O Filho



I


- Isso foi a coisa mais bonita que eu já vi. - Uma voz assaltou-a pelas costas, fazendo-a virar-se rapidamente.

- Quem disse que era para você ver? - indagou para a mãe, cerrando as sobrancelhas em sinal de censura.

- Acredite, não era minha intenção. Mas eu estava pendurando roupas e vi sem querer enquanto voltava. Interromper é que eu não ia - disse Molly, gentilmente.

Gina suspirou.

- O que vai ser de mim agora? Ele foi embora de novo…

- Não seja dramática - retrucou sua mãe, enquanto retomava o caminho de casa na sua companhia. - Você ouviu o que ele disse, que volta.
Gina encarou a mãe por um tempo.

- E você acredita que ele realmente tenha escolha? - perguntou baixinho. - Ele só fez aquilo para não me deixar preocupada.

- O que foi um gesto muito nobre - interrompeu Molly. - E de pensar que há duas semanas atrás estávamos de lados diferentes… Eu faria qualquer coisa para que ele, particularmente, não chegasse perto da minha filha…

A garota ergueu as sobrancelhas e parou de andar. Ficou mirando a outra vagamente. Molly também parou de andar para mirar a filha.

- Você não devia perder as esperanças, querida - disse, olhando-a. - Em outras ocasiões eu não estaria te apoiando, você sabe disso… Eu percebi que ele… me pareceu que ele realmente gosta de você… acho que agora você encontrou a pessoa certa. Mais do que nunca agora que percebi que você…

- …Consegue pôr rédeas nele - completou Gina, sorrindo. - Você é a segunda pessoa que acha isso. E provavelmente está pensando no bem que isso irá fazer à humanidade.

- Geralmente minhas intuições estão certas - disse Molly, sorrindo também. - Eu só te peço para agüentar mais um pouco.

Elas entraram em casa. Fred e Jorge estavam sentados à mesa um pouco quietos demais, tomando o café da manhã. Os dois encararam a mãe e a irmã e estas os encararam mutuamente. Depois Gina ergueu uma sobrancelha e perguntou, desconfiada:

- Qual é o problema de vocês?

Os gêmeos se entreolharam.

- Você faz idéia da quantidade de poeira que caiu do teto na cabeça da gente ontem à noite? - interrogou Jorge rispidamente.

Gina procurou entender sobre o que eles estavam dizendo. Sua incógnita deve ter se mostrado em sua face, porque Fred disse, ainda mais ríspido:

- Você devia ter pensado nos seus pobres irmãos que dormem no quarto de baixo antes de propor ao outro lá praticar “sem-vergonhices”!

Ela realmente não esperava por isso. Soltou uma risada tão alta que ecoou pela cozinha pequena, pelas escadas e pela sala. Um pouco depois, sua mãe começou a rir também. Ela sabia que Fred e Jorge não deviam ter entendido nada quando ela os deixou, rindo feito louca, e subiu para o quarto.


II


Os dias que se seguiram não foram mais divertidos, para sua infelicidade. Era domingo quando Percy, Gui, Rony e seu pai voltaram para casa, todos exaustos.

Quando sentaram-se para jantar aquela noite, a mesa estava como que silenciosa demais para o normal da família Weasley. Gina sabia que era uma questão de tempo para que alguém perguntasse…

- Por que estão tão quietos? Aconteceu alguma coisa enquanto estávamos fora? - perguntou Percy, já exasperando-se.

Sabia que sucederia uma inominável tragédia se um dos rapazes ou seu pai soubesse quem estivera ali enquanto estavam fora. Gina trocou um breve olhar com Molly e soube que esta manteria segredo. Quando preparava-se para olhar para Fred e Jorge, um deles abriu a boca.

- Pergunte à Gina - disse Fred, entre os dentes, lançando um olhar cruel para ela. - Ela adorou ficar trancada com o namoradinho dela no quarto… a semana toda - acrescentou ferozmente.

Mal deu tempo de Gina lançar um olhar aborrecido ao irmão e a conseqüência das palavras dele já caiam sobre ela. Sentiu o rosto ficar quente quando todos os outros olhavam para ela, enquanto observava seu prato.

- Isso não é verdade, é? - perguntou Arthur em voz baixa, da ponta da mesa.

Gina não levantou o rosto. Inspirou profundamente e então confirmou com a cabeça.

Houve um grande silêncio com sua confirmação, mas depois de um momento ele foi violentamente quebrado com um urro de fúria de Percy.

- Vocês deixaram aquele… aquele filho da mãe miserável entrar aqui?! - exclamou, incrédulo, largando os talheres no prato com estrépito. Gina fechou os olhos com força e procurou não se descontrolar.

