Capitulo 9



CAPÍTULO IX

Harry e Hermione desviaram-se um pouco do caminho para deixar Teresa nos arrabaldes de San Antonio. Como a vizinhança não lhes pareceu muito segura, levaram-na até a porta da casa. Harry tocou a campanhia, que foi atendida pela cunhada, uma mexicana gorda, de avental. Perante a expressão de preocupação exibida, ele tranqüilizou a boa senhora, que chamou o marido. Foi para o irmão de Teresa que Harry explicou que a patroa dela precisou passar a noite fora, e acharam que não ficaria bem se ela passasse a noite sozinha com o patrão. O homem agradeceu a preocupação e ofereceu uma tequila, sorrindo.

Harry voltou para o carro sentindo-se melhor.

- Ela tem uma bela família – comentou ao entrar no carro.

- Seu irmão parece caidinho por Teresa. Sinto pena de Connie, porque acho que Bob não vai conseguir resistir a ela. – respondeu Hermione.

- Não esteja tão certa disso.

- Você parece preocupado...

- É que acredito no casamento, apesar de tudo. E acho que algumas vezes, as pessoas desistem com muita facilidade.

- Ou às vezes se ligam a pessoas que não têm futuro...- observou Hermione.

Ele olhou para ela, procurando alguma indicação de que Hermione se referisse a ele.

- Connie não devia ter se casado, essa é que é a verdade. Devia ter aberto a oficina, e só depois de estabelecida é que podia pensar em ter família.

- Concordo.

- Sabe o que andei pensando, Hermione? Eu acho que você não quer casar logo. Primeiro quer firmar sua carreira – afirmou Harry, sem rodeios. - Estou certo?

Sandra sentiu a pulsação aumentar. Será que ele insinuava que ela preferia dar atenção à própria carreira do que cuidar de um lar para ele e seu filho? Ou era apenas como ele gostaria que as coisas fossem?

Sentiu um reflexo do passado naquele instante; uma sensação de já ter vivido aquele momento. Será que ele procurava um motivo para desmanchar o noivado?

Ela reparou que estava torcendo os dedos sobre o colo, indicando sua tormenta interior. Controlou-se.

- Acho que algumas mulheres não nasceram para serem mães – disse por fim. – Connie ama Mikey, mas nunca foi do tipo maternal, carinhosa.

- Só que é um pouco tarde para descobrir isso – opinou Harry.

- Talvez ela mesma não soubesse disso.

Ele não respondeu. Estava levando o assunto realmente a sério.

- E alguns homens não têm vocação para ser pais também.

- É verdade – comentou Harry, com voz gelada.

- Você começa a suar toda vez que alguém menciona esse assunto, sabia? Todos percebem, menos você.

- É que filhos significam laços permanentes – disse ele, crispando as mãos no volante.

- É exatamente nesse ponto que quero chegar, Harry. Você está tão pronto quanto Connie estava para ter filhos!

- Nem você está! Está interessada em sua carreira.

- Claro que estou. Todos querem deixar sua marca no mundo, de todas as formas possíveis. Mas acho perfeitamente possível conciliar uma carreira com a educação dos filhos. As pessoas fazem isso o tempo todo...

- Do mesmo jeito que Connie? -= perguntou ele, com certa ironia.

- Connie está com problemas. E não começaram agora. Se entendi direito, ela faz o que quer em vez de discutir as coisas. É preciso um bocado de entendimento para ir tocando o trabalho e a família.

- Ir tocando?

Hermione ficou surpresa com a raiva contida na voz dele. Isso fez com que se controlasse e procurasse motivos. Sabia que os dois irmãos haviam perdido a mãe quando eram pouco mais velho do que Mikei, agora, mas Harry jamais falava dela. O pai os criara, e morrera na época em que conhecera Harry. Talvez o motivo da raiva estivesse relacionado com o que ela desconhecia.

- Harry, você nunca me falou sobre sua mãe.

- Nunca falo sobre minha mãe com ninguém!

- Nem comigo? – indagou ela, chocada com a veemência da afirmação.

- O que quer saber sobre ela afinal?

- Como ela era? – quis saber Hermione, depois de hesitar um instante.

