Capítulo Seis



Ginny não conseguira dormir aquela noite. De fato, girou de um lado para o outro em sua cama improvisada, até que finalmente se desse ao luxo de cair dela e bater a cabeça na grama. Resmungou um ‘Maldição!’, enquanto voltava para a cama, tirando a terra batida dos pés.

Ela sentia que precisava vomitar, de tanto que sua cabeça estava girando. Mesmo deitada, aquela sensação de tudo estar girando em sua volta prevalecia. Oh, meu Deus. O noivo estava vivo.

Ela esfregou o rosto nas mãos e soltou um grunhido. Pensou nos momentos em que estivera ao lado dele, nos momentos em que sequer imaginava quem ele significava para sua vida: prisão e desgosto.

Tudo bem, psicologicamente ela havia se preparado para todo o tipo de situação, como sofrer inveja e desrespeito por parte das enfermeiras, deixar um homem morrer em suas mãos, até mesmo ser raptada!

Claro, ela havia pensado em coisas absurdas, mas pensar que salvaria a vida de seu noivo era a mais absurda delas, mesmo que, em tese, fosse algo simples e aparentemente comum.

Escutou Anna Beth, a gorducha, soltar um ronco longo e sonoro. Amanda jogou um travesseiro em cima da mulher, que resmungou algo. Ginny pareceu sequer prestar atenção nisso. Fechou os olhos e inspirou profundamente, tentando afastar a sensação de náuseas que a invadiu ao ter o horrível pensamento de que ele a descobrisse.

O que aconteceria se o homem descobrisse quem era ela? Possivelmente, ficaria furioso, Ginny pensou ao se lembrar da expressão carrancuda que ele tinha quando menino e, principalmente, quando a via. E se já o era assim, possivelmente e provavelmente ele seria horrivelmente pior agora.

Ele também poderia obrigá-la a voltar para casa.

Aquele pensamento causou um frio horrível que percorreu por toda a espinha da jovem. Voltar? Depois de tudo? E sem sequer ter terminado a guerra?

Ela se sentou, com o estômago embrulhado. Não, ele não poderia sequer sonhar quem era ela, e faria isso ficando o mais longe possível dele.

Mary que cuidasse dele, ela não ia se dar ao luxo de perder tudo o que conquistara até então.

Desistiu de dormir; estava muito agitada para conseguir voltar a sequer fechar os olhos. Levantou-se e seguiu até o biombo da tenda para começar a colocar sua roupa. Ela tinha o costume de deixar alguns fios vermelhos escapar de sua boina, por simples descuido, mas agora teria que tomar o cuidado em dobro de não deixar aparecer nada, afinal, se Mary percebera, Carlinhos teria uma facilidade em dobro... E então o inferno estaria armado. Ele abriria a maldita boca para Potter.

Quando terminou de se vestir, fez-se quase que um ritual prender as madeixas rubras. Quando finalmente colocou a boina, sentiu-se satisfeita; não havia fio algum à vista.

Inspirou profundamente em torno de quatro vezes, antes de finalmente abrir o manto, que separava a ala de tratamento de soldados da ala de repouso das enfermeiras.

Assustou-se ao dar de cara com Mary.

- Oh, meu Deus, me desculpe! – sussurrou a amiga ao ver Ginny pular e abafar um grito. – Pensei que todas já estivessem dormindo, com exceção de mim e Elizabeth.

- Não consegui dormir. – a ruiva sussurrou dando de ombros. Mary a estudou por um momento.

- Ginny, está pálida como um cadáver.

- Imagino que sim. – a jovem respondeu num muxoxo.

Ela tentou passar por Mary, mas esta a impediu de fazer.

- O que aconteceu, menina?

- Oh, não se faça de desentendida. – ela resmungou. – Eu já descobri tudo. – Mary arqueou uma sobrancelha. Ginny suspirou. – Sobre o comandante, Mary. Sei quem ele é.

Mary arregalou os olhos.

- Imaginei que você não soubesse quem era ele. Então, quer dizer que você sabia?

- Não. Soube depois que as outras enfermeiras me acordaram. – ela estava bastante infeliz. – Isso foi o que me fez perder o sono.

Mary a estudou por um momento. Depois resmungou um ‘tagarelas!’.

- Como se sente?

- Quero enfiar minha cabeça em um buraco e vomitar até perder a consciência. Parece que vou perder meu estômago.

Mary reprimiu uma gargalhada.

- Vamos, Ginny, não deve ser tão horrível assim.

