam todos com a expectativa tão grande que ele fosse realmente Harry Potter, o-menino-que-sobreviveu, que não se arriscavam deixá-lo fazer algo que comprovasse o contrário.
-Agora é você que não está entendendo a questão...
Guy cruzou os braços, manteve-se rígido e perguntou.
-Então qual é a questão?
Harry mal conseguia controlar seus sentimentos, sua voz saiu extremamente baixa, fria e carregada de ódio.
-A questão, Sr. Guy Zian, é que ninguém aqui permite que eu faça algo. Eu já não suporto esse lugar, não suporto essas pessoas. Não suporto essa maldita 5ª divisão. Então, se você conseguir somar um com um, verá que a verdadeira questão é que se eu ficar mais tempo aqui eu vou enlouquecer, e se isto acontecer...
Ele tentou se controlar, não podia extrapolar tanto assim seus limites.
-Diga, Sr. Potter, o que irá acontecer se o Sr. enlouquecer?
Harry não agüentou a ironia maldosa na voz de Guy. Deu um soco na mesa, em seguida jogou a mesa longe, se aproximou de Guy (que a esta altura estava estupefato) e sussurrou.
-Eu vou acabar com a raça de cada pessoa deste lugar.
Harry saiu da sala batendo a porta o mais forte possível atrás de si. Ele tinha que sair dali. Precisava disso mais do que tudo.
Ele ouviu a porta abrir atrás de si e sentiu a mão de Guy em seu ombro.
-Venha comigo.

Sany estranhou a notável felicidade estampada no semblante de Harry Potter. Ele inclusive cantava debaixo do chuveiro.
-Sr. Potter! Estou deixando sua roupa de cama aqui. Você arruma tudo?
Harry saiu do banheiro enrolado da cintura para baixo numa toalha. Sany corou ao ver que ele estava semi-nu.
-Pode levar isto de volta. Não vou precisar.
-Por que não?
-Apenas leve e não comente nada com ninguém.
Sany estava saindo quando parou e se voltou a ele.
-Não vai fugir, vai? Guy tem que saber.
Harry riu.
-Tenha certeza que ele sabe.
Depois que Sany saiu ele trocou de roupa e pegou sua varinha. Em seguida dirigiu-se a sala de Guy.
-Estou pronto.
Guy lhe entregou um mapa e uma mochila.
-Não deve mais usar seu sobrenome, seria muito arriscado. Somente nós da 5ª divisão sabemos quem você é, a medida que mais gente for sabendo você estará ficando acuado. Deve arranjar um sobrenome falso ou um apelido.
Harry ficou confuso. O que poderia usar?
"-Vamos Leão, mostre a Grifinória o seu poder!" ele ouviu em sua mente Draco Malfoy lhe irritar.
-Leão -sussurrou ele, mais para si do que para Guy.
-Como? Não ouvi o que você disse.
-Leão.
-Muita gente conhece esse apelido?
-Quem conhece não ligará o apelido à minha pessoa.
-Se você diz...
Harry já estava saindo da sala quando Guy lhe pediu que esperasse.
-O que foi?
Guy parecia meio desconcertado.
-Só quero lhe pedir desculpas. Por tudo.
Harry sorriu e o abraçou como se Guy fosse seu irmão.
-Também tenho culpa no cartório. Mas agora é passado, não importa.
Guy sorriu.
-Agora eu entendo porque Luna defendia você tanto.
-Fale com ela quando acordar que ficarei com saudades dela.
-Falarei.
Os dois trocaram um sincero e forte aperto de mão e Harry se encaminhou para fora da 5ª divisão. A partir dali ele estava sozinho, não importava o que acontecesse, ele teria que se virar sozinho.

Ele estava perdido. Em algum lugar lá atrás ele saíra fora do caminho que o mapa indicava.
Ele ficou parado por um bom tempo tentando decidir o que fazer. Voltaria até a 5ª divisão e começaria tudo de novo? Ou continuaria por ali e fosse o que Merlim quiser? Bom, qualquer que fosse sua decisão teria que ser tomada amanhã, já estava escuro o suficiente para que em pouco tempo ele não enxergasse mais nitidamente.
