Capitulo 4



Capitulo 4 

                                                   XXX--XXX 


O sol da tarde banhava o estúdio de Hermione. Ela mal o notava, assim como mal ouvia o canto dos pássaros do lado de fora da janela. Sua mente estava concentrada na argila com a qual suas mãos trabalhavam, ou, mais precisamente, no que via na figura parcialmente formada.


 


Ela havia colocado seu projeto atual de lado, algo que raramente fazia, para começar um novo. O novo tema a tinha perseguido durante a noite inteira. Iria exorcizar Harry Potter fazendo uma escultura dele.


 


Hermione podia ver o trabalho claramente, sabia com precisão o que queria capturar: força e determinação atrás de uma superfície de afabilidade.


 


Embora ainda não quisesse admitir, Harry a assustara na noite anterior. Não fisicamente, ele era muito inteligente para usar força bruta, pensou, mas pela força de sua personalidade. Com raiva, amassou a argila. Obviamente, aquele era um homem que conseguia o que queria. Mas Hermione estava determinada. Desta vez as coisas não seriam do jeito dele. Harry logo descobriria que ela não podia ser manipulada, assim como Pop. Lenta e meticulosamente, seus dedos trabalharam para moldar os planos do rosto dele. Ter controle sobre Harry lhe dava certa satisfação — mesmo que somente de forma indireta, com a argila.


 


Quase sem pensar, moldou um cacho descuidado sobre a sobrancelha alta. Deu um passo atrás para estudar o efeito. De alguma maneira, tinha capturado uma faceta da natureza dele. Harry era selvagem, decidiu. A expressão "Velho Oeste" combinava com ele. Podia visualizá-lo de botas e com um revólver, jogando pôquer em um saloon de Tucson; com um sabre, agindo como capitão de navio da Barbary Coast. Seus dedos acariciaram os cachos de argila distraidamente. Ele riria diante do vento, pegaria tesouro e mulheres onde os encontrasse. Mulheres.


 


Os pensamentos de Hermione foram para a noite anterior... Na sensação dos lábios dele nos seus, nos toques da mão quente em sua pele. Podia se recordar da textura da areia quando eles tinham deitado juntos ali, do aroma e dos sons do mar. E lembrava-se de como a luz da lua caíra sobre os cabelos dele, como suas mãos haviam entrelaçado neles enquanto os lábios de Harry passeavam por seu corpo. Como os cabelos eram espessos e sedosos. Como...


 


Hermione parou, apavorada. Olhou para baixo e viu seus dedos nos cabelos de Harry na réplica de argila. Praguejou e quase, quase reduziu a argila a uma massa disforme. Controlando-se, levantou e afastou-se da escultura inacabada. Eu nunca deveria me permitir ser distraída de meu trabalho por aborrecimentos insignificantes, pensou. Sua noite com Harry pertencia àquela categoria. Apenas um aborrecimento insignificante.


 


Nada importante.


Mas era difícil se convencer de que aquilo era verdade. Tanto suas intuições quanto as emoções lhe diziam que Harry era importante, muito mais importante do que um estranho deveria ser para uma mulher sensata.


 


E eu sou sensata, lembrou a si mesma. Respirando profundamente, andou até a pia para tirar a argila das mãos. Tinha de ser sensata. Pop precisava de alguém por perto para lembrá-lo de que as contas tinham de ser pagas, Um sorriso curvou sua boca enquanto enxugava as mãos. Pensou, como fazia de tempos em tempos, que fora quase tão salvadora para seu avô quanto ele havia sido para ela.


 


No começo, Hermione era muito jovem, muito dependente dele. E Pop não a decepcionara. Então, à medida que ficava mais velha, ela começara a ajudar, assumindo as tarefas que o avô achava cansativas: contas e renegociações bancárias.


 


Com frequência, reprimia seus próprios desejos a fim de realizar o que considerava o seu dever. Lidava com números, com o processo nada romântico de somar e subtrair. Mas também lidava com o mundo ilusório da arte. Às vezes, ficava tão profundamente envolvida em seu trabalho que esquecia as regras que havia estabelecido para sua rotina diária. Geralmente, se sentia atraída para duas direções. Tinha o bastante para pensar sem ter de se preocupar com Harry Potter.