- Era dedicada ao trabalho – disse sem rodeios. – Era uma dessas mulheres que nunca deveriam ter se casado. Não tinha tempo para o Bob nem para mim. Estava ocupada voando de um lugar para o outro do país, realizando grandes negócios com terras. Um belo dia ela forçou a barra quando alugou um avião que estava indo para a manutenção. Disse que não podia esperar, iria perder um bom negócio. O avião caiu, e acho que enterramos a maior parte dos pedaços que sobraram.

- Harry! Desculpe, não tive intenção. Sinto muito.

- Pois nós não sentimos. Nunca chegamos a gostar dela de verdade. Não tivemos tempo. E ela não gostava de nós, também. Sempre que discutia com meu pai, não perdia a oportunidade de dizer que não queria filhos, e que só tinha concordado porque ele insistira muito. Fazia questão de não lembrar de nós. Nunca recebíamos presentes de aniversário porque ela esquecia o dia. No natal era a mesma coisa. Lembro de uma vez, que fiz na escola um cinzeiro de argila, e pintei com as cores que ela mais gostava. Um dia encontrei no lixo.

Porque será que ele nunca me contou isso? Pensou Hermione. Na verdade, Harry nunca partilhara suas emoções mais profundas com ela. Em todos os anos que se conheciam, nunca escutara histórias de infância, ou da época em que ele era garoto. Até aquela noite.
Pela primeira vez pode entender os motivos da relutância dele em casar.

- Você tem medo que aconteça o mesmo conosco – exclamou ela, compreendendo tudo. – Tem medo que eu seja igual à sua mãe.

Antes de responder, ele olhou pelo retrovisor.

- E não vai ser, Hermione? – o tom era cínico. – Estamos na era das famílias separadas. Sei tudo sobre isso. Sou o produto direto de uma delas, mesmo que meus pais estivessem na época casados legalmente. Quer escutar algumas histórias de terror com uma criança de menos de seis anos?

- Posso imaginar como tenha sido – disse Hermione, os olhos suaves postos nele. – O mundo é muito diferente hoje em dia. Estilos de vida são criados e postos de lado, do dia para a noite. O que costumava ser normal e seguro para se fazer, agora não é mais. A verdade é que não podemos voltar ao passado, Harry. Só podemos fazer com que o passado volte até nós. Atualmente é muito mais difícil uma pessoa só ganhar o suficiente para manter uma família, e por isso as mulheres trabalham. Se casássemos, ainda assim eu precisaria trabalhar.

Ele não gostou nem um pouco de ouvir aquilo principalmente porque sentia que era verdade. Não se podia dar um padrão de vida decente aos filhos apenas com um salário, mesmo que fosse bom. Além do mais, sempre existia o perigo de perder o emprego, e se Hermione trabalhasse, poderia cobrir uma eventual falta do marido.

- Uma mulher independente não é uma coisa necessariamente ruim – murmurou Hermione.

- No caso da minha mãe, foi.

A essa altura, chegavam ao estacionamento do prédio onde moravam, e ele permaneceu em silêncio, observando os arredores. Velhas lembranças o assombravam. Harry não gostava de lembrar da mãe e da devoção férrea que ela dedicara ao trabalho. Seu pai trabalhava como operário, e não conseguia fazer muito dinheiro nas longas horas que passava em seu estafante ganha-pão, e nunca estava em casa quando os meninos chegavam.

A mãe poderia ter tido tempo para eles se tivesse se proposto a isso. Trabalhava a maior parte do tempo como autônoma e fazia o próprio horário. Porém nunca estava em casa, sempre viajava a procura de novos contatos. Quando estava em casa, esperava que os filhos cumprissem as tarefas domésticas, pois se dizia cansada demais.

O pai fizera o possível para acomodar a situação, e uma das coisas que criou rancor entre os dois, era a maneira como ela se aproveitava disso usando-o. Quando ela morreu no desastre de avião, o padrão de vida da família caiu vertiginosamente. Mas Harry não reclamou. Nem Bob. O pai tentara explicar a eles certa vez, que da maneira dela a mãe os tinha amado. Porém, ela não queria casar-se, e só realizaram a cerimônia por causa dos pais. Naquela época, as moças que freqüentavam a igreja da pequena cidadezinha do interior do Texas não podiam ter filhos antes do casamento.

