Caim e Abel



“E disse o Senhor a Caim: ‘Porque estás triste e tua feição abatida? Ergue teu rosto e, se procederes bem, terás o bem. Por outro lado, se fizeres o mal, o pecado deitar-se-á à tua porta, e deves vigiá-lo, pois tua inclinação é toda para o mal.”


(Gênesis; 4, 5-6)

Charlie superou o constrangimento inicial e quebrou o silêncio com uma cordialidade fria:
– Desculpe... a sua visita me surpreendeu.
– Você não é o único que está surpreso por aqui – respondeu Bill, sem tirar os olhos de Fleur com uma expressão de descontentamento visível. – Pela sua reação acho que você já sabe que eu e Fleur nos conhecemos.
– Ah, sim... ela me disse. Não é melhor nós dois conversarmos no meu chalé, Bill? – emendou o irmão, olhando em volta para ver qual teria sido a reação entre os outros que haviam presenciado a cena. Fleur permanecia imóvel, evitando o olhar de Bill e todos os outros estavam constrangidos e intrigados, afinal ninguém sabia que Charlie estava namorando a ex-namorada do próprio irmão, e, na opinião de ambos, era melhor que não soubessem jamais. Depois de um instante de silêncio, Bill finalmente encarou o irmão para responder:
– Certo. Tem algumas coisas que eu preciso te explicar.
Os dois seguiram em silêncio para o chalé de Charlie. Bill evitou olhar para Fleur, que permaneceu calada e fugiu rapidamente para dentro do chalé de onde saíra. Por mais que Charlie tivesse tentado contornar o episódio, ficara bem claro que havia entre os três um segredo estranho e constrangedor. A parede de gelo que separara os dois irmãos não arrefeceu nem mesmo quando sentaram-se um diante do outro em poltronas na frente da lareira da pequena, mas confortável, sala de estar do chalé de Charlie,  que disse quase formalmente:
– Quer um chá? Um café?
– O que ela está fazendo aqui?  – disse Bill encarando-o diretamente. – Não me diga que não sabia de nada, porque eu percebi que você aparentemente sabe de tudo que houve entre eu e ela.
– Bill...
– Ela te disse como me deixou? Será que ela pretende fazer uma coleção de Weasleys? Quem será o próximo? Rony? Percy?
– Não seja estúpido! Não é nada disso. E eu ia te contar assim que...
– Ia me contar? Então é verdade, você e ela estão juntos.  
– Bill, não foi algo que eu tenha podido controlar... aconteceu.
– Sempre acontece, e não se engane, ela é que está sempre no controle. Por acaso ela te disse que me deixou de repente, sem aviso?
– O que eu sei é que você não confiava nela.
– Não costumo confiar em quem tem a marca das trevas no braço.
Charlie parou subitamente e olhou para o irmão.
– Ela te falou sobre isso ou preferiu esconder também esse segredinho? – disse Bill com amargura na voz.
– Ela me contou. Bill o que você tem que entender...
– O que eu tenho que entender? Eu? Sinceramente, Charles, não fui eu quem apunhalou um irmão pelas costas. Mas deve ter o dedo dela nisso. Ela deve ter te convencido que eu e ela fomos apenas um flerte, que não havia problema em...
– Você quer me escutar? Eu não planejei isso, e creio que nem mesmo ela. Quando nós vimos já havia acontecido.
– E você acredita que ela esteja apaixonada por você? – disse Bill com sarcasmo.
– Não. Não acredito. Eu já percebi que o que ela mais quer é esquecer você.
– Comovente. Escuta... você tem idéia do que eu estou realmente fazendo aqui? Não tem nada a ver com ela, mas tem a ver com você, e com esse lugar, que eu sei que você ama.
– Não foi o banco que te mandou, foi?
– Sabia que podia contar com a sua inteligência, irmão.
– A reserva já foi atacada, Dumbledore já havia me alertado sobre o perigo.
– Voldemort quer Éden. – Charlie arregalou os olhos, chocado e Bill prosseguiu – qual o problema, irmão? Existem pessoas agora que não tem medo apenas de um nome, Dumbledore poderia dar uma aula a você sobre isso, mas eu não tenho tempo para te convencer a falar o nome dele. O que você tem que saber é que eu estou aqui a pedido de Dumbledore. E ele acha que Voldemort tem alguém aqui dentro.
– Não é Fleur, eu tenho certeza.
– Tem certeza? Comovente. Isso não me surpreende nem um pouco, pode ter certeza. Ela tem poderes de veela, seria perfeita para conseguir qualquer coisa aqui dentro.
– Você está enganado, Bill. Também desconfiei dela no início, mas Michel deu a todos os homens do acampamento pílulas para combater os efeitos dos poderes... e ela nem tentou usa-los aqui, posso te garantir.
– Eu não confio em pessoas sob efeito de drogas, meu irmão.
– Não é isso, droga – disse Charlie rispidamente – se... se o lado das trevas tem alguém aqui dentro, com certeza não é Fleur, Bill... ela nos ajudou num ataque... e eram comensais. Ela salvou minha vida.
– Salvou sua vida? – Bill deu uma gargalhada sarcástica – perfeito. Agora, além de tudo, você ainda acha que ela é uma heroína. Isso é...
Bill não terminou a frase. Charlie se ergueu e o puxou pelas vestes com rispidez numa atitude ameaçadora, encarando o irmão com uma expressão de desafio.
– Eu fui torturado por comensais, irmão. Você sabe o que é isso? Sabe o que é sentir tanta dor que você imagina que sua carne está sendo retalhada, que uma mão invisível está esmagando o seu coração, que se você morresse o alívio seria maior que qualquer coisa no mundo? Alguém te lançou alguma vez uma maldição cruciatus, Bill? Hein?
