Sangue.



* * *


Hermione acordara cedo como era de seu costume. Os olhos levaram alguns instantes a mais para se acostumarem com a claridade vinda das imensas janelas do lugar, mas ainda assim ela sorriu genuinamente. Era raro encontrar pessoas que sorrissem daquele modo diante dos tempos difíceis que estavam por vir. A guerra.


Porém, aquela garota não pensava em nada daquilo. Não diretamente. Decidiu que antes das aulas daquele dia, que seriam exclusivamente no período da tarde, se dedicaria a uma pesquisa mais específica do que as que costumava fazer para os professores. Claro, de igual ou até mesmo maior importância.


Assim, saltou da cama e tratou de preparar-se para o longo dia que viria. Saiu da Sala Precisa sem nem mesmo se preocupar em levar os poucos pertences consigo, com exceção da varinha e do misterioso livro. Enquanto caminhava pelos corredores em direção à biblioteca - decidira que o café poderia esperar -, preencheu a mente com diversos pensamentos: dúvidas que a estavam torturando desde que fizera a primeira 'viagem' através das páginas.


 


— Preciso descobrir o que está acontecendo. — Hermione sussurrou para si mesma. — O quanto antes.


 


E então o baque surdo se fez ouvir. Ela havia chocado o corpo contra o de Ron, o que não era a coisa mais indicada para acontecer naquele momento.


 


— O quanto antes o que? — Ron riu abobalhado, o sorriso que lhe era característico como o de uma criança e que fizera a amiga se apaixonar por ele anos antes. Talvez ainda estivesse apaixonada.


— O quanto antes chegar na biblioteca, melhor. — Ela apressou-se em dizer, evitando deixar brechas que o fizessem duvidar.


— Você deveria relaxar um pouco, sabe. — Hermione sorriu brevemente. Só mesmo Ronald Weasley para sugerir que ela relaxasse à essa altura do campeonato. Não que ele imaginasse que ela estava com tantas tarefas apoiadas em suas costas. — Gina me contou o que houve entre vocês.


 


Ele disse assim, de uma única vez. Hermione nem teve tempo suficiente para vestir a máscara de alegria ou a armadura, que evitariam reações como a que viria a seguir.


 


— Eu tenho que ir. — Limitou-se a dizer, sabendo que o prolongamento daquela conversa, naquele momento, só faria mal a ambos.


— Você anda muito distante desde então. Eu não te condeno, Hermione. Só... Pega leve.


 


Hermione cerrou os olhos com força, segurando as lágrimas que quiseram descer naquele momento. Havia deixado de ser uma pequena grifinória frágil para se tornar uma grande bruxa.


 


— Obrigada, Ronald. — Ela respondeu sem olhar para trás.


 


Não teve curiosidade de saber como estaria a expressão no rosto dele ou em que ele poderia estar pensando. Apenas deixou os ombros caírem e rumou de vez para a biblioteca. Estava realmente se afastando desde que brigara com Gina e isso se devia ao fato de que sabia estar com os nervos à flor da pele. Ela estava diante de uma guerra, por Merlin! Como todos conseguiam prosseguir com suas vidas, rindo e festejando, como se nada daquilo fosse ocorrer em breve? Só ela parecia estar levando tudo à sério.


Então as palavras da conversa com Harry na Sala Precisa vieram à mente, no exato momento em que ela se sentou na mesa da biblioteca com alguns livros de pesquisa em mãos.


 


"Você descobriu algo mais?", ele questionara. Estava amedrontado, Hermione podia ver isso nos olhos dele. No fundo, Harry jamais deixaria de parecer - aos olhos dela - o garotinho que conhecera no Expresso.




Algumas páginas foram viradas.


 


"Não", a grifa mentiu. Era melhor mantê-lo longe de tudo aquilo, concluiu, até que ela conseguisse entender e explicar o funcionamento do poderoso livro que tinha em mãos. Ainda nem sabia, de fato, se era uma fonte confiável.




