Surpresas




CAPÍTULO 6 – SUSPRESAS

Estava na entrada da biblioteca e apesar de ter decidido que iria encontrar Malfoy, a dúvida ainda fazia seu cérebro lutar contra aquela idéia. Uma parte dela morria de curiosidade, pois o fato de não saber o que estava acontecendo a perturbava, mas por outro lado Hermione sabia o quanto era perigoso encontrar-se sozinha com Draco. Ela tinha certeza de que ele era o responsável por pelo menos metade dos assassinatos em Hogwarts, deveria ser racional e não agir apenas para sanar seus questionamentos, mas a coragem gryffindor mantinha o medo isolado e pequeno diante da possibilidade de desvendar aquele mistério. Precisava de provas e iria conseguir. Não precisava ter medo, porque não era uma bruxa despreparada, apesar de saber que não poderia fazer nada se fosse atacada com uma maldição imperdoável.

Ao entrar viu o vulto alto e magro de Draco, parado olhando por uma janela. Estava um pouco escuro e não havia mais ninguém ali dentro. Mais uma vez sentiu-se tentada a desistir, mas engoliu aquela sensação e seguiu em frente. Precisava descobrir! Queria respostas e não deixaria uma chance tão clara escapar entre seus dedos.

“Por que você demorou tanto?”, ele perguntou, irritado.

Aquele tom de voz fez Hermione estremecer, mas ao contrário de demonstrar aquela ligeira fraqueza ela devolveu o questionamento com sua habitual firmeza.

“Queria que eu adivinhasse a hora?”, sua voz saiu mais ríspida que de costume. “Não marcamos um horário”.

“Como não? Você sabe que é a hora de sempre”, ele a encarava com firmeza.

“Horário de sempre?”, sua voz saiu tremida.

“Você está bem, Granger?”, perguntou, parecendo ligeiramente preocupado, o que apenas gerou mais desconfiança.

“Sim, estou... Não que isso seja de seu interesse”, completou na defensiva. “O que você quer? Não deveria estar aqui com você...”

“Como não? O que deu em você?”, interrompeu com uma pergunta, ao mesmo tempo em que se aproximava. Ela deu um passo para trás.

“Como? Você realmente está perguntando o que deu em mim? Enlouqueceu?”

“Olha, não vamos brigar, certo? Queria te agradecer por disfarçar hoje na frente da Weasley. Eu quase entrego tudo, mas confesso que me diverti. A cara que ela fez...”

“Você é um estúpido!”, sussurrou com raiva, lutando contra a vontade gritar. “Por que fez aquilo com a Ginny? E o que você quer comigo? Por que me chamou até aqui? Fale logo! Quero respostas! Esse é o único motivo que eu tenho para...”

“Definitivamente você está muito estranha, mas tudo bem. Sei que você pode ter ficado com ciúmes, mas garanto que não precisa se preocupar com aquela fedelha”.

“Ciúmes? Você está louco?”

“Granger, eu não entendo o motivo que você tem para agir dessa forma, mas acho que podemos mudar isso em um instante”.

Ele avançou tão rápido para cima dela que Hermione mal conseguiu pensar no que estava acontecendo. Draco a puxou para si como fazia com Ginny e a beijou como beijava Ginny, ficando surpreso ao levar uma tapa que deixou seu rosto marcado por manchas rosadas.

“O que você pensa que está fazendo, Malfoy?”, ela falou um pouco mais alto do que deveria, mas logo concertou seu tom de voz. “Primeiro a Ginny, agora me beijou também... Você enlouqueceu? Algum feitiço queimou o resto de cérebro que você tinha?”

“Eu é que pergunto! Por que me bateu?”

“Você me beijou!”, repetiu incrédula.

“E daí?”

Hermione lhe lançou um olhar que misturava ódio e confusão.

“Como ‘e daí’? Você me beijou, Malfoy! Está brincando comigo? O que você quer? É mais um plano para fazer mal ao Harry? Você está querendo me usar para que?”

“Granger, tem certeza que é você mesma?”

“Claro que eu tenho, idiota!”

“Então o que deu em você? Um dia diz que me ama, no outro me bate por que te beijei?”

“Você está delirando? Eu nunca disse que te amava! Eu te odeio! Odeio o monstro que você é”.