Bill olhou pela primeira vez o irmão com o coração livre de raiva. O que quer que tivesse acontecido entre ele e Fleur havia resultado de uma grande prova de confiança. Lembrou-se das palavras de Dumbledore e de Sirius, de nunca acreditar no óbvio, de não usar a emoção para tomar decisão alguma. Percebeu que se continuasse discutindo por causa de Fleur com Charlie,  acabaria por estragar todo o objetivo de sua missão por ali. Segurou as mãos do irmão e disse, com firmeza.
– Desculpe. Eu perdi a cabeça.
Charlie relaxou um instante e então o soltou. Começou a falar pausadamente.
– Ela me contou sobre a marca no braço. Me disse como foi parar lá. Será que você nunca foi capaz de vê-la como vítima?
– Ela nunca me pareceu uma vítima. Devo lembrá-lo que ela não foi tão sincera comigo como parece ter sido com você. E de mais a mais, ninguém me disse que ela era uma espiã de Voldemort. Eu é que tenho meus motivos para desconfiar – disse isso pensando na comensal loura que escapara na noite de sua primeira missão – mas não vou acusar Fleur sem provas. Só que os espiões de Dumbledore estão atentos, sabem que Voldemort quer sangue de Dragão vivo e aqui é o lugar ideal para obtê-lo. Dos acampamentos da reserva, só o seu faz a coleta de sangue, você tem que se conscientizar que corre perigo.
– Em momento algum duvidei disso. Não se esqueça que mataram um dragão aqui há menos de um mês.
– Ninguém entendeu muito isso... nem mesmo Dumbledore.
– Acho que eles queriam coletar sangue, mas foram desastrados demais e acabaram enfurecendo o dragão. Era uma fêmea, é um tremendo erro tentar colher sangue de uma fêmea na época da postura dos ovos. Redobramos a vigilância, monitoramos com magia cada hectare da reserva. Ninguém entra aqui sem o meu conhecimento.
– Minha maior preocupação é que ninguém saia sem o seu conhecimento. E o meu.
– Quanto tempo você pretende ficar?
– O tempo que for necessário.
– Bill... Eu sinto muito que as coisas tenham acontecido dessa forma... quando eu soube de vocês dois... eu já estava envolvido.
Bill olhou para o irmão. Realmente, não podia simplesmente julga-lo. Não estava ali para isso. O mais difícil, ele tinha certeza, seria ver os dois juntos. Mas ele devia passar por sobre isso, pensar apenas na sua missão. Ele podia estar enganado e Fleur não ser uma espiã.
– Ok, Charlie. Eu acredito em você – ele deu um tapinha amigável no ombro do irmão. Mas me explique como ela veio parar aqui.
Calmamente Charlie sentou-se e contou a ele toda história de como ela aparecera na reserva dizendo que estava ali para pesquisar a cura da doença que acometia sua irmã e sua mãe. Por mais que narrada por Charlie a história fizesse sentido, ele não conseguia acreditar que Fleur fosse tão ligada à família. Quando haviam ficado juntos, ela mencionara a mãe e a irmã no máximo uma ou duas vezes. Mas guardou isso para si mesmo, achou melhor deixar para apurar aquela história de outra forma. O que mais incomodava era ver o ardor febril com que Charlie a defendia. Era como ver a si mesmo oito meses antes. Decidiu que não tiraria os olhos dela por nada enquanto estivesse ali.
Depois de mais de uma hora de conversa, Charlie e ele chegaram a um acordo e saíram para falar aos outros sobre a inspeção que Bill estaria fazendo nos meses seguintes para o suposto recálculo do seguro. Evitaram mencionar o mal estar da chegada, mas ficou bem claro que Bill não era muito fã de Fleur pela forma como ele a tratava, cordial porém nada simpática. Na hora do almoço ele sentou-se à mesa ao lado do irmão, como convinha, mas sequer olhou para ela, que sentara bem em frente dele. As outras pessoas fingiram não perceber o incidente, mas do outro lado da mesa, a forma fria com que a moça era tratada por Bill não escapou a Cho.
Depois do almoço, Bill partiu para um vôo com Olívio e Cho. Charlie foi para o Chalé onde Fleur cuidava dos pequenos dragões recém nascidos, que dali a dois ou três dias iriam para um viveiro aberto nos fundos do acampamento. Ele queria conversar com ela até mesmo para saber se estava cego ou se realmente sentia em Fleur pistas de uma inocência real.
– O que ele te disse?
– Nada demais – disse Charlie,  procurando ser neutro – nada que eu não soubesse antes.
– O que ele veio fazer aqui?
– Você ouviu o que ele disse, é uma inspeção do seguro.
– Charles , você pode mentir para todos os outros, mas não para mim. Eu sei o que William pensa de mim. Eu creio até que, sem querer, incentivei esse tipo de pensamento mas... eu não queria que você duvidasse de mim. Não você.
– Eu não estou duvidando de você, Fleur. Só que há coisas que são muito complexas, delicadas mesmo. Não posso tentar fingir que não sei que você também magoou o meu irmão e me disse que ele a magoou.
– Ele não confiava em mim.
– Por que para ele você não contou logo a origem da marca negra?
­– Porque eu tinha medo. Eu tinha medo que algo acontecesse e
– E comigo você não tinha esse medo? Eu também desconfiei de você no início.
Mas... com você foi diferente, Charles ... eu... mon Dieu... será que vou terr o mesmo prroblema de novo?
– Fleur, você está me escondendo alguma coisa?
– Não.
– Eu acredito em você. Mas, por favor, evite me colocar em conflito com você e Bill. Não me pergunte mais sobre o que ele está fazendo aqui... só faça um esforço para colaborar com ele.
– Está bem, Charles . Eu irei me esforçar – ela disse, virando as costas e fingindo alimentar um dragão enquanto engolia em seco escondendo uma lágrima.