- Meus pais foram obrigados a casar-se – resmungou Harry ainda mergulhado no passado.

- Sinto muito.

Ele desligou o motor.

- Por que você estava sentindo arrepios? – perguntou Harry de repente. – Será que Connie não acertou sem querer?

- Esqueceu que usamos preservativo?

- Nada é totalmente seguro – comentou ele. – Responda!

- Eu não posso dizer o que não sei, Harry. É cedo demais para sabermos com certeza.

Harry passou a mão no próprio cabelo, esticando-se em seu banco.

- Não quero que fique grávida Hermione.

Ela sentiu o corpo enrijecer. Fora brutalmente claro desta vez.

- Você não pode perdoar sua mãe, e quer me castigar pelos pecados dela? É isso?

Ele pareceu intrigado.

- Não tem nada a ver com minha mãe, Hermione.

- Claro que não – disse ela, desistindo e saindo do carro.

Sentia o corpo tremer, e tinha a autoconfiança profundamente abalada.

Harry saiu trancou o carro e seguiu-a porta adentro, até o elevador. Enfiou as mãos nos bolsos e não disse nada até chegarem ao quarto andar. Quando as portas se abriram, ele falou.

- Não vamos exagerar as coisas, Hermione.

Ela não se dignou a olhar para ele, continuando até a porta do próprio apartamento.

- Cho disse que você não queria mais morar aqui, e você negou uma vez. É verdade?

Harry estudou-lhe o rosto, enquanto recordava a ameaça que a outra fizera. Cho era vingativa, e ele tinha certeza que não estava blefando.

- O que acontece se você perder o emprego, Hermione?

- Encontro outro – respondeu ela, sem hesitar. – Eu tenho certa capacidade de trabalho, sabia? E não desanimo com facilidade.

- Se você saísse em meio a alguma coisa desagradável, talvez seja difícil arranjar um emprego tão bom.

- Que história é essa? Não pretendo ser despedida. Cho pode não gostar de mim, mas Mack conhece minha capacidade de trabalho, e gosta do que faço. Ele pode limpar minha barra com os Lancaster – afirmou Hermione. – Afinal, não fiz nada de tão grave assim.

Ele continuou preocupado, sem fazer muita força para esconder. Os olhos verdes procuraram os dela. Hermione não sabia da ameaça de Cho, e ele não tinha coragem de contar.

- Tem certeza que não vai haver gravidez – indagou ele, num tom sério.

- Quer parar de me atazanar por causa do comentário de Connie? Eu não estou grávida, Harry. Você usou camisinha, lembra?

Ele riu, convencido do exagero de suas preocupações.

- Se tem tanta certeza, podemos deixar o noivado ir morrendo aos poucos... – sugeriu Harry.

- Isso provavelmente é o que Cho quer, certo?

- É o que ela quer – admitiu ele, com relutância, sem explicar os motivos.

Ela olhou intensamente para o rosto dele, como que a despedir-se.

- Pois então dê a ela o que ela quer – respondeu ela. – Não pretendo sacrificar meu futuro pela sua consciência. O único motivo de estarmos noivos foi a sua consciência pesada por dormir comigo, uma virgem. É um péssimo motivo para casar-se com alguém, especialmente se existe a possibilidade de certas... conseqüências.

As mulheres devem saber quando estão grávidas, raciocinou Harry. Pelo menos ela parecia confiante. No momento, o ideal seria tirar Cho de cena antes que ela pudesse prejudicar Hermione, já que a carreira dela era tão importante. Tinha de convencer Cho que vencera a parada. Seria o melhor.

- Pois então vamos considerar o noivado terminado agora mesmo, se é o que você quer.

- É o que você quer – lembrou ela, com um sorriso sofrido. – Não consegue se libertar do passado, não é? Eu nunca soube porque você não queria compromisso. Você nunca me contou nada sobre sua vida, portanto nem me passou pela cabeça o motivo real. Você me desejou, só isso.

Ele não chegou a negar, e seu rosto permaneceu impenetrável. Permaneceu em silencio, até ela voltar-se.

- Foi o que pensei – murmurou Hermione, girando a chave na fechadura.