Tirou da mochila que Guy lhe dera um saco de dormir e algo para comer. Depois que se sentiu satisfeito lançou em volta de si um feitiço protetor e um feitiço de invisibilidade. Deitou-se e tentou dormir.
Ele acordou quando ouviu passos de alguém se aproximando rapidamente. Ouvia os galhos sendo pisados e sentiu seu sangue gelar quando a pessoa parou para tomar ar antes de correr novamente na sua frente.
Levantou-se para poder se esconder quando lembrou do feitiço de invisibilidade, mas por algum motivo ele tinha se desativado, foi então que percebeu que sem querer deixara a varinha dentro do saco de dormir, e com muito esforço para não ser notado tentou pegá-la.
Ele escorregou e o vulto a sua frente percebeu sua presença. Ele se levantou devagar enquanto encarava a pessoa que estava à sua frente com o rosto escondido atrás de um capuz. Sorte sua estar numa parte mais escura, assim não veriam seu rosto. Nenhum dois ousava falar algo, o momento que gastariam falando seria o momento que o outro usaria para atacar. Já estavam há quase dois minutos com varinhas em punho se mirando. Um dos dois teria que dar um sinal de deslize para que o outro pudesse atacar.
A pessoa a frente pareceu que não se agüentava em pé, ele lançou o feitiço, mas ela desviou, ele viu que a pessoa tentava correr e pulou em cima lhe segurando braços e pernas.
-Gina?
Sem dúvida era ela. Com traços mais marcantes de uma mulher, com a pele branca e sedosa como sempre fora e com os longos cabelos vermelhos refletindo o pouco luar.
-Harry?
Ainda se olharam alguns segundos a mais para terem certeza que haviam encontrado um ao outro, depois se abraçaram forte.
-Não acredito que lhe encontrei, muita gente acha que você morreu -disse ela tentando ficar de pé.
-Sinceramente, eu mesmo acho que morri. Já passei por tanta coisa nesses últimos tempos que não tenho certeza se sobrevivi.
-Felizmente, ou infelizmente, eu devo lhe informar que você ainda está vivo.
-É um alívio saber disso, pelo menos a dúvida some.
Ela deu um gemido de dor e ele percebeu que ela tinha o pé direito totalmente ferido, em carne viva.
-Como você estava agüentando andar?
-Bom, é melhor sentir dor e saber que está viva do que não correr e saber que vai ser morta.
-Não tenho certeza se concordo com você, mas tudo bem... Venha aqui, eu vou lhe carregar.
-Não acho uma boa idéia. Tem gente vindo atrás de mim, e agora já devem estar bem perto. Comigo nos braços não vamos muito longe.
Ele juntou suas coisas e, puxando-a pelo braço tomou a direção que ela indicava.
-Para onde estamos indo?
-Para a 11ª divisão.
-Onde fica isso?
-Bem longe, quase do outro lado do país.
Harry quase parou de correr pelo tamanho do susto que levara.
-Como vamos chegar lá?
-Um pouco à frente tem um portal me esperando. Ou melhor, nos esperando, é você que está sendo mandado pela 5ª Divisão, não é?
-Sou.
Mesmo Gina se esforçando ao máximo, era impossível ignorar que praticamente toda sua perna direita (ela só deixara Harry ver uma parte do total) estava gravemente ferida Várias vezes enquanto corriam ela engoliu seus gemidos a seco, sabia que se demonstrasse qualquer dor Harry poderia querer parar.
Ela ouvia-o, sabia que estava muito mais próximo do que imaginava. Justamente por isso segurava a varinha bem forte em suas mãos.
-Só uma pergunta -questionou Harry sem parar de correr- de quem ou o que estamos correndo?
-Mesmo depois de velho você ainda não aprendeu que existem locais apropriados para certas perguntas e respostas?
-O que você quer dizer com isso?
-Que este não é o melhor momento para você me perguntar nada. Corra!
Quando ela ouviu o salto que ele dera ela parou subitamente, fazendo com que Harry caísse no chão.