 


Por que um homem estranho tinha o poder de balançar o equilíbrio delicado de seu mundo com tanto sucesso, ela não sabia. Meneou a cabeça. Em vez de ficar refletindo sobre isso, decidiu, iria trabalhar sua frustração, acabando a escultura.


Quando estivesse pronta, talvez fosse capaz de ver com maior clareza exatamente como o percebia. Hermione retornou ao seu trabalho.


 


A hora seguinte passou rapidamente. Ela esqueceu sua irritação com Harry por ter ido pescar com seu avô. Que irritante tinha sido vê-lo tão animado e descansado quando espiara pela cortina de seu quarto às 5h30 da manhã! Voltara para debaixo dos lençóis amarrotados e passara mais uma hora olhando para o teto. Recusava-se a lembrar o quão atraente a risada dele havia soado no silêncio da alvorada.


 


Os planos do rosto de Harry estavam tomando forma sob suas mãos quando ouviu o barulho de um carro chegando. A risada de Harry foi seguida por tons mais graves da de seu avô.


 


Como seu estúdio ficava em cima da garagem, Hermione tinha uma visão completa da casa e da entrada. Observou quando Harry pegou a geladeira portátil de peixes da caçamba da picape. Havia um sorriso no rosto dele enquanto falava alguma coisa, mas a voz era muito baixa para que Hermione pudesse ouvir. Pop jogou a cabeça para trás, sua cabeleira branca balançando no ar, enquanto ria com apreciação. Ele deu um tapa amigável nas costas de Harry. De forma inexplicável, Hermione se sentiu magoada. Eles pareciam estar se dando bem demais.


 


Continuou observando-os enquanto descarregavam caixas e equipamentos. Harry vestia-se de maneira parecida como na noite anterior. A camiseta azul-claro tinha letras escritas no peito, mas as palavras eram desbotadas, e a distância muito grande para que pudesse lê-las. Ele usava o boné de Pop, mais uma fonte de irritação para ela.


 


Foi forçada a admitir que os dois formavam um conjunto bonito. Havia um contraste entre suas idades e constituições físicas, mas ambos lhe pareciam extraordinariamente másculos. A aparência deles não era nem suave nem sofisticada. Ela ficou entretida com as similaridades e diferenças entre os dois homens.


 


Quando Harry olhou para cima, avistando-a parada à janela, Hermione continuou a olhar a cena, distraída, absorvida com suas descobertas.


 


Harry sorriu, afastando o boné para trás de modo que tivesse uma visão mais clara. A janela era longa, o parapeito baixo, na altura dos joelhos dela, dando a impressão de que Hermione estava de pé em um quadro emoldurado de tamanho real. Como era seu hábito quando estava trabalhando, havia prendido os cabelos para trás com uma fita. O rosto parecia mais jovem e mais vulnerável, os olhos maiores. A camisa velha de Pop, que usava como um jaleco, a fazia parecer menor do que era.


 


Ela e Harry se entreolharam e, por um momento, Hermione pensou ter visto algum brilho diferente nos olhos dele — algo que vira brevemente na noite anterior à luz do luar. Uma resposta física fez seu corpo vibrar. Então o sorriso arrogante estava de volta, os olhos acinzentados contendo divertimento.


 


— Desça aqui, Mione. — Ele gesticulou antes de se abaixar para erguer a geladeira novamente. — Trouxemos um presente para você. — Ele se virou para carregar a geladeira ao redor da lateral da casa.


 


— Eu preferia ganhar esmeraldas — respondeu ela.


 


— Da próxima vez — prometeu Harry casualmente antes de se virar, a fim de levar a geladeira para perto da porta da cozinha.


 


Ela encontrou Harry sozinho, preparando-se para limpar os peixes. Ele sorriu no momento em que a viu, e largou a faca que segurava. Então a puxou para seus braços e beijou-a profundamente, para total espanto de Hermione. Foi um beijo mais de posse do que de paixão, mas extraiu uma resposta que a surpreendeu com sua força.