Com toda a certeza, a menina nobre estava aprendendo os comportamentos das camponesas. Sem delicadeza, ela cruzou os braços e sorriu debochada.

- Claro que não. É um pesadelo.

- Ginevra? – Mary e Ginny se sobressaltaram. Amélia estava ao lado delas. – O que faz acordada?

- Não consegui dormir. – a jovem deu de ombros. Amélia a encarou por um tempo, antes de suspirar.

- Muito bem. Então, se não consegue dormir, ajude Mary e Elizabeth e tome conta do comandante, por favor.

Mary parou de sorrir e Ginny, que estava recuperando a cor, ficou branca novamente. Ela olhou para Amélia com os olhos suplicantes.

- Amélia...

Mas a chefe das enfermeiras não parecia nem um pouco piedosa.

- Sim?

- Pode colocar Mary para cuidar do comandante, enquanto eu...

- Se eu quisesse que Mary cuidasse do comandante, teria pedido a ela e não a você, Ginevra. – a mulher disse o óbvio e suspirou. – Você quem curou o comandante, então, quero que esteja ao lado dele, enquanto ele se recupera. – ela balançou uma das mãos displicente. – Você já demonstrou que não mistura seu trabalho com seu sentimental, enquanto esteve cuidando de seu irmão, então sei que consegue fazer isso com seu noivo.

- Ele não pode saber quem eu sou. – Ginny foi enfática ao ditar uma regra, mesmo que sua voz estivesse estrangulada. Amélia a estudou.

- E por quê?

- Não quero que ele descubra quem sou eu. Poderia me obrigar a voltar para casa.

Amélia apenas concordou porque teve medo que, se negasse aquilo, Ginny desabasse no chão.

- Sim, tudo bem.

Sem dizer mais nada, Amélia se afastou. Ginny passou a mão pelo próprio rosto, desolada.

- Vou ter de me controlar. – murmurou quase para si mesma.

- Por quê?

- Para não afogá-lo no travesseiro.

Mary evitou uma gargalhada estridente, enquanto a jovem arrastava-se até o leito de seu noivo.




Já estava amanhecendo quando Ginny escutou uma voz rouca chamando-a.

Ela estava trocando os panos do comandante quando escutou a voz, que vinha do leito de seu irmão.

Ginny congelou e parou sua atividade – colocar um pano úmido na testa do comandante – ao escutar seu nome vindo da boca do próprio irmão. Os olhos, arregalados.

Ela procurou por Mary com o olhar, mas esta parecia muito absorta em uma conversa com John, sobre a guerra e possivelmente, sobre o futuro casamento. Ginny imaginou que Mary levaria uma grande bronca quando Amélia descobrisse tal acontecimento. Elizabeth acabara de chamar o clérigo, para que este pudesse rezar pela alma de mais um soldado, que mostrava a longos passos, que partiria em breve.

Era impossível então chamar qualquer uma das duas para que atendesse o irmão, e isso fez Ginny suspirar. Não era nada legal que o irmão a visse, enquanto estava delirando coisas de infância.

- Tenho uma obrigação. – ela murmurou a si mesma. – Cuidar do comandante. Então, trate de ficar aqui. – ordenou a si mesma.

Ela, com grande custo, voltou sua atenção ao homem e ao colocar os panos sobre a testa do rapaz, ela sentou-se ao lado dele. Quando seu irmão quase choramingou seu nome, ela suspirou cansada e levantou-se, caminhando até ele.

Charles tinha os olhos fechados e a testa molhada com gotas de suor. Ele apertava o lençol e às vezes fazia umas caretas que Ginny achava muito engraçadas, quando criança.

Foi então que o irmão deu um sobressalto na cama, acordando.

- Oh, maldição. – ele suspirou e murmurou a si mesmo. – Que pesadelo.

Charles assustou-se ao ver a figura de uma enfermeira debruçada sobre ele.

- Sente-se bem, lorde Weasley?

O soldado ruivo piscou, as íris azuis confusas.

- Sim, apenas tive um pesadelo.

- Não sente dores de cabeça? – a enfermeira perguntou mais uma vez.

- Não, apenas minha perna lateja. – ele bocejou. - Quero andar um pouco. Sinto-me preso neste leito.

Ela sorriu com ternura.

- Ainda não está em condições de andar, soldado, mas em breve estará. Procure manter a calma. Mas sobre seus choramingos durante seu sonho... Tem certeza de que não sente febre ou algum desconforto na cabeça?

