Capítulo Três



O dia parecia que se arrastava, como se antecipasse cada vez mais o momento da sua então querida partida.

Ginny estava claramente ansiosa no dia que se seguiu antes da noite bater, lhe anunciando a vitória. Batia um dos pés freneticamente no chão e recebeu um veemente aviso de sua mãe, ordenando-a que parasse imediatamente.

Seria hoje, então, finalmente que partiria daquele calabouço. Ao mesmo tempo em que seu coração pulsava de alegria, um medo repentino se instalava dentro de seu ser. E se a pegassem enquanto fugia? E se ela não fosse aceita no bar? E se algo acontecesse a ela no meio do caminho?

O dia anterior, quando recebera o papel de Dorothy informando aonde exatamente ela deveria ir, fora um verdadeiro inferno. Sua mãe discutira com ela mais uma vez enquanto estava tendo sua aula de piano, no que acabou com uma Ginny frustrada chorando de pura raiva no quarto. Logo depois, fora obrigada a passar uma interminável hora de conversa com o senhor seu pai, para ainda sim – como se não pudesse ficar pior – mais tarde ela encontrar seus futuros sogros num jantar promovido por sua mãe.

Ela nunca tinha reparado a atitude de sua mãe com relação a visitas até aquele dia anterior. Sabia que era um pecado enorme e horrível o que estava pensando, mas não pode deixar de não fazê-lo: Sua mãe era um tanto quanto excêntrica.

O senhor e a senhora Potter, entretanto, pareciam ser boas pessoas. Disseram que sabiam o quanto Ginny poderia estar cansada daquela situação, mas que ela pensasse que aquilo seria para o bem dela, do futuro marido, e de todos. Ginny se perguntou se eles seriam tão cordiais quando não a encontrassem mais na própria casa.

Ela duvidava sobre isso.

Ela abriu a janela de seu quarto, deixando que a brisa noturna acariciasse seu rosto momentaneamente. Observou o céu, deliciando-se ao vê-lo salpicado de estrelas. Era uma noite de clima agradável e tranqüila, e ela esperava que continuasse assim até o fim.

Virou-se de costas para a parede e encarou seu quarto por um momento. Ali fora onde ela passara a maior parte do tempo criando seus sonhos, seus desejos, onde cresceu. Era estranho pensar que talvez ela nunca mais visse aquele cômodo novamente.

Suspirou. Não se importava. Ela não voltaria atrás de jeito nenhum.

Ela caminhou até sua cama e observou a pequena malinha pronta, que ela carregaria junto consigo. Em cima dela, estavam suas luvas brancas e ela não vestia roupas femininas. Usava uma das roupas que seus irmãos usavam para sujar-se e aventurarem-se, exatamente quase como as roupas que Ronald tinha o costume de usar em expedições, hoje em dia.

Quando estava para vestir as luvas brancas, percebeu que estava tremendo.

- Não se desespere Ginny. – ela sussurrou a si mesma. – Já está tudo bem planejado. Não se desespere.

Vestiu as luvas e optou por não colocar nenhum chapéu; chamaria muita atenção.

Ela caminhou de um lado para o outro em seu quarto, repassando tudo o que havia planejado desde que havia passado seis meses que estava trancada ali. Repassou cada pequeno detalhe e revisou as falas. Acima de tudo, não poderia ter medo quando a enfrentassem.

E era isso o que mais temia.

Ela estava numa fase de isolamento e iria entrar numa fase de estar rodeada de pessoas a todo o momento. Ela queria mentir a si mesma, mas sabia que aquilo a aterrorizava, porque ela não sabia como ia ser sua atitude.

Houve uma forte badalada de relógio, que ecoou até em seu quarto, fazendo Ginny ter um sobressalto. Levou as mãos ao peito e respirou profundamente.

Meia noite. Era agora o momento.

Ginny segurou a malinha em uma das mãos e se adiantou até a janela. Observou a claridade da noite por um momento e se certificou que não havia ninguém do lado de fora de sua casa. O local estava assustadoramente silencioso; Ginny imaginou sequer conseguir escutar os grilos.

Com cuidado, ela jogou sua malinha, que se chocou contra a grama fofa e abriu-se. Vestidos e espartilhos voaram para os lados e ela soltou um grunhido, aborrecida. Correu até a borda da cama e certificou-se que os lençóis, amarrados com força uns contra os outros, para que ela pudesse descer.

Agora, pensando bem, ela não conseguia acreditar como seu plano de fuga era tão cheio de perigos e lamentavelmente medíocre. Mas ela não tinha culpa, tirara isso de um livro.

Mas não poderia existir um plano alternativo, nem tempo para isso. As enfermeiras partiriam hoje, e ela não iria deixar aquela única chance ir embora sem que ela pudesse agarrá-la com todas as forças.

Com cuidado, ela subiu no parapeito de sua janela e segurando-se com toda a força que tinha, jogou-se.

Ginny segurou um grito em sua garganta quando escorregou o suficiente para ficar no meio do caminho entre o chão e a janela de seu quarto, o que dava em torno de uns cinco metros e meio, no mínimo. Balançou-se de um lado para o outro, agarrada no lençol. Então, sentindo suas mãos doerem, ela balançou-se até que seus pés parassem novamente na parede, para que ela continuasse a descer.