Os dedos deslizaram por algumas linhas.


 


"Me conte quando souber o que tem em mãos". Não, Harry não dissera aquilo na conversa que tiveram, mas ela imaginou que ele teria dito algo do tipo se soubesse o que ela estava escondendo. Na verdade, ela preferia pensar nisso de outro modo: Não estava escondendo, apenas checando a veracidade antes de repassar aos amigos. Afinal, não valeria de nada as informações se elas fossem falsas.


Por fim encontrou o que procurava. Hermione havia ido até a biblioteca em busca de algo que lhe explicasse a existência de cenas visíveis dentro de um livro que deveria conter apenas palavras. Ela devorava centenas de livros por ano e nunca havia visto nada do tipo. Até mesmo as figuras que se moviam em "Hogwarts: Uma História" eram compreensíveis, mas ser transportada para dentro de um acontecimento em um livro que não possuía letras, não.


Mas ali estava a resposta de que ela precisava. Quando terminou de ler o que estava buscando, devolveu os livros às prateleiras e agradeceu a bibliotecária com um aceno sutil de cabeça. Ainda possuía a manhã inteira livre e imediatamente dedicou as horas desta a alguns testes na Sala Precisa.



* * *


 


Hermione se viu diante da mesa da Sonserina no Salão Principal. Não sabia definir se era café da manhã, almoço ou ceia noturna, mas todos os alunos estavam ali. Eles eram mais numerosos do que no tempo em que ela vivia, pensou. As conversas paralelas cessaram de imediato quando um homem franzino se aproximou da banqueta do diretor, anunciando o início da cerimônia de seleção. Hermione se sentiu fragilizada ao ver que não era Dumbledore ali, mas sim Armando Dippet. De seu lugar, porém, ela logo avistou o amável senhor sentado entre os demais professores. Como pudera se esquecer desse detalhe?


Foi então que ela se atentou novamente à cerimônia, reconhecendo na pequena banqueta de seleção a menina que vira na primeira cena que o livro lhe mostrara.Morgana Gaunt, como fora dito pela velha bruxa que anunciava a vez de cada aluno. Ela parecia assustada como Hermione se lembrou de estar quando passou por aquilo e tal sensação a fez sorrir, enquanto caminhava para mais perto.


Eis que já havia percebido que não era notada na cena, sendo apenas uma observadora. Assim, não tardou em recostar-se ao lado do Chapéu Seletor quando este pousou no próximo aluno: Tom Marvolo Riddle. Para um bruxo tão famoso, ainda que pelos motivos errados, Voldemort não era descendente de nenhuma família conhecida no mundo bruxo. Isso era no mínimo curioso, Hermione pensou. Jamais havia ouvido qualquer menção ao sobrenome Riddle na sociedade bruxa.


 


— Vejamos, meu caro. — O Chapéu sussurrou de seu lugar, atraindo a atenção de Hermione, que jazia parada ao lado, com nítida curiosidade. — Você é dono de uma mente prodigiosa que poderia ser bem trabalhada na Corvinal, a casa dos sábios. O que acha disso?


 


Hermione ficou admirada ao ver que o pequeno Riddle jazia amedrontado abaixo do Chapéu, como se todo aquele mundo mágico o assustasse. Seria ele um...


 


— Sonserina. — Voltou a sussurrar o Seletor. — Você seria tão grande! Já pensou em como poderia usar essa engenhoca de pensamentos para se tornar alguém venerável? Pois bem, acho que essa é a melhor opção. — E então brandiu: — Que seja a Sonserina!


 


Palmas irradiaram pela mesa verde e prata, ao mesmo tempo em que Hermione se via de volta à Sala Precisa. Aguardou ainda algum tempo, adaptando-se novamente, antes de pronunciar seu raciocínio.




— Tom Riddle não é um sangue puro!


 


* * *


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