Cap.2



Remus suspirou, enquanto continuava com os olhos cor de mar em noite de luar presos no céu, buscando uma lua invisível.
Uma voz cristalina ecoava em seus ouvidos, cantando uma música bruxa romântica muito na moda na sua adolescência. Na sua mente surgiram mais lembranças: viu na frente dos seus olhos como ele e seus amigos seguiram aquela voz e estacaram, pasmos, na entrada da sala de História da Magia, ao deparar com Mary Hallow, a menina tão tímida e discreta, cantando em cima da secretária do professor, para uma minúscula audiência, composta pelas suas duas amigas, a ruiva Stacey Weasley e a possante Cecille Johnson.


Sem reparar que mais alguém a escutava, a tímida e triste Mary se transformara numa adolescente confiante, cheia de vida e alegria, dançando ao som da sua própria voz e cantando:

Era você
O meu príncipe de histórias de fadas
Transformado
Por uma trupe de bruxas malvadas
Em um trouxa
Que nunca crê na magia do amor
Mas no fundo sabe
Que quando se ama tudo tem mais valor

As suas palavras cantadas foram interrompidas por uma explosão de aplausos divertidos, acompanhados por uma gargalhada que parecia um latido e um risinho histérico, semelhante ao guincho de um rato.
Mary olhou as amigas, que olhavam para a porta atrás dela, com ar revoltado e o sangue fugiu das suas faces, já tão pálidas. Não precisava se virar para trás, para saber quem acabara de surpreendê-la no seu "showzinho privado".
Sirius irrompera num incontrolável ataque de riso que contagiou Peter, depois dos aplausos sarcásticos de James. Atrás deles, o próprio Remus fazia um esforço sobre-humano para disfarçar o quanto achara aquela situação engraçada... talvez ridícula, até, tanto mais que a letra da canção não era exatamente um poema de Shakespeare.
A garota se comportava como uma criança sedenta de atenção... Pensando melhor, perdeu o sorriso, ao se dar conta que, no fundo, era isso mesmo que ela era. A timidez não a deixava viver uma verdadeira adolescência e a sua insignificância a tornara numa menina que só queria que a admirassem, que gostassem dela. O seu coração se encheu de uma cortante piedade e uma estranha e crescente simpatia por aquela menina que não dava conta das qualidades que possuía e só queria ser amada... exatamente como ele. Na verdade, até a palidez e o ar doente tinham a ver com ele, pensou sentindo um arrepio na espinha.
Os quatro marotos entraram na sala e encararam Mary, que baixou os olhos, como petrificada. Com o rosto usualmente pálido invadido por um rubor cada vez mais crescente, os seus olhos castanhos se encheram de lágrimas. Já uma vez havia caído no erro de dizer numa aula que o seu sonho era se tornar uma cantora famosa e o efeito fora devastador: metade da classe (Marotos incluídos) riu da cara dela. Cantora? Todos os outros queriam ser Aurores ou jogadores de Quadribol, muitos gostariam de curar doenças em St. Mungus e alguns sonhavam ser professores. Tudo profissões normais; o que se esperava de bruxos adolescentes. Ela não. Ela queria ser algo que, normalmente, apenas as garotinhas sonhavam ser: uma estrela. Esse passara a ser mais um motivo de troça para a menina que se achava gorda e queria ser cantora.
- Eu acredito na magia do amor! - Afirmou James, aproximando-se de Mary, com um sorriso falsamente meigo. - Era para mim que você estava cantando, não era, Bolinha?
- Claro que não! - Exclamou Sirius, ladeando-o e simulando um ar de ciúme injuriado. - É óbvio que era para mim! Quem é o gostoso aqui?
- Eu acho que era para os dois! - Guinchou Peter, com uma gargalhadinha desagradável.
- Vamos tirar a prova, então. - Disse Sirius, começando a desabotoar a camisa, despindo-a de forma provocadora, numa espécie de "strip-tease", bem insinuante, pertinho de Mary, que imediatamete desviou o olhar, sem conseguir disfarçar as lágrimas.