“Você deve ter perdido a memória, só pode ser! Não se lembra do baile? Não se lembra dos nossos encontros? Não se lembra de nada?”

“Você fala daquela festa onde a metade dos aliados de Dumbledore morreu? Daquela festinha muito animada organizada por seu pai, com toques de crueldade requintada?”

“Meu pai não tem nada haver com isso”.

“Ah, claro que não”.

“Mas é dessa festa que eu falo. Você estava lá! Ficamos juntos a maior parte da noite”.

“Sim eu estive lá, Malfoy, mas nunca estive com você”.

“Claro que...”, ele começou, mas ela o interrompeu.

“Estava com os irmãos da Ginny, quando aquilo tudo começou. Não me lembro de ter beijado ninguém, muito menos um idiota como você”.

O garoto ficou totalmente confuso. Não era Hermione? Então quem era? Será que era uma brincadeira da sangue-ruim para descontar o beijo que ele havia dado na idiota da Weasley?

“Não pode ser! Era você sim! É igual. Ontem mesmo nos encontramos, antes de ontem e nos dias anteriores. Não lembra? Como pode haver outra pessoa igual?”

“Eu estive a noite toda aqui nesta biblioteca e, nas últimas três semanas, é só o que eu tenho feito, Malfoy. Só tenho pensado nos N.I.E.M.s”, foi conclusiva.

“Mas e nós? Tudo o que aconteceu foi real. Eu não posso ter imaginado tudo”.

“Certamente não, seu estúpido. Das duas alternativas uma: ou você ficou louco, o que é mais provável, ou tem alguém se passando por mim aqui em Hogwarts”.

“Impossível! Você deve ter uma irmã gêmea, então”.

“Mesmo que eu tivesse uma irmã gêmea, se ela tivesse vindo para essa escola teria sido no mesmo ano que eu. Você é um idiota! Fica inventando coisas e...”

“Não estou inventando!”, ele a segurava pelos ombros com tanta força que estava chegando a machucar.

“Largue”, sussurrou com ódio.

Ele a soltou e caminhou até a janela. Hermione pensou em sair, correr, fugir da presença dele antes que percebesse, mas Draco já estava com a atenção voltada para ela novamente.

“Eu não estou brincando, Granger”, ele falou.

“Ok. Digamos que o que você esteja falando é verdade... A única explicação que eu tenho é a Poção Polissuco”.

“Por que você está falando nela?”

“Você é mesmo retardado? Não sabe que ela serve para transformá-lo temporariamente em outra pessoa?”

“Claro que sei, mas não pensei que poderiam chegar a esse ponto. Você tem certeza que só existe essa hipótese?”

“Não tenho certeza de nada! E como eu já disse, existe a hipótese de você ser louco e eu particularmente acredito mais nessa segunda”.

“Eu não surtei! Não estou louco e sei muito bem o que estou falando”.

“Se isso é verdade e tem alguém se passando por mim... Só não quero que essa pessoa seja vista perto de você”.

“Muito menos eu, Granger”, ele a olhava com ódio. Os traços de ternura que existiam momentos antes evaporaram como água jogada no fogo.

“Você se desapaixona muito rápido, viu?”

“Não. Muito pelo contrário. Só o fato de descobrir que você não era quem eu pensava que fosse fez todo o meu nojo e repugnância por você voltar e a vontade de descobrir quem ela é, aumentar. Não acredito que eu te beijei”, disse, limpando a boca.

“Você parecia gostar de beijar a Granger”, sussurrou.

“Bem... Quando eu achava que era você tive que me acostumar com a idéia, mas agora é diferente! Quer dizer, eu não beijava você, mas agora eu beijei você... Que nojo”

“Idiota”.

“Mas eu vou descobrir quem é... Por causa dela eu beijei uma sangue-ruim. Espero não ter me contaminado”.

“Eu também quero descobrir quem é essa garota! Quem ela pensa que é para se passar por mim?”

“É isso que eu quero, e vou descobrir, Granger! Quanto a você, será um prazer se eu não tiver que mais ver essa sua cabeçorra lanzuda”.

Malfoy foi embora deixando Hermione parada, no escuro, no meio da biblioteca vazia. Mil perguntas rodeavam a cabeça dela. Esse encontro havia resolvido a questão do porquê o Malfoy ter agido daquela forma com ela, naquela tarde, mas outras questões surgiram nesse encontro. Quem era essa garota? Isso ela iria descobrir, pois agora virara uma questão pessoal.

