Um ano antes, bem longe dali..

Um ano antes, bem longe dali..



  – Muito bem, senhor William Weasley – disse o duende Honesto John, e Bill levantou o rosto discretamente para observá-lo, disfarçando, porque sabia que eles normalmente não gostavam de ser encarados. – Se queria sair do Egito, bastava apenas ter pedido uma transferência.
– Mas eu pedi! Pedi duas vezes, e duas vezes me negaram! – Bill disse, procurando parecer o mais suave o possível. – Então eu parti para algo mais... radical.
– Estúpido, o senhor quer dizer. Ora, francamente... em QUINHENTOS anos de história, nunca nosso banco sofrera uma... uma...
– Greve.
– Isso! Uma greve em nosso banco!
– Bem... sempre existe a primeira vez, não? E os senhores deveriam ficar contentes... os bancos trouxas convivem com isso há uns cem anos, eu acho.
– Bancos trouxas sabem o que é bom para bancos trouxas!
– E eu, senhor Honesto, creio que sei o que é bom para mim. Com certeza não é passar dez malditos anos trocando múmias por Galeões e cercando a sede do banco contra atentados terroristas! Eu era o seu melhor funcionário! Nem a minha demissão aceitaram, o que queria que eu fizesse? Continuasse trabalhando como se nada houvesse acontecido?
– Sua atitude foi impensada e irresponsável, Senhor Weasley.
– Ótimo. Demita-me. Eu posso arrumar outro emprego, Senhor Honesto...
– Não é assim que a companhia pensa a seu respeito, senhor Weasley...
– Não? – Dessa vez Bill encarou abertamente o duende, bastante surpreso. Ele estava esperando pela demissão, afinal, sabia o que tinha feito: provocara uma greve entre todos os não-duendes da filial do Gringotes no Egito. Descobrira que não era o único insatisfeito, havia mais gente que se sentia ignorada por eles. Dois dias de paralisação, e oito milhões de prejuízo. Nenhuma troca entre dinheiro bruxo e dinheiro trouxa, e era a alta temporada de turismo no Cairo, quando milhares de bruxos precisavam trocar galeões por dinheiro local. Fora uma múmia enfeitiçada que saíra andando do cofre onde era guardada por sete feitiços e voltara para a tumba dos seus ancestrais, para desgosto do bruxo que dela descendia, que tinha medo de uma maldição de família. Bill pensou um instante antes de dizer: – e qual é a política da companhia, senhor?
– Bem... Aceitaríamos um pedido de desculpas. Não queremos nos indispor com a comunidade bruxa. O seu levante...
– Protesto.
– Que seja. Bem, isso gerou outros episódio isolados nem outras filiais – um sorriso apareceu nos lábios de Bill. Afinal, ele acendera uma chama. Não era o único insatisfeito. – Nós achamos melhor atender as suas reivindicações...
– O senhor acha mesmo que isso resolve? Há outros como eu...
– Quanto a isso, estamos criando uma divisão de pessoal não-duende... uma ouvidoria – o sorriso nos lábios de Bill alargou-se. – Nós só queremos que vocês continuem fazendo negócios conosco, se mandássemos embora todos os bruxos insatisfeitos...
– Perderiam metade dos seus clientes, no mínimo, estou certo?
–  Mas... por favor, não tome agora essa via de agitação sempre que quiser alguma coisa, senhor Weasley.
–  Pode deixar, vou preferir sempre me dirigir à... ouvidoria?
– Isso.
– E minha transferência?
– Para onde o senhor escolher...
– Um destino na Europa.
– Bem... há vagas em Londres e em Paris.
Bill pensou por um instante. Começara a carreira em Londres. Não era muito fã dos Duendes de lá, e não queria uma desculpa para que sua mãe vivesse fazendo visitinhas ao banco para  reclamar dos cabelos longos e do brinco... amava sua mãe, mas achava que um pouco de distância lhe faria bem... nem no fim do mundo, nem ali na esquina, esse era seu lema.
– Paris. – ele disse, com um sorriso.
– Ótimo. Arrume as malas, senhor Weasley... vou cuidar dos papéis para o senhor.
Bill saiu da sede do banco com um grande sorriso. Foi andando, muito bem humorado entre a multidão do mercado bruxo do Cairo,  pensando em como, de um jeito ou de outro, tudo sempre dava certo para ele...quando começara tudo aquilo, queria apenas ser mandado embora, se livrar da chatice da sua rotina no Egito... e ia agora para Paris! Fora bom por um bom tempo estar ali, mas estava de saco cheio do Egito, era um bom vivant, odiava a rotina.  Mas, além disso, havia ainda os motivos sérios pelos quais queria estar mais perto da Inglaterra.