Harry ficou olhando para ela, estudando-lhe a expressão para saber até que ponto Hermione ficara abalada. Sentia-se culpado, de alguma forma.

- Pretendo ficar por perto - disse, por fim. - Não relaxe a guarda em relação a Erikson. Se você preferir não ter mais aulas comigo, posso indicar um de meus alunos mais avançados para trabalhar com você. Seria uma pena parar agora.

- Como você quiser – concordou ela, ausente.

- Talvez você tenha razão ao dizer que vivo no passado. Mas a verdade a meu respeito é que não quero filhos, e não aceito meio casamento. Desculpe, mas sexo não é o bastante.

Ela sentiu que seu rosto empalidecera, mas sorriu como uma enfermeira no cumprimento do dever.

- Também acho que não é o bastante. Até logo, Harry. A gente se vê por aí.

Ele cumprimentou com a cabeça. Não se sentia em condições de falar.

A porta foi fechada, e ele permaneceu ali, olhando para a madeira, a sentir o coração pulsando forte e os sentidos embotados.

Hermione ficou a maior parte da noite, pensando nos acontecimentos do dia, e principalmente nas revelações noturnas. Havia uma certa incongruência num homem que afirmava o sexo não ser o bastante, e na forma suave e delicada de fazer amor na manhã do mesmo dia. Ali mesmo, o que acontecera entre eles fora mais que simples luxuria.

Porém ele não sabia disso, ou não queria admitir. E ficara esquisito da última vez que mencionara Cho. A opinião de Hermione é que acontecia alguma coisa que ela não sabia. Talvez algo relacionado com o trabalho, com o seu trabalho. Por que ele insistira em saber o que ela faria, no caso de perder o emprego? Estaria a ponto de ser despedida? O que ele poderia ter a ver com isso?

Recordando-se das conversas que tiveram, reparou que a sugestão profissional para tornar-se autônoma e vender a campanha em outra firma partira dele. Justo de alguém que não gostava de se arriscar. Poderia ter sido de propósito

Tomou a resolução de acordar com nova disposição no dia seguinte, e resolver as coisas. Não pretendia ficar por aí esperando para receber um chute. Tinha boas idéias, e confiava nelas; Cho podia não ter gostado, mas haveria alguém que apreciaria. Depois de planejar tudo, adormeceu.


No dia seguinte, colocou em prática seus planos, depois de uma ida tranqüila para o trabalho. Pediu a Mack que não dissesse nada aos Lancaster ainda. Ele concordou, pois percebera as provocações de Cho durante o almoço, e não gostava nada de ter sido praticamente forçado a aceitar a conta.

Hermione fez uma visita à Reflections Inc. na hora do almoço. Tratava-se de uma nova firma de relações públicas, cujo dono, um homem magro e de aparência agressiva, recebeu-a no escritório. Escutou com interesse as idéias dela, contratando-a na mesma hora. Ofereceu ainda uma percentagem de lucros e um salário para que ela supervisionasse a implantação da campanha. Discutiram a maior parte dos detalhes com entusiasmo, de forma que Hermione voltou para sua firma pisando em nuvens de felicidade.

Casar com Harry provavelmente a deixaria duas vezes mais contente, porém no momento tinha de contentar-se com o novo emprego, e extrair dali sua felicidade. Não iria permitir-se ficar pensando nele.

Quando o expediente chegou ao final, mais tarde do que ela planejara, os afazeres do dia tinham feito com que esquecesse completamente de Erikson. Sua mente concentrava-se no novo trabalho, e na sensação deliciosa que teria quando saísse de seu escritório pela última vez. Seu único arrependimento era deixar Mack, cujas idéias não estavam agradando Cho. Ela descontava nele a maior parte das frustrações, de forma tão clara que todos no escritório escutavam.

- Por enquanto vou colaborar – comentou ele com Hermione – quando ela se cansar, vai procurar uma outra agência qualquer. Quem vai sair perdendo vão ser os Lancaster, não eu.

Hermione concordou, e não pode evitar um certo prazer sádico com o pensamento de que a sra. Lancaster ainda não aprendera a separar amizade e negócios. Permitindo que Cho a manipulasse, perdeu outros bons negócios, e uma empregada com grande capacidade de trabalho, que poderia ter trazido mais dinheiro para a empresa.