 


Mais do que um pouco trêmula, ela se afastou.


 


— Você não pode simplesmente...


 


— Eu já fiz isso — apontou ele. — Você esteve trabalhando — afirmou, como se o beijo abrasador nunca tivesse acontecido. — Gostaria de conhecer seu estúdio.


 


Era melhor, decidiu Hermione, seguir o exemplo dele e manter a conversa amena.


 


— Onde está meu avô? — perguntou ela enquanto andava até a geladeira portátil e se preparava para abrir a tampa.


 


— Pop está lá dentro, guardando o equipamento.


 


Apesar de ser um hábito de todos que o conheciam se referirem a Timothy Granger como Pop, Hermione franziu o cenho para Mione.


 


— Você trabalha rápido, não?


 


— Sim, trabalho. Gosto de seu avô, Mione. Você, entre todas as pessoas, deveria entender como é fácil gostar dele.


 


Hermione o estudou com atenção. Deu um passo, aproximando-se, como se testando o ar entre eles.


 


— Não sei se devo confiar em você.


 


— Você não deve. — Harry sorriu novamente e deslizou um dedo sobre o nariz dela.


 


— Nem por um segundo. —Abriu a geladeira, depois gesticulou para os peixes dentro.


 


— Com fome?


 


Hermione sorriu, deixando-se seduzir, apesar dos avisos de seu ego sensato.


 


— Eu não estava. Mas posso ficar. Especialmente se eu não tiver de limpá-los.


 


— Pop me contou que você era cheia de frescuras.


 


— Oh, ele contou, não foi? — Hermione lançou um olhar longo e raivoso por sobre o ombro em direção a casa. — O que mais ele lhe contou?


 


— Que você gosta de narcisos e costumava ter um elefante de pelúcia chamado Henry.


 


A boca de Hermione se abriu em perplexidade.


 


— Ele lhe contou isso?


 


— E que você assiste a filmes de terror, depois dorme com os cobertores sobre a cabeça.


 


Hermione estreitou os olhos quando o sorriso de Harry se ampliou.


 


— Com licença — disse ela, mal-humorada, empurrando-o de lado antes de passar correndo pela porta da cozinha. Podia ouvir a risada de Harry atrás de si. — Pop! — Hermione o encontrou no pequeno cômodo ao lado da cozinha, onde ele estocava sua parafernália de pescaria. Seu avô lhe deu um sorriso afetuoso quando ela parou à porta, as mãos nos quadris.


 


— Olá, Hermione. Deixe-me contar, aquele rapaz sabe pescar. Sim, ele sabe pescar.


 


O óbvio encanto do avô por Harry a fez cerrar os dentes.


 


— Esta é a melhor notícia que ouvi durante o dia inteiro — disse ela, entrando no quarto. — Mas por que exatamente você sentiu necessidade de contar àquele rapaz que tive um elefante de pelúcia e dormia com cobertas sobre a cabeça?


 


Pop ergueu uma das mãos, aparentemente para coçar a cabeça. Todavia, a ação não foi feita em tempo suficiente para esconder seu sorriso. As sobrancelhas de Hermione se arquearam.


 


— Pop, realmente — disse ela exasperada. — Precisava tagarelar ao meu respeito como se eu fosse uma garotinha?


 


— Você sempre será a minha garotinha — disse ele de forma irritante e lhe beijou o rosto. — Viu aquela truta? Teremos uma deliciosa peixada esta noite.


 


— Suponho — começou ela e cruzou os braços — que ele virá comer conosco.


 


— Bem, é claro. — Pop piscou. — Afinal de contas, Mione, ele pegou metade dos peixes.


 


— Isso é simplesmente adorável.


 


— Pensamos que talvez você pudesse fazer alguma de suas tortas de frutas especial.


 


— Ele sorriu ingenuamente.


 


Hermione suspirou, reconhecendo o fracasso.


Dentro de minutos, Pop ouviu o barulho de panelas batendo. Sorriu, então deixou o quarto, andou silenciosamente pela casa e saiu pela porta da frente.


 


— Fazer uma torta — murmurou Hermione mais tarde enquanto preparava a massa.


 


— Homens.