***

 Enquanto isso, Bill se fazia de bobo diante de Cho e Olívio. Em pouco tempo, viu que eles eram na verdade nada mais que um casal inofensivo de jovens bons em vôo na vassoura, aliás bem melhores que ele. Da conversa ele percebeu apenas que Cho detestava Fleur, o que Olívio insinuou maliciosamente.
– Isso tem a ver com meu irmão? – perguntou jogando charme para ela
– Não exatamente com ele – disse a moça, ficando vermelha – questão de afinidades, eu creio que eu e ela pensamos de forma totalmente oposta.
– Fala logo para ele que você a detesta porque no passado ela deu mole para o seu namorado... – brincou Olívio. Cho o fuzilou com os olhos.
– Não é por isso. Eu a conheço desde o torneio tribruxo em Hogwarts – explicou Cho – quando eu namorava Cedrico Diggori, mas ela não conseguiu nada com ele... você esteve lá, não esteve?
– Ah, estive. Terrível aquilo. Você era namorada dele?
– Era – disse Cho baixando os olhos – vamos mudar de assunto.
– Ok... me digam, quantos dragões mais ou menos temos aqui na reserva?

***

 Demorou cerca de um dia, mas a fofoca sobre o triângulo amoroso entre os irmãos Weasley e Fleur chegou até mesmo ao último membro do acampamento. Eddie, o cozinheiro, ouviu uma confissão de Charlie a Janine, explicando que o mal-estar se devera ao fato de Fleur ter namorado o seu irmão um tempo antes, e daí para o resto do acampamento foi uma questão de tempo. Bill percebeu logo que a notícia correra entre o baixo escalão do acampamento e achou isso ótimo, porque desviou a atenção dos seus verdadeiros propósitos ali. Ele conversara com um por um, mas não chegara realmente a suspeitar de ninguém mais além dela.  Se fosse um jogo de azar, ele apostaria todas as suas fichas em Fleur como espiã, mas não podia comentar isso com ninguém, principalmente com o irmão.
 Quando podia, recorria aos membros do círculo. Comentara com Sirius sobre a doença na família de Fleur e ele dissera que ia providenciar uma forma de investigar a história. Em outra ocasião, Sirius o advertiu para não se concentrar apenas nela, mas observar também o que chamava de “o baixo clero” do acampamento. Ele já conversara praticamente com todos, mas evitara Fleur sistematicamente, o que, inclusive, fazia parecer mais ainda que havia uma grande mágoa entre ele e ela.
 Numa tarde, quando o irmão saiu em patrulha e todos os membros da “equipe de chão” estavam ocupados, Bill saiu para o lugar que costumava usar para falar com o circulo. Não usava lareira para isso, e não conseguia sintonizar em nenhum outro com o disco de metal dentro do chalé onde estava hospedado, por isso, costumava seguir até perto do viveiro dos pequenos dragões. Iria falar com Lupin naquela tarde, ele estivera investigando a família de Fleur por dois dias, sua última missão antes de mudar-se de vez para Durmstrang.
– E então, Aluado, alguma resposta?
– Bem, William, a família de Fleur não sai de casa desde antes do começo da primavera. Parece que Fleur esteve por aqui em fevereiro e desde então, sua mãe e irmã pouco saem de casa. Parece que ela realmente trouxe um médico aqui, só que ninguém o conhece, mas todos os vizinhos dizem que realmente o cabelo das duas vem caindo desde então, e elas tem uma aparência doentia. Fleur ficou aqui um mês inteiro, depois foi embora. Isso foi mais um mês antes dela aparecer por aí. Vou tentar descobrir onde ela esteve e torno a entrar em contato.
– Ok, então, Remus, assim que descobrir onde ela esteve, me avise.
– Feito – disse o outro, desaparecendo do círculo.
Bill colocava o medalhão para dentro das vestes quando ouviu uma voz feminina:
– Eu posso dizer onde estive você não precisa me espionar, Bill.
