Capítulo Cinco



Ela não sabia o que a assustava mais: o fato de estar tentando salvar a vida do comandante ou o fato de estar fazendo tal coisa pela primeira vez, sozinha.

Tudo ela fizera com a maior concentração possível, e seu tom era duro como de um general quando ela pedia que lhe trouxessem mais água, linha ou panos. Uma gota de suor escorreu por sua têmpora enquanto ela tentava costurar o peito do homem.

O homem estava apagado sobre a mesa. Quando chegara, ainda havia o suor da batalha em seu corpo, mas Ginny fizera tudo muito bem detalhado; ordenara que o limpassem enquanto ela começava a olhar todo o estrago feito no homem.

Por sorte, pura sorte, aparentava ser tudo horrível, de modo que ele não sobrevivesse. Mas apenas aparentava ser pior do que realmente era.

O comandante sobreviveria.

Quando Ginny finalmente terminou de costurá-lo, ela franziu o cenho e pousou as costas de sua mão sobre a testa do homem. Mary estava ao seu lado.

- E então, Ginny?

- Ele vai sobreviver. – Ela virou-se para a amiga com um sorriso na face antes de pegar um pano, umedece-lo e colocar com cuidado sobre a testa do homem. – Mas vai armar o inferno quando acordar. Vai reclamar muito de dor.

- Estarei do lado dele quando ele acordar, se quiser. – Mary prontificou-se. – Você precisa descansar menina.

Ela assentiu.

- Sim, eu sei. Na verdade, passei por tamanho desespero e medo agora, talvez vá demorar um pouco até que toda essa agitação desapareça e o cansaço bata.

Ela passou a mão pela própria testa e suspirou aliviada. O homem sobreviveria, e isso já trazia uma paz imensa para seu coração. Não assassinara o primeiro homem que passara por suas mãos, isso já era o maior motivo de seu alivio.

Ele estava pálido como um defunto, e ainda respirava com grande dificuldade, embora já estivesse fora de perigo. A área costurada era a única cor viva em seu corpo. Ela se pegou encarando o homem.

- Como será que ele foi atingido?

Mary deu de ombros, mas aproximou-se dele e o encarou.

- Ele não parece ser muito velho para ser um comandante.

Sim, Ginny também havia percebido isso. Ele era novo demais para comandar alguém, pensou.

Alguém arrastou o biombo e as duas enfermeiras se sobressaltaram, mas no instante seguinte Mary soltara um som de surpresa e se jogara nos braços do soldado que apareceu. Ginny arregalou os olhos.

- Oh, John! – Mary choramingou enquanto o agarrava com todas as forças. Ela parecia uma boneca de porcelana, delicada e pequena nos braços de um homem que parecia um gigante. – Eu pensei que você havia sido ferido quando chegou à nova remessa!

Ele era muito bonito, Ginny pensou ao observar os cabelos castanhos e os olhos cinza. Ah, sim, e também gigantesco. E havia amor em seus olhos ao se dirigir para com Mary.

- Está tudo bem, Mary querida. – ele lhe assegurou. – Não existe um arranhão sequer em mim.

Ela se afastou e o encarou.

- Estive tão preocupada, por todo esse tempo!

Ele segurou sua mão e a beijou. Mary fechou os olhos e suspirou. Ginny já estava pronta para sair dali quando o homem lhe dirigiu o olhar e a atenção.

- Você foi a enfermeira que cuidou do comandante?

Ela se atrapalhou e piscou para ele. Era inacreditável que antes havia sido como um general e agora estivesse tão envergonhada.

- Sim, fui eu.

Ele a estudou por um momento.

- E então?

- O comandante vai sobreviver. – Ginny lhe assegurou. – Mas não sei quando irá acordar. E de fato, o homem precisa de um descanso merecido.

John suspirou.

- O comandante é um homem forte. Às vezes até demais para seu próprio bem. Nunca vi tanta garra em um ser só.

- Você o viu se ferir? – Ginny perguntou e John assentiu.

- Oh, se vi. Ele está desse jeito porque salvou minha vida. Nunca vi alguém se preocupar tanto com os soldados. Ele não é de falar muito, mas demonstrou esses dias, quando foi nomeado, que estava fazendo o máximo para que nenhum de nós se machucasse. E que nós vencêssemos a guerra, é claro.

Então ele quase foi morto para salvar um soldado? Ginny não conseguiu evitar ao sentir uma sensação de admiração por aquele homem ali deitado. Ela imaginou tentar conversar com ele quando acordasse sobre isso.

