Verdades



CAPÍTULO 2 – VERDADES


Ginny não queria se sentar. Ficar de pé lhe dava a sensação de que se alguma coisa não saísse bem ela poderia correr para longe de Harry e nunca mais olhar para ele. Sentia vergonha, queria sumir, mas respirou fundo e deixou que seu orgulho gryffindor vencesse. Não iria enfrentar a situação como uma pessoa covarde. Sentou-se no chão, encarando a grama verde, procurando as palavras certas, mesmo que soubesse que essas não existiam. De qualquer forma Harry iria ficar bravo. O quão furioso ela não sabia, mas esperava o pior.

A amizade dos dois não era algo especialmente forte e indestrutível, mas a proximidade foi inevitável depois de enfrentarem uma corja de Comensais da Morte por vezes consecutivas juntos. Harry havia se tornado, mais do que em qualquer época, um membro da família Weasley, principalmente após o trágico desfecho daquele baile de máscaras. Mas esse não era o único motivo. A amizade era a solução menos ruim que tinha para a situação em que se encontravam, então Ginny não pensou duas vezes quando precisou seguir em frente com a sua vida.

Ela precisou aprender, de uma vez por todas, a enxergar Harry como um amigo, pois na conversa que tiveram em meados do ano anterior, tinha ficado claro que não existia lugar para romance na vida do Menino que Sobreviveu... Não naquele momento.

Na verdade os dois tiveram que aprender com isso e Harry passou a prestar mais atenção em Ginny, tentando não tratá-la apenas como a irmã mais nova de Ron. Aos poucos, os laços de amizade e confiança se fortaleceram. Não podiam dizer que eram melhores amigos, mas, por mais irônico que pudesse parecer, existia sincera confiança.

Ela ainda tinha dúvidas, mas já era tarde demais. Precisava iniciar aquele diálogo e o começo era a parte mais difícil. Não pelo óbvio motivo de precisar falar, mas porque o início daquela história seria doloroso demais de relembrar.

“Harry”.

“Estou escutando”, encorajou.

“Você se lembra do dia da morte do Percy, não?”, sua voz estava trêmula, talvez por precisar lembrar-se de imagens que preferia trancar em um baú e jogar a chave fora.

“Não esquecerei nunca. Mas por que...”

“Preciso contar do começo”, interrompeu. “Por favor, não quero demorar nessa parte”.

“Tudo bem”.

“Naquela festa eu... Antes de acontecer tudo aquilo, Harry, eu conheci uma pessoa”, Ginny começou, ansiosa.

“Que pessoa?”, interrompeu, com um tom de voz mais ansioso do que pretendia.

“Eu não sabia. Só descobri depois e...”

“Quem era?! Tem alguma coisa a ver com o Percy?”, Harry insistiu, nervoso.

“Não. Não diretamente, pelo menos. Deixe-me continuar, Ok?”

“Claro. Pode falar, desculpe. Não vou mais interromper”.

“Infelizmente não pude saber quem era, por causa das máscaras. Mas eu sabia que conhecia aquela voz. Ele perguntou o meu nome, mas não consegui responder por causa do feitiço colocado em nós na entrada”.

“Se não fosse por esse maldito feitiço talvez o Percy estivesse... O Ministério, mais uma vez...”

“Você prometeu que não ia interromper, Harry”, sibilou em tom de censura.



“Desculpe”.

“Não quero apontar culpados agora, Harry! Percy morreu por estar lá. Poderia ter sido qualquer pessoa. Muita gente morreu naquele dia e ele foi vítima do azar”, falou tristemente. “O Ministério não teve culpa dessa vez. A festa tinha tudo para ser segura, caímos em uma armadilha. Você sabe disso”.

“Ok! Já disse que não vou interromper mais”.

“Assim espero, porque você não pode fazer idéia do esforço que estou fazendo para que as palavras saiam”, respondeu mal criada.

“OK”.

“Harry, acredite quando eu digo que não faço a menor idéia de como deixei isso acontecer, porque até aquele momento, apesar de ter namorado alguns garotos e da conversa que nós tivemos, no fundo eu ainda gostava de você. Um pouquinho. Na verdade bem pouquinho”, ela acrescentou. Harry deu um sorriso involuntário e Ginny