Bill virou-se lívido. Fleur estava parada atrás dele. Estava pálida e descorada, seus lábios estavam brancos de raiva.
– O que você está fazendo andando atrás de mim? – disse ele, mal disfarçando o ódio na voz.
– Eu não estava andando atrás de você. Estava alimentando os dragões. Com quem você estava falando através daquele disco de metal e porque está investigando a minha vida? É para o seguro, também?
– Fleur... não se meta comigo... eu só estava...
– Tentando descobrir se eu sou uma comensal da morte. Você sempre teve essa certeza, por que então investigar?
– Não é isso.
– Não? Enton o que é? Passatemp?
– Eu...
– William, por favor... – ela baixou os olhos e eles encheram-se de lágrimas – eu sumi para tentar resolver o problema que me trouxe aqui... eu não queria falar disso com você naquela época e você... mon Dieu. Você nunca acreditou em moi. Eu... eu sei o que você esteve fazendo, eu sei que você está trabalhando contra os poderes das trevas.
– Você o quê?
– Eu sei. Quando nos separamos... quando você começou a desconfiar de mim... Eu precisava resolver esse problema da minha família, mas você estava sempre desconfiando, sempre me tomando como... – ela o encarou. – Não tente me enganar com essa história de seguro. Eu só te peço que acredite em mim: não sou uma comensal da morte. Não estou aqui para isso. Você desconfiou tanto de mim, tanto... foi isso que me afastou de você.
– Como você sabe tanto sobre mim, Fleur? Como você...
– Um pouco antes de vir para cá eu não conseguia pensar em mais nada, só em você. O tempo todo, eu não podia te esquecer. Mas eu já tinha mandado aquele bilhete, lembra? Eu comecei a te seguir, logo depois que deixei a casa da minha família. Eu conhecia sua rotina. Foi pouco o tempo em que ficamos juntos, mas foi o suficiente para perceber que você estava fazendo coisas e andando com pessoas que você não fazia antes de me conhecer. E eu o conhecia o suficiente para perceber que você não podia estar do lado... deles. Só que eu não me reaproximei. Não podia. Sabia que você jamais confiaria em mim. Aí então vim para cá, e me surpreendi com Charles . Ele é tudo que você não é.
– Você confia nele, então?
– Ele confia em mim, é diferente. Eu sei que você não acredita em mim, mas vou mostrar a você que eu não estou aqui a serviço... dele. Por favor, Bill, acredite em mim.
– Eu gostaria de acreditar. Eu gostaria que você me mostrasse por que, afinal de contas, não me contou tudo o que estava passando. Eu estava apaixonado por você.
– Você estava apaixonado por mim, mas seu coração estava, e ainda está, cheio de ódio.
– Fleur, como vou saber se você está falando a verdade?
– Não vai saber. Vai ter que confiar em mim. Se não puder, redobre a vigilância sobre a reserva. Mas vamos fazer um pacto: Charles  não me contou diretamente o que você veio fazer aqui. Não diga a ele que sei. Não direi a ninguém, não ficarei no seu caminho.
– Você está pedindo um voto de confiança?
– Estou. Estou pedindo que acredite em mim: não estou aqui a serviço das forças das trevas. Por favor, acredite, se não acreditar, pelo menos não duvide.
Os dois se encararam. Bill sabia que havia sido descuidado e, se ela fosse uma traidora, estava nas mãos dela. Mas agora era tarde, e teria que seguir em frente. Depois de pensar um instante, chegou à conclusão que se ela fosse uma traidora, seria mais fácil não falar com ele, guardar a conversa que ouvira entre ele e Lupin para ela e depois relatar a Voldemort. E ainda estava surpreso por saber que ela o havia seguido depois da sua separação. Estendeu a mão vagarosamente para ela e disse:
– Feito. – ela apertou a mão dele e disse:
– Preserve Charles . Acredite, ele, mais que ninguém, merece que essa reserva seja preservada das forças das trevas.