- Foi uma sorte que lhe salvassem a vida. – Mary sussurrou, encostando sua cabeça no peito do homem. Ele sorriu.

- Já lhe disse que estou bem, Mary. Por que tanto medo, ainda?!

- Quero me assegurar de que você está realmente bem. – ela disse com a voz um pouco trêmula. John simplesmente sorriu.

- Estou bem, querida. Procure se acalmar.

Ginny realmente estava pronta para sair dali, mas enfermeira e soldado fizeram isso no lugar dela, deixando-a sozinha. Sentia-se envergonhada por assistir a cena de romance dos dois, e ao mesmo tempo uma pontada de inveja cortava seu peito. Nunca conseguiria uma vida daquelas, por mais que estivesse tão parecida. A de Mary era completa... Na de Ginny havia certo vazio, preenchido com o fato de que era obrigada a ser noiva de um morto.

Não era tempo de ficar sentindo pena de sua vida, ela ralhou consigo mesma aborrecida e, mesmo que quisesse, afinal de contas, estava fatigada e pensava seriamente em seguir o conselho de Mary e descansar. Mas não antes de passar a primeira meia hora ao lado do comandante, para certificar-se se ele ficaria realmente bem.

Afastou o biombo e colocou uma cadeira ao lado do leito do comandante, disposta à observa-lo durante meia hora.

Quando Draco Malfoy entrou na tenda das enfermeiras ao saber que seu comandante sobreviveria, deparou-se com a cena da enfermeira que cuidara dele profundamente adormecida.

A jovem estava com a cabeça pendurada sobre o ombro e ele imaginou que ela ficasse com uma terrível dor no pescoço quando acordasse. A boina da enfermeira escorregara até seu colo, e seus cabelos trataram de se agitar, fazendo com que algumas madeixas rubras caíssem sobre seu rosto, emoldurando-o. Uma das mãos estava sobre o colo da moça e a outra pendurada ao lado.

Draco piscou aturdido quando percebeu que estava fascinado pela figura da jovem. Nunca tinha visto em toda a vida mulher mais bela que aquela, mesmo que dormindo! Ela tinha uma expressão serena, mas ele já havia desfrutado da veia autoritária e irritada da jovem. A mulher, assim como seus cabelos, era uma brasa pura.

Estava completamente paralisado pela beleza encantadora da jovem, que sequer percebeu quando Frank Longbotton apareceu em seu lado.

- Fiquei sabendo que o comandante sobreviverá.

Draco sobressaltou-se e encarou o homem, com o cenho franzido.

- Não deveria estar no campo de batalha?

- Houve uma pausa. Ambos os lados não vão atacar hoje. Decidi vir até aqui para saber.

- Ele sobreviverá. – uma voz ecoou atrás deles e ambos se sobressaltaram. Draco bufou por estar tão distraído. – O comandante esteve sob os cuidados das melhores mãos.

Draco percebeu que assim como ele, Frank reparara na beleza formidável da jovem que dormia ao lado do leito do comandante.

- Amélia – ele sussurrou. – Nunca pensei ter visto...

- Ela é novata. – a mulher respondeu. – Mas sem duvida é a melhor de todas nós. Tem uma garra que algumas aqui jamais conseguiriam ter.

- Percebi isso quando ela começou a ter a audácia de ditar ordens para mim. – Draco falou, mas seu tom soara como um elogio. Amélia abriu um largo sorriso.

- É por isso que a alistei. Mas presumo que tenha exigido demais da menina. Está quase dois dias sem descansar direito. Cuida de todos os presentes com a maior atenção.

Frank assentiu para que mostrasse que prestava atenção. Malfoy já estava vislumbrado com a beleza da jovem novamente.

- Ela quem curou nosso comandante, Amélia? – perguntou Frank.

- Sim, foi ela. – Amélia assentiu sem sorrir. – Fiquei apreensiva de inicio, pensando que ela não seria capaz, mas vejo que me equivoquei. O homem está completamente fora de perigo, e com chances de sobreviver realmente maravilhosa.

- E Charles Weasley? – perguntou o homem.

- Já está se recuperando. Mary quem cuida dele, e quando ele dorme, ela costuma trocar seus curativos. – disse indicando Ginny com a cabeça. Então mudou de assunto. – Como está a guerra, lorde Longbotton?

- Equilibrada. – o homem balançou a cabeça. – Não se dá para dizer ainda qual de nós irá vencer. Estávamos ganhando até nosso comandante ser atingido, mas agora ficamos em desvantagem: os soldados ficaram aparvalhados sem ter quem lhes ordenar.

