Ecos



O tempo foi passando muito rápido e o verão não tardou a chegar, isso significava que o Piscinão de Hogwarner logo estaria aberto.
Para a festa de abertura da estação, Hemmaione a as outras garotas da torcida da Grifinória foram convidadas para apresentar um show exclusivo. Hemmaione treinou exaustivamente as garotas todos os dias, o que realmente valeu a pena. A coreografia, inspirada nos clipes de Brushakira levou cerca de vinte minutos.
Hemmaione e as outras, usando pequenos mini-mini-biquinis, executavam simultaneamente passos impressionantes de dança do ventre que faziam a platéia vibrar.
Depois da apresentação de Hemmaione, Harrycliffe, representante dos jogadores de quadribol fez o discurso de abertura da estação.
Um pequeno grupo de nerds de Hogwarner arriscou a tentativa de fazer uma manifestação contra a ditadura dos jogadores de quadribol e das garotas da torcida, mas não conseguiram produzir muito efeito, pois após dez segundos de invasão foram azarados pelos alunos que estavam de plantão para evitar que algo como isso acontecesse.
Nada poderia abalar o aluno mais popular de Hogwarner naquele dia. Ou quase nada.
Harrycliffe estava sentado no lugar de honra reservado exclusivamente para ele. Era uma cadeira de carvalho debaixo de um gigantesco sombreiro dourado com detalhes bordado pelas freiras cegas do Convento Carmelita de Viena.
O garoto admirava as pessoas se refrescando na piscina quando Runpert se aproximou dele.
– E aí, Harrycliffe? – perguntou o amigo servindo-se de batatas assadas da travessa que estava flutuando ao lado da cadeira – Essa festa parece que vai ser melhor que a do ano passado.
– É verdade. No ano passado nós nem pegamos um bronzeado decente. Mas a Hemmaione inventou aquela poção que as garotas da torcida usam como óleo bronzeador, e eu peguei um pouco para mim. Você sabe que ela é praticamente uma super-mulher.
– Uhum – concordou Runpert com a boca cheia de batatas.
O dia foi passando na mais perfeita paz. Duas ou três vezes a festa foi interrompida pelos alunos que haviam bebido em excesso as cervejas amanteigadas ou o quentão que Madame Rosmeta havia oferecido para a abertura da estação, mas nada que estragasse o clima.
Era quase o final da festa e já estava escurecendo quando coisas estranhas começaram a acontecer.
Harrycliffe estava fazendo o sorteio da rifa cujo prêmio era o lenço com que ele enxugara mais cedo o suor do seu corpo, quando escutou uma voz. Ela parecia trêmula e distante, como um eco.
– Estamos próximos – Harrycliffe ouvia os ecos cada vez mais assustado – na véspera de todos os santos, quando a luz da lua não mais vos protegerá e as trevas tomarão conta de vosso território, nós nos encontraremos, e tudo voltará a ser como era antes. Nós nos encontraremos...
Harrycliffe sacudia a cabeça violentamente, como se não quisesse mais ouvir. Seu queixo estava tremendo e ele respirava muito depressa. Todos olhavam assustados para ele.
– Vocês não estão ouvindo? – gritou Harrycliffe para os outros.
– Ouvindo o quê, cara? – Runpert perguntou, seu rosto não escondia a preocupação.
– Os ecos! Vocês não ouvem?
Os murmúrios dos alunos tomaram conta do Piscinão, todos pareciam tão preocupados com Harrycliffe quanto Runpert.
– Maione! – chamou Harrycliffe – Continue o sorteio, eu tenho que ir.
– Tenha cuidado – disse a garota.
Harrycliffe se afastou correndo da multidão, seguindo os ecos que estavam cada vez mais altos e ameaçadores.
Ele tinha certeza de que agora estava na direção certa. Saiu em disparada em direção à orla da Floresta Negra, descendo os degraus de pedra da escada que levava ao Piscinão.
Seus pés ainda estavam molhados, e ele acabou escorregando no meio da escada. Harrycliffe rolou uns vinte degraus, e depois que caiu na grama ainda rolou mais um pouco.
O garoto levantou sentindo muita dor. Seus óculos haviam se partido em vários pedacinhos, sua sunga havia se rasgado e ele estava nu. Ele se abaixou procurando o que restara dos seus óculos pelo chão, mas só encontrou um pedaço da armação, que agora mais parecia um ferrinho pontiagudo.