Hermione caminhava, pensando nos mercados que poderia trazer para a nova firma, quando percebeu que já escurecera, e ela estava sozinha no estacionamento.

Podia enxergar perfeitamente seu carro, e a área encontrava-se bem iluminada. Examinou os arredores, mas não havia nenhum outro carro à vista. Disse a si mesma que se continuasse daquela maneira iria tornar-se paranóica. Não avistara Erikson o dia inteiro; era improvável que estivesse esperando por ela naquela noite.

Ajeitou o chaveiro na mão, de forma a tornar-se contundente se precisasse dar um soco. Caminhou com rapidez, os olhos examinando os arredores. Chegou ao lado da porta, e antes de enfiar a chave na fechadura deu uma olhada no banco traseiro. Ninguém ali. Abriu com presteza a fechadura, entrou e travou a porta. São e salva!

No interior do carro não havia nada suspeito, de forma que deu a partida e engrenou. Nem sinal de Erikson. Preocupara-se à toa.

Saiu do estacionamento e juntou-se à corrente de trânsito. No trajeto para seu apartamento, considerou o dia bastante lucrativo. Imaginou como teria sido o dia de Harry, e se Bob e Connie haviam resolvido suas diferenças. Seria triste para o pequeno Mikey se os pais se divorciassem. Sentiu pena de todos, por acreditarem estar agindo corretamente, e acima de tudo, sentiu pena de Harry e de si mesma.

Ao estacionar em seu prédio, observou as redondezas antes de desligar o motor. Não havia ninguém por perto, e ela relaxou. Assegurou a si mesma que não havia nada a temer. Ele iria desistir, depois da queixa que fizera sobre a granada. Ao menor sinal de atitude suspeita, ele poderia ser preso. Hermione sorriu, sentindo-se melhor do que nunca.

Apanhou a bolsa e trancou o carro, depois aconchegou a gola do casaco para proteger-se do frio noturno. Caminhou para o interior do prédio, e entrou no elevador com outros moradores, que a cumprimentaram com um gesto de cabeça. Em seu andar, desceu e caminhou pelo corredor, imaginando se Harry estaria em casa. Por um instante, ficou olhando para a porta do apartamento dele, como se fosse capaz de enxergar através da madeira. Hesitou um instante, porém ele deixara bem claros seus sentimentos; ela não fazia mais parte da vida dele. Talvez até já tivesse mudado, àquela altura. Teria de aprender a viver sem Harry por perto.

Abriu a porta do próprio apartamento, sem reparar que havia apenas uma volta na fechadura, ao contrário de seu hábito. Trancou-a assim que entrou, com duas voltas na chave. Acendeu a luz e encaminhou-se para o quarto, a fim de trocar de roupa.

Assim que passou pela porta entreaberta, foi agarrada por um braço, que passou ao redor de seu pescoço. A pressão aumentou até machucá-la.

- Oi gostosa – cumprimentou uma voz rouca e familiar. – Pensou que eu tinha esquecido de você?

Ela tentou emitir sons, mas o aperto na garganta e o susto não a deixaram falar.

- Estava com saudades, não é? Mas não esqueci de você, não. Agora chegou a hora do acerto de contas. Vamos nos divertir um pouco, moreninha...

Com coração disparado, Hermione estava a ponto de entrar em pânico. As pernas tremiam de susto e de medo; a qualquer momento seria muito difícil respirar, tal a pressão dos dedos na garganta. Pensou que precisava manter a calma. Se entrasse em pânico, ficaria nas mãos dele.

- Erikson você vai para a cadeia – balbuciou ela, sentindo a boca seca.

- Acha mesmo? Pois eu digo que vai ser a minha palavra contra as sua. Ninguém vai acreditar em você – declarou ele, passando com força a mão sobre os seios dela. – Você é muito gostosa, sabia? Esses peitos devem ser uma delícia...

É agora ou nunca, pensou ela. O desespero ajudou-a a aplicar todas as forças quando impulsionou o cotovelo para trás, exatamente à altura do diafragma de Erikson.