Um homem encapuzado estava à frente dos dois, e ele apontava a varinha na direção de Gina. Pelo visto não havia percebido a presença de Harry.
-Você sabe que vai morrer de qualquer jeito, então colabore...
-Com sua mira brilhante do jeito que conhecemos, eu não acho que devo temer muito.
-Mas eu lhe acertei do mesmo jeito...
-O que não me impediu de fugir...
Harry não estava entendendo nada, pelo visto Gina e o Comensal se conheciam, e muito bem.
-Vamos Gina, você sabe que eu não gostaria de ter que lhe machucar.
-Pois eu o machucaria com todo minha força...
-Me entregue e tudo ficará bem...
Gina não respondeu, ela estava ficando cada vez mais pálida e só então Harry percebeu que deveria interferir.
-Estupefaça!
O homem cambaleou um pouco, mas continuou de pé como se tudo que lhe tivesse atingido fosse uma forte rajada de ar passageira.
-Quem é você?
-Isso não lhe interessa
Harry estava mais que surpreso pelo homem não ter sido afetado de modo algum pelo feitiço, mas sabia que não podia fazer perguntas. Tinha que tirar Gina dali.
Pensando em Gina, ele olhou para a mulher que estava a alguns metros de distância. O Comensal também olhou, ele pareceu pálido quando a viu daquele jeito.
Harry aproveitou a distração do homem e lhe acertou um feitiço cegante. Sentiu orgulho de si mesmo ao lembrar que não dormira em todas as aulas de defesa contra oponentes bem protegidos.
Corria com Gina nos braços, mas não sabia se estava indo na direção certa. Outra coisa que o preocupava era passar pela chave portal e não saber.
Quando começou a ouvir sons de várias pessoas circulando pela Floresta, resolveu que era hora de esquecer a tal chave de portal e se esconder. Gina estava desacordada, sem ela Harry não tinha como saber onde ir para a 11ª Divisão. Parou em frente uma árvore com o tronco mais largo e abriu uma fenda nela. Ainda por meio de magia fez o espaço interno aumentar, logo em seguida entrou na árvore com o corpo de Gina e fechou a fenda.
Quando sentiu frio que percebeu que havia deixado todas suas coisas no meio da floresta, só trouxera consigo sua varinha. "O principal, pelo menos". Ele já estava quase adormecido quando sentiu o corpo de Gina começar a tremer levemente. Ele tirou seu casaco e a envolveu nele. Como a tremedeira não passava, ele olhou melhor para ela.
Teve que sufocar um grito quando percebeu que ela estava tendo uma convulsão. A primeira coisa que fez foi desenrolar a língua dela, o que fez com muito custo. Depois disso aos poucos ela foi se normalizando.
-Harry...?
Ele já esboçava um sorriso de alívio quando ela desmaiou. Resolveu que não deveria dormir essa noite, Gina poderia piorar e ele precisava estar alerta.
Por diversas vezes ele quase dormiu, mas com os sons dos passos e vozes rodando pela floresta ele sempre despertava. Ele não tinha muito que fazer e na maior parte do tempo ficava olhando Gina dormia, lembrou de quando a viu pela primeira vez. Estava reclamando com a mãe que também queria ir para Hogwarts, mas ela não podia, ainda faltava um ano para isso. Aquilo lhe pareceu mais distante do que realmente era.
De repente alguém gritou muito alto "ENCONTREI A CHAVE DE PORTAL! ELES AINDA ESTÃO AQUI!". Harry sentiu todo o desanimo que podia, mesmo que os Comensais fossem embora não teria como ele sair dali. Se pelo menos Gina não estivesse tão mal...
Acordou com um barulho muito forte eclodindo, parecia que duas forças haviam se chocado. Olhou assustado para Gina, mas ela parecia até um pouco melhor do que ele se lembrava. Suspirou com um certo alívio por ela não ter piorado enquanto ele dormia.
As vozes lá fora haviam se intensificado e agora Harry podia entender um pouco da situação...
