Gisele



Capítulo 6- Gisele


A igreja estava lotada, todos pedindo perdão pelos pecados cometidos no Carnaval. Harry estava sentado na última fileira de bancos, olhando fixamente para o padre, quem o visse lhe tomaria por um devoto fiel. Mas ele não estava prestando atenção. Estava ali sentado porque era o único lugar que poderia pensar em paz. Na pensão havia os gemidos e os barulhos vindo de outros quartos e nos bares era impossível ficar sozinho e calado, sempre vinha alguém lhe incomodar. Então ele viera à missa.


O que havia acontecido a ela? Quem era ela? Fugira ou fora despachada? Mil coisas passavam por sua cabeça. Tudo que tinha era um sorriso lindo, algumas lágrimas e dois sobrenomes: Malfoy e Weasley. “Os Malfoy sempre foram tão ricos quanto os Weasley” dissera ela num dado momento, e ele já havia se esquecido disso. Realmente havia esquecido, mas passava e repassava aqueles momentos tantas vezes em sua cabeça, que numa hora qualquer lembrou-se dessa frase. Além disso, também sabia o nome do marido dela. Draco Malfoy, um loiro casado com uma ruiva Weasley. Bom, era um número suficiente de informações. O que faria com isso?


-Amém –rezou o padre e em seguida fez o sinal da cruz, abençoando os fiéis.


As pessoas começaram a se levantar e lentamente toda a multidão foi saindo da igreja, que for por fim estava bem vazia apenas com Harry ainda sentado na última fileira e algumas carolas acendendo velas e murmurando rezas. Algumas pessoas o encaravam de forma estranha. Todos os cidadãos de bem vinham à igreja, mas Harry não aparentava ser um desses. Era visível que era um boêmio e como tal sua presença ali era algo digno de se estranhar. Harry ficou feliz quando todos foram embora, pois as beatas lá na frente não iriam lhe encarar nem cochichar sobre sua presença, e assim ele podia se concentrar no seu problema.


-Qual o seu problema, filho?


Ele olhou para o lado surpreso com a interrupção. O padre estava parado em sua frente, encarando-o no que seria a tentativa de um sorriso amável. Harry o encarou em silêncio por alguns segundos, tentando imaginar o porquê de estar sendo abordado.


-Por que eu teria algum problema? –retrucou arisco.


O padre secou a careca suada com um paninho e deu um suspiro, então, sem ser convidado, sentou-se ao lado de Harry.


-Não são muitos de vocês que aparecem na minha igreja, sabe?


Harry franziu o cenho, achara a expressão “muitos de vocês” um tanto quanto pejorativa.


-A igreja é proibida para nós?


O padre parou de sorrir vendo que Harry se mostrava na ofensiva. Tinha um semblante sério, mas que não transpassava agressividade ou qualquer coisa semelhante.


-A igreja não é proibida para ninguém, meu jovem. Tudo o que quero dizer é que é se um dos fiéis faltar uma missa, dificilmente vou reparar, pois são muitos. Mas é incomum que um boêmio apareça por aqui –ele suspirou novamente e limpou a careca mais uma vez- Infelizmente vocês só procuram a Deus quando tem problemas. E eu gostaria de saber se há algo que eu possa fazer para ajudá-lo.


Harry deu um sorriso sarcástico e uma risada irônica.


-Desculpe, Sr. Padre, mas uma coisa que prezo é a minha falta de pudores em dizer a verdade. Não vim à missa para rezar, confessar, pedir um milagre ou simplesmente ser abençoado. Apenas era o único lugar que eu poderia ser deixado em paz para pensar sozinho. Então, se a vossa santidade não se importa, eu gostaria de ser deixado em paz com meus pensamentos.


O padre ainda o encarou desconcertado por uns segundos, então se levantou derrotado e lhe deu um último olhar cansado.


-A igreja está de portas abertas para todos –disse, já se afastando.


Harry ficou observando o velho andar calmamente e já sumia pela porta da sacristia quando uma idéia lhe ocorreu. Não só os boêmios deviam ser percebidos. Correu até o padre lhe segurou o braço. Sem um pingo de vergonha por ter sido grosseiro, pediu:


-Poderia me atender só por uns minutos?


O padre tentou esconder um sorriso.


-Claro, filho –disse, encaminhando-se ao confessionário.


-Ah, não –riu Harry- Já disse e repito que não pretendo me confessar. Eu gostaria apenas de conversar. Lá fora seria ideal, pois esta igreja, além de quente, me assusta um pouco com todas essas imagens de santos.


O velho pareceu irritado e limpou o suor com gestos bruscos, mas não falou nada em oposição. A noite fresca, o vento calmo da noite agradável. As pessoas não deixaram de notar que o padre estava conversando com um boêmio e algumas não fizeram expressões simpáticas.


