Te amo



Os lábios de Luke Harper eram calorosos. Ele era suave, modesto e cauteloso, movendo-se lentamente, na velocidade dela. Não havia música, mas o beijo parecia pender para o romantismo. Aquilo era bom – ela pensou – porque sua personalidade era decididamente romântica. Ela assistia a filmes em preto e branco e gostava da aparência da neve em seu cabelo, pelo amor de Deus. É claro que romantismo era uma coisa boa. É claro que ela queria... Por que diabos sua mente estava divagando daquela forma? Devia estar beijando o namorado, não... Santo Deus.


Eles se separaram, e ele lançou seu sorriso lindo, clássico e perfeito. Provavelmente era sua principal característica, e tornou os quinze segundos ou mais de silêncio que se seguiram entre eles bastante agradáveis. Lily Evans passara a maior parte do verão com Luke Harper, então um beijo na plataforma de trem não era, talvez, um gesto tão dramático quanto poderia ser, mas eles tinham ficado separados nos últimos dois dias, então havia alguma sensação de reencontro muito esperado.


O céu tinha começado a escurecer, e as tochas da estação foram acesas quando o Expresso de Hogwarts parou há cerca de dez minutos. Agora, quase todos os duzentos e cinquenta ou mais passageiros do trem tinham desembarcado e se preparavam para partir para o castelo, que era a Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. A fraca luz da lua mal iluminava o longo caminho até as portas do castelo. Os primeiranistas tinham sido guiados pelo guarda-caça, Hagrid, em direção aos botes que iam atravessá-los pelo lago até a escola, enquanto os veteranos se dirigiam às carruagens sem cavalo, que tomavam o caminho alternativo pelo vilarejo de Hogsmeade.


A pouca luz não favorecia Luke, mas isso não significava que não fosse absolutamente lindo, com os cabelos castanhos e macios, suaves olhos da mesma cor, e, naturalmente, aquele sorriso. Mesmo quando Lily ficava irritada com o rapaz – um raro acontecimento, aquele sorriso fazia seu estômago sacudir. Agora, enquanto suas mãos descansavam sobre o peito dele – uma mão tocando suavemente a gravata azul e prata perfeitamente arrumada de seu uniforme, a jovem percebeu que os últimos dois meses (o tempo de duração de seu relacionamento com ele) tinham sido bastante agradáveis.


Luke era um cara decente: ele não se importava muito com política ou coisas importantes, mas era romântico e sintetizava tudo que um namorado de dezessete anos de uma garota de dezesseis anos deveria ser. Ele morava em Hogsmeade, porque sua família possuía um negócio na vila, sendo por isso que não embarcou no Expresso de Hogwarts com os outros alunos. No entanto, encontrara Lily na plataforma, que foi um gesto adorável... Como num filme em preto e branco, a ruiva pensou.


Em um momento, porém, as lembranças felizes do verão de Lily foram destruídas.


"Eu te amo," disse Luke.


Como seu beijo, o tom de voz era suave e despretensioso, embora o próprio gesto de declarar seu amor após meros dois meses fosse qualquer coisa, menos cauteloso. O tempo congelou com a declaração daquelas três palavras, e o coração da Lily batia rapidamente... Não no bom sentido. Ela ponderou suas opções.


Ele a amava. Ele a amava. Amor era grande. Amor era épico. Amor era… Certamente, gostava bastante de Luke. Gostava da forma que as mãos dele descansavam em seus quadris enquanto se beijavam e de como ele conseguia fazer uma demonstração moderadamente convincente de satisfação quando ouviam seus discos de Led Zeppelin. Gostava que tivesse sido ridiculamente tímido em frente à sua mãe e de como jamais questionou sua amizade com Snape. Gostava de seu sorriso e de como não ficava sempre tentando saber o que ela estava pensando. Gostava por ele não parecer se importar em "ir devagar" e de como dizia aquelas coisas bobas e românticas, assim como o herói de um poema medieval.


Eu gosto de Luke, ela pensou.


Eu amo outra pessoa.


E estabeleceu aquilo em sua mente.


"Eu não posso te dizer o mesmo," murmurou Lily, após o que pareceu uma eternidade, mas na realidade foram apenas alguns segundos. Ainda assim, a confusão nos olhos da ruiva tinha sido indicação o bastante para Luke saber o que a resposta dela não seria. Ele assentiu tristemente. "Luke, ouça, não é que eu não, que eu não me importe o bastante com você, porque eu me importo." A plataforma estava ficando cada vez mais vazia enquanto os outros alunos enchiam as carruagens. Lily sequer brincou com a idéia de dar a Luke uma verdadeira razão para que não pudesse dizer aquelas malditas três palavras a ele... Ele não entenderia.