Ele a encarou mais uma vez, aturdido.

- O que eu disse em meu sonho?

- Chamou o nome de sua irmã, senhor. – Ginny comentou. – Apenas isso.

- Chamei a Ginny? – ele perguntou confuso.

- Sim, chamou.

Eles ficaram em silêncio por um tempo. Mary veio ao encontro de Ginny, com uma remessa de panos.

- Trouxe mais panos limpos, para quando for trocar os que estão sobre o corpo do comandante. – Ginny sorriu agradecida.

- Obrigada, Mary.

Ela já estava voltando ao leito do noivo, após certificar-se que seu irmão tivera apenas um pesadelo, quando este a segurou pela mão.

Ela virou-se, assustada.

- Algum problema, soldado?

Ele assentiu. Ela perguntou o que seria o tal problema. Charles Weasley suspirou profundamente. Seu rosto estava endurecido e aborrecido.

- Quanto tempo pensou que iria me enganar, Ginevra Molly Weasley?

Ginny ficou estarrecida, enquanto seu irmão ainda segurava sua mão. Ela pensou que falaria alguma coisa, mas sua boca não emitia som algum. Piscou para o irmão, completamente desorientada.

Logo depois, sacudiu a cabeça e esboçou um sorriso pouco convincente.

- Está me confundindo com sua irmã, lorde Weasley, provavelmente graças ao sonho que teve...

- Ora, por favor, Ginny. Você não é tola, nunca foi. Não consigo acreditar que acredita que estive dormindo e sonhando com você.

- Não sou sua irmã.

- Claro que é. – teimou Charles. – Como então saberia que minha irmã chama-se Ginny?

- Todo mundo conhece seu clã, soldado. – ela balançou a mão livre, displicente. – Sei quem é sua irmã, de nome.

Charles bufou.

- Eu escutei a conversa das enfermeiras, enquanto fingia que dormia. Escutei falarem que uma enfermeira chamada Ginny me trata muito bem, enquanto eu durmo, mas que sequer aparece em meu leito enquanto estou acordado. Disseram o motivo, e consegui escutar muito claramente a palavra ‘irmãos’.

Ginny sentiu o pescoço ficar ligeiramente vermelho. Ela não conseguia acreditar que as enfermeiras tiveram a capacidade ignorante de comentar alguma coisa na presença de doentes, principalmente de seu irmão, quando este poderia arruinar tudo o que estava tentando construir.

- Não é educado de um lorde escutar conversas alheias, soldado. – ela replicou com uma careta aborrecida. – E não sou Ginny.

- Então quem é?

- Não tem nenhuma Ginny aqui.

Charles riu debochado, mas arrependeu-se ao sentir dor. Mesmo assim, encarou a irmã com bravura.

- Vi enquanto esteve adormecida ao lado do comandante. – ele replicou. – E vi a cor de seus cabelos.

- Ora, por favor! – ela girou os olhos, num gesto nada feminino. – Não existem apenas os Weasley como ruivos na Inglaterra! – ela pareceu pensativa por um tempo. – Sou das Terras Altas, esse é o motivo por ter cabelos rubros.

Charles sorriu irônico.

- Nunca que alguém das Terras Altas viria em socorro de ingleses, irmã. – ele balançou a cabeça. – Talvez ajudasse nossos inimigos, mas ajudar a nós? Disse uma coisa que serviu de sua própria armadilha, Ginny.

- Não sou Ginny, maldição! – ela reclamou soltando-se do irmão e cruzando os braços. – mas seus ombros caíram quando o olhar inquisidor do irmão caiu sobre ela. Suspirou. – Não vou voltar para casa nem que você arme o inferno, Carlinhos.

Ele colocou a mão sobre o corpo desta vez para rir.

- Eu sabia que era você, tinha certeza. – ele encarou a irmã, fascinado. – Como conseguiu convencer papai e mamãe?

- Não convenci, eu fugi. – ela colocou as mãos atrás do corpo e deu de ombros.

- Você tem o espírito de rebeldia de Ron. – Charles comentou casualmente, com um sorriso nos lábios. – Sempre foi assim, sempre diferente de todas as meninas de nossa sociedade. – ele abriu um largo sorriso. – Aprendeu a ter modos, mas quando ninguém a vê, tem um espírito de liberdade que ninguém pode controlar, acho.

Ginny estava perplexa. Até o presente momento, Charles não armara o inferno dizendo que tudo o que estava fazendo era errado e que ela devia voltar para a casa para permanecer pura e ingênua para seu futuro marido. Na verdade, ele parecia achar graça.