-Você disse que sempre repara quando alguém novo vem à sua igreja...


-Não é bem assim –interrompeu o padre- Se alguém mudar para cá, não vou notar a diferença, mas a sua presença era impossível não notar.


Harry torceu o nariz, não era a resposta que gostaria de ouvir. Ainda assim, não custava nada tentar.


-Conhece algum Draco Malfoy loiro que esteve na cidade esses dias para o Carnaval? –perguntou de supetão.


O padre pareceu surpreso, mas fez um sinal positivo com a cabeça. O coração de Harry disparou.


-Ele estava na missa, sentando numa das primeiras fileiras. Eu realmente gostaria de ter podido conhecer a sua esposa, mas ele disse que a doença dela estava pior e que ela não podia se levantar da cama. Até me ofereci para visitá-la e ungi-la, mas ele disse que a doença pode ser contagiosa.


Harry ficou confuso e olhou para os lados perdido. Há poucos minutos ele poderia ter cruzado com o marido cretino daquela ruiva. Mas o que significava isso? Provavelmente era uma desculpa para o padre, pois ele mesmo vira que ela e todas as suas coisas não estavam ali mais. “Ele despachou a mulher com essa mentira de doença, deve ter descoberto que ela saiu de casa e se enfureceu” deduziu. Seu coração batia forte e descompassado, tinha a informação que procurava, mas não sabia o que fazer com ela.


-Por que pergunta sobre ele? –questionou o padre, já estranhando o assunto e a expressão de Harry.


-Fomos amigos na infância –mentiu- Meu pai era jardineiro dos Malfoy. Perdemos o contato quando vim estudar na casa de um tio. Ontem o encontrei rapidamente e ele não me reconheceu e me destratou. Ainda assim, gostaria de saber notícias dele.


O velho sentou-se num banco com uma expressão cansada e Harry o acompanhou.


-Sim, isso acontece muito. As crianças não entendem as distinções de classe, mas quando crescem as amizades se perdem. É uma pena.


Harry apenas concordou com a cabeça e esperou que ele voltasse a falar.


-Eu não sei muito sobre ele, então lamento que minha ajuda possa não ter muita serventia. Antônio Falcci é amigo de Malfoy e foi ele quem nos apresentou. Tudo o que sei que ele é inglês, muito rico, uma vez que sua família controla boa parte do comércio de tecidos da Europa. A esposa dele é doente e por isso sempre fica em casa, quase ninguém a conhece. Não tem filhos. A família dele mora no interior da Inglaterra, mas ele reside em Londres, onde controla seus negócios.


Londres. Londres não. Se havia um lugar no mundo para o qual nunca poderia voltar, esse lugar era Londres. Ficou encarando o nada, perdido em pensamentos, tentando achar uma solução.


-É, já era de se imaginar que sua vida estaria boa. –então usou as informações que tinha e tentou parecer natural- A sua família sempre foi muito rica, tão rica quanto os Weasley. Ele realmente se casou com a garota Weasley?


-Oh, sim. Acho que esse é o sobrenome de solteira da esposa dele. Vejamos, qual é mesmo o nome dela? –o velho ficou pensativo- Gisele. Acho que é isso mesmo. Gisele.


Harry tentou esconder o sorriso latente, então estendeu uma mão para o padre.


-Muito obrigado, padre.


-Disponha, meu filho. Eu e o Senhor estaremos à disposição se precisar.


Harry acenou com a cabeça e saiu andando. Tinha o peito leve de um lado e preso do outro. Finalmente sabia o nome dela, onde morava e o que o marido fazia. Mas tudo isso estava em Londres, a cidade proibida. Arriscaria-se?


Se pudesse, gostaria de conversar com Patric ou Leonard. Será que Gisele seria uma nova aposta? A Condessa lhe fora desafiada durante uma noitada, Patric jurara que ele nunca conseguiria. Conseguiria ver Gisele novamente, ou melhor, tê-la consigo outra vez?


A questão essencial agora era: o Conde era rico, mas era decente e no máximo desafiaria-o para um duelo para limpar sua honra, do qual Harry fugiria com certeza. Ganhar seria matar um pobre homem inocente, o que ele abominava, e perder seria a morte. Mas Draco Malfoy era um novo tipo de rival a se pensar. Que tipo de homem mantém a mulher sedada em tempo integral? Mesmo que ele tivesse um motivo para isso, era uma atitude tremendamente baixa e sem escrúpulos. Se ele fazia isso com a própria esposa, o que faria com um desconhecido?