No dia seguinte Hermione, ao término das aulas, contou tudo o que tinha acontecido a Ron, Harry e Ginny, esperando as piores reações, que não se confirmaram. Ron quis bater em Malfoy, mas Harry interferiu dizendo que pela primeira vez ele não tinha culpa, e depois olhou significativamente para Ginny, que permaneceu calada.

“O Harry tem razão”, Hermione ponderou. “Malfoy é tão inocente quanto eu nessa história e realmente parece estar apaixonado por essa garota que ninguém sabe quem é”.

“O que você está pensando em fazer, Mione?”

“Não sei, Ron, mas eu vou descobrir quem é essa farsante”.

“Calma Hermione, ela... ela pode ser perigosa”.

“Harry, eu preciso evitar que ela saia fazendo coisas que eu jamais faria! Meu Deus, vocês conseguem imaginar se alguém a vê com o Malfoy? O que seria de mim?”

“Não sei, Mione, só sei que eu tenho que me preocupar com o jogo de Quadribol da semana que vem”.

“Como você é insensível, Harry! Eu passando por uma situação dessas e você pensando em Quadribol”.

“Alguém tinha que estar relaxado aqui, não? Você está com os nervos em frangalhos, a Ginny e o Ron se exaltam junto com você! Olha a cara da Ginny e me diz se não sou eu que estou com a razão”.

“Espere, Harry, eu não estou nervosa por causa da Hermione! Eu só me cansei dessa conversa. O que o Malfoy faz ou deixa de fazer com essa garota é problema dele e seria realmente bom para todos nós que ela realmente fosse perigosa, assim acabava logo com ele”, ela se levantou apressada. “Com licença, eu vou dar uma volta por aí”.

Ginny saiu da sala, sem olhar para trás. Não queria ver os olhares trocados por quem deixou para trás. Não queria encarar a desaprovação em cada um dos gestos de Harry. Queria ficar sozinha e o lugar ideal para isso era a Torre de Astronomia. Estava farta. Suas mentiras estavam causando problemas para todos e já tinha envolvido muita gente inocente. Primeiro envolveu Harry, em seguida Hermione e agora o seu irmão, que com certeza iria tirar satisfações com o Malfoy, por causa de Hermione. Não poderia continuar. Ela não agüentaria... Agora que a amiga estava a um passo de descobrir tudo, ficaria tudo mais difícil, porque desvendar mistérios era quase uma especialidade daquela bruxa de dezessete anos.

Ainda não estava escuro. As pessoas estavam se encaminhando para o Salão Principal, pois o jantar seria servido em poucos instantes, mas ela estava sem fome. Foi andando devagar, quase sem prestar atenção a sua volta. Seus pensamentos estavam longe demais e, quase sem perceber, chegou ao seu local de destino. Era um lugar isolado. Ninguém costumava andar por ali e ela queria ficar sozinha. Queria sumir. Desaparecer.

“Você vive dando trabalho para muita gente nesse mundo”, murmurou para si mesma, relembrando a quantidade de vezes em que causou problemas para amigos e parentes.

Sentou-se em um canto e ficou observando o céu ficar escuro, e o nascer de cada estrela. Se fosse capaz de contar cada uma delas, provavelmente chegaria a conclusão de que suas mentiras eram quase tão numerosas quanto a quantidade de pontos luminosos que surgiam. Levantou-se e ficou a observar mais atentamente o céu.

“Weasley? O que faz aqui?”, escutou.

De todos os sons que existiam no mundo, era aquele o que menos desejava ouvir naquele momento. Malfoy. Parecia que ele adivinhava os piores momentos para surgir. Ela se calou. Ficou paralisada, sem saber o que falar para ele. Quando o via seu coração disparava e a voz não saía, mas era estranho que isso só acontecesse quando não estava sob nenhum disfarce, quando ela era apenas Ginny. Reuniu todas as suas forças para que a frase soasse ríspida, para disfarçar seu nervosismo.

“Não é da sua conta, Malfoy”.

“Tem razão, mas por que você viria aqui? É hora do jantar e, como você não deve ter muita comida em casa, essa deveria ser uma de suas horas preferidas aqui”, falou em tom divertido. “É verdade que você manda comida daqui por coruja?”.

“Idiota”.