Agüentou firme durante o tempo em que sua mãe narrava em voz baixa, para a mesa, o que havia acontecido desde que Gui tinha desaparatado. Então fez-se um silêncio constrangedor antes de alguém se dirigir à ela.

- Então - ela levantou os olhos um pouquinho, sem mexer a cabeça. - Você sabe muito bem que quando a aceitamos de volta, ficou claro que você não nos colocaria em perigo, que não traria essas… pessoas para dentro de casa - disse seu pai furioso em voz alta, tremida de raiva.

Ela não podia mais agüentar.

- Tom não tocou em um fio de cabelo de ninguém dessa casa enquanto vocês estavam fora - disse numa voz controlada.

- ISSO NÃO VEM AO CASO! VOCÊ DEIXOU SUA MÃE E SEUS IRMÃOS EXPOSTOS À ESSE MANÍACO - gritou ele, anormalmente bravo. - VOCÊ É IRRESPONSÁVEL, GINA! VOCÊ NÃO TINHA O DIREITO!

Gina levantou-se com ira.

- EU DEVIA TÊ-LO DEIXADO MORRER, ENTÃO? DEVIA TER DEIXADO O PAI DO MEU FILHO MORRER SEM FAZER NADA, PORQUE MINHA FAMÍLIA TEM “RECEIO QUE ELE ENTRE EM CASA”? DEPOIS DE TUDO QUE ELE SE ARREPENDEU DE TER FEITO, DE TODO O ESFORÇO… É ASSIM QUE O MUNDO VAI RECEBE-LO? ENTÃO É MELHOR EU AVISÁ-LO PARA NÃO MUDAR, PARA QUANDO ENCONTRAR DRACO, NO MÍNIMO ENFEITIÇAR LÚCIO PARA QUE ELE MATE O PRÓPRIO FILHO À FACADAS, PORQUE É ISSO QUE ELE FARIA SE NÃO TIVESSE ME CONHECIDO, SE NÃO TIVESSE ME PROMETIDO QUE DESSA VEZ IA SER DIFERENTE! OLHEM PARA MIM! - gritou, mais furiosa do que qualquer um naquela mesa.

Gui a mirava pálido; Molly olhava para o outro lado, constrangida; Percy passara a admirar o próprio prato; Rony olhava-a com os olhos arregalados, com uma expressão desconhecida no rosto; Fred e Jorge pareciam ter perdido a fala e olhavam para a garota, ambos de bocas abertas; seu pai parecia estar tentando pensar no que ela falara.

- Eu não posso… você tem que entender que eu não posso simplesmente aceitar esse seu caso, Gina - falou seu Arthur Weasley depois de algum tempo, a voz falha, cheia de desgosto. - Eu ainda não me acostumei que vou ser avô de um… de um…

Gina não podia suportar ouvindo seu pai falar assim de seu filho, do filho de Tom, do seu Richard… Sentiu os olhos marejarem, mas antes que entendesse qualquer outra coisa, sentiu uma dor aguda e dilacerante no ventre.

Ela sentiu o tempo parar de repente, o som emudecer e as cores se desbotarem. Mal podendo respirar de medo, baixou as mãos para a barriga, como se não acreditasse no que estava acontecendo. Já perdera Chistitine, uma vez… mas não podia perder Richard, o seu filho querido, seu primeiro filho!

Gina afundou-se na cadeira, ouvindo muito vagamente o choro baixo que saía de sua própria garganta. A dor horrível que sentia fisicamente não era nem comparada à dor que sentia do peito - uma dor que sufocava, que a dilacerava, mais do que qualquer coisa…

Mas ninguém parecia reparar nos gestos dela. Via a boca do pai se mexer rápida e difusamente através das lágrimas que embaçavam sua visão. Via Percy concordar com a cabeça, como se movesse em câmera lenta, e Rony se interpor, discordar…

- E-eu… estou perdendo meu filho - disse num sussurro estrangulado. Mas ninguém escutaria… Estava tudo acabado… Lembrava-se dos olhos ávidos de Rick, escuros como os do pai, aqueles olhos cheios de calor, pertencentes à pessoa que ela mais amava por muito tempo… E ela sabia que dessa vez não o daria leite quando este acordasse no meio da noite chorando de fome; sabia que não o tomaria nos braços quando se machucasse, que não o faria dormir… Sabia que não daria conselhos sobre garotas; sabia que não o ensinaria a montar uma vassoura; sabia que não o levaria para assistir jogos de quadribol… Sabia que dessa vez não escreveria dando os parabéns por ter entrado na Corvinal, nem que receberia mais cartas dele… Sabia que não ia vê-lo casar, ter filhos… Sentia que dessa vez perderia uma parte dela para sempre…

Uma lágrima pingou em seu colo. Sabia que não suportaria…

- Basta! - ouviu de muito longe a voz de sua mãe, explodindo. - Gina tinha todo o direito, era o que ele faria com ela se acontecesse ao contrário! Eu apoio minha filha, Arthur, porque eu vi que ele mudou, que ele a ama!