Mas ela não reparou que seus olhos ficaram estranhamente nublados, como se ele soubesse de algo.

- Suas mãos estão calejadas. – ele notou. – E seus modos estão horríveis, irmã. Mamãe pediria para que os Céus a arrebatassem se soubesse que você solta blasfêmias por todos os cantos agora, quando nervosa.

Ela sorriu. Ele continuou.

- Então, você fugiu. Por quê?

- Queria ajudar na guerra. – ela especificou. – E não agüentava mais ficar trancada dentro de casa, como um animal enjaulado. E porque acho injusto que vocês tenham o direito de fazer algo e que eu não o tenha.

- Você estava se guardando para ajudar o nosso rei, Ginny.

- Ao rei ou ao burgo de nosso país? – ela perguntou com azedume.

- Não fale assim de nosso país, Ginevra. – repreendeu Charles. – Papai e mamãe estão muito preocupados com o futuro de nosso rei. E este fica muito satisfeito que duas famílias tão amigas unam-se em laços matrimoniais para ajudá-lo. E não se esqueça que papai tem de pagar seu dote.

Ginny bufou. Charles e sua idolatria cega pelos pais, ela pensou. Mas ela não percebeu a emoção expressa em seu olhar, e o que ela poderia supostamente significar.

- Por quê você não faz os tais laços, então? – ela rebateu. – Seria interessante assisti-lo, preso em nossa casa, enquanto a irmã de Potter estaria na guerra e você estaria estudando arte, etiquetas e como ser a esposa estúpida!

Charles riu.

- Você sabe que isso jamais aconteceria. Uma, porque não é educado um homem usar vestido. E dois, porque Harry não tem irmãos ou irmãs.

Ela suspirou aborrecida.

- Estou pedindo apenas que se coloque em meu lugar e compreenda minha situação, Carlinhos.

Ele sorriu. O corte acima de sua sobrancelha finalmente começara a se cicatrizar.

- Eu compreendo. É por isso que não estou armando um inferno.

Ela estava furiosa que seu irmão havia sido mais esperto que ela, e sentiu-se muito idiota por não ter bolado uma mentira melhor. Mas tudo isso era recompensado pelo fato de que seu irmão não a faria voltar para casa, e que talvez a apoiasse em toda aquela loucura.

Suspirou.

- Diga-me, Ginny... – ele começou.

- Sim?

Charles abriu um largo sorriso.

- Já descobriu quem é o comandante?

O cenho da jovem cerrou-se.

- Sim. – limitou-se a dizer.

- E então, o que me diz?

- Ele não pode saber quem sou.

O irmão piscou aturdido.

- Como não? Ele é seu noivo.

- Por isso mesmo.

Charles ia abrir a boca, quando Ginny disparou:

- Nem pense em contar a ele quando ele acordar, Charles Weasley.

Ele percebeu os olhos da irmã faiscar.

- Por quê você não quer...

- Prometa. – ela o cortou.

- Ginny, por favor, eu não faço mais isso...

- Prometa! – ela repetiu, ficando avermelhada mais uma vez no pescoço. Seu irmão conhecia bem o que aquilo significava.

- Muito bem. Mas seu noivo é astuto. Se não se cuidar, ele vai conseguir descobrir por si só quem é você.

Ela falou cheia de determinação quando deu as costas ao irmão para ir cuidar do comandante:

- Ele não vai descobrir. Eu sou mais astuta do que ele.




Era como se todos os ossos de seu corpo tivessem sido esmagados por um exercito inteiro. Toda parte em seu corpo doía de tal forma como se fosse impossível voltar a não sentir nada novamente.

Sentiu algo incomodando seu peito, e instintivamente ele levou a mão até o local, mas alguém o impediu no meio do caminho. Ainda de olhos fechados, ele soltou-se da pessoa e disse um sonoro palavrão. Tentou mover-se mais uma vez, mas foi novamente impedido. Sua cabeça girava loucamente, e ele estava se esforçando ao máximo para se lembrar o que poderia ter acontecido.

Estava na guerra. Sim, isso ele conseguia se lembrar. Deram-lhe o titulo de comandante, com Longbotton dizendo que era o mais apropriado a ser feito, tendo em vista que era o melhor de todos, o mais dedicado. Lembrou-se passando uma noite em claro bolando estratégias, sozinho.