– Não sei falar Francês – ele disse mais tarde para o espelho, enquanto se barbeava na sua casa.
– Sem problemas, William Weasley... – respondeu o seu reflexo – esqueceu que você consegue tudo que quer? Aprender francês vai ser o de menos...
Ele sorriu. Claro, Paris era uma festa... o idioma era o de menos.

Três dias depois...
 Não havia forma de desaparatar diretamente do Egito para Paris. Até para bruxos que aparatam e desaparatam com facilidade, existiam certas limitações. Havia outras formas de viajar, como desaparatar para um ponto cada vez mais próxino de Paris, mas Bill preferiu embarcar no Expresso Negro, que ia da África até Paris, Numa antiga rota de trem trouxa desativada (só que mais flexível. Vocês não acreditam mesmo que um legítimo trem bruxo precise ficar nos trilhos, acham?). Era a sua oportunidade de fazer uma viagem exótica até sua nova casa.
 Era uma viagem de dois dias; e na quinta hora do primeiro dia, ele já estava tremendamente arrependido de ter embarcado naquele trem, imaginando que teria ainda a noite daquele dia e outro longo dia pela frente, o que simplesmente era de tirar-lhe a paciência. Ainda por cima, o trem estava cheio de bruxos velhos e ranzinzas, vindos de uma conferência sobre poções ancestrais do antigo Egito – ele imaginava que realmente apenas bruxos muito velhos se interessavam por esse tipo de coisa.
Estava já imaginando uma rota para desaparatar para a Grécia e de lá para a Itália, a partir da parada seguinte, Alexandria, quando o trem parou. Ele olhou para o lado de fora mal humorado, pensando que teria que dar um jeito na bagagem, quando a viu. Era uma garota loura e alta, parada na estação, segurando apenas uma pequena valise de mão. Ela olhava para a fila de embarque com uma expressão tão entediada quanto a dele. O que ele achou mais graça foi o fato de que, enquanto todos na fila se abanavam por causa do calor insuportável, aproveitando para espantar as inevitáveis e enormes moscas, a garota permanecia impassível na sua beleza entediada. E não se via em seu rosto uma única gota de suor.
O pior era que aquele rosto não lhe era estranho. Ele podia jurar que a conhecia de algum lugar, mas de onde? Quando ela seguiu adiante, na fila de embarque, ele se acomodou em sua poltrona com um sorriso malicioso. Afinal, agora havia algum motivo para ele estar ali. Duas noites e um dia pareciam o suficiente para conhecer a garota.
O expresso bruxo tinha três tipos de lugares: cabines de primeira classe, cabines de segunda classe, e poltronas-camas. Eram confortáveis, mas é claro que não se comparavam ao conforto das cabines de primeira classe. Bill estava acomodado numa dessas poltronas, e viu quando a garota loura embarcou no vagão da primeira classe. “Riquinha, é?” – pensou – “hum... vamos ver se ela resiste aos encantos do pobretão aqui...”
Logo depois que o trem pôs-se em movimento, ele se dirigiu ao vagão-restaurante. Ali as refeições eram bastante caras, mas se podia comprar coisas mais baratinhas, como sanduíches e suco de abóbora, no bar do trem. Normalmente, era fácil saber algo sobre os passageiros através dos garçons, porque logo que os passageiros de primeira classe entravam, recebiam um pequeno lanche em suas cabines.
– Amigo... poderia me dar uma informação? – disse mostrando um galeão na palma da mão
– Sobre a passageira loura da primeira classe? Desista. Ela me recomendou que não levasse flores, nem doces, nem bilhetes de passageiro algum do trem. E garanto que o senhor não é o primeiro a perguntar por ela...
Bill sentiu-se extremamente estúpido. Agradeceu ao garçom e voltou à sua poltrona, imaginando que ela não poderia, mesmo não suando como os outros, passar duas noites e um dias trancafiada numa cabine. Haveria uma oportunidade, lógico que haveria.