Tom a amava… Era apenas isso que a manteria viva se Richard a deixasse…

- …vocês não estão agindo com tato! Gina está gravida, e por mais que nos desagrade saber quem é o pai da criança, não adianta se enfurecer e, se isso aconteceu, foi porque não demos atenção à nossa garota como devíamos, Arthur! Você deveria demonstrar pelo menos um pouco de gratidão por ela ter voltado e nos contado tudo! E NÃO a culpe pela morte de Carlinhos! Você já sabe de tudo, você sabe que não foi culpa dela e tampouco dele. - E a voz se tornou mais suave - Não fique triste, minha filha. Eu estou do seu lado… O que foi, Gina, querida? - perguntou, agora um tom visivelmente preocupado invadindo a voz da mãe.

- Eu estou perdendo meu filho - repetiu, no mesmo sussurro dolorido de antes, segurando-se para não gritar. A diferença era que dessa vez todos escutaram.

Houve um grande arrasta-arrasta de cadeiras e no instante seguinte Gina se sentiu erguida no colo de alguém, que momentos depois subia as escadas e empurrava uma porta com violência. A garota sentiu então que estava deitada de costas num colchão, mas não tinha plena consciência do que estava acontecendo. Só conseguia pensar no seu filho - seu querido e amado filho…

Parecia que ficara ali uma eternidade. Ouvia passos, gritos e ruídos abafados e sentia a dor horrível que não a deixava nunca. Por um momento sentiu um líquido quente molhar-lhe as pernas; não precisava olhar, sabia que era sangue. A única coisa que via era um teto branco, que entrava e saía de foco.

Aquela dor horrível, cada vez pior… Já quase sem sentidos, ela já não conseguia pensar em como seria sua vida sem Richard, sem o tão esperado encontro de Tom com o garoto, nem no desapontamento deste, que queria tanto esse filho… Então Gina já perdera todas as esperanças, os pequenos vestígios de que poderia não ser agora a hora, que teria mais um tempo…

Foi quando ouviu…

Um choro. Um choro que fazia com que todas as dores se apagassem, que todas as esperanças se renovassem, que a aquecia de dentro para fora num glorioso alívio, uma maravilhosa sensação de leveza se espalhando por todo seu corpo insensível… Um choro que trazia a vida, que lhe dava de volta todos os prazeres de ser mãe. O choro de um bebê!

Quando recebeu o embrulhinho de cobertores nos braços e ela sentiu a criança parar de chorar, viu os olhinhos fechados, as mãozinhas fechadas segurando o tecido, uma cabecinha cabeluda de fios negros… sorriu. Sorriu com a maior felicidade que se lembrava de ter sentido algum dia.

- É menino - disse uma voz orgulhosa.

Murmurou alguma coisa.

Então aliviada, feliz e extasiada, lembrou-se de como estava cansada e queria dormir. Fechou os olhos.

Na mesma hora, ao contrário dela, alguém à centenas de quilômetros dali abria os olhos de súbito e encontrava o escuro céu estrelado. Não sabia ao certo como, mas sabia:

“Meu filho nasceu”.


III


Gina acordou, a vista embaçada, e reparou que era dia. Uma luz forte do sol que entrava a fez imaginar que seria muito de manhã, quando o sol entrava diretamente no seu quarto. Ia sentar-se, quando a porta se abriu.

- Não sente-se. Você ainda está fraca demais para isso - disse Molly, eficiente. Trazia um bebezinho nos braços.

Gina abriu um largo sorriso.

- Ele não é lindo? - perguntou Molly, reparando o olhar da jovem mãe ao seu filho. Ela se aproximou para poder mostrar a criança melhor. - É tão quietinho… E bem forte, também. Nem parece que nasceu prematuro.

Gina viu os olhinhos curiosos de Richard espiá-la, por cima da manta, e seu sorriso se intensificou.

- Escrevi à Dumbledore ontem. Madame Pomfrey já passou aqui e deu uma olhada em você, e em Richard também…

- O quê? - perguntou Gina, rapidamente, acordando de repente da admiração ao filho.

- Bom, ainda somos da Ordem da Fênix e, como você não pode ir ao hospital, achamos que poderíamos pedir um favor. Você só tem que ficar de repouso por alguns dias e o pequeno só tem que tomar um pouquinho de poção na mamadeira por…

- Não, não; eu quero dizer, como foi que você chamou ele? - perguntou Gina, querendo saber o nome que a mãe usara.