- Será que você se dá conta da figura de cretino que às vezes faz, Black? - Ouviu-se, finalmente, a voz de uma das três garotas. Contudo, não foi Mary, mas sim Cecille, por quem Sirius e James nutriam um certo respeito, uma vez que ela era uma exímia jogadora de Quadribol. Estava visivelmente furiosa, mas sem vontade de se envolver em brigas, talvez para não prejudicar a pontuação da Lufa-Lufa, saiu da sala ventando. Stacey seguiu-a com o olhar, mas apenas conseguiu murmurar, em tom desolado e perdido, como se tivesse sido invadida por um sentimento de impotência que a impedia de fazer alguma coisa para ajudar a amiga:
- Não liga para ele, Mary. - Segurou o braço de Mary, tentando puxá-la para baixo, fazê-la descer de cima da mesa; mas a amiga estava paralisada, com as lágrimas pingando dos seus olhos baixos direto no chão.
James não viu que ela chorava. Estava mais preocupado em provocá-la e continuar a brincadeira com Sirius. Remus não fazia nada. Só olhava, sem saber como agir e o que pensar. Sabia que os amigos não tinham noção do mal que estavam causando na menina e, quem sabe? Talvez conseguissem se surpreender de novo. Talvez a menina recatada só precisasse de um empurrão para se tornar uma adolescente sensual, de bem consigo mesma e com o seu corpo que, afinal, nem era gorda. Apenas curvilínea. Gordo era Rabicho! Ela, não.
James soltou uma gargalhada, replicando para Sirius:
- Não adianta, Almofadinhas. Ela nem olha para você. O negócio dela é comigo mesmo. Quer ver?
Perante o olhar divertido de Sirius e Peter e desconfortável de Stacey e Remus, James começou a tirar as calças na frente de Mary, comentando:
- Ela está olhando para mim! Pelo canto do olho, finge que não olha, mas olha sim!
- Já chega! - A voz de Remus Lupin surpreendeu a todos, inclusive a ele mesmo. Jamais antes tivera coragem de trazer os amigos à razão, mas daquela vez algo ferveu dentro de si e as suas palavras soaram firmes e baixas, como que denunciando uma revolta contraída. O seu olhar habitualmente doce se tornou frio ao encarar Sirius e James que, imediatamente, colocaram as roupas de volta e o olharam com o ar embaraçado de quem sente que, de fato, se deixou levar pelo entusiasmo e ultrapassara os limites do aceitável. Olharam um para o outro e saíram dali sem pronunciar uma única palavra, seguidos inevitavelmente por um Peter que, por seu turno, apenas se mostrava enfadado por Remus ter interrompido a sua diversão.
Lupin ficou no meio da sala, atrás de Stacey, ambos meio sem jeito. Ele olhou Mary nos olhos e pediu:
- Por favor, não os odeie. Eles ficaram com raiva do castigo que levaram do Filch por sua causa e te acham estranha... bom, a verdade é que eles colocam a diversão acima de qualquer outra coisa e por vezes não se tocam que estão exagerando; mas eles nõ são ruins. No fundo, são boas pessoas. Acredite. Eu jamais encontraria amigos tão leais e que fizessem por mim tudo aquilo que eles fizeram... - Parou de falar de repente. Não podia acreditar que tinha chegado tão longe. Ele, sempre tão controlado, quase tinha falado demais e deixado escapar a sua condição de escravo da lua-cheia.
Todavia, para seu grande espanto, Mary encarou-o e murmurou:
- Eu sei...
Remus sentiu um baque no coração. Como poderia ela saber? Estariam falando da mesma coisa? Não. Claro que não. Ela não poderia saber. Ela estava dizendo apenas que sabia o quanto eles eram amigos dele. Teriam que continuar a conversa, para que ele pudesse ter certeza. Mas... e Stacey? Ela estava ali... Também saberia? Ele tinha que ter certeza.
Contudo, a dúvida permaneceu, já que, naquele mesmo momento, Stacey puxou a amiga para o chão, dizendo:
- Mary, eu vou indo para a aula, senão vou acabar chegando atrasada e você sabe como é o velho Flitwick. Você vem?
Ela deteve-se durante uns milésimos de segundo, olhando de Stacey para Remus e de novo para Stacey, mas o ar impaciente da amiga fez com que ela se decidisse.
- Claro, vou, sim. - Replicou e, olhando para o rapaz, acrescentou, corando - A gente se vê por aí, Lupin.
- C... claro... - Ele gaguejou e a seguiu com os olhos, pensando em tudo o que acabara de acontecer, em tudo que acabara de escutar... e só depois de lembrou que ele próprio também já estava atrasado para a sua próxima aula.

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