"Quero dizer," continuou ela, nervosa, "você sabe como eu sou. Eu tenho ideais bem específicos sobre o amor e tudo mais, e poderia teoricamente dizer o mesmo a você agora, mas... mas não significaria o bastante para mim. Eu simplesmente não podia dizer isso a não ser que eu verdadeira, completa e irrestritamente sentisse isso. Nós só estamos juntos há dois meses..."


"Dez semanas," corrigiu Luke.


"Mas quando você fala assim parece menos tempo," apontou Lily, franzindo a testa. Ele assentiu de forma submissa e ela suspirou. "Você está chateado?"


"Não." A resposta veio de imediato e sem hesitação, marcada por sinceridade e desejo de assegurá-la daquilo. "Não, eu não estou chateado. E eu entendo... você é... você é um ano mais nova que eu e poderia ser mais difícil para você assumir esse tipo de compromisso..."


Lily achou que a ideia continha mais condescendência que a diferença de um ano permitia, mas não discutiu, porque aquilo a poupou de uma discussão. De qualquer forma, ele tinha razão: ela deveria ter sido capaz de dizer "Eu te amo, também".


A ruiva afastou as mãos do peito dele, e um espaço se abriu entre os dois adolescentes. "É melhor pegarmos uma carruagem," disse Luke, sacudindo a decepção rapidamente. A jovem mentalmente adicionou aquilo à lista de admiráveis qualidades que o garoto possuía: ele não guardava rancor.


Severus guarda rancor, ela pensou.


Isso era fato. Na verdade, naquele mesmo instante, Severus Snape estava observando aquela cena de sua carruagem, a uma curta distância, e guardando rancor. Lily ainda estava saindo com Luke Harper, era o que parecia, e já que não tinha como saber o conteúdo da conversa, o jovem sonserino – pálido, magro e de todas as formas o oposto de Luke Harper – sentiu o ressentimento ferver dentro de si. Então, sua carruagem começou a se afastar, e ele rapidamente desviou o olhar para que os demais sonserinos na cabine não notassem para onde estivera olhando.


"Eu sinto muito," repetiu Lily, enquanto os dois caminharam em direção às quatro carruagens que restavam.


"Não se preocupe com isso," ordenou Luke afetuosamente. "Não foi nada demais... Eu só queria te dizer o que eu sentia."


Lily assentiu e, então, com um pouco de hesitação, acrescentou: "Obrigada." Ele sorriu, beijou-lhe o topo da cabeça – o que ele fazia bastante – e os dois entraram na carruagem. Ele realmente parecia ter esquecido, mas a ruiva continuou preocupada.


A carruagem estava vazia quando eles se sentaram. "Espero que ninguém mais entre," Luke começou a dizer, mas as palavras mal tinham deixado sua boca quando alguém enfiou a cabeça pelas portas. Ele era bonito, tinha os cabelos pretos e olhos azuis acinzentados.


"Ah, olá, Lily," disse o rapaz. "Olá... outra pessoa." Ele olhou para Luke como se o rapaz realmente não servisse ao seu propósito ali.


"Esse é Luke, Sirius," disse Lily ao recém-chegado. "Luke Harper... ele é da Corvinal."


"Bom para ele," comentou o garoto chamado Sirius. Ele se dirigiu apenas à ruiva: "Você viu James?"


"Não…"


"Tem certeza? Ele desapareceu quando desembarcamos do trem."


"Tenho certeza."


"E você, Lucas?"


"É Luke."


"Eu sei. Você viu James Potter?"


"Não."


"Certo, então. Tenham um adorável passeio de carruagem. Mantenham-se castos."


"Sirius, saia," mandou Lily.


Sirius deu uma piscadela. "Tchau, Lily. Tchau… outra pessoa."


Ele se foi logo em seguida, e Luke sacudiu a cabeça. "O que há com ele? Ele estava tão..." Luke, porém, não teve oportunidade de concluir o pensamento, já que uma garota loira e alta invadiu a cabine e se sentou. Lily arqueou as sobrancelhas em surpresa.


"Oi, Marlene, eu pensei que você tinha ido para o castelo com Miles."


"Miles Stimpson," começou Marlene Price com fogo em seus olhos azuis, "é o maior e mais intolerável imbecil que eu  conheci."


"Você está namorando ele há quase dois anos," lembrou-lhe Lily.


"Ele é um idiota," afirmou a loira. "Ele e toda aquela estúpida e chata Corvinal!" Como que notando a presença de Luke pela primeira vez, Marlene acrescentou: "Sem ofensas, Harper."


"Tranquilo," respondeu Luke.


"O que aconteceu?" perguntou Lily com cautela.


"Ele é um imbecil!" Marlene quase gritou. "Ele me dispensou a maior parte da viagem, como você bem sabe, Lily, porque estava comigo, e então, quando estávamos saindo do trem, ele me pede para esperá-lo na plataforma enquanto corre de volta à cabine para pegar alguma coisa. Então eu espero, e então, nem dois minutos depois, eu o vejo entrando numa carruagem com aquela vadia da Alexa Kyle."


