Capitulo 7





— Bem, aqui estamos! — disse Ronald dois dias depois, quando Neville, o funcionário da fazenda de ovelhas que fora a Melbourne buscá-los, conduzia o Toyota Land Cruiser através do portão com uma placa no alto com o nome YANGALLA, entrando em uma estrada particular.
— As chuvas da primavera ajudaram. O lugar está parecendo ótimo. — havia aprovação na voz de Ronald, apesar de um toque de surpresa, como se ele estivesse esperando que a propriedade tivesse sido arruinada em sua ausência.
Para Hermione, Yangalla parecia tudo, menos arruinada. As colinas ondulantes e cercados que pareciam continuar além do horizonte estavam imersos em um verde luxuriante, as cercas de arame e as toras de madeira dos postes eram novas e as ovelhas, que pastavam nas colinas, pareciam gordas e sa¬dias. Pequenos carneiros corriam entre elas, tufos de um branco puro sob o brilhante sol de outubro.
Adiante, meio escondidos pelos pinheiros e outras árvo¬res, ela podia ver um complexo de construções. Ronald fez comentários à medida que passavam diante delas.
— Este é nosso novo galpão de lã. As máquinas estão aqui... Usamos o velho galpão como oficina agora. Aqui é o alojamento do pessoal... a casa do Neville... e, aparecendo ali na frente agora... — ele fez uma pausa, olhando para Hermione por cima do ombro — ...a casa principal.
Hermione pegou a mão da irmã, tanto para confortá-la quanto para conseguir coragem. Aquela seria a casa delas... não só pelos próximos três meses, como fora combinado a prin¬cípio, mas por muito mais tempo. Ou pelo menos pelo período em que Ronald decidisse ficar na Austrália. Quando se tor¬nasse esposa dele, teria de ir onde ele fosse e viver onde ele decidisse.
Hermione franziu a testa, olhando para a nuca de seu futuro marido. Ele pretendia mesmo viver na Austrália? Ou dis¬sera que Yangalla seria sua base permanente apenas para conquistá-la?
Sendo inglês, tendo família, propriedades e negócios na Inglaterra, não seria possível que ele mudasse de idéia assim que se casassem? Hermione se descobriu examinando Ronald às escondidas, no¬tando sua postura confiante, a impressionante largura de seus ombros e o modo como o cabelo na nuca formava pe¬quenas ondas.
Quando contasse à irmã sobre o casamento, Nick pro¬vavelmente diria que ela agarrara um homem e tanto. E havia muitas mulheres que concordariam.
Mas até que ponto poderia confiar na palavra de um futuro noivo? De um inglês?
Ronald escolheu este momento para se virar, olhando diretamente para ela, para seus olhos. Enquanto um sorriso curvava os lábios dele, Hermione engoliu em seco, sentindo-se abatida, como se os penetrantes olhos azuis dele fossem capazes de ler seus pensamentos e perceber a desconfiança que sentia. Ela desviou os olhos.
— A casa é antiga, mas só vamos ficar aqui durante algum tempo, enquanto McLaggen, o capataz, está viajando. Estou planejando construir outra casa, maior, agora que decidi me instalar aqui. Um construtor virá esta semana para discutirmos o projeto. Há um ótimo lugar na próxima en¬costa, com uma vista maravilhosa do vale. O lugar está sendo limpo. Vocês duas podem ajudar com o projeto... e escolher móveis e divisões do modo que acharem mais ade¬quado e agradável.
Hermione olhou novamente para ele. Ronald estaria dizendo que ela podia confiar nele, que ele tinha sido honesto quando dissera que iriam morar na Austrália? Ou ele planejava construir uma casa maior de qualquer modo? E estava agora fazendo com que ela pensasse que ia construir a casa es¬pecialmente para ela. Isso poderia ser um truque esperto para garantir que ela não recuasse na promessa de se casar com ele dentro de quatro semanas.
Suspirou. Seria um dia capaz de confiar naquele homem?
E, de qualquer forma, por que Ronald queria se casar com ela? Uma australiana desconhecida e sem dinheiro, sem nome? Outras mulheres, mulheres inglesas, também poderiam cuidar de seu filho, e adorariam se casar por causa de segurança e sexo em vez de amor. Seriam ótimas esposas e companheiras para ele. Por que ele a escolhera? Porque já confiava nela com seu filho? Porque ela era prática e sensata e não queria ligações emocionais nem faria exigências impossíveis? Porque ele sentia pena de sua irmã? Pena do que outro inglês tinha feito com ela? Todas essas coisas coisas juntas?
