A decisão imperdoável



A princípio, aquilo pareceu a Harry uma miragem, um pesadelo que logo, logo iria acabar. Mas, quanto mais ele piscava e dizia a si mesmo que aquilo era uma ilusão, mais aquela figura peçonhenta e traiçoeira se solidificava à sua frente. Harry cerrou os punhos, empunhou sua varinha, mas sua ação foi impedida por Percy, que saltou na frente de Harry e ergueu sua varinha, à mesma altura.
_ Garanto, Harry. Você não quer fazer isso.
_ É o que eu mais quero fazer na minha vida, Percy! E se você não sair da frente, vou acertá-lo também! Estou querendo pegar você também já faz muito tempo!
Todos olharam, horrorizados, para a face suada e hostil de Harry. Ele, por outro lado, não se importou. Apenas segurou sua varinha com mais firmeza.
_ Isso não é hora de lavar a roupa suja, Harry! Estamos aqui para discutir assuntos mais, digamos... importantes. – falou Draco cinicamente – É essa a posição que o grande Harry Potter assume depois de vencer o Lord das Trevas? Poupe-me.
_ Harry – continuou Percy – nós, o Ministério, estudamos o caso de Draco minuciosamente. Ele não tem culpa de absolutamente nada. Durante todo o tempo, ele foi forçado pelos comensais. Eu o chamei para lhe dar uma notificação.
Aos poucos, Harry foi abaixando sua varinha, mas não conseguia tirar os olhos de Draco, que retribuía o mesmo olhar furioso. Assim que o bruxo guardou a varinha, Percy continuou seu discurso.
_ Sabemos que você é o chefe dos aurores, Harry. Mas, com esses últimos acontecimentos, precisamos de muito mais proteção. Não sabemos quantos comensais furiosos estão a solta.
_ Diga logo, Percy! – esbravejou Harry – Porque esse infeliz está aqui!!
_ Bem... não será muito do seu agrado, mas – Percy hesitou, mas continuou – ele também foi nomeado chefe dos aurores.
Harry sentiu como se uma navalha fria atravessasse seu peito, dilacerando cada órgão. Harry sentiu seu desespero e sua ira se devorarem dentro de si, brigando para sair e cortar a cabeça de Percy em pedaços bem miúdos. Os olhos de Harry saíram de órbita em uma fração de segundos e, ao focalizar sua visão novamente, Percy estava a uns cinco dedos acima do chão. Harry o levantara pelo colarinho de suas vestes e, ao que parecia, atingira o nariz do ministro com um soco.
_ Realmente, isso é um absurdo! – exclamou Draco, parecendo mais feliz do que indignado – como o chefe dos aurores e grande herói dos bruxos pode fazer isso com o nosso ministro! Uma lástima!
_ Percy... Percy! O que... hã! – Harry soltou Percy, assustado. Não percebera o que fizera – Desculpe-me, eu... eu não queria...
_ Chega, Sr. Potter! – resmungou Percy, estancando o sangue do nariz com a manga da camisa – nossa reunião acabou. Esteja em minha sala amanhã, às onze em ponto. Vamos discutir se a sessão dos aurores é mesmo o seu lugar!
_ Um absurdo, Ministro. – retrucava Draco – acho que isso...
E as vozes foram sumindo de acordo com que iam distanciando. Todos o observava com os olhos esbugalhados. Harry sentiu um frio na barriga. Jamais fizera algo tão assombroso em sua vida. Como acontecera? Quando dera por si, estava com Percy erguido em seus braços, o nariz sangrando. De onde tirara força para levantar um homem com uma mão e socá-lo com outra? Como ultimo ato prudente, achou melhor subir até seu quarto sumir de vista. Não poderia ficar ali depois do fiasco. Com certeza seria notícia do Profeta Diário no dia seguinte.
Caminhou até a escada, seu rosto ainda lívido com a notícia, mas antes que pudesse subir, Tom lhe falou:
_ Hei, Harry! Não se sinta culpado... alguém já devia ter baixado a crista daquele Weasley a muito tempo.
Harry contraiu os lábios, na tentativa de mostrar um sorriso, e desapareceu de vista segundos depois.