 


Estava se abaixando para colocar a massa da torta no forno quando a porca de tela se fechou com um estrondo. Virando-se, ela endireitou o corpo e encontrou o sorriso previsível.


 


— Ouvi falar sobre suas tortas — comentou Harry, pondo os peixes limpos e cortados em filés sobre o balcão. — Pop disse que tinha algumas coisas para organizar na garagem, e pediu para que o chamemos quando o jantar estiver pronto.


 


Hermione olhou através da porta de tela para o prédio adjacente.


— Oh, ele pediu, não é? — Ela se virou para Harry. — Bem, se você acha que pode apenas ficar sentado e esperar, então está muito enganado.


 


— Não acha que eu permitiria que você cozinhasse meu peixe, acha? — replicou ele.


 


Ela olhou para o rosto imperturbável.


— Eu sempre cozinho meu próprio peixe. Onde está a frigideira?


 


Silenciosamente, ainda olhando-o, Hermione apontou para um gabinete. Observou quando ele abaixou-se para procurar a panela.


 


— Não que eu não acredite que você cozinhe bem — continuou ele quando se levantou novamente com uma frigideira de ferro fundido na mão. — É que sei que eu cozinho.


 


— Está dizendo que eu não seria capaz de cozinhar estas pequenas sardinhas patéticas?


 


— Diremos apenas que não gosto de correr riscos com meu jantar. — Ele começou a vasculhar os armários. — Por que você não faz uma salada, e deixa os peixes por minha conta? — sugeriu suavemente.


 


Houve um murmúrio de aprovação quando Harry localizou a farinha de milho.


Hermione o observou abrindo casualmente diversos armários na cozinha.


 


— Por que você não pega sua truta e... — começou ela.


 


Sua sugestão foi interrompida pelo alarme do forno.


— Sua torta. — Harry abriu a geladeira para pegar ovos e leite.


Com esforço supremo, Hermione se controlou o bastante para lidar com a massa da torta. Colocando-a sobre a pia para esfriar, decidiu fazer a salada da década. Uma salada que envergonharia a truta dele.


 


Durante um tempo, não houve conversa. O óleo quente chiava enquanto Harry adicionava as trutas passadas na farinha. Hermione cortou alface e fatiou vegetais crus. O aroma vindo da frigideira era tentador. Ela descascou uma cenoura e suspirou.


 


Ouvindo-a, Harry arqueou uma sobrancelha numa expressão interrogativa.


— Você tinha de ser bom nisso, não tinha? — O sorriso de Hermione foi relutante. —


 


Tinha de fazer isso certo.


Ele deu de ombros, então pegou a cenoura descascada da mão dela.


 


— Você gostaria mais se eu não fizesse? — Harry deu uma mordida na cenoura antes que Hermione pudesse recuperá-la. Meneando a cabeça, ela selecionou uma outra.


 


— Seria mais gratificante se você se atrapalhasse por aqui e fizesse tudo errado.


 


Harry inclinou a cabeça enquanto virava o peixe com uma espátula.


— Isso é um elogio?


 


Ela cortou a cenoura em cubos, franzindo o cenho para o vegetal, pensativamente.


 


— Não sei. Poderia ser mais fácil lidar com você se não parecesse tão capaz.


 


Ele a pegou desprevenida, segurando-lhe os ombros e virando-a para que o encarasse.


 


— É isso que você quer fazer? — Os dedos fortes lhe massagearam a pele gentilmente.


 


— Lidar comigo? — Quando ela se sentiu sendo puxada para mais perto, colocou ambas as mãos sobre o peito de Harry. — Eu a deixo nervosa?


 


— Não. — Hermione meneou a cabeça em negação. — Não, é claro que não. — Harry apenas arqueou uma sobrancelha e a puxou para mais perto. — Sim — admitiu ela, apressada, e se afastou. — Sim, que droga, você me deixa nervosa. — Indo para a geladeira, tirou o recheio de framboesa que havia preparado. — Não precisa parecer tão satisfeito sobre isso — disse, desejando que pudesse produzir a irritação que deveria sentir. — Muitas coisas me deixam nervosa. — Hermione pegou uma colher e começou a rechear a torta. — Cobras, cáries, cachorros grandes e bravos. — Quando o ouviu rir, virou a cabeça e se descobriu sorrindo para ele. — É difícil desgostar de você quando me faz rir.