A medida que o trem avançava na direção do estreito de Gibraltar, as paisagens foram ficando cada vez mais tropicais e exóticas, e menos desérticas. Haviam saído da África Meridional, e agora o trem contornava o a costa mediterrânea, eles iam por uma estrada de ferro que fora abandonada pelos trouxas, e servia como leito para a locomotiva negra, que apesar de ser a vapor, viajava mais rápido que uma similar trouxa, uma vez que vez por outra dava saltos no espaço, desaparatando e aparatando mais adiante, como fazia o noitibus.
A noite alcançou o Expresso Negro aos poucos,  com o sol tingindo de um vermelho vivo os campos dourados de capim selvagem ao longo da estrada. Bill sentiu fome, e imaginou se não seria hora de descobrir algo sobre a garota. Ele se dirigiu ao vagão restaurante e encostou no balcão do bar, pedindo um vinho de cerejas. Ficou tomando o vinho bem devagar, porque só estava ali fazendo hora para ver a garota. E ela nem demorou tanto assim para aparecer, resplandecente numa veste lilás, ignorando todos no salão. Bill prudentemente, não se aproximou e até procurou olhar para o outro lado, evitando o canto onde ela estava.
“Deus do Céu... eu não sabia que tinha TANTO bruxo assim nesse trem”, ele pensou, logo que viu que a garota estava cercada de admiradores, e eram tantos que ele até ficou com um pouco de raiva da garota. Não que achasse que ele não tinha chance com ela, mas era uma questão de não se comportar como uma criatura rastejante, ou um cão faminto atrás de um osso. Não! William Weasley tinha algum orgulho, não ia ficar bancando o palhaço por causa de uma garota, sendo ela linda ou não.  
Mesmo sabendo que ia chegar em Paris completamente duro, sentou-se do lado oposto do vagão restaurante, e, ignorando a presença da garota e dos seus admiradores, pediu o jantar para ele. Rosbife, batatas fritas, um vinho, claro. Se já tivesse recebido o auxílio-mudança, talvez pedisse algo mais caro e exótico, mas, por enquanto, aquilo estava bom. Pelo menos não ia comer um sanduíche de pastrami com azeitonas sentado na sua poltrona, ou pior, encostado no bar do trem.  
Quando o jantar chegou, ele comeu realmente com prazer, desfrutando da refeição (tá, o rosbife da sua mãe ainda era muito melhor que aquele. E o de Hogwarts era ligeiramente superior), e bebendo o vinho como se fosse realmente um sujeito de muita classe. Até esqueceu da garota, e nem percebeu que ela estava olhando para ele, primeiro, porque achava impossível que ele ainda não a tivesse visto, e nem tivesse dado um único olhar em sua direção, e, segundo, porque ela tinha certeza que o conhecia de algum lugar.
Fleur Delacour estava ainda mais linda do que aos 17 anos. Adulta, aumentara seu ar aristocrático e esnobe, e parecia ter dominado agora completamente seus poderes de meio-veela, menos, é claro, o maldito poder dos feromônios que faziam todos os homens caírem aos seus pés. Isso ainda era inevitável. Mas havia o lado bom: ela estava sempre linda, e sabia disso. Não havia nenhum homem que lhe negasse ajuda, quando precisava, e nenhum que não a olhasse com interesse, se ela assim quisesse. Aquele cabeludo ruivo só podia estar fingindo... não podia ser uma exceção, ainda mais com aquela aparência.
Ela olhou em volta, e os bruxos que admiravam ficaram por um suspense absoluto por alguns segundos. Concentrou-se por um instante em seu poder de veela e disse, com uma voz muito doce:
– Eu adoraria ver cada um de vocês em seus lugarres... prrrofundamant adormecides... – disse, caprichando num sotaque francês que nem tinha mais, pelo menos não tão forte.
Como autômatos, os bruxos se dispersaram com sorrisos tolos no rosto. Pelo menos até o dia seguinte ela estava livre deles.
Bill percebeu a debandada e riu quando um sujeito passou por ele repetindo: “dormir? Sim, meu anjo, dormirei até amanhã, profundamente...”. Rapidamente concluiu que a garota tinha algum poder enfeitiçante, ele conhecia bem essas coisas, afinal, não era o desmanchador de serviços sênior do Gringotes, recém promovido à toa (e o maldito salário que não saía... como fazia falta o dinheiro na hora de impressionar uma bela garota). Ela podia ter poderes enfeitiçantes... mas ele não ia cair nessa, ah, não. Disfarçadamente, olhou na direção onde ela estava, e surpreendeu-a olhando diretamente para ele. A garota pareceu ficar embaraçada com a sua expressão séria. Ele decidiu que era hora de intrigá-la mais ainda, e, assinando a nota do restaurante (para pagar quando chegasse em Paris), ele levantou-se e passou direto por ela, rumo ao seu vagão dormitório.