O fôlego expelido e o afrouxamento da pressão das mãos mostraram a ela que o golpe surtira efeito.

Hermione, agindo por instinto, girou o corpo, segundo os movimentos que treinara exaustivamente com Harry. Frente a frente, levantou o joelho num golpe seco e eficiente, dirigido à virilha dele. No mesmo movimento, desequilibrou Erikson com um movimento de braço, precipitando-o ao chão.

Saia daqui, gritou uma voz interior, não banque a heroína. Obedecendo, Hermione correu para a porta da frente, onde felizmente a chave continuava enfiada na fechadura. A porta foi aberta com rapidez, e ela ganhou o corredor, que estava deserto. Esmurrou a porta de Harry, gritando por socorro, porém nenhum som se ouvia no interior. Nesse momento, escutou sons no próprio apartamento. Com certeza Erikson se recuperava, e vinha em busca dela, cheio de raiva e de cautela.

Correu, quase em pânico, para o elevador, socando o botão repetidas vezes, sem resultado. Olhou para a escadaria, recordando o aviso de Harry. Porém não tinha alternativa. Era sua única saída.

Sem hesitar, correu para as escadas, voando pelos degraus abaixo sem muito cuidado, até que um torção no tornozelo à fez voltar a realidade. Depois disso, a dor e o fôlego obrigavam-na a prestar atenção a cada passo. Continuou numa sucessão de pequenos sacrifícios, até que a explosão de luz do saguão do andar térreo ofuscou-lhe os olhos e um soluço escapou-lhe da garganta.

O segurança franziu a sobrancelha ao deparar com Hermione, e a socorreu na mesma hora, uma das mãos na arma que levava à cintura.

- Está bem, srta. Granger? O que aconteceu?

- Um homem...no meu apartamento – disse ela, ofegante. – Ele... me atacou.

O rosto do guarda ficou sério. Levou-a para o apartamento do zelador, e entregou-a aos cuidados da esposa dele, que foi preparar uma xícara de chá. O segurança subiu a escada, a arma em punho.

Hermione sabia que ele não encontraria ninguém; Erikson era experiente demais para deixar-se apanhar. Deveria ter fugido há muito tempo, e desta vez estaria à espera dela, disposto a tudo. Ela ofendera profundamente o orgulho masculino e profissional dele. A partir daí não seria mais um jogo. Sabia que Erikson viria atrás dela para matá-la.

O medo provocou ânsias incontroláveis, e a esposa do zelador levou-a para o banheiro, às pressas. Depois de vomitar, Hermione lavou o rosto e sentiu-se melhor. Observou-se no espelho, reparando em sua palidez, e esfregando o rosto. Ao retornar para o pequeno escritório, o segurança a esperava, ostentando uma expressão desanimada.

- Eu sabia que ele já teria fugido – murmurou ela. – Mas está machucado.

- Ele fugiu pela escada de incêndio – informou o homem. – Alguém deve ter visto o sujeito. Ninguém pode fazer esse tipo de coisa no meu prédio, e se sair bem. Existe algum lugar onde possa ficar esta noite, srta. Granger? Não gosto de imaginar a senhorita lá sozinha lá em cima.

Ela riu amargamente. Antes daquele dia não lhe ocorrera que apenas possuía amizades superficiais, a exemplo de Betty. Não tinha família no país, e Deus sabia onde estava sua mãe. Em resumo, não havia ninguém a quem pudesse pedir abrigo por uma noite.

- Não. Não tenho ninguém... – desabafou ela, desatando a soluçar.

O homem pareceu compadecido, e ao mesmo tempo sério e pensativo. Depois de alguns instantes, declarou:

- Vamos ter de chamar a polícia.

Hermione não teve forças para protestar. Faria qualquer coisa, desde que não precisasse mover-se. A reação e as fugas pareciam ter drenado todas as reservas de energia.

Em poucos minutos escutaram a sirene do carro patrulha. Enquanto refazia as forças com um chá e torradas, trazidos pela esposa do zelador, ela descreveu o ocorrido daquela noite, depois explicou a situação, desde sua origem na firma onde trabalhava, até as aulas com Harry.

- Vamos pegar o safado – garantiu um dos policiais, um jovem negro entusiasmado. – Não deve estar longe ainda.