“Não é para tanto. Só te fiz uma pergunta simples e você não respondeu. Não precisa me xingar, só porque eu perguntei por que está aqui”.

“Tenho os meus motivos”, respondeu sem olhá-lo.

Ginny sempre respondia com frases curtas, pois não estava conseguindo mais raciocinar direito.

“Por que você não se joga da torre logo?”, sugeriu. “Vai ser uma morte rápida e indolor, acredito eu”.

Ginny ficou calada. A voz não saía. Só conseguia pensar no quanto ela era idiota.

“Está pensando demais, fedelha. Não quer uma ajudinha para decidir?”, ele se aproximou com aquele jeito de andar típico, que só ele tinha. Ginny deu as costas para o rapaz. “E aí? Vai pular ou não?”

“Até que não é uma má idéia”, gritou, com raiva.

Seus olhos transmitiam aquele olhar decidido que sempre tivera antes de se ver apaixonada por ele, mas o rapaz estava preocupado demais em irritá-la para notar. Ginny o encarou por alguns segundos e ele retribuiu. Um olhar duro e frio, que fez com que a ruiva não conseguisse sustentar-se por muito tempo encarando-o, desviando rapidamente seus olhos dos dele e voltando a olhar para as estrelas.

Baixou a cabeça e viu a que altura estava. Olhou novamente para o garoto, que estava com uma cara desconfiada e respirou fundo. Não poderia mais fugir dele daquela forma. Tinha que enfrentá-lo. Era verdade que gostava dele, que estava apaixonada, mas no fundo sentia tanto medo que qualquer tipo de reação era muito mais difícil. Ela mais uma vez olhou para o gramado que estava a metros de distância e depois fez algo que fez o rapaz realmente se exaltar.

“Weasley?! Não seja imbecil, sai daí”, falou ele quando viu a garota subindo no parapeito.

“Adorei a sua idéia, Malfoy. Quando eu me espatifar lá embaixo todo mundo vai estar livre de mim”, falou irônica, encarando-o.

Fazendo valer seu sangue e a coragem gryffindor. Iria enfrentá-lo, queria deixá-lo com medo. Queria fazer qualquer coisa para provar para si mesma que não era tão fraca.

“Olha aqui, Weasley, eu acho a idéia espantosamente boa. Magnífica, na verdade. Adoraria não ter que ver você por esse castelo. Um Weasley a menos no mundo seria uma verdadeira benção, então, se você quiser pular, pule, mas em um dia que eu não esteja por perto! Não quero levar a culpa por sua morte”, ele falou, com o mesmo tom odioso de sempre.

“Sabe? Vai ser melhor para mim, para o Ron e para o resto da minha família”, ela passeava de um lado para o outro, pensando alto, em desafio. “Vai ser um alívio para a Hermione e um alívio para o Harry. Ninguém mais vai sofrer por minha causa”.

“Está bem. É uma idéia perfeita e eu prometo fazer uma festa no mesmo dia em que você estourar a sua cabeça no gramado, mas eu já disse: deixa pra se matar quando eu tiver bem longe, certo? Agora, desce daí”, insistiu.

“Vou deixar de ser um problema pra você também”.

“Que pirralha teimosa! Desce daí”, exigiu, puxando-a com agressividade e força. Talvez força demais. Ela foi ao chão batendo com a cabeça em umas das pilastras. Um estalo indiciou que alguma parte do corpo dela já não estava mais inteira.

“Grosso! Olha só o que você fez!”, choramingou com as mãos segurando o tornozelo esquerdo.

“Ah! Perdoe-me por salvar a sua vida”, falou irônico. “Você poderia estar morta agora, sabia?”.

“Sabia! E seria bem melhor. Pelo menos minha cabeça não estaria doendo tanto”, falava tentando não gritar. Ela levou uma das mãos à testa e sentiu que ela estava um pouco úmida. Estava sangrando.

“Bateu com a cabeça, foi? Coitadinha, quem sabe você não toma juízo agora!”, ele abaixou-se, fingindo preocupação. Segurou os cabelos dela entre as mãos e o puxou, trazendo o rosto dela para perto do dele com violência. “Isso é pra você aprender a obedecer aos mais velhos, pirralha nojenta”.

“Eu te odeio, Malfoy”, disse ela tentando acreditar no que dizia, enquanto não conseguia conter as lágrimas de dor.