Aquilo estava começando a diverti-lo. Quando passou por ela, percebeu que ela se movimentava, como se esperasse que ele se aproximasse. Passando direto, ele teve certeza que frustrara as expectativas da moça, e riu-se interiormente. Na manhã seguinte, quando o trem chegasse ao estreito, quem sabe ele não desse alguma chance a ela?
Fleur sentia-se indignada. Aquilo não podia ser possível... ele devia ter algum breve protetor contra criaturas mágicas sob a roupa, ou algo parecido. O pior era constatar que, apesar de ser o sujeito que mais a atraía naquele trem, era o único que não tomara conhecimento de sua presença, e mais ainda, francamente a ignorara, quando ela se livrara daqueles idiotas para que ele pudesse se aproximar em paz. Sentindo-se aborrecida, foi para sua cabine. Já não bastava ter-se enfiado naquela droga de Egito por causa de um monte de pergaminhos idiotas, nem conseguia se divertir ali. Na sua cabine, olhou a paisagem negra, porque o expresso não seguia nenhum caminho que tivesse iluminação.
Ela tentou a noite inteira dormir, mas o medo dos pesadelos a fazia temer o sono. Enfim, adormeceu, e no sonho ela caminhava descalça sobre um tapete de folhas mortas, úmidas por uma chuva fina que caía sem cessar. Estava numa floresta cinzenta, e não havia barulho algum, sequer de pássaros ou animais, tudo parecia estar a espera de algo. Então um urro, que a fez gelar, sacudiu as árvores, e ela estava correndo sem descanso por entre elas, amedrontada e arrependida, o coração frio e negro de terror e de um pavor que ela não se lembrava de ter conhecido. Ao longe, ela ouvia duas vozes gritando, mas não conseguia entender o que diziam. Foi quando um jorro de chamas a atingiu por trás, e ela gritou.
Levantou-se de um salto, e correu para o espelho pendurado na parede do trem. Uma luz baça e cinzenta entrava pela janela da cabine, anunciando o nascer de um novo dia. Sob essa luz, Fleur respirou aliviada ao ver que não estava queimada. Deitou-se aflita, tentando voltar à calma e pensando que quando entregasse os pergaminhos ao seu contato em Londres, talvez os pesadelos fossem embora.
 Algumas horas depois, o trem foi parando lentamente na última estação da África. Se fosse como um trem convencional, os passageiros teriam de embarcar num catamarã para fazer a travessia do estreito de Gibraltar, mas era o Expresso Negro, e ele tinha suas manhas. O sol estava alto, já, e Bill ficou se perguntando o que fariam para atravessar o estreito. Achava que nem todos ali poderiam desaparatar, por isso mesmo haviam pego o trem, portanto, isso estava fora de cogitação. O condutor passou por ele dizendo:
– Vamos ter de parar por duas horas... o outro trem vai se atrasar.
“Ah, então é isso... estamos esperando outro trem... mas de qualquer jeito, ele chega do outro lado do estreito... como vamos parar lá?” – Bill pensava, olhando a paisagem ensolarada e quente do Marrocos. Estavam numa estação um pouco distante do estreito propriamente dito, mas ainda assim, ele decidiu descer para esticar as pernas. Já tinha quase esquecido a garota do trem.
Da estação, via-se o mediterrâneo, pouco além de uma amurada, havia uma praia de areia escura, amarelada, onde não havia muita gente. Os trouxas pareciam não ver o trem, e muito menos, toda aquela gente de capas e roupas tão diferentes das que usavam. Bill sentou-se na murada, olhando o mar e a praia, e ficou ali, sentindo o vento do mar mediterrâneo, a cabeça meio vazia, pensando como seriam seus primeiros dias em Paris. Foi quando viu um cena que quase o fez cair na gargalhada.
A garota saía do trem, seguida por todos os seus admiradores habituais. Eles a cercavam como moscas em um doce (e que doce!) e era realmente muito engraçado ver a expressão absolutamente aborrecida, e quase furiosa dela. Quando ela virou-se para os sujeitos e lançou um feitiço, ele não se conteve e caiu na gargalhada. A garota o encarou, e ele podia jurar que ia ser estuporado. Subitamente, ao vê-lo rindo, ela perdeu a expressão furiosa, e pareceu surpresa. Ele disse:
– Ótimo uso para o Petrificus Totalis, se me permite a brincadeira. – ela riu e aproximou-se.