Ela olhou para Nick, esperando ver um brilho de inte¬resse nos olhos dela, mas os grandes olhos castanhos da irmã estavam perdidos na distância, vazios...
O carro pegou uma estrada de terra. Hermione estendeu a mão ins¬tintivamente para proteger David, mas o menino dormia profundamente, e nem notou o solavanco.
A casa surgiu diretamente à frente deles. Era construída de pedras e parecia muito antiga e sólida. O telhado de metal tinha marcas de ferrugem. O jardim da frente era basicamente um gramado com belas flores. Um grande eucalipto lançava sua sombra pelo gramado recém-cortado.
Havia uma represa abaixo da casa que parecia um lago, com patos selvagens, parcialmente encoberto por árvores e arbustos.
— A água da represa é bombeada para regar os campos ao redor da casa — explicou Ronald. — A casa tem seu próprio sistema de estocagem de água da chuva.
Alguns minutos depois Neville, um homem na mesma faixa etária de Ronald, muito calado mas educado e simpático, detinha o Toyota perto de uma garagem dupla atrás da casa. Depois da longa viagem desde Melbourne, foi um prazer esticar as pernas novamente.
— Tenho certeza de que vocês vão querer uma xícara de chá antes de desfazer as malas — sugeriu Ronald, notando o rosto pálido de Nick — Neville já comprou suprimentos. Deixe-me levar David primeiro... ele pode continuar dor¬mindo por mais algum tempo, se tivermos sorte.
Ele soltou o cinto de segurança da cadeirinha do filho e o pegou com todo o cuidado. David balbuciou mas não acor¬dou, apoiando a cabeça no ombro do pai. Ronald piscou para Hermione e seguiu para dentro da casa.
Apesar da idade, a casa era bastante confortável. Cada um ficou com um quarto, incluindo David, Ronald ficou com o quarto principal. Todos os quartos eram grandes e muito limpos, e o quarto de Hermione tinha uma cama de casal.
Ela ficou apreensiva ao ver a cama, especialmente porque seu quarto ficava ao lado do de Ronald. Ele sem dúvida estivera brincando ao falar na idéia de os quartos terem uma comunicação interna, mas podia confiar nele?
Porém, não havia tempo para pensar nisso no momento. Precisava colocar sua irmã para descansar e tinha as malas para desfazer.
— Está tudo muito limpo e arrumado — comentou ela mais tarde ao sair do quarto de Nick, deixando a irmã recostada na cama com uma xícara de chá. — Seu gerente deve ser uma maravilha doméstica. Ou há um zelador?
— Nenhum dos dois. Você pode agradecer a Ninfadora — Ronald já havia colocado David em seu quarto, torcendo para que ele continuasse dormindo pelo menos até desfazerem as malas, e agora a esperava para o chá. — Ela e o marido, Remo, um ex-professor, são os donos da fazenda aqui do lado. Ela vem duas vezes por semana para cuidar da casa.
Durante o resto da semana nós nos viramos, se bem que um toque feminino, especialmente na cozinha, não seria má idéia — acrescentou ele, olhando-a com ar esperançoso.
— Eu não sou uma grande cozinheira — declarou Hermione depressa, apesar de gostar muito de cozinhar. — Nosso negócio não mencionava nada sobre cozinha.
— Eu tenho certeza, Mione, de que qualquer coisa que decidir fazer você fará muito bem. Mas não se preocupe... Se você não for uma grande cozinheira, vamos nos arranjar. Eu sei me virar bem na cozinha.
Hermione ficou surpresa. Ele sabia cozinhar? A idéia dele de avental na cozinha parecia engraçada. Mas a idéia de eles dois juntos na cozinha logo a fez pensar nos dois em um lugar bem mais íntimo. Ela ficou vermelha de imediato da cabeça aos pés.
— Onde fica seu escritório Ronald? — perguntou pouco depois, fazendo de tudo para afastar aqueles pensamentos da mente.
— Mione, por favor me chame de Rony, afinal vamos nos casar em breve. Mas você já quer começar a trabalhar? — Havia um ar de humor nos olhos dele, como se estivesse lendo a mente dela. — Você não prefere dar uma olhada nos campos ou talvez caminhar pelo jardim?