 


— Você tem que desgostar de mim? — Harry virou o peixe com habilidade e fez o óleo espirrar.


 


— Este era o meu plano — admitiu ela. — Parecia-me uma boa ideia.


 


— Por que não trabalhamos num plano diferente? — sugeriu ele, mexendo nos armários novamente, a fim de procurar um prato. — Do que você gosta? Além de narcisos?


 


— Sorvete de massa — respondeu Hermione espontaneamente. — Oscar Wilde, andar descalça.


 


— Que tal beisebol? — perguntou Harry.


 


Hermione parou no ato de rechear a torta.


 


— O que tem isso?


 


— Você gosta de beisebol?


 


— Sim. — Ela considerou, sorrindo. — Na verdade, gosto.


 


— Eu sabia que tínhamos algo em comum. — Ele sorriu. Então desligou o bico de gás sob a panela. — Por que não vai chamar Pop? O peixe está pronto.


 


Havia alguma coisa aconchegante demais sobre os três sentados em volta da mesa da cozinha, apreciando uma refeição da qual cada um deles tinha providenciado uma parte, pensou Hermione. Podia sentir a afeição crescente entre os dois homens e isso a preocupava. Tinha certeza de que Harry continuava totalmente determinado a comprar Joyland. Mesmo que Pop estivesse obviamente feliz com sua companhia.


 


Ela decidiu que, enquanto não pudesse confiar em Harry sem reservas, também não poderia manter seu plano original. Não podia desgostar dele ou impedi-lo de tocar suas vidas. Achou que era melhor não refletir muito sobre o quanto ele estava tocando sua vida em particular.


 


— Vou lhes dizer o seguinte. — Pop suspirou sobre seu prato vazio e recostou-se na cadeira. — Uma vez que vocês dois cozinharam, lavarei a louça. — Ele passou os olhos por Megan, então os focou em Harry. — Por que vocês não vão dar uma caminhada? Hermione gosta de andar na praia.


 


— Pop!


 


— Eu sei que vocês, jovens, gostam de ficar sozinhos — continuou ele sem a me¬nor vergonha.


 


Hermione abriu a boca para protestar, mas Harry falou primeiro:


— Estou sempre disposto a caminhar com uma linda mulher, especialmente se isso significa fugir do serviço da cozinha — disse ele.


 


— Você tem um jeito tão gracioso de colocar as coisas... — começou Hermione.


 


— Na verdade, eu realmente gostaria de conhecer seu estúdio.


 


— Leve Harry até lá, Hermione — insistiu Pop. — Fiquei me vangloriando sobre seu trabalho o dia inteiro. Deixe-o ver por si mesmo.


 


Após um momento de hesitação, Hermione decidiu que era mais simples concordar. Certamente, não se importava de mostrar seu trabalho a Harry. E, sem dúvida, seria mais seguro tê-lo por perto no estúdio do que caminhar ao seu lado na praia.


 


— Tudo bem. — Ela se levantou. — Eu o levo até lá. — Quando eles passaram pela porta de tela, Harry deslizou um braço ao redor de seus ombros.


 


— Este é um lugar bonito — comentou ele, olhando ao redor do jardim com grama aparada e arbustos de azaleia. — Muito tranquilo e organizado.


 


O peso do braço dele era prazeroso. Hermione permitiu a intimidade enquanto andavam em direção à garagem.


 


— Eu não pensei que você considerasse atraente alguma coisa tranquila e organizada.


— Há momentos para cadeiras de balanço na varanda, e há momentos para montanhas-russas. — Ele a olhou quando ela parou na base da escada. — Pensei que você soubesse disso.


— Eu sei — disse ela, ciente de que seu envolvimento com ele estava começando a escapar de controle. — Eu não tinha consciência de que você sabia. — Pensativamente, Megan subiu a escada. — É um estúdio pequeno, suponho, e não muito impressionante. Apenas um lugar para trabalhar, onde eu não perturbo Pop e ele não me perturba.