– Eu não queria fazer isso... quer dizer... non dessa forma. – ela disse, num inglês quase impecável, mas que se traiu por um instante.
– Vai para a França? – Perguntou Bill, oportunamente
– Vou... – ela disse, e agora parecia examiná-lo com atenção – eu o conheço?
– Tive a mesma sensação olhando-a – ele disse, com sinceridade.
– Estou certa que já o vi antes... você estudou em Ogwarts?
– Estudei... mas você não, pelo jeito – ele sorriu
– Non... mas eu já estive lá, e acho que o conheço de Ogwarts...
– Já sei. Torneio tribruxo, 1994.
– Parfait! – exlamou ela – me lembro agora! Você era irmão daquele garotin... Weasley?
– William, muito prazer – disse Bill, estendendo-lhe a mão
– Fleur Delacour – ela disse, apertando a mão que ele estendia. Bill prosseguiu:
– Você deve estar falando do meu irmão, Ronald, que por sinal odiaria ser chamado de garotinho...
– Ronald... Rony, não? Isso! Lembro-me. Ele era amigo do outro menino, Arry...
– O melhor amigo. Eu estive lá, no dia da última prova... você é a mocinha que disputava o prêmio, claro... a que queimou a saia no dia do dragão! – ela ruborizou e pareceu bastante sem graça
– Passei duas grandes vergonhas naquele torneio... você estava lá na prova do dragão?
– Não, meu irmão era um dos tratadores, Charlie,  deve tê-lo conhecido
– Não me lembro de nenhum tratador. Que coisa embarraçosa, ele ter te contado isso. – Bill riu e completou:
– Eu estive lá apenas no dia da última tarefa.
Quando falou isso, viu o rosto da moça anuviar-se:
– Eu... eu não gosto de me lembrar daquele dia... Foi...
– Foi horrível – ele disse sério – e até hoje há gente que pensa que Voldemort não voltou – a garota ficou mais branca do que já era, e disse:
– Você... você fala o nome?
– Não falava. Mas algumas coisas me foram ensinadas nos últimos anos. – ele ficou sério. Fleur não respondeu. Ele continuou: – Não conhecia Cedrico direito, mas creio que ele não tenha feito nada para morrer daquela forma. Ninguém deveria vir ao mundo para morrer aos dezessete anos... e ele não foi o último que Voldemort matou. – O rosto de Bill tinha uma expressão sombria, dura. Ele lembrava de uma noite, pouco mais de um ano e meio antes, quando uma coruja o fizera voltar a Londres. Não gostava de lembrar daquilo, principalmente diante de uma garota.
– O que aconteceu? – ela perguntou, e parecia assustada.
– Bem... os comensais da morte atacaram alguns funcionários do ministério da magia. Você não deve saber disso, o canalha do Fudge abafou tudo... disseram que não havia provas. Meu pai foi morto em sua própria sala de trabalho. Avada Kedavra – ele disse. – gosto de pensar que ele pelo menos não sentiu dor – chutou uma pedra no chão. Ainda doía. Quase dois anos, e ainda doía. A garota estava num silêncio mortal. Ele a olhou e sorriu. – mas... nós reconstruímos a nossa vida... acho que era o que meu pai queria. Eu na época só pensava em vingança... mas um amigo da família me demoveu disso. Ele também conseguiu a pensão para minha mãe... e uma condecoração póstuma.
Bill lembrou-se do dia do enterro de seu pai. Ele chegara a Ottery St Cachapole com o dia amanhecendo, depois de ter aparatado e desaparatado por toda a Europa até a Inglaterra. Charlie estava parado, ao lado de sua mãe, que chorava, mas não complusivamente. Ele não queria acreditar naquilo, até ver o seu pai, como que dormindo, deitado naquele caixão. Arrependeu-se de todas as palavras boas que não havia dito a ele, de todo o orgulho que não expressara por ser seu filho, e dever tudo na vida a ele. Abraçado à irmã menor, ele chorou muito, muito mais que achava que um homem poderia chorar.