E então se lembrou: fora atingido no dia que se seguiu, para salvar a vida de outro soldado.

Abriu os olhos vagarosamente. A luz incomodava seus olhos de tal forma que ele não conseguia explicar. Tudo estava difuso em seu campo de visão.

Aos poucos, tudo foi entrando nos conformes. Estava deitado em um lugar quente e macio, e sentiu um pano úmido em sua testa. Fechou os olhos e suspirou.

- Maldição. – resmungou com a voz rouca.

Será que ele estava bom o suficiente para poder voltar em campo?, pensou. Não queria abrir os olhos e ter a deprimente resposta de que estava estraçalhado e talvez nunca mais puder sequer levantar daquela cama. Sentiu o medo invadi-lo. Não, aquilo não iria acontecer. Imaginou o tamanho de desgosto que sua mãe sentiria ao vê-lo em um estado tão decadente.

Seu pai talvez não achasse o mesmo, pensou irônico. Diria que isso apenas provava o quanto fora corajoso.

Mais uma vez, ele abriu os olhos. Desta vez, deparou-se com uma mulher debruçada sobre ele, arrumando o pano em sua testa. Ela sorriu ao vê-lo a encarar.

Ela vestia branco e usava uma boina. A pele era clara e tinha olhos incrivelmente azuis, que piscaram para ele antes de sorrir.

- Como se sente, comandante?

Ele balançou a cabeça lentamente.

- Como se estivesse no inferno. – resmungou. – Sinto dor em todos os lugares.

A mulher sorriu com graciosidade.

- Isso é normal, comandante, mas lhe asseguro que em breve não sentirá mais nada.

Ele não conseguiu acreditar nela. Tudo em seu corpo doía de tal forma que ele pensou que melhorar jamais seria possível.

- Quero voltar ao campo de batalha. – declarou. A mulher o fitou por um tempo.

- Está tudo sob controle. Seus homens estão lá e Longbotton os está guiando ainda nas estratégias que o senhor armou, comandante. – ela sentou-se na cadeira ao seu lado.

Harry balançou a cabeça, completamente desgostoso que a mulher o tivesse contrariado. Sentiu mais uma fisgada terrível de dor e grunhiu.

- Foi você quem me tratou, enfermeira?

Ela balançou a cabeça, negativamente.

- Não, senhor. Por quê a pergunta?

- Quero matar a enfermeira que me provoca toda essa dor.

A enfermeira abriu um largo sorriso.

- A enfermeira que tratou do senhor está cuidando de Charles Weasley no momento. – explicou. – Na verdade, trocamos os cuidados por um breve momento, eu nem deveria estar aqui e ela nem deveria estar lá.

- É Amélia quem está cuidando de mim?

- Não, senhor. Mas esta enfermeira designada para cuidar de você é igualmente boa. Amélia pode confirmar isso.

Ele soltou um suspiro dolorido e ficou imaginando o quanto reclamaria com a enfermeira quando a conhecesse. Se ser boa era fazê-lo sentir dor, ele preferia estar morto. Escutou o biombo sendo arrastado e a voz da enfermeira de olhos azuis dizer:

- O comandante acabou de despertar.

- Já não era sem tempo.

Harry se pegou degustando o som daquela voz feminina. Era uma voz de fala macia e completamente maravilhosa de se ouvir. Delicada, mas segura, usada no tom certo.

Antes que ele pensasse em inclinar o pescoço para ver a dona daquela voz, a mesma já estava inclinada sobre ele.

- Como o senhor se sente comandante?

A primeira coisa que reparou foi a cor de seus olhos. Não eram azuis sedutores, tampouco verdes. Eram castanhos. Mas aquilo não poderia ser considerado um castanho comum, ele pensou aturdido. Eram como se duas jaspes estivessem brilhando exclusivamente para ele, naquele momento.

A jovem do belo olhar tinha sardas, mas nada exagerado. Cobriam o nariz e poucas partes das maçãs do rosto. Rosto, que apresentava uma pele de textura tão macia quanto algodão. Havia um ar inocente e puro em seu rosto que o deixou hipnotizado, porque ao mesmo tempo havia uma pena linha que mostrava que a enfermeira à sua frente era uma durona.

Logo em seguida, toda a beleza inacreditável que encontrou na jovem desapareceu quando ele sentiu uma nova fisgada de dor.

- Dor. Dor, dor e dor. É a única coisa que eu sinto. – reclamou. A bela enfermeira retirou o pano em sua testa e colocou a mão no lugar, em silêncio. O toque foi simples e rápido, mas ele não pôde deixar de notar que a mão dela era macia e morna.