 


Hermione abriu a porta, acendendo a luz, uma vez que o sol estava enfraquecendo.


Havia muito menos ordem ali do que se permitia em outras áreas de sua vida. O espaço era seu, pessoalmente, de maneira mais exclusiva do que em seu quarto na casa ao lado. Havia ferramentas: compassos de calibre, instrumentos pontiagudos utilizados para esculpir, e uma variedade de facas e lixas.


 


Havia o jaleco, que ela jogara descuidadamente sobre uma cadeira quando Harry lhe pedira para descer. Projetos futuros estavam aguardando em cantos, placas intocadas de pedra calcária e pedaços de madeira. Tinha uma preciosa peça de mármore que reservava como um tesouro. Por todos os lugares, em prateleiras, mesas, e até mesmo no chão, estavam espalhados amostras de seu trabalho.


 


Harry andou ao redor do estúdio. Estranhamente, Hermione se sentiu ansiosa. Viu-se imaginando qual seria sua reação se ele a criticasse, ou pior, oferecesse algum elogio banal. Seu trabalho lhe era importante e muito pessoal. Para sua surpresa, percebeu que se importava com a opinião de Harry.


 


Silenciosamente, fechou a porta, então se recostou nela.


Harry foi diretamente para um trabalho em madeira de uma garotinha construindo um castelo de areia. Ela estava particularmente satisfeita com aquela peça, uma vez que conseguira o tom exato que havia buscado. Havia mais do que juventude e inocência no rosto da criança. A menina se via como a princesa na torre do castelo. O meio-sorriso no rosto dela fazia o observador pensar em finais felizes.


 


O trabalho era cuidadosamente detalhado, o princípio de um telhado em ameias e as pequenas torres do castelo, os dedos magrinhos da garota enquanto ela esculpia a areia. Seus cabelos eram longos, caindo sobre os ombros, com algumas mechas sobre o rosto, como se a brisa os tivesse despenteado. Hermione tinha se sentido bem-sucedida quando o trabalho fora finalizado, mas agora, vendo Harry virar a peça nas mãos, a boca estranhamente séria, os olhos intensos, sentiu uma onda de dúvida.


 


— Este é seu trabalho? — Como o silêncio parecera tão permanente, Hermione teve um sobressalto quando Harry falou.


 


— Bem, sim. — Enquanto ela ainda estava procurando por algo mais para dizer, Harry se virou para andar pela sala.


 


Ele pegou peça após peça, examinando, sem fazer nenhum comentário. Conforme o silêncio se prolongava, minuto por minuto, Hermione ficou cada vez mais tensa. Se ele pelo menos falasse algo, pensou. Ela pegou a argila descartada e dobrou-a, amassando-a nervosamente enquanto ouvia os passos suaves do tênis dele sobre o piso de madeira.


 


— O que você está fazendo aqui? Ela se virou, os olhos arregalados. Qualquer reação que tivesse esperado, certamente não tinha sido raiva. E havia raiva no rosto de Harry, uma raiva aguda e penetrante que a fez agarrar o tecido gasto do jaleco com força.


 


— Não sei o que você quer dizer. — A voz de Hermione era calma, mas seu coração começou a disparar.


 


— Por que está se escondendo? — ele exigiu saber. — Do que tem medo?


 


Ela meneou a cabeça em confusão.


 


— Não estou me escondendo, Harry. O que você diz não está fazendo sentido.


 


— Não está fazendo sentido? — Ele deu um passo em direção a ela, então parou, virando-se para andar novamente. Hermione o observou, fascinada.


 


— Você acha que faz sentido criar coisas como estas e trancá-las numa sala sobre uma garagem? — Ele ergueu uma pedra calcária polida que tinha sido transformada em cabeça e ombros de um homem e uma mulher nos braços um do outro. — Quando você recebe a dádiva de um talento como esse, tem uma obrigação. O que vai fazer?


 


Continuar estocando as peças aqui até que não haja mais espaço?


A reação dele tirou Hermione completamente de equilíbrio. Ela olhou ao redor da sala.