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A noite veio rapidamente. Harry nem percebera o céu escurecendo. Eram quase dez horas da noite. O jovem bruxo percebera, para sua tristeza, que fora completamente esquecido. Nenhum de seus amigos, nem mesmo Hagrid, lembrara do seu aniversário. E, para piorar, Edwiges não voltara de sua viagem. Harry a enviara para levar uma carta ao professor Remo Lupin. Ele e Tonks iriam se casar dentro de três semanas, e Harry não poderia deixar de congratular o casal.
Durante algum tempo, Harry ficou se observando no espelho. Toda a sua vida passou por diante de seus olhos, e suas lembranças terminaram naquela cicatriz. Uma marca que o tornou a pessoa mais famosa. Alguém que se tornou famoso simplesmente por ter uma cicatriz. Há três meses ou mais, Harry não sentia dores na testa, tudo parecia estar bem. Preso em seus devaneios, nem percebeu uma enorme coruja âmbar entrar em seu quarto e pousar na escrivaninha. Harry saltou da cama, pegou a carta que a ave depositara na escrivaninha e, em seguida, deu-lhe algumas sementes.
_ Só não diga nada à Edwiges. Ela não gosta de dividir a comida.
A ave voou para longe e sumiu na penumbra da noite. Harry leu o remetente. Rony lhe enviara a carta. Harry sentiu seu corpo mais leve. Era como se todos os problemas fossem passando lentamente. Finalmente, um amigo para contar. O bruxo abriu a carta e começou a ler.

“Olá, Harry!

Como está você? Trabalhando muito? Acho que não. Desculpe-me se eu não pude lhe enviar um presente, Harry. É que, com tantos jogos, nem tenho tido tempo de lhe falar. Bem, aí dentro vai o meu presente. Um convite para assistir o meu jogo. Vamos jogar contra a Alemanha. Só para saber, fui escalado como titular. Estou muito feliz. Venha me ver jogar amanhã. O jogo será no Térreo de Londres. Se cuida, amigo.

Rony”

Harry quase se esquecera que o amigo tinha sido escalado para jogar como apanhador no time da Inglaterra. Rony se mostrara muito eficiente caçando um pomo no último ano em Hogwarts. Com o último jogo, em que Harry não pudera participar por estar na detenção com McGonagall, Rony assumiu o posto, e pegou o pomo vinte minutos depois do início da partida. Finalmente uma notícia que o agradou. Iria ver o amigo jogando. Mas, por mais que estivesse feliz e tudo mais, não conseguia tirar da cabeça aquela cena. Draco e Percy juntos, depois de tudo! Harry não queria nem saber depois que os Weasley descobrisse. O Sr. Weasley teria um ataque. Ele já não passava muito bem depois que viu o próprio filho se tornar Ministro e rebaixá-lo de cargo. Harry ainda não sabia que cargo Arthur Weasley ocupava, mas certamente não era um dos bons.
A noite foi ficando mais densa. A chuva prometida na noite anterior começou serena e agradável mas, em poucos minutos, a tempestade não se deixava ver nada pela janela. Harry abriu sua janela um pouco mais, na esperança de ver alguma outra coruja. Não deu outra. Mal se aproximara da janela, uma coruja-real entrou, farfalhando suas asas molhadas e trêmulas. Esta deixou uma carta sobre a cama do rapaz, e voou até a gaiola de Edwiges, onde começou a bebericar da água e comer algumas sementes.
_ Com certeza você não devia estar aí, amigo. – disse Harry à ave – mas acho que não há mal algum em deixar você por aqui até a chuva passar.
Harry, devido a sua carência de amigos durante um certo tempo de sua vida, se acostumou a conversar com corujas, as únicas criaturinhas a visitarem o jovem bruxo quando este morava na casa dos Dursley, além de Dobby, é claro.
Ele pegou a carta sobre a cama, abriu-a. Era um envelope surrado, com um garrancho que Harry, sem sombra de dúvida, reconheceu como sendo a letra de Hagrid. Ele começou a ler:

“Caro Harry,”

“Provavelmente já sabe das más notícias. Draco foi nomeado chefe dos aurores, assim como você. Percy insiste que precisamos de mais segurança. Sinceramente, acho que o mundo está acabando. Desde quando Percy Weasley tem vocação pra Ministro? Pateta, talvez. Mas ministro? Dizem que Draco foi controlado por comensais no ano atrasado. Ficou um ano sumido, como você já sabe. Foi encontrado em uma gruta nas montanhas, domínio dos gigantes. Um comensal o alimentava todos os dias e, pelo que parece, ele foi preso e condenado.”