"Alexa Kyle é uma vadia?" indagou Lily ceticamente.


"Eu não sei," admitiu Marlene. "Mas é provável. E sabe o que mais ele fez? Ele..."


Antes que Lily tivesse qualquer chance de saber mais sobre as façanhas de Miles Stimpson como um péssimo namorado, porém, um quarto viajante juntou-se a eles. A porta se fechou magicamente atrás dela e, quase instantaneamente, a carruagem – tendo atingido sua quota de quatro pessoas – partiu em direção ao castelo.


"Donna," observou Lily, surpresa. Uma bruxa alta, de corpo atlético, cabelos escuros e cacheados, e olhos cor de âmbar, jogou-se no assento em frente a Luke. "Eu pensei ter visto você entrando numa carruagem com Mary."


"Estou surpresa que tenha visto alguma coisa," replicou secamente a garota chamada Donna. "Aos beijos com esse idiota." Ela sacudiu a cabeça na direção de Luke. Lily pôs uma mão apaziguadora no braço do namorado.


"Donna Shacklebolt," disse a ruiva com firmeza, "o que eu te disse sobre ser maldosa com as pessoas que não entendem que você é sempre maldosa?"


Donna fez careta. "Ótimo. Sinto muito, Harper," desculpou-se sem soar nada arrependida. "Afinal, não estou com raiva de você. Só odeio todos os homens."


"Eu também!" gritou Marlene imediatamente.


"Algo que vocês duas concordam," admirou-se Lily. "Talvez haja um lado positivo em Marlene namorar um idiota e Donna... odiar todo mundo."


"Eu não odeio todo mundo," rebateu Donna, mas sua declaração foi recebida por olhares duvidosos dos outros três ocupantes da carruagem. "Não odeio."


"Você odeia a maioria das pessoas," disse Marlene e quando Donna abriu a boca para protestar, a loira continuou: "Qual a percentagem de pessoas que vocênão odeia aqui nessa carruagem?"


A garota olhou em volta.


"Vinte e cinco por cento. Mas essa estatística é tendenciosa. É óbvio que eu me odeio, óbvio que odeio Harper, por ele ser um cara, e óbvio que odeio você, Marlene, por ser psicótica e emotiva."


"Que gracinha!" disse Marlene com ironia. "Então você odeia os homens, que representam cinquenta por cento da população e odeia pessoas emotivas. Don, assuma, você odeia a maioria das pessoas. Na verdade, você odeia todo mundo, exceto Lily e talvez sua irmã de dez anos."


"Cala a boca, Price." Marlene cruzou os braços, uma expressão presunçosa em seu belo rosto. Donna revirou os olhos. "Vamos mudar de assunto," ordenou ela.


"Concordo," disse Lily. A ruiva olhou pela janela e viu o topo das torres do castelo começando a aparecer sobre a colina. "Olhem," disse ela. "Logo veremos Hogwarts." E eles viram, um momento depois, o castelo aparecendo, um azul reluzente sob o luar, e cada pedaço de sua majestade surreal, como lembrou a ruiva. Hogwarts era, talvez, a única coisa no mundo que nunca deixou de corresponder às expectativas românticas de Lily. Ela disse isso aos outros, e enquanto Luke sorriu afetuosamente para sua bela namorada, suas duas amigas trocaram olhares.


"O que foi?" indagou Lily, notando-as.


"A Lily do verão se foi," suspirou Marlene, fingindo uma tristeza nostálgica. "A Lily de Hogwarts voltou. Eu gosto muito da Lily de Hogwarts, é claro, mas é sempre triste ver a Lily do verão partir."


"Lily do verão?" repetiu Luke. "Há mais de um tipo de Lily?"


"Há mais de sessenta tipos de Lily," disse Donna, como se o rapaz fosse um grande tolo por ainda não saber disso.


"A Lily do verão," esclareceu Marlene, "fica fora até tarde para ver os vaga-lumes. A Lily de Hogwarts é melancólica."


"Costumava haver a Lily do verão o ano todo," continuou Donna. "Tínhamos que aguentar as citações de Percy Byshe Shelley no meio da aula de Transfigurações e observações sobre a extraordinária beleza da luz de velas durante a aula de Poções. Mas então..." Donna hesitou por alguns segundos, e então continuou: "então, a pequena Lily cresceu, e só temos que suportar a Lily do verão no final do trimestre e durante as férias."


Luke passou o braço pelos ombros da ruiva, negligenciando tanto a pausa na explicação de Donna, quanto o olhar agradecido que sua namorada lançou à amiga em seguida. "E será que eu vou gostar da Lily de Hogwarts?" perguntou ele.


"Todo mundo gosta de todos os tipos de Lily," disse Marlene, um tanto na defensiva. Ela olhou pela janela por cima do ombro. "Logo chegaremos ao castelo." E eles chegaram.


 

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