 


— Não, eu... eu levo as peças para uma galeria de arte no centro da cidade de vez em quando. Eles vendem muito bem, principalmente durante o verão e...


 


Harry praguejou vigorosamente, interrompendo-a. Hermione lhe deu sua total atenção de novo. Aquele homem furioso, expressando desaprovação, era o mesmo que tinha preparado truta amigavelmente com ela na cozinha, pouco tempo atrás?


 


— Não entendo por que você está tão zangado. — Irritada consigo mesma por estar nervosamente torcendo o tecido do jaleco, Hermione o jogou no chão.


 


— Desperdício — disse ele de forma sintetizada, colocando a pedra calcária de volta na prateleira. — Desperdício me enfurece. — Aproximando-se, segurou-a pelos ombros deliberadamente. — Por que você não fez nada com o seu trabalho? — Seus olhos a fitavam com intensidade, exigindo respostas, não evasões.


 


— Não é tão simples assim — começou ela. — Eu tenho responsabilidades.


 


— Suas responsabilidades são consigo mesma, com o seu talento.


 


— Você faz parecer como se eu tivesse feito alguma coisa errada. — Confusa, Hermione lhe estudou o rosto. — Fiz o que sei fazer. Não entendo por que está furioso. Há coisas como tempo e dinheiro a ser consideradas — continuou. — Um negócio para dirigir. Uma realidade para encarar. — Ela meneou a cabeça. — Não posso simplesmente carregar meu trabalho para uma galeria de arte em Charleston e exigir uma exposição.


 


— Isso faria mais sentido do que isolar tudo aqui. — Ele a liberou abruptamente, então recomeçou a andar.


 


Harry era, descobriu Hermione, muito mais volátil do que ela percebera em sua primeira impressão. Olhou para a argila embrulhada em uma toalha úmida. Seus dedos coçaram para trabalhar enquanto impressões frescas estavam percorrendo seu cérebro.


 


— Quando foi a última vez que você esteve em Nova York? — perguntou Harry, encarando-a novamente.
— Chicago, Los Angeles?


 


— Nem todos podemos ser viajantes — replicou ela. — Alguns nasceram para outras coisas.


 


Ele pegou a garotinha do castelo de areia de novo, então andou até o casal feito em pedra calcária.


 


— Quero estes dois — declarou arry. — Você os venderá para mim?


 


Aqueles eram dois de seus trabalhos favoritos, apesar de totalmente diferentes um do outro.


 


— Sim, suponho. Se você os quiser.


 


— Eu lhe darei quinhentos dólares. — Os olhos de Hermione se arregalaram. — Por cada peça.


 


— Oh, não, elas não valem...


 


— Elas valem muito mais, imagino. — Harry ergueu o trabalho em pedra. — Você tem uma caixa onde eu possa carregá-las?


 


— Sim, mas, Harry... — Hermione parou e afastou a franja dos olhos. — Mil dólares?


Ele deixou as duas peças sobre a prateleira e se aproximou dela. Ainda estava zangado, Hermione podia sentir a vibração de raiva no ar.


 


— Acha que é mais seguro subestimar a si mesma do que enfrentar seu próprio valor?


Hermione começou a negar furiosamente, então parou. Incerta, fez um gesto de impotência com as mãos. Harry se virou novamente a fim de procurar uma caixa por si mesmo. Ela o observou embrulhando as esculturas em jornais velhos, a expressão ainda séria, os olhos tempestuosos.


 


— Eu lhe trarei um cheque — declarou ele e partiu sem mais uma palavra.


                                                  
                                          XXX--XXX

Pessoal, se alguem achar que as coisas estão muito apimentadas, me digam que eu mudo a classificaçao de idade (censura). 


Espero que gostem..

Eu amo comentarios *dica*dica*.. 

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Comentários (1)

  • Laauras

    Leitora nova aqui! Amando a fic, achando o enredo um pouco nublado, as intenções do Harry ainda estão meio confusas, Hermione tem alguma coisa escondida, Pop tb deve ter algum segredo! Mesmo assim, a fic tá sensacional, esperando o próximo capítulo ansiosamente!

    2013-08-15
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