Dobrou mais uma esquina e entrou numa rua já muito conhecida por ele. Avistou o sobrado rosa e ficou parado, encostado num poste. Um empregado colocava uma mala na carruagem que parecia preste a sair. Draco finalmente estava abandonando Veneza. Harry sem manteve escondido em pedaços mal-iluminados e se aproximou lentamente, determinado a observar seu rival de perto. Ouviu uma voz alta e grossa, mas que certamente não pertencia a Malfoy, pois era de italiano.


-... preocupado. Meu pai tem acompanhado os negócios muito de perto, ultimamente.


-Já lhe disse, Antônio. Pare com isso. O Sr. Falcci está velho, mas ainda é muito esperto –disse uma voz cortante e séria, com um fino traço irônico permanente.


A primeira imagem que tinha de Draco em sua cabeça era de uma cobra. Sua voz sibilante parecia uma preparação permanente para dar o bote em alguém.


-Tenho duas famílias para sustentar, Draco. E de pensar que Laura começa a desconfiar que eu não sou caixeiro viajante...


Harry ouviu o que seria um muxoxo de deboche de Draco.


-Livre-se dela, eu já disse. Se a sua consciência pesa tanto assim, mande dinheiro de tempo em tempo, mas suma sem deixar vestígios. Acha mesmo que uma lavadeira do sul vai encontrá-lo? Ela nem sabe seu nome verdadeiro!


-Mas e os meus filhos?


Harry ouviu os passos e se prendeu a respiração, comprimindo-se contra a parede escura. Draco saiu primeiro e jogou alguma coisa dentro da carruagem de qualquer jeito. Então encarou Antônio Falcci, um homem grande e gordo, parado à sua frente. Draco era alto, magro e de traços sérios e perto de Antônio poderia parecer até mesmo franzino, mas seu rosto mostrava que era muito mais fatal. Pelos poucos segundos que ouvia de conversa dos dois, Antônio não tinha escrúpulos, mas tinha coração mole. Draco era frio e fatal, portanto alguém verdadeiramente perigoso.


-Bom, Antônio. Eu não vou me repetir. Sabe o que eu penso dessa sua história. Sabe o que deve fazer, mas faça o que quiser. Agora eu tenho que ir. Além disso, tenho que saber se ela chegou viva.


Antônio estremeceu.


-Acha que ela pode ter morrido mesmo? –perguntou receoso.


-Eu espero que sim. –respondeu Draco, secamente.


Harry sentiu um frio na espinha, Draco tinha tentado contra a vida da própria esposa. Gisele poderia estar morta a esse momento.


-Como ela estava mesmo?


-Você está me cansando hoje, Antônio. Já lhe disse, ela tinha febre alta e não acordava. Eu acho que senti um leve cheiro de álcool... –ele deu um riso de escárnio- Talvez tenha resolvido beber pra esquecer que eu a enganei mais uma vez. Bom, de qualquer forma, se ela fez isso foi pior. Misturar álcool com os remédios que ela toma seria um veneno para ela mesma.


Se até então seu coração já estava disparado, nesse momento ele queria saltar pela boca. Sua consciência estava pesada de forma absurda. Ela já tinha bebido antes de encontrá-lo, mas depois de ter vomitado ela teria melhorado se ele não tivesse oferecido mais bebida a ela. Se compreendia a situação bem, ele tinha ajudado Draco a tentar matar Gisele.


-Bom, veremos quando eu chegar. Espero que a minha recepção esteja envolta de preto e minha mãe me receba chorando. –ele riu- Caso o contrário eu lhe aviso. Ora, vamos, não faça essa cara. Aposto que se eu não fizesse isso, ela mesma tentaria se matar qualquer dia desses...


Antônio o abraçou e os dois apertaram as mãos.


-Virá no próximo Carnaval?


-Não perco por nada! –riu- Adeus, até breve. Ou não. Escrevo se for comemorar o meu aniversário de casamento. Isto é, se houver esposa e casamento para ser comemorado!


Com uma gargalhada, ele apertou novamente a mão de Antônio e entrou na carruagem. O italiano esperou a carruagem virar a esquina e atravessou a rua, entrando em sua própria carruagem e partindo em seguida.


Harry ainda ficou ali por um tempo indeterminado, sua mente vagando. Uma semana atrás ele era só mais um boêmio vivendo a vida intensamente, bebendo muito e desfrutando do amor que as mulheres lhe ofereciam. Nesse momento ele se sentia cúmplice de um rico vigarista que tentava matar a mulher. Pensou no sorriso de Gisele enquanto ela corria bêbada, na primeira vez que a vira. Ela corria para a liberdade e para longe do monstro que seu marido era. Lembrou das lágrimas dela ao afirmar que sua vida era um inferno.