Malfoy balançou a cabeça, finalmente acordando de seu devaneio.

- Ele é forte. Na verdade, muito forte. Assim que acordar tenho certeza que fará de tudo para que se recupere o mais rápido possível, para voltar a guerra, tenho certeza.

Amélia estava estranhamente pensativa. Frank, que a conhecia desde a infância já que ela era de seu burgo, percebeu.

- O que lhe aflige Amélia?

- Nada de muito importante. – ela sussurrou. – Apenas gostaria de saber qual vai ser a reação do comandante ao acordar e perceber que não poderá ir imediatamente para a guerra.

- Possivelmente ficará furioso, você conhece a veia que os Potter têm. Eles odeiam ser contrariados e são mais teimosos que um cavalo selvagem.

Amélia na verdade estava pensando como o rapaz reagiria ao saber que a salvadora de sua vida na verdade era também sua noiva e ficou se perguntando qual seria a reação dos homens também quando soubessem que a mulher a quem tanto eles apreciavam era a futura esposa de seu comandante.




John, Draco e Frank conversavam em um canto separado das enfermeiras, possivelmente sobre a guerra. Enquanto isso, as mulheres aproveitavam para colocar em dia as conversas, já que todo o desespero com a nova remessa de homens feridos havia finalmente acalmado, e todos descansavam.

A gorducha com quem Ginny havia brigado antes passou a mão pela testa suada e suspirou.

- Meu Deus, essa noite foi uma loucura completa!

Uma outra enfermeira concordou.

- Nunca pensei que os machucados pudessem ser tão piores quanto os que já tínhamos visto. – ela se voltou para uma outra enfermeira, que tinha os cabelos louros e cacheados. – O que aconteceu com o homem ao lado de Ewan?

- Não sobreviveu. Já havia perdido sangue demais. – a enfermeira suspirou, chateada. – Ele lutou para se salvar com todas as forças, mas a morte fora mais forte.

- Que horror. – sussurrou Mary. – O soldado ao lado de Charles Weasley também não sobreviveu. Pareceu-me gritar o nome da esposa enquanto agonizava, foi horrível.

Não havia clima de fofoca. De fato, as enfermeiras pareciam sentidas de terem perdido para a morte dois soldados.

- Meu Deus, fora uma batalha horrível, não foi? – a gorducha perguntou. – Vejam bem... Até mesmo o novo comandante quase foi morto!

As outras mulheres assentiram.

- Se não fosse por Ginny, ele já estaria sendo jogado sobre uma tumba.

A enfermeira loira soltou uma exclamação, atraindo a atenção das enfermeiras. Seu rosto ficara levemente rosado.

- Vocês sabem quem é o comandante?

As outras balançaram a cabeça. A mulher parecia não conseguir conter a empolgação para contar o que quer que fosse.

- Harry Potter!

As mulheres arregalaram seus olhos, surpresas. Depois, a conversa silenciosa se tornou um alvoroço de perguntas, feitas por todas as enfermeiras.

- Mas Harry Potter não teria vinte anos? Como ele pode ser comandante com vinte anos?

- Ginny não havia dito que ele estava morto?

- Nunca imaginei que isso iria acontecer.

- Espere: Ginny realmente não havia dito que Harry Potter estava morto?

Mary olhou assustada ao perceber que haviam atraído à atenção dos soldados.

- Por favor, senhoras, falem baixo! – pediu numa suplica. – Lembre-se que ninguém pode saber, além de nós, a verdadeira identidade de Ginny, para que não caia nos ouvidos do irmão.

Elas abaixaram o tom de voz.

- Será que é por isso que Ginny estava tão desesperada? – perguntou uma delas. – Ela queria salvar o noivo?

- Não pode ser, Elizabeth, Ginny deixou claro que detestava o homem.

- Mas ela tem um bom coração. – interveio outra enfermeira. – Ela não deixaria alguém morrer, por mais que o detestasse.

- Como poderíamos saber? Isso é historia do passado dela, e ela ficou dois anos trancada dentro de casa por causa dele, não foi? Isso é motivo o suficiente para detestar alguém.

- Ela não comentou nada sobre conhecer o comandante. – interveio Mary. – Será que...?

As enfermeiras esperaram por uma resposta, que não saiu. Elizabeth no fim foi obrigada a pressioná-la a terminar.

- Será que ela não sabe que o comandante é Harry Potter?

Todas soltaram exclamações de surpresa.