- Foi uma sorte a senhorita conhecer defesa pessoal – comentou o outro policial, um polonês bonachão. – Eu mesmo ensinei minha filha quando ela ainda era criança. É muito útil, hoje em dia, com as ruas do jeito que estão.

- Foi mesmo uma sorte... – concordou Hermione, um tanto orgulhosa de sua ação.

O segurança desligou o telefone e aproximou-se.

- Com licença, srta. Granger... telefonei para um dos companheiros do turno diurno. Ele vem para cá agora mesmo, e vai passar a noite ao lado de fora do seu apartamento. Não precisa mais se preocupar.

Ela sentiu lágrimas escorrendo pelo rosto.

- Muito obrigada. Você foi tão bom...

O homem ficou embaraçado com os agradecimentos.

- A senhorita é moradora do prédio. Não podemos permitir que bandidos fiquem perturbando os moradores. Esse é meu trabalho. Não precisa chorar, senhorita. Já passou...


A pequena multidão no saguão despertou a atenção de Harry assim que ele passou pela porta. Trabalhara até mais tarde, e depois ainda precisara cuidar de um alarme contra furto, que disparara. Chegava cansado e com raiva do que ele mesmo fizera a Hermione. Mas não podia deixar que Cho ameaçasse a carreira dela. Num encontro tempestuoso, dissera isso a Cho, acrescentando que se ela contasse alguma coisa aos Lancaster, ele também teria uma conversinha com eles, sobre a vida sexual da própria Cho.

Ela esperava tudo, menos aquilo. Seu rosto empalidecera, e ela resmungara por um bom tempo, com argumentos desconexos e tentativas de mudar o assunto em discussão. Acabara desistindo, afirmando que existiam outros homens na vida dela, e ela não precisava ficar revivendo casos passados para manter-se aquecida à noite. Não queria mais saber de Harry.

Sentiu pena dela; mas não o suficiente para voltar atrás. Julgava-se culpado pela maneira como tratara Hermione, e isso o levara a avaliar a proposta de casamento. De fato, sabia que suas reações eram exageradas por causa do relacionamento com a mãe, e nisso Hermione tinha razão. Imaginara que deveria conceder isso a ela, pelo menos, e vinha disposto a conversar. Sem segredos. Tentariam resolver juntos os problemas que encontrassem.

Porém a movimentação no saguão e no escritório do zelador o distraíram. Caminhou naquela direção, e sentiu o ar faltar quando identificou Hermione, pálida, com as roupas em desalinho. Erikson voltara!

Empurrando as pessoas, inclusive os policiais, Harry abriu caminho até ela. Sem dizer uma palavra, abraçou-a, permanecendo assim, no meio da multidão, como se existissem apenas os dois.

- Você está bem? – perguntou ele, num sussurro.

- Erikson... estava me esperando, dentro do meu apartamento! – respondeu Hermione, estremecendo com a lembrança. – Consegui usar dois golpes que me ensinou, e ele caiu no chão. Fugi pela escada, e agora eles estão atrás do Erikson.

Harry levantou-lhe a cabeça e fitou-a nos olhos. Percebeu que ela agüentara bem a situação, mas havia medo no olhar.

- Filho de uma cadela! – resmungou, entre dentes.

- Estamos colocando um homem à porta do apartamento dela – anunciou o segurança.

- Deixe para lá. Vou levar a srta. Granger para a casa do meu irmão e da minha cunhada. Lá ela vai ficar segura – atalhou Harry.

- Seria mesmo melhor – concordou o policial polonês. – Nós vamos pegar esse meliante, é só uma questão de tempo. Mas enquanto isso, é bom ela ficar num lugar onde não possa ser encontrada.

- Vou tomar conta dela – anunciou ele, passando um braço ao redor dos ombros de Hermione e conduzindo-a para fora. Dirigiu-se ao segurança: - Muito Obrigado.

O homem deu de ombros e sorriu. Assim eram as coisas. Uma bela mulher, sem família, agora tinha seu cavaleiro andante, agindo de uma forma protetora. Podia ficar tranqüilo.



Obs: Tem mais ainda... Só que o próximo é o último... fazer o que né?... Continuem lendo!!!!

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