Lembrava-se do instante em que a tristeza se transformara em ódio, quando  viu Lúcio Malfoy cinicamente entrando na pequena capela com o pretexto de “prestar solidariedade à família”. Qualquer um podia prestar homenagens ao seu pai, menos ele. Ninguém o segurara: ele simplesmente partiu para cima do outro bruxo e literalmente o jogou para fora da capela, chamando-o de Comensal da Morte. Um silêncio chocado se seguiu, e ele pôde se arrepender por muito tempo por ter estragado os funerais de seu pai.
Antes de voltar ao Egito, fora chamado por Dumbledore, para uma conversa séria. E fora assim que ficara comprometido com uma causa e deixara de ter medo do nome de Voldemort. Não era vingança que ele queria, agora, era justiça.
– William? – a moça o chamou. Ele saiu do devaneio e sorriu:
– Pode me chamar de Bill... desculpe, não era hora para eu lembrar dessas coisas...
– Não há problema – ela disse – todos temos esqueletos no armário.
– Verdade – ele brincou. – talvez o seu seja atrair todos os sujeitos bobões da face da terra, e petrificá-los sem piedade.
– Não zombe de mim – ele disse, com um muxoxo – isso é genético. Feromonal
– Fe o quê?
– Feromonal... tem a ver com... aromas.
– Talvez por isso você se chame flor...
– Não seja bobo... você não sente? – ela disse, aproximando-se um pouco dele.
– Não – disse ele, com sinceridade.
– Bam – ela pareceu decepcionada – algumas pessoas de fato são insensíveis a feromônios de Veela.
– Você não parece uma veela...
– Meio– veela – ela o corrigiu – por parte de mãe.
– Isso explica muita coisa – ele respondeu – mas... não é só isso. Acho que você no fundo gosta de ser o centro das atenções.
– Eu não...  isso não é verrdade!
– Bem... se não é verdade, porque você está conversando de verrdade com o único sujeito que não correu atrás de você por todo trem?
Nesse momento o condutor chamou os passageiros de volta ao trem, e Fleur aproveitou para não responder a pergunta. Eles finalizaram o encanto que petrificara os admiradores de Fleur e voltaram lado a lado, conversando. Bill falou sobre sua dúvida acerca da travessia do estreito.
– Nunca pegou esse trem? – ela perguntou
– Não, nunca. Você o pega habitualmente?
– Às vezes preciso ir para Alexandria... mas acho que essa é a última viagem. Eu sei um lugar onde você pode ver o que acontece... mas precisamos ser discretos, não poderíamos estar lá.
– Hum... que mistério, mas que seja, discreto é meu nome do meio...  
Ela o levou até o último vagão, de carga, onde eles entraram cautelosamente. Atravessaram por entre malas e bagagens até uma porta, que parecia ser a última do trem. Havia um espaço gradeado, onde dava, com alguma dificuldade, para os dois ficarem em pé, juntos. Ela estava bem próxima a ele, e Bill tinha de admitir: era mais do que ele esperara daquela viagem de trem. O expresso já estava em movimento, e ela começou a explicar:
– Adiante, no fim da estação, há uma espécie de pátio de manobra... pois bem. Na verdade, esse pátio é uma chave de portal imensa, que é acionado manualmente, por uma alavanca.  
– Como você descobriu esse lugar, hein? – ele perguntou
– Meu padrasto me trouxe aqui uma vez, quando eu era pequena. Ele chegou a ser condutor do expresso negro quando era bem jovem – ela continuou: – quando o trem atinge o final do pátio... voilá! Viaja para o outro lado, e o outro vem para esse.
– E nunca ocorrem acidentes?
– Não! Quem está no trem nem percebe! Os trilhos não ficam no mesmo caminho, é uma questão de segurrança. – ela disse, bem animada – e o momento da viagem, do trem é imperceptível... mas visto daqui é fantastique!
– Demora para chegarmos lá? – ele a olhava, estavam muito próximos.
– Não – ela disse, e não percebia que ele a olhava, porque estava olhando a paisagem, que se distanciava, pelo espaço gradeado. O trem deu uma guinada, e ele esbarrou nela. Ela se apoiou nele, e ele enlaçou sua cintura. – Já vai acontecer – ela sussurrou, já junto aos lábios dele.
– Vou ter outras oportunidades de apreciar – ele disse, colando seus lábios aos dela.
Um grande barulho indicou que o trem estava fazendo a passagem para o outro lado do estreito. As cores do Marrocos se tornaram um borrão atrás deles, e, num segundo, o que se via pelo buraco gradeado era o Mediterrâneo se afastando. Mas eles não viram a paisagem. Estavam ocupados demais para isso.

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