— Pode ser... depois que David acordar. Ele pode gostar de vir conosco e tomar um pouco de ar fresco.
— Sim, acho melhor não deixá-lo sozinho com a Nick — o brilho nos olhos dele ficou mais suave. — Ela não está em condições de lidar com um menino de três anos. Ainda está muito abatida, não é? Ela mal parece estar conosco.
— Não creio que ela esteja pronta para encarar o que lhe aconteceu. Sente como se tivesse perdido tudo. E perdeu toda a esperança também, toda a vontade de viver. O médico disse que ela vai ficar bem, que só precisa de descanso e paz por algum tempo. Eu só espero que Dino não resolva voltar quando souber que ela perdeu o bebê. Nesse caso, ela não vai ter paz ou descanso.
— Ela não iria aceitá-lo de volta, iria? Não depois do que ele fez com ela.
Hermione deu de ombros.
— Dino parece ser capaz de convencê-la a fazer qualquer coisa. Ele a faz acreditar em tudo que diz. Ele iria fazer com que ela tivesse pena dele, e Nick provavelmente lhe daria outra chance. E o ciclo recomeçaria novamente.
— Então temos de garantir que isso não aconteça — disse Ronald, e o tom duro com que falou a fez olhar para ele.
— O que você quer dizer com isso?
— Oh, deixe isso comigo. Não diga nada a Nick. Eu vou cuidar de tudo. — Então ele se virou para ela, falando em tom mais animado. — Venha, deixe eu lhe mostrar o escritório.
Hermione o seguiu em silêncio. O que ele pretendia fazer? E por que ele achava que tinha de fazer alguma coisa? Seria para ajudar Nick? Ou para ajudar a ela, sua futura esposa, sabendo como se preocupava com a irmã?
“Ou então”, pensou ela estreitando os olhos, “ele pretendia encontrar Dino e fazer com que ele lhe devolvesse ao menos parte do dinheiro que gastara com as dívidas?” Se Dino tinha algum dinheiro guardado, ou se tivesse ganho algum recentemente no cassino, ela tinha certeza de que Ronald Weasley seria mais do que capaz de pôr as mãos nesse dinheiro. Ele parecia ser capaz de qualquer coisa.
O escritório era bem bonito e aconchegante. Além da grande mesa de Ronald com um belo computador, havia também vários livros em algumas estantes e prateleiras, além de um confortavel sofá e duas poltronas.
— E, além de ajudar com as contas e outros papéis — disse Ronald sentando em uma das poltronas do escritório – eu gostaria que você realizasse uma auditoria, se puder. Só para ter certeza de que o jovem McLaggen, meu capataz, está fazendo tudo direito.
— Você tem alguma dúvida?
Ele tinha hesitado por um instante.
— E só uma precaução. Nunca fizemos uma auditoria antes, e tivemos perdas pesadas recentemente. Nada de inesperado, com a queda do preço da lã no mercado mundial. Também tivemos grandes despesas. Todas legítimas. McLaggen realizou algumas grandes melhorias, especialmente quanto à estocagem de água. Ele instalou a cerca nova, trocou o maquinário e se livrou sem dó das ovelhas que estavam abaixo do padrão.
— Então você confia nele?
Mais uma vez ele hesitou.
— Eu só quero ter certeza. Ele é um jovem brihante. Veio com as melhores recomendações, mas eu seria um tolo se não me garantisse. Especialmente porque faz um longo tempo que não venho para cá.
Hermione olhou rapidamente os papéis que ele lhe mostrava, percebendo que estava perto de fazer algum trabalho de verdade novamente. O tipo de trabalho para o qual tinha sido treinada. Altamente treinada. Tivera uma carreira pro¬missora como contadora até seu amargo rompimento com Vitor.
Pensar em Vitor, o homem que amara e em quem con¬fiara, fez seu coração gelar. Agora outro homem, outro in¬glês, queria sua confiança.
Mas desta vez havia uma grande diferença. Ronald Weasley, ao contrário de Vitor, não estava fingindo amá-la ou pedindo para que se apaixonasse por ele. E ela deixara claro que um romance era a última coisa que queria dele.
Se você mantiver suas emoções sob controle e seu coração intacto, não há como ser magoada.
Então, não havia com que se preocupar. Absolutamente nada com que se preocupar.

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