Ela teve de admitir: suspirou aliviada e seu coração bateu menos acelerado quando seus pés encontraram o gramado.

Correu até sua malinha, onde começou a enfiar as roupas de qualquer modo, sem dobrá-las nem nada. Não podia perder tempo de jeito nenhum.

- Oh, meu Deus, oh meu Deus. – murmurou e sentiu seu coração parar quando viu a luz do quarto de seus pais acenderem.

Jogando a malinha para um canto escuro, Ginny atirou-se na moita sem se preocupar em se machucar.

O que de fato, aconteceu. Ela tentou se desviar de um galho com a mão, mas este voltou com força e bateu em seu rosto. Olhou apreensiva para a janela. Sua mãe parecia apoiada no parapeito, mas não demonstrou nenhum sinal de que queria observar o quarto da filha. O lençol ainda estava pendurado, e sua mãe teria visto sem muitos problemas, com toda a certeza.

- Está uma noite tão agradável, Arthur! – ela soltou uma vozinha fina, fazendo a filha projetar uma careta em seus contornos. Quando a mãe pareceu que voltou a fechar a janela, Ginny tentou sair da moita, mas a blusa branca parecia enganchada em um dos galhos, fazendo-a bufar.

- Ora, por favor! – ela gemeu, e num gesto brusco, puxou a manga com força, fazendo o tecido de rasgar. Ela arregalou os olhos. – Rony vai me matar.

Com esforço, ela conseguiu sair da moita e, resgatando sua malinha, ela correu com toda a rapidez que podia até que finalmente conseguisse subir – com certa dificuldade - a arvore que lhe permitia a liberdade, que estava lhe ajudando a passar pelos altos muros do casarão.

Então ela rumou até o bar, mas sem evitar que, quando já estivesse a dez minutos de casa, largasse a malinha no chão, erguesse os braços e gritasse alegre.

Havia conseguido sua liberdade, ou pelo menos acreditava isso.

Depois de quinze minutos, ela se sentia como se um cavalo tivesse passado por cima dela, de tanto andar.

Ela correu, caminhou... Depois voltou a correr. Olhou para a Lua buscando referência de horário e correu mais rápido ainda. Sabia que não estava atrasada... Mas estava tão afoita que, em seu coração palpitava o medo.

Deus do céu, ela pensou, orientando-se pelas horas... Ela não poderia estar andando há quase uma hora, poderia? Não, era impossível.

Então seu rosto empalicideu. E se ela tivesse se perdido?

- Oh, não. – sussurrou, pensando que entraria em desespero. Mas no mesmo instante, percebeu que estava atuando como uma garotinha mimada e infantil, o que ela já havia dito para a si mesma, deixara de ser a muito tempo.

Decidiu voltar a correr, agradecendo aos Céus pela estradinha de terra estar tão vazia. Imaginou-se o que iriam pensar as pessoas se vissem uma moça de dezoito anos com roupas de homem correndo como uma louca, para chegar a seu destino.

Quase soltou um grito de felicidade ao ver o porto, e ao mesmo tempo, um bar pequeno e maltratado logo ao lado. Havia duas carruagens negras e velhas, e dois homens pareciam estar se apressando para colocar todas as bagagens.

Era a hora. Ginny, por mais cansada que estivesse, desembestou-se a correr como uma louca, e só parou até que estivesse na frente da porta do bar.

Ela entrou no recinto, e logo todos os olhares pousaram sobre ela. De fato, até o homem que tocava um piano mal acabado parou para observá-la.

Um homem bêbado a observou lascivamente, mas havia uma mescla de puro divertimento em seu olhar. Ela então compreendeu. Estavam a observando pela maneira em que estava vestida.

Sentiu seus punhos fecharem e ela sentiu repentina vergonha, mas Ginny ergueu o queixo e logo encontrou o lugar onde as mulheres estavam registrando-se como enfermeiras: uma mulher robusta e baixa estava anotando os nomes, e a jovem constatou que a mulher já era uma anciã. Ginny inspirou profundamente e caminhou até a mulher, de queixo erguido para qualquer homem que a encarasse.

Mas seus ombros caíram e ela tremeu de vergonha quando se dirigiu a mulher. A anciã transmitia uma confiança e segurança em si própria que era incontestável.

- Com licença? – ela perguntou timidamente. A mulher ergueu a cabeça do papel em que escrevia e encarou a jovem.

- Pois não? – Ginny pigarreou.

- Ainda existem vagas para auxiliar na guerra como enfermeira?

A anciã estudou a ruiva por um longo momento.

- Sim, existem. – sem resistir, ela perguntou. – Você é de onde, menina?

- Sou do mesmo lugar que você. – Ginny replicou, arqueando uma sobrancelha. – Sei que não estou vestida apropriadamente, mas sou criada no mesmo reino que você, e sirvo ao mesmo rei.

- Você não parece camponesa. – a mulher comentou. Havia certa hostilidade em sua fala. Ginny engoliu em seco. – Tem a pele com a aparência muito macia e nem um pouco castigada, para ser uma camponesa. Suas mãos tampouco são castigadas pelo trabalho.