Gina saíra de quase do outro lado do país para pegar algo, certamente era uma missão que designaram à ela. Mas algo devia ter dado errado e ela encontrou o Comensal que ele vira ontem à noite, e de algum modo Gina e o homem se conheciam. Como o Comensal não conseguiu combater Harry e Gina sozinho ele chamou ajuda, mas como Gina provavelmente já deveria ter voltado um grupo de resgate veio verificar se ela estava na floresta. Tinha certeza que era isso.
Quando ouviu um homem gritar bem forte que havia pegado o último Comensal que estava ali, Harry saiu da fenda da árvore e gritou por socorro. Sentiu vagamente pessoas lhe tirarem Gina dos braços e lhe pegarem também. Como se estivesse esperando durante toda a noite por isso, desmaiou.

Ele abriu os olhos e não reconheceu o lugar onde estava, sabia que era mais uma enfermaria. Ao se sentar na cama deu um sorriso amargo. Se contassem todos os dias de sua vida que passara numa enfermaria não seria pouca coisa. Bom, pelo menos desta vez ele não estava nu, ainda estava com as roupas que saíra da 5ª Divisão.
Havia um sino do lado de cada cama da enfermaria, resolveu tocar o seu para ver se alguém aparecia. Balançou o sino levemente, mas não fez barulho algum, balançou mais forte, mas o sino continuava mudo, deu uma sacudida bem forte, mas não saía dom algum. Já ia balançar novamente quando apareceu uma mulher alta, negra, com os olhos mais azuis que ele já vira na sua vida.
-Se balançar este sino de novo, juro que o mato.
Harry ruborizou um pouco e colocou o sino no lugar.
-Você podia ouvir o barulho?
-Sim, só na sala ao lado se pode ouvi-los, não é muito conveniente fazer barulho na enfermaria, principalmente se houver mais de um paciente.
Ele ficou constrangedoramente emudecido, a mulher então riu com gosto.
-Também não precisa fazer essa cara. Agora, por favor, levante-se, Norma que falar com você.
Ele não sabia quem era Norma, mas deduziu que era a líder dali, senão ele não teria motivo algum para ser levado até ela assim que acordasse.
Enquanto andava por ali acompanhando a enfermeira, percebeu que a 11ª Divisão era muito, muito diferente da 5ª Divisão. Na 5ª era mais como um pequeno alojamento, casas iguais umas do lado das outras, num pequeno espaço de terra, e apesar de tudo, parecia um local que seria agradável para se acampar. Ali era totalmente diferente, tudo era fechado, não havia janelas e o teto era enfeitiçado para mostrar o céu (assim como em Hogwarts), havia um clima pesado no ar. Sentiu que ali não era um bom lugar para se estar.
-Como está Gina?
A enfermeira não respondeu de imediato, parecia estar escolhendo as palavras certas.
-Está quebrada, toda ferrada. Acabaram com ela de um jeito que o problema é de junta.
-Junta?
-Junta tudo e joga fora...
Harry se sentiu um pouco intimidado pelo vocabulário e o jeito da mulher, geralmente as enfermeiras eram um poço de calma e muitas outras virtudes. Essa definitivamente não era assim.
Pararam em frente a uma porta, a enfermeira bateu antes de entrar, mas nem esperou a resposta.
-O todo-poderoso chegou -anunciou a enfermeira, dando espaço para Harry entrar.
Bom, se Harry antes a achava inconveniente, estava começado a não gostar dela. O 'todo-poderoso' na frase dela lhe soara terrivelmente irônico. Estava descobrindo que não gostava muito de ironias.
Harry olhou para a mulher sentada na cadeira a sua frente. Norma, provavelmente.
Norma era uma mulher muito baixa, tinha praticamente a estatura de uma criança de 10 anos, tinha os olhos extremamente negros e seu rosto tinha traços orientais e nórdicos. Não era uma mulher atraente, beirava a casa dos 70 anos. O desgaste físico era visível. Ela lhe pareceu extremamente frágil.
Olhou pros olhos da mulher e aprendeu uma coisa: não confie somente que vê.

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