Bom, ela tinha trazido o inferno até ele.


Sua mente rodava e ele sentia um embrulho no estômago. Tinha que fazer alguma coisa. Ela poderia estar morta, mas e se não estivesse? Se não estivesse, então ele continuaria a infernizá-la, para que ela mesma fizesse o trabalho dele. Ele a salvara quando ela se jogou no rio, será que alguém mais já havia a salvado? E ele a salvaria de novo?


Alguma coisa lhe mandava correr atrás de Draco Malfoy, segui-lo, descobrir onde morava, sua rotina e então seqüestrar sua mulher e libertá-la dele. Mas isso significava duas coisas: a primeira é que teria que ir a Londres, a última coisa que queria na vida. E a segunda é que teria que abrigá-la depois que lhe tirasse de sua própria casa. Ou seja, estaria meio que casando com ela, sendo o casamento outra última coisa que queria na vida. Gisele era o maior problema que já havia aparecido na sua vida. Aparecido não, corrido e saltado dentro dele.


Suspirou fundo e balançou a cabeça. Tinha cometido vários erros: dormira com uma mulher casada e dera bebida para uma mulher que ele sabia que tomava sedativos. Mas nenhum desses erros poderia se transformar numa ajuda para um assassinato. Definitivamente não. Se não era responsável por isso, então também não tinha nada que se preocupar, não podia ser responsabilizado pela morte presente ou futura dela. Não era assunto seu. Era uma história horrível e trágica, mas que ele iria esquecer depois de mais um porre.


Começou a andar rápido, para se afastar daquela casa e de toda aquela história. Entrou num bar e pediu uma garrafa de absinto. Quando viu o líquido verde, vários flashes invadiram sua mente: fada verde, máscara verde, uma ruiva de vestido verde.


-Absinto não –disse, empurrando a garrafa- Qualquer outra coisa, menos isso.


O balconista lhe entregou uma garrafa de vinho, que ele pagou e saiu correndo do bar. Correu muito, até se ver trancado e ofegante dentro de seu próprio quarto. Olhou para aquele lugar imundo, tentando se sentir tranqüilizado e em paz, mas era impossível fugir de algo que estava somente na sua mente.


O inferno dela realmente estava nele.


Levantou-se e olhou-se no espelho. Era bonito, mas no momento não estava. Era somente um lixo, um monte de roupas e olheiras ambulante. E algo lhe dizia que enquanto não resolvesse essa história continuaria assim. Pegou suas poucas coisas e tacou na pequena mala que tinha. Desceu as escadas decidido e firme e pagou a cafetina com calma.


Saiu da pensão diretamente para o porto. No inferno, abrace o capeta.
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N/A: Olá pessoal! Feliz 2007, antes de tudo! Muito amor, paz, álcool, beijo na boca e todo tipo de felicidade para vocês! Bom, que esse ano seja ainda melhor que o outro. Não que 2006 tenha sido ruim (muuuuito pelo contrário), mas o final dele foi extremamente turbulento para mim, e esse é o motivo da demora na atualização. Só se eu deixasse de dormir para escrever, o que eu não faria em hipótese alguma. Além disso, estava tão estressada com estudos que mesmo quando eu ainda tentava pensar na fic, simplesmente não dava. A criatividade e a disposição estavam pra baixo de zero. Mas ano novo, vida nova! Já viajei pra descansar bastante e já atualizei minhas idéias pra fic, portanto podem ficar tranqüilos, essa demora não voltará a acontecer! Bom, se você está gostando, se você não está satisfeito, se você simplesmente leu a fic e é uma boa pessoa, então entre na campanha “Eu faço uma autora feliz” e deixe uma resenha! Bjusss, Asuka


carol potter: Ah, a Gina vai penar mto pra tentar indireitar o Harry, e não garanto q ele vá conseguir!!! hahuahuahu Ele realmente não é flor q se cheira, embora um pouco mais escrupuloso q o Draco. Aguarde, ele ainda vai aprontar!!rsrsr Aproveite a fic! Bjusss

Helena Jimenez Weasley: Nossa, fico até sem graça! rs Vc fala q é minha fã e eu fico todo esse tempo sem postar. Miiiiiil perdões, não foi desleixo meu, simplesmente era impossível mesmo. Mas brigadinha por estar acompanhando, rsrsr Não desista da fic, please! rsrsr Aproveita o cap! Bjusss

Jacqueline Plensack Viana: Brigadinha pelo elogio! E se vc gostou, então pode esperar ansiosa, pq a cafagestagem do Harry mal começou, ele ainda vai fazer muuuuuita raiva na Gina. Não se engane com os momentos meio romanticos dele nesse início! rsrsr Aproveite a fic! Bjusss

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