Ginny ficou um tempo em silêncio, com os olhos arregalados e completamente confusa. Havia uma hostilidade no semblante da mulher que Ginny estava abobada.

Mas Ginny não iria desistir, mesmo que soubesse que estava tremendo na base. Ela não havia lutado tanto para que chegasse ali e a anciã a dispensasse.

- Não, minhas mãos não estão castigadas, mas não me importaria se elas estivessem. Da mesma forma para com minha face. Meu único intento, na verdade, é poder ser alistada para ajudar nesta guerra e ao rei a quem sirvo. – Ela ergueu o queixo. – Quero me alistar.

A mulher achou graça no que ela dizia.

- E você sabe cuidar das pessoas, menina?

Ela pareceu tentada a mentir, mas algo dentro dela dizia para não o faze-lo.

- Não o sei, mas posso lhe garantir que estou interessada em tentar e aprender.

Era como se a mulher estivesse a testando. Ginny não percebeu, mas a anciã estava muito impressionada com a ousadia que a jovem tinha.

- Sabe o que eu penso? – a jovem balançou a cabeça. – Que você não passa de uma nobrezinha mimada querendo viver um conto de fadas. Sai vestida no meio da madrugada com roupas masculinas e sonha em ir para guerra para ajudar as pessoas. Acha que o que? A vida é um sonho? – os olhos da mulher faiscaram maldosamente. – Acha que vai encontrar seu verdadeiro amor ali, criança, é isso?

Ginny arregalou os olhos para a mulher. Depois ficou momentaneamente em silencio. Ela não sabia que a anciã havia percebido, mas Ginny ficara furiosa com aquele comentário.

Tamanha audácia... Tamanho desaforo...

Ela iria provar que não era a garotinha mimada.

Suas feições endureceram, mas sua voz saiu sem emoção quando ela respondeu:

- Acho que não concordo com a senhora.

- Não concorda?

- Não, não concordo. Se eu ilusionasse uma vida perfeita, jamais eu sairia de minha casa e tentaria me arriscar em uma aventura como essa, sabendo os perigos que me aguardam, um destes, podendo ser até minha sepultura. Estou vestida com roupas masculinas porque estou fugida de casa. – ela replicou calmamente. – É uma questão de bom senso, saber que eu jamais conseguiria andar tudo que andei com um daqueles vestidos pesados que sou obrigada a usar. E acima de tudo, não costumo ilusionar com amores perfeitos desde os doze anos, quando foi decretado que acabariam com os meus sonhos de menina. Então, acho que não existe razão para se preocupar. Não sou boa para cuidar de pessoas, mas creio que com meu esforço eu seja capaz. Estudei escondido de meus pais livros de medicina, e consigo entender o suficiente para não colocar um paciente com mais risco comigo do que na guerra. Mas, apenas para lhe notificar, senhora – Ginny a encarou nos olhos, com determinação. - Que eu não irei desistir facilmente caso diga ‘não’ para mim neste exato minuto.

A mulher a estudou por um longo momento. Ginny prendeu a respiração, e sentiu o coração apertar... ela simplesmente não conseguia entender o que estava se passando na mente da anciã.

Ginny sequer havia percebido que, além de encontrar uma admiradora, ela havia encontrado uma grande amiga e ajuda.

A anciã abriu um largo sorriso de repente e anunciou:

- Qual o seu nome?

Uma onda de felicidade invadiu o ser da jovem.

- Ginevra Weasley.

A anciã a encarou. Parecia abobada.

- Então você é a menina Weasley? Pensei que estivesse trancada em casa, esperando o casamento. Todo mundo conhece a historia.

A ruiva pareceu levemente exasperada.

- Não vou esperar casamento algum. – ela agitou uma das mãos. – E, duvido que após hoje meus pais me aceitem de volta, pelo meu breve ato de rebeldia aguda. – ela abriu um largo sorriso. – Não me importo.

Ela viu a mulher molhar a pena no tinteiro e escrever com graciosa caligrafia “Ginevra Weasley”. Logo depois, pediu mais alguns poucos detalhes e por fim, anunciou:

- Não espere receber tratamento solidário das outras enfermeiras. Ao saberem quem você é não vão gostar e vão lhe provocar. Você aprenderá como cuidar de paciente diretamente comigo. Irei lhe ensinar tudo o que precisa saber para se tornar uma boa enfermeira. Vou lhe entregar o uniforme. Trouxe tudo o que necessita a mais?

- Sim. – a moça respondeu empolgando-se.

- Pois então, Ginevra, você já pode se encaminhar. As carruagens irão partir dentro de um minuto. Por favor, guarde um lugar para mim.

Assentindo fervorosamente com a cabeça, Ginny segurou sua malinha fortemente contra o peito e rumou apressadamente para fora do bar, já não se importando com o olhar lascivo dos homens bêbados.

Tudo o que desejava até aquele momento, estava acontecendo.

Mas Ginny não sabia o pequeno caminho árduo que teria de enfrentar com aquela sua escolha.

Continua



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