***

 O inevitável aconteceu: sem conseguir mais desconfiar de Fleur, Bill começou a sentir-se novamente atraído por ela. Aproximou-se do irmão e continuou a observar os outros, mas a cada dia que passava, desconfiava que Dumbledore estava enganado: ninguém daquele time poderia estar traindo Charlie. A sua admiração pelo irmão aumentou, chegou mesmo quase a tornar-se inveja. A palavra dele ali era lei. Todos seguiam suas ordens sem pestanejar, desde o grandalhão Celso ao mirrado Zalif, todos confiavam cegamente em Charlie.
 E Charlie tinha Fleur. Bill não era cego nem estúpido: percebia que Fleur evitava seus olhos agora que tudo estava claro entre eles. Ele tinha certeza que, por mais que ela admirasse Charlie,  era a ele, Bill, que ela amava. Estava muito claro para ele, em cada gesto, em cada olhar desviado, que ela o evitava sistematicamente apenas para não magoar seu irmão, mas era evidente que ela não o esquecera.
 Charlie percebeu isso também, mas preferiu não falar nada com o irmão. Preferiu falar com ela, uma noite antes de deitar-se:
– Você chegou a um entendimento com Bill?
– Cheguei.
– Que ótimo.
– Charles ... eu sei que ele está aqui para descobrir se há um espião.
– Ele te falou?
– Não, eu já sabia, eu já sabia que ele estava trabalhando contra eles. Contra os comensais. Era natural que ele desconfiasse de mim...
– Eu não desconfio. Isso basta para você?
– Basta. Charles ... eu...
– O quê? – ele perguntou serenamente
– Não importa o que tenha acontecido antes, eu estou com você. Eu escolhi você, entende?
Ele a abraçou apertado puxando-a para junto de si, mesmo não acreditando que ela houvesse realmente esquecido o irmão.