Harrycliffe, ainda tonto, olhou à sua volta e percebeu que fora parar perto do estábulo do castelo. Os ecos vinham de lá. Ele foi andando lentamente, atravessando o portal de madeira e entrando no estábulo, a armação dos óculos bem segura em sua mão.
Os cavalos observavam Harrycliffe caminhando nu pelo feno. O garoto estava cada vez mais perto de um cavalo branco, a mão erguida para acariciá-lo. Harrycliffe não sabia o porquê, mas tudo que ele queria naquele momento era estar bem ali onde estava. Sentia uma felicidade inexplicável, ele estava leve, como se estivesse num sonho. Ecos.
– O que significa isso?!
Harrycliffe acordou do seu devaneio, deparando-se com o homem que cuidava do estábulo avançando para ele.
– Os cavalos... Ecos... – gaguejou Harrycliffe.
– Quê?! Ecos?! Saia já daqui, seu depravado! Você não vai cegar os meus cavalos! – gritou o homem empurrando Harrycliffe para fora.
– Cegar? Do que você está falando? – perguntou Harrycliffe.
Então, dando-se conta do realmente estava acontecendo, Harrycliffe largou a armação dos óculos do chão.
– Eu não ia cegar os cavalos!
– Mentiroso! Eu vi! Saia já daqui e vista uma roupa!
Harrycliffe se virou e teve o terror de ver todos os alunos que estavam no Piscinão ao redor do estábulo. Provavelmente os gritos os teriam atraído até ali. Eles o encaravam com expressões chocadas e acusadoras.
– Vocês entenderam tudo errado! – Harrycliffe gritou tentando esconder as suas partes íntimas – Eu não estava tentando cegar os cavalos!
Hemmaione saiu correndo do meio da multidão acompanhada de perto por Runpert que trazia um roupão preto.
– Vamos embora daqui – murmurou Runpert parecendo irritado enquanto passava o roupão por cima de Harrycliffe.
Enquanto os três saíam andando para o castelo, os alunos lançavam olhares de reprovação para Harrycliffe. O garoto ouvia algumas palavras soltas como “tarado”, “zoófilo” e “maníaco”. Depois de alguns minutos, eles conseguiram chegar à Sala Comunal da Grifinória, que estava vazia.
Talvez fosse impressão de Harrycliffe, mas ele poderia jurar que Pamela Anderson havia dado um sorrisinho um pouco mais safado do que o normal para ele.
– O que foi que aconteceu lá embaixo, cara? – perguntou Runpert num tom de voz sério que não parecia ser o dele.
Harrycliffe narrou o incidente para os amigos. Falou sobre os ecos que o levaram para o estábulo e o que realmente estava fazendo com os cavalos.
– Não liga pra isso, Harrycliffe – disse Hemmaione maternalmente – Amanhã acontece outra coisa, e ninguém vai se lembrar mais dos cavalos.
Mas não foi exatamente assim.
O verão já havia acabado e o outono avançava aos poucos, mas não havia uma pessoa em Hogwarner que falassem de outra coisa que não tivesse relação com Harrycliffe e os cavalos.
O garoto havia sido demitido do seu cargo de representante dos jogadores de quadribol no mesmo dia da festa, e consequentemente deixara de ser o mais popular da escola.
As pessoas agora não se preocupavam mais em baixar a voz para xingá-lo quando ele andava pelos corredores, e várias vezes ele acabou azarado.
– Tenho que fazer alguma coisa! – disse ele a Hemmaione e Runpert uma noite, na Sala Comunal.
– Que tal você voltar a ser aquele Harrycliffe de antes? Quieto, na sua, que nunca gostou de chamar a atenção dos outros e que está sempre querendo ajudar o próximo.
– Você está louco, Runpert? – perguntou Harrycliffe com um sorrisinho meio alucinado no rosto – Eu já sei exatamente o que eu vou fazer.
– E o que seria? – perguntou Hemmaione olhando rapidamente para Runpert.
– Não é óbvio? – sorriu Harrycliffe – Vou dar uma festa de arromba!
Hemmaione deu pulinhos de alegria e começou a gritar para quem quisesse ouvir os seus planos para a festa e as suas dúvidas sobre qual dos 5002456 tons de rosa existentes ela escolheria para fazer o seu vestido.
Runpert continuou sentado em silêncio profundo, como se tivesse acabado de levar um choque violento.

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