- Pelo menos já não tem mais febre. – ela comentou no mesmo tempo que afirmava o que dizia mexendo a cabeça.

- Mas continuo sentindo dor. – ela deu de ombros, displicente.

- Isso é o que se espera que o comandante sinta. – replicou, enquanto arrumava o travesseiro dele. – O que esperava? Que salvasse a vida de um de seus soldados, quase morresse e no fim das contas acordasse sem um único vestígio de dor?

Ela soltou um sorriso debochado para ele e deu as costas, voltando-se para a outra enfermeira.

- Estive com Charles Weasley e acredito que hoje à tarde ele já possa tentar levantar-se.

A enfermeira de olhos azuis balançou a cabeça.

- Não acredito que Amélia aprovaria.

- Creio que aprovará, Mary. É só falar com ela. E lorde Weasley sente-se completamente irritado pelo fato de não poder se levantar. Sua perna já não dói com mais tanta freqüência como antes.

Mary deu de ombros.

- Falarei com Amélia, mas eu ainda não creio que ela deixará. Entretanto... Charles já tomou seus remédios?

- Você sabe que eu não posso fazê-lo. É você quem está tomando conta dele.

- Bom, então irei cuidar dele, enquanto você continua tomando conta do comandante.

Ele viu a enfermeira dos belos olhos castanhos torcer o rosto em uma careta desgostosa para Mary, que se retirava com um sorriso sarcástico na face. Ela soltou um suspiro derrotado e sentou-se na mesma cadeira que Mary sentara minutos atrás. Tomou um pequeno bloco de anotações e escondeu-se atrás dele.

Harry estava fascinado pela figura da enfermeira. Ele sabia que a maior parte das enfermeiras eram novas, mas era claro que a que cuidara dele parecia ser a mais nova delas. Entretanto, ela parecia ser tão segura quanto uma enfermeira experiente. Distraidamente, ela lia o que escrevia e coçou o queixo, sem reparar em seu gesto, antes de voltar novamente a escrever.

Ele não conseguia explicar, mas a jovem tinha uma mistura de inocência e certa rebeldia que o encantou assim que ela replicou sobre o fato de ele sentir dores.

A jovem enfermeira parou de escrever e o fitou, com um ar confuso.

- Sente alguma coisa, comandante?

Ele balançou a cabeça.

- Já disse. Sinto dor.

A jovem pendurou o rosto para um dos lados e encolheu os ombros.

- O senhor já deixou bem claro isso três vezes. Pergunto-me se é por isso então que fica me encarando.

Ginny não entendeu porque o homem sorrira com sua resposta malcriada.

- Sua atitude é tão ruim quanto sua habilidade em curar as pessoas. Sinto mais dor do que quando fui atingido.

A enfermeira cerrou os dois jaspes para ele. Ele abriu um sorriso ainda maior ao ver que havia a provocado.

- Quem sabe, então, o senhor tenha preferido ter morrido? – Harry fechou os olhos, mas não desapareceu com o sorriso.

- Talvez. Assim, não sentiria dor.

A jovem abriu um sorriso maldoso, enquanto se levantava e caminhava até o biombo.

- Me admira que tenham elegido milorde como um comandante. – ela virou-se para ele com um sorriso de uma criança matreira nos lábios. – Chora e reclama como um bebê. Imagino também que seja mimado e que só se satisfaça quando seguem suas ordens infantis.

Ela pensou que Potter fosse explodir com ela, mas enganou-se. Isso só o fez abrir um sorriso ainda maior. Ginny se perguntou se ele havia enlouquecido e perdido as maneiras quando foi atingido. Deu as costas a ele para buscar os remédios dele, quando ele a chamou.

Ela virou-se confusa.

- Sim?

- Poderia me dar o prazer de saber seu nome, enfermeira?

Ginny ficou em silêncio por um momento. Distraidamente, molhou os lábios cereja com a pontinha da língua e seus olhos assumiram um brilho zombeteiro.

- O comandante sabe que sou a enfermeira encarregada de cuidar do senhor até que melhore, não sabe? – ele assentiu.

- Sim, foi o que a outra enfermeira disse.

Ginny sorriu como uma criança zombeteira e disse, com o sorriso ainda nos lábios.

- Então, é isso tudo o que milorde precisa saber. – disse, arrastando o biombo e saindo do alcance de vista de Harry.

Continua...

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