- É uma hipótese, não é? Afinal, ela mesma disse que a ultima vez que o viu não foi antes dele ir para a guerra?

- Não. – disse Mary. – Ela o viu quando tinha doze anos, e ele quatorze. Depois disso nunca mais o viu.

Elas continuaram conversando, até que Amélia aparecesse e dissesse que tinham que voltar para descansar, antes de voltar a cuidar dos pacientes. Disse-lhes ainda que Mary fosse cobrir o horário de Ginny, para que a jovem pudesse descansar, e disse a Elizabeth que a ajudasse naquele turno.

Quando foram para suas camas improvisadas, perceberam que Ginny havia sido tirada da cadeira onde se colocara. Estava coberta até metade do nariz e dormia profundamente, que sequer escutou a falação das moças quando entraram ali.

Enquanto as outras colocavam suas roupas de dormir, ainda comentavam sobre Ginny.

- Acham que é por isso que ela esteve tão dedicada ao homem? – perguntou uma mulher com os olhos miúdos. – Sabem como é... Toda esposa tem que estar ao lado de seu marido em momentos como esse.

- Eles ainda não são casados, Ann. – interveio a gorducha.

- Mas mesmo assim, ela dedicou-se muito a ele... Talvez mais como costuma a fazer com o próprio irmão!

- Vocês irão acordar a Ginny se continuarem tagarelando. – disse uma mulher com suas aparentes quarenta primaveras. As mulheres se silenciaram, por pouco tempo.

- Vamos perguntar a ela amanhã?

- Ou será que ela vai nos contar?

- Silêncio! – gritou a mulher e para sua infelicidade, acordara Ginny.

A jovem ergueu-se num sobressalto e soltou uma exclamação surpresa ao ver que ainda não estava na cadeira.

- Quem me trouxe até aqui? – ela arregalou os olhos.

- Provavelmente Amélia. Volte a dormir, Ginny. – disse a mulher. Mas a jovem já estava de pé, enérgica.

- Oh, não! Ainda tenho muita energia, e eu preciso continuar observando o comandante. Ele pode ficar com febre, e se eu não estiver o observando...

- Mary o esta fazendo. Agora durma Ginny.

- Não tenho sono. – ela interrompeu. – Preciso cuidar dele, e preciso ver se meu irmão precisa trocar as ataduras.

- Vão cuidar dele e do comandante, menina. Por favor, você dormiu na cadeira enquanto observava seu noivo!

As mulheres prenderam a respiração ao ver o que a mulher dissera. Ginny parou de andar e a encarou. Parecia aparvalhada, como quem não havia compreendido muito bem o que ela havia acabado de dizer.

- Muito inteligente Amanda! – debochou a gorducha.

- O que você disse Amanda? – Ginny piscou para ela, sentando-se novamente em sua cama improvisada.

- Nada, nada... – ela se atrapalhou ao ver o ar severo da jovem. Inspirou profundamente. – Volte a dormir, Ginny, está tudo bem.

- O que você quis dizer com meu noivo?

- Ginny – a gorducha chamou sua atenção, timidamente, já que a ruiva ficava aborrecida todas as vezes que comentavam sobre seu noivo. – Você por acaso sabe qual é o nome do comandante?

- Não, mas o que isso tem a ver?

- Bem – Amanda inspirou antes de prosseguir. – Você não quer saber o nome dele?

- Quem diabos se importa com o nome do comandante? – ela estava profundamente aborrecida agora.

- Você quer saber? – Amanda repetiu a pergunta. Pensando que não conseguiria nada se dissesse que não, Ginny bufou e assentiu.

- Muito bem. E qual é o nome do homem?

- Harry Potter.

Amanda pensou seriamente se Ginny não iria desmaiar.

-Oh, meu Deus. – ela sussurrou. – Ele está vivo.

Ela sabia que aquilo era um comentário obvio, mas não pode deixar de expressa-lo. Estivera realmente tão feliz que ele não estaria vivo... Que além de ser rebelada ela jamais precisaria se casar com ele... No entanto, ela, Ginny Weasley, salvara sua vida!

O destino era conspiratório contra ela ou o quê?

Voltou-se a deitar em sua cama, e cobriu-se até a cabeça, fechando os olhos com força. Toda sua vontade de ir até lá ver os feridos dissipou-se. No momento, a única coisa que queria fazer era esconder-se ali e não sair até que tomasse uma atitude e uma decisão sobre isso.

Se dependesse dela, Harry Potter jamais saberia que ela era sua noiva, quando acordasse.

Continua...

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.