“Que coincidência!”, exclamou. “Agora acho que você devia sair daqui. Pode aparecer alguém e eu não quero que nos vejam juntos. Aliás, já que você não me disse o que veio fazer aqui, eu vou tirar dez pontos da Gryffindor por você ter me desobedecido e mais dez pontos por que eu não gosto da cor do seu cabelo”, ele riu.

“Pára de falar, Malfoy”.

“Se bem que quando nós ganharmos o jogo da semana que vem passaremos vocês de qualquer jeito”, ignorou.

Ele sentou-se do lado dela e iniciou uma conversa, como se eles fossem amigos de longa data, falando de futilidades. Exceto pelo tom de deboche.

“Sabe, o Potter é muito sortudo. Queria saber como ele conseguiu sobreviver a tantos atentados”.

“Pára”, ela colocou as mãos nos ouvidos. Queria sair dali, mas não podia. A dor em sua perna não deixaria.

“Ele é tão odiado, sabia?”, perguntou olhando para ela. “Seu amorzinho, aquele anjo de candura, o senhor perfeição”, Malfoy riu, enquanto brincava com algumas mechas de cabelo da ruiva.

“Por que você está fazendo isso comigo? É alguma espécie de tortura?”, perguntou, chorosa.

“Você está aqui por que quer! Vai embora. Ninguém está te prendendo aqui, muito pelo contrário. Eu acabei de salvar tua vida e você nem me agradece”, ele soltou os cabelos dela e cruzou os braços, fingindo indignação.

Sabia que não conseguiria levantar, mas mesmo assim tentou. Não queria escutá-lo. Queria fingir que aquele momento não existia, que era um pesadelo e que logo o Malfoy se tornaria um pouco mais gentil. Precisava fugir dali, mas acabou caindo, por causa da dor na perna. Devia estar quebrada ou, na melhor das hipóteses, torcida.

“Eu merecia pelo menos um beijo, sabe?”, falou como se não tivesse notado a tentativa frustrada. “Um beijinho como ontem de tarde”, ele falou com um ar sonhador nada convincente.

Ela começou a chorar. Como ele poderia ser tão diferente? Ela sabia que mesmo quando estavam juntos, em seus encontros secretos, ele não era um garotinho bonzinho, ao contrário, era bem irritante na maior parte do tempo, mas parecia ser mais sensível. Este Malfoy que estava ao seu lado, naquele momento, era o Malfoy odiado por toda a sua família e seus amigos. E que provavelmente tinha compartilhado para a matança do ano anterior. Ele gostava de humilhar seus inimigos e ali estava a mais perfeita prova.

“O que foi, Weasley?”, perguntou tocando-lhe o rosto.

“Minha perna. Acho que está quebrada. Isso foi culpa sua”.

“Ah, não!”, fingiu lamentar. “Verdade? Nem percebi. Nossa, você esta sangrando aqui na testa. Se eu fosse você eu iria correndo até a Ala Hospitalar. Com essas coisas não se pode brincar, não é mesmo?”

“Você é um monstro”

“Não diga isso, eu fico sem jeito! Verdade? Sabe, Weasley, não esperava receber um elogio como esse de você”.

“Me ajude”, ela implorou.

“Como? Repete”, ele pediu, sorrindo.

“Por favor, me ajuda”, ela implorou mais uma vez. Não iria agüentar ficar mais tempo ali. Precisava ir até a Ala Hospitalar, a dor era insuportável.

“Hoje não é o meu dia...”

“Por favor”, insistiu.

“Olha aqui, garota, eu vou te levar até a Ala Hospitalar, mas ninguém pode saber disso, certo?”, ele mais uma vez segurou os cabelos dela e puxou com força, fazendo com que seus rostos ficassem praticamente colados. “Se descobrirem, eu mato você... E eu não estou brincando! Minha reputação estaria na lama se descobrissem as minhas boas ações de hoje”.

“Eu não conto”.

“Mas tem uma condição”.

“O que, Malfoy? Já não basta tudo o que você fez?”

“O que foi que eu fiz? Salvei sua vida e vou te levar em meus braços para a Ala Hospitalar, quer mais cavalheirismo que isso?”

“Seu cinismo me enoja”.