***

 As comunicações de Bill com o círculo eram a cada dia mais tensas. Ele sentia-se mal por não ter chegado à nenhuma conclusão. Será que os espiões de Dumbledore estavam errados? Será que o comensal disfarçado estava tão bem camuflado que ele só descobriria quando fosse tarde demais? O dia da coleta de sangue de dragão aproximava-se rapidamente, e a única coisa que ele podia afirmar era que o irmão era inocente e ele também. A contragosto, achava que Fleur também só poderia ser inocente. Durante todo o período que passara ali, nenhum caçador ou bruxo qualquer tentara penetrar na reserva clandestinamente. Nada, era uma calmaria estranha como aquela que precede as grandes tempestades, e Charlie chegou a comentar com ele:
 – Você nos trouxe sorte, nada de estranho aconteceu durante sua estadia aqui. A coleta parece que vai acontecer sem nenhum drama.
 – Só diga que eu trouxe sorte depois que o jogo acabar e você pegar o pomo, Bichado – ele brincou, mas ainda com tensão na voz. Charlie riu e saiu de perto, retomando seus afazeres.
 Fleur passava o dia cuidando dos cinco filhotes de dragão, que estavam cada vez maiores e mais perigosos. Uma tarde, na antevéspera da coleta de sangue, ela se dirigia arrastando um carro com quase 50  quilos de carne para o viveiro gradeado, que eles já haviam aumentado com feitiços quatro vezes, quando Bill, que agora não acompanhava todas as patrulhas, a viu e sentiu-se na obrigação de ajudar.
 – Deixe que eu faço isso para você. Acho que está na hora desses monstros aprenderem a caçar, não?
 – Não, mamãe dragão tem que cuidar deles até que aprendam a voar – ela disse rindo – Norberto aparentemente vai colaborar, se estiver de bom humor. Incrível, o dragão do acampamento morre de ciúmes de mim.
 – Só ele? – disse Bill, arrependendo-se quase no mesmo instante – digo... Charlie parece muito confiante, não?
 – Porque sabe que ninguém aqui mexeria comigo – ela disse, evitando o olhar de Bill. – ninguém da equipe, pelo menos.
 – Eu preciso me desculpar com você. Eu vi o quanto você tem se empenhado aqui... eu... – ele a olhava nos olhos sentindo-se estúpido por um dia ter desconfiado dela. – eu queria poder voltar no tempo.
 Ela o encarou por um longo instante. Haviam parado há menos de um metro do viveiro. A tensão entre os dois era mais evidente que nunca, ela parecia prestes a abraça-lo e ao mesmo tempo, a um passo de fugir quando disse:
– É impossível mudar o passado. É impossível.
Ele virou as costas e deixou-a dizendo:
– Bem, você está perto o suficiente, não? Pode alimenta-los sozinha. Eu nunca apreciei muito ver animais ferozes fazendo a sua refeição.
Voltou para seu chalé quase correndo, e não percebeu que o diálogo havia sido presenciado por alguém que vinha observando ele desde o dia que ele chegara, e estava naquele momento escondido num lugar bem próximo ao viveiro.

 Naquela noite ele recebeu instruções explícitas de Sirius para não abandonar a coleta por nem um segundo. Para vigiar cada um que participasse dela, atentamente.
– Sua ex-namorada vai participar?
– Não. Ela vai ficar aqui, aguardando o pacote para o beneficiamento.
– Menos arriscado. Se bem que, até agora, não encontramos nenhum indício de que ela esteja mentindo. Ela esteve mesmo pesquisando a síndrome de Nell Porter na Universidade Bruxa de Paris... e a família dela, pelo jeito, permanece reclusa. Nosso contato em Paris está tentando falar com elas. Alguma novidade, entramos em contato. Se houver algum problema, avise, chega apoio em meia hora.
– Ok, Sirius.
Na véspera da coleta de sangue todos foram recolher-se cedo, durante o jantar, Charlie fez um breve discurso sobre como deveriam estar concentrados no dia seguinte. Desejou boa sorte para a equipe e propôs um brinde. Fleur estava mais linda que nunca, e quando Bill a viu entrar abraçada a Charlie no chalé que os dois ocupavam, sentiu no fundo do peito uma pontada de inveja dolorida e quente.

***
Bill  acordou subitamente no meio da madrugada, sem saber ao certo por que. Foi quando percebeu que havia alguém dentro do seu quarto, parado bem diante da sua cama. Seu sangue gelou, imaginando que estava sendo atacado por algum comensal da morte, ergueu-se da cama com um pulo agarrando o vulto com as duas mãos pelos ombros.
Não era um comensal, era uma mulher e estava desarmada. O luar suave e pálido que entrava pela janela mal iluminava seus cabelos platinados, ele mal viu seu rosto, mas adivinhou quem era de imediato. Surpreso, ele se deu conta da maciez do corpo dela sob o casaco que usava, fechado junto ao corpo. Ele a soltou e disse:
– Fleur?
Ela não disse nada. Apenas deixou cair o casaco, revelando o corpo nu e se agarrou a ele, num beijo violento do qual ele não quis se libertar. Não muito longe dali, Charlie virou-se na cama, profundamente adormecido.

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