Harry observou as palavras de Hagrid. Ao que tudo indicava, Draco estava sendo tratado como um prisioneiro. Mas, por quê? Ele era um comensal, afinal de contas. Continuou a ler.

“Sinceramente, Harry, acho que Draco foi mesmo forçado. Não estou dizendo que ele é uma boa pessoa, mas usaram veritasserium nele. Disse toda a verdade. Tenha um feliz aniversário, Harry. Não pude comprar nenhum presente, estou muito atarefado aqui na escola, entende. Muitas mudanças para receber os novos alunos. Fique bem, Harry.”

“Rúbeo Hagrid”

Harry se virou para a gaiola, mas ela já estava vazia. Guardou a carta em uma gaveta da escrivaninha e se jogou na cama, exausto. Não que ele tivesse feito algo exaustivo durante o dia. Mas a idéia de ter um Malfoy como colega de trabalho o atordoara. Viveu achando que nunca mais veria aquele crápula do Draco. Preferiu descansar e se preocupar no dia seguinte. Mas Harry não conseguia pregar os olhos.

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Mais um dia começara. O céu estava completamente coberto por uma camada espessa de nuvem. Os murmúrios, os risos e o cheiro bom de comida indicava que os novos hóspedes ansiosos por uma partida de Quadribol haviam chegado. Harry não sentiu a menos vontade de descer e encontrar tanta gente bisbilhoteira, perguntando sobre sua vida ou qualquer outra coisa que trouxesse à tona as lembranças fustigantes do passado.
Ainda que não quisesse sair de seu quarto, não tinha outra opção, a não ser descer e se preparar para o reencontro com Percy e, possivelmente com Draco Malfoy. Arrumou-se bem rápido e desceu às pressas. Ainda no balcão do Tom, viu uma pessoa muito familiar, alguém que deixou seu dia muito menos frustrante.
_ Mione! – ofegou Harry – O que... o que você está fazendo aqui?
_ Ah, oi Harry! – Hermione abraçou o amigo calorosamente – Nossa! Você está incrível!
_ Er, mas eu podia estar melhor. – respondeu ele, tentando esconder uma aparência desanimada.
_ É, eu fiquei sabendo. – falou ela, olhando para o amigo com compaixão – Gui me falou. A propósito, todos te desejaram um feliz aniversário. Com aquele jogo no Térreo de Londres, ninguém tem tempo de nada. Feliz aniversário, Harry.
_ Obrigado, Mione. Mas... o que faz por aqui?
_ Bem... Percy, ou melhor, o Sr. Ministro – falou ela, debochada – me pediu que o acompanhasse até o Ministério. Queria se certificar de que você iria.
_ Como assim? Ele por acaso acha que eu não tenho responsabilidade?
_ Não é isso. É que, bem... ele disse que você nunca teve o hábito de seguir normas, regras, essas coisas, entende...
_ Vou mostrar àquele pestilento como se segue às regras! – esbravejou Harry, cerrando o punho.
_ Acalme-se. Não dê motivos para ele te dar uma advertência. Ele está muito diferente, entende.
_ Deixa que eu refresco a mente daquele cabeça-de-ferrugem!
_ Harry! – retorquiu Hermione – Francamente! Apesar de tudo, ele é irmão do Rony.
_ E seu cunhado.
_ Bem, isso a gente ainda está vendo.
_ Por quê? – Perguntou Harry, curioso – vocês estavam tão bem.
_ É a Lilá Brown. Depois que ele ficou todo famoso, aquela imbecil resolveu mandar cartinhas de amor pra ele! Se eu encontrar aquela meleca zanzando por aí, juro que acabo com ela! – Hermione deu uma pausa, se recompôs e disse ao amigo – Bem, vamos logo! Não podemos atrasar nem mais um minuto.
_ Pior não pode ficar, não é mesmo?
E, juntos, eles desapareceram no ar, sem deixar rastros, o que, para todos a sua volta, não era novidade, já que mais da metade da população bruxa também sabia aparatar.
Alguns segundos depois, Hermione e Harry estavam de frente a uma cabine telefônica. Eles entraram nela e, minutos depois, estavam saindo de um elevador bastante exótico.