“É uma pena que tenha nojo de mim, porque tudo que eu quero é te dar outro beijo. Não forçado. Na verdade quero que você implore para me beijar, mas o que posso fazer se você é tão insensível?”, ele balançou a cabeça, fingindo estar desolado. “Mas tudo bem, já que você não quer minha ajuda, não tem por que eu ficar mais tempo aqui, não é mesmo? Acho que vou comer alguma coisa, estou morrendo de fome”.

Ele levantou-se e já havia começado a descer as escadas quando Ginny engoliu o orgulho. Jamais conseguiria sair dali sozinha. Não tinha uma coruja e não seria prudente tentar trazer uma vassoura até ali. No final das contas, beijá-lo não seria sacrifício. O que lhe doía era o modo como tudo tinha ocorrido.

“Malfoy!”, ela gritou.

Logo percebeu que os passos haviam parado e praticamente no mesmo instante voltaram a ecoar pelas paredes de pedra. Segundos depois o loiro reapareceu, sorrindo divertidamente e Ginny odiou aquele sorriso mais do que tudo em sua vida. Como podia estar apaixonada por alguém como ele?

“Sabia que você não resistiria ao meu charme”, brincou o slytherin, estendendo a mão para a garota se levantar, fazendo uma reverencia.

Ela segurou a mão dele, que logo percebeu que ela estava trêmula. Tentou se conter, mas não resistiu a chance de brincar com a situação.

“Não precisa ficar tão nervosa. Prometo que serei gentil”, disse, segurando-a pela cintura.

Quando ela já estava de pé, equilibrada na perna boa ele a segurou nos braços e desceu as escadas da torre. Durante o trecho inicial daquela decida ouve um profundo silêncio, quebrado algumas vezes pelos soluços que ela tentava conter, em vão. Ela brigava consigo mesma para manter-se calada, queria chorar em silêncio, desejava que aquele momento terminasse logo, mas sentiu seus pensamentos ferverem quando percebeu que aquela era a oportunidade perfeita. Fechou os olhos e respirou fundo. Precisava falar. Já estava engasgado em sua garganta, assim como seu choro. Era necessário, mas talvez o maior motivo para desejar contar a verdade naquele momento era ver a reação daquele rapaz ao ver tudo o que tinha feito com aquela garota por quem estava apaixonado.

“Malfoy”, ela sussurrou ao ouvido do rapaz. Podia sentir o cheiro dele... Era tão bom.

“Que é?”, perguntou ríspido.

“Eu preciso te contar uma coisa”.

“O que é, princesa?”, debochou.

“Eu sei quem é a garota”

“Que?”, ele parou de andar. E tentou olhar para o rosto dela, mas Ginny falava ao seu ouvido, lentamente, ainda segura em seus braços.

“Eu sei quem é a garota que você procura”.

“O que você sabe sobre isso, Weasley?”, perguntou nervoso.

“Eu sei de tudo, Malfoy”.

“Então ela deve ser da Gryffindor e deve ser sua amiga, não? Anda! Diz quem é?”, irritou-se. Colocando-a de pé apoiada na perna que não estava machucada.

“Ela é da Gryffindor, sim”

“Fala logo, idiota!”, gritou, empurrando ela contra a parede, com mais força do que era necessário. Ginny sentiu uma dor incomensurável nas costas, mas respirou fundo e não soltou nenhuma exclamação.

Ele avançou sobre ela e segurou-a pelos ombros, encarando-a com aqueles olhos frios, mas naquele momento tinha um resquício daquele olhar que Ginny amava. Aquilo era esperança? Desespero? Por que os sentimentos dele eram tão difíceis de ler?

“Você não vai gostar de saber”, ela tentou prepará-lo, mas ele já estava bastante nervoso.

O slytherin deu um sorrisinho pelo canto da boca, meio sarcástico, meio desconfiado, e com um pouco de ódio reprimido.

“Você não sabe, não é mesmo? Por que está brincando com coisa séria? Se a sua vontade era se vingar pelo que eu fiz conseguiu”.

“Não é isso”.

“Se sabe alguma coisa fala logo!”, gritou, apertando os ombros dela com mais força.

“Se eu falar promete que não vai ficar bravo?”

“Eu já estou bravo, pirralha! Não... Estou furioso! Agora fala logo”, dessa vez ele sussurrou. E esse tom de voz soava muito mais perigoso.