- Ah - disse a senhora, sorrindo. - Richard.

Gina piscou.

- Como sabe que o nome dele é Richard?

- Como sei? Ora, você disse pouco antes de dormir, não se lembra?

- Eu disse? - admirou-se.

- Disse. Bem, você estava meio insensível, não sei se se lembraria. Em todo caso, você disse.

- Mamãe?

- Sim, querida?

- Posso pegá-lo um pouquinho?

- Claro que pode - disse Molly, entregando-o à Gina com um sorriso. - Acho bom dar de mamar à esse garoto; ele deve estar faminto.

Gina sentou-se com cautela, sorriu para o garotinho e deu o peito para ele poder mamar.

- Eu tinha me esquecido de como ele era bonitinho…

- Não segure-o assim - reclamou Molly, com um quê de quem sabe das coisas. - Você deve…

- Mamãe, será que vou ter que lembrar que já cuidei desse garoto por quinze anos? - retrucou, com as sobrancelhas erguidas.

- Ah, me esqueci - falou a outra, revirando os olhos, num tom que deixava mostrar claramente que Gina era um tanto louca. - Se precisar de mim, estou lá em baixo. - E saiu, deixando-os à sós.

Gina mirou o filho, afagando seu cabelinho escuro com as pontas dos dedos. Imaginou como seria quando Tom o visse pela primeira vez. Sorriu. Agora Rick iria conhecer o pai, e Tom finalmente teria uma responsabilidade maior do que ser um assassino. Bem, esperava sinceramente que as coisas dessem mais certo daqui para frente.

Rick abriu os olhos e ficou fitando a mãe. Ela não tinha certeza se ele podia enxergar alguma coisa ainda, mas ainda assim ele lhe lembrou o pai. Lembrando-se do rapaz forte e bonito que ele iria se tornar, Gina sorriu gentilmente para o filho.

Lentamente, seu pensamento vagou até Tom. Onde será que ele estava agora?



IV


Draco se trancara calado em seu quarto. Temia que Arkehon pudesse cometer alguma coisa fora de sua imaginação. O homem dissera “três dias”, entretanto já se passara cinco.

Agora, mais do que nunca, imaginava se tinha feito o certo ao tomar a Ordem das Trevas. Certamente que Voldemort era mais talentoso que ele, e muito mais poderoso, também. Contudo… contudo ele conseguira tirá-lo da liderança, e agora parecia que finalmente fora o responsável por sua morte… Não podia ser assim um completo inútil.

O céu estava negro e sem nuvens. Uma estrela brilhava intensamente à sua frente, em direção ao Norte. Se ao menos tivesse prestado atenção às aulas de Astronomia, saberia qual o nome daquele corpo celeste… Ou se tivesse se interessado pelas incertas explicações de Firenze sobre o que poderia significar quando tal estrela brilhava mais que as outras…, mas não se interessava por Adivinhação também. Provavelmente Voldemort sabia dessas coisas…

Ele está morto!, pensou com firmeza, mordendo o lábio inferior.

Draco não tinha a experiência necessária para comandar algo de tanta responsabilidade. Um erro e estariam todos mortos… Sabia que devia ter confiança em si mesmo, mas era difícil. Faziam apenas três meses e já arranjara inimizade com o Lord das Trevas, com Arkehon e o povo das montanhas e perdera a confiança dos dementadores. Ainda que tivesse a maioria dos Comensais das Morte do seu lado, poderia não ser o suficiente; sentia que estava perdendo poder.

Se ele não estiver morto, pensou Draco, está tudo acabado.

Há alguns quilômetros dali, alguém que esperava a hora certa de atacar, fazia o mesmo que Draco. Uma fogueira estivera acesa, mas ele acabara de apagar. A claridade e a fumaça tanto poderia atrair alguém como o impossibilitava de ver com precisão.

Percebia que um pontinho ao norte brilhava, incandescente. Marte. Significava guerra, um confronto, em breve… Mas as estrelas também lhe informavam outras coisas. Uma era que a estrela da constelação do seu signo, Áries, estava mais acesa do que normalmente. Geralmente, isso significaria benefício para ele, mas não tinha certeza agora. A constelação de Leão também estava destacada no céu. O que isso significava? O mesmo que estava pensando que era? E Pégaso? Talvez esteja querendo lhe dizer que teria uma ajuda imprevisível? …De quem?

Só podia pensar. E tinha realmente bastante tempo para isso.


Comentem por favor, eu imploro!!!

Continua...

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.