Caminharam durante algum tempo até encontra o andar do Ministro. Harry percebeu que o lugar mudara muito desde os últimos três meses. Na verdade, muita coisa tinha mudado em apenas três meses que, para o jovem bruxo que completara seus dezoito anos, pareciam ter passado três anos.
_ O nosso digníssimo Ministro ordenou mudanças no Ministério, esteticamente falando, sabe. Ele queria a sala dele a mais difícil de ser encontrada. Hunf, como se ele fosse tão importante assim.
_ Isso é porque ninguém quer procurá-lo.
Harry e Hermione gargalharam só de imaginar a cara do Percy atrás de uma mesa com uma placa escrito “Ministro da Magia”. Mas, antes que alguma outra cena hilária passasse por suas mentes maldosas, uma voz de um Percy muito zangado chamou-os.
_ Srta. Granger! Sr. Potter! Estão atrasados, sabiam?
_ Sinto muito, Percy. – falou Mione – são apenas três minutos de atraso. Afinal...
_ É Sr. Weasley, ou, se preferir, Sr., Ministro... e, se três minutos não fazem muita falta para você, então, acho que esse não é o seu lugar, sabia!
_ Percy, não precisa falar com ela desse jeito. – falou Harry, intervindo – Você não queria falar comigo? Aqui estou! Vamos até sua sala, não é mesmo!
_ Não será necessário. O que tenho a lhe dizer será rápido.
_ Diga, estou todo a ouvidos... Sr. Ministro.
_ Pois bem, Sr. Potter. – Percy adotou uma aparência bastante vingativa – suas atitudes tem se mostrado um tanto, digamos assim, perigosas. Talvez fosse possível trauma com o duela entre você e Você-sabe-quem. O fato é que você não está habilitado a defender nossa sociedade bruxa agindo dessa forma...
_ O que quer dizer com isso, Percy?
_ Sr. Ministro, Potter! – continuou Percy – o que estou dizendo é que você está afastado de seu cargo.
_ O que, mas... Como assim?! Por quanto tempo?
_ Eu diria... Permanentemente. O Sr. Draco Malfoy é bastante capaz de tomar o seu lugar.
Harry ficou pasmo. Era obvio que não receberia uma medalha depois do que fizera. Mas ser expulso do Ministério e substituído por um Malfoy? Isso era absurdo! O ar parecia pesar em seus pulmões. Cada inspiração e expiração passava pelo seu peito, cortando-o como uma lâmina. Uma voz macabra dizia em sua mente constantemente “Ele está bem aí, na sua frente! Acerte o nariz dele outra vez! Ele não aprendeu a lição!”; Harry avançou sobre Percy, mas Hermione interveio.
_ Harry, não faça isso! Não aqui!
Harry olhou para Mione, não entendendo porque ele segurava seu braço com tanta força.
_ O que está fazendo, Mione! – falou ele.
_ Como assim! Te impedindo de faze uma besteira talvez! Se você acertasse o Percy aqui, teriam muitos aurores para te imobilizar, e isso não seria bom.
_ Como assim? O que eu...
Harry, nesse momento percebeu. Percy estava sentado em uma cadeira, assustado, e percebeu que ele tinha avançado alguns passos contra o Ministro. Lembrou-se do ultimo encontro, onde acertou em cheio o nariz de Percy.
_ Vi-viu, Harry Potter! – gaguejou Percy – são essas atitudes que o torna tão perigoso!
Harry, por outro lado, não perdeu a pose. Olhou bem nos olhos do ministro e disse, friamente:
_ Percy, seu imbecil! Aqui se faz... aqui se paga! Até o final desse ano, você não estará ocupando esse cargo de Ministro. Acredite, você não ocupará cargo nenhum!
_ Isso é uma ameaça, Potter? – falou uma voz esganiçada. Era Draco que acabara de se aproximar do grupo que se desentendia no corredor – isso é realmente preocupante.
_ Você, Malfoy... – falou Harry, seu olhar frio fixado em Draco, e um sorriso ameaçador – um conselho. Não ande sozinho. Nunca se sabe o que pode encontrar!
E, dizendo isso, virou as costas, com Hermione em seus calcanhares. Segundos depois, os dois haviam desaparecido de vista.

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