“Você está me machucando”, informou e ele a soltou em um impulso, mas voltou a encará-la, tão de perto que fez com que um arrepio percorresse todo o corpo da garota.

“Você está brincando comigo, não é? A Granger deve ter falado da história e você está fazendo isso para...”

“Não é brincadeira”.

“Pára de mentir!”, exigiu, puxando os cabelos dela mais uma vez.

“Então você gosta mesmo dela, não é?”, Ginny tentava não demonstrar medo. Confrontando o olhar dele, com firmeza.

“Sim, Weasley. Eu gosto dela. Mas se você disser uma palavra sobre isso a qualquer pessoa que seja, eu juro que eu te mato. Aliás, eu vou te matar agora se você não me falar o que você sabe”, ele tirou a varinha do bolso e apontou para o pescoço dela.

“Se você quer saber quem é ela, vai ter o que você quer”.

“Para de brincar! Nada pode ser pior que a Granger! Fala lo...” ele foi interrompido por um beijo.

A surpresa foi tanta que ele deixou sua varinha cair, produzindo faíscas azuladas quando tocou o chão. Era um beijo como os outros dados às escuras, escondidos. Ele resistiu. Ficou paralisado, surpreso. Esperava qualquer coisa, menos que ela o beijasse depois dele tê-la ameaçado de morte. Resistiu o quanto pôde, mas se entregou ao beijo, como se ao fechar os olhos pudesse ter a confirmação de que era ela. Por isso, em vez de puxar-lhe os cabelos ele mergulhou seus dedos nos cabelos vermelhos, ao invés de empresá-la contra a parede com violência, colou seu corpo no dela gentilmente... Sua mente orgulhosa lutava, berrando sentenças de negação, mas no fundo sabia que ela tinha o mesmo olhar, o mesmo cheiro, o mesmo beijo.

“Surpresa”, ela sussurrou, irônica, encarando os olhos dele. Suas testas coladas.

“Você só pode estar maluca! Não pode ser você”, ele lutava mais uma vez contra a verdade.

“Como, não? Você desconfiou de mim logo no início, não foi?”

“Por que não me disse antes? Poderia ter evitado tudo is...”

“Por que você me odeia! E a prova está no que me fez hoje”, ela o interrompeu. “E eu também deveria te odiar. Quero dizer, na verdade eu te odeio, mas infelizmente esse ódio não foi o suficiente”.

“Eu não gosto de você, não vou mentir! Todo mundo sabe disso! Você sabe disso! Mas eu também gosto de você... Não! Eu não gosto! Na verdade eu gosto da garota da festa, que infelizmente é você. Mas o que eu posso fazer? Eu nunca fiquei tão confuso. O que está acontecendo?

“E o que você acha que está se passando na minha cabeça? Gostar de alguém que eu odeio! Malfoy, você é desumano”.

“Obrigado”.

“Não seja cínico”.

“Não me faça rir! Quem é você para dizer o que eu devo ou não fa...”, ele mais uma vez foi silenciado por um beijo.

Não houve resistência. Ele queria agarrar-se a ela, queria não precisar respirar, queria manter seus olhos bem fechados para que não se arrependesse do que estava fazendo quando encarasse os olhos cor de chocolate, os cabelos vermelhos e todas aquelas incontáveis sardas. Queria fingir que sua mão apertava outra cintura e que a perna que segurava em volta do seu quadril pertencia à outra mulher. Abriu os olhos. Afastou-se. A realidade incomodava, teria que se acostumar novamente com a idéia.

“Olha aqui, Weasley, se você pensa que toda vez em que você não souber o que dizer vai se safar fazendo isso eu...”

“Olha aqui você, Malfoy! Já te dei o beijo, cumpri minha parte, agora me leve para a ala hospitalar porque eu já não estou mais agüentando”.

“Tudo bem”, ele se abaixou e pegou a varinha. “Mas não se esqueça do que eu lhe falei, ouviu bem? Nenhuma palavra! Se não...”

“Você não vai me matar. Não ousaria”, ela falou, quando ele a segurou nos braços novamente.

“Não teria tanta certeza”.

“Mas pode ficar tranqüilo, pois eu não vou falar nada porque também não me perdôo por gostar de você”.

O restante do caminho foi feito em silêncio. Todas as palavras agressivas que poderiam proferir já haviam sido ditas. E as quase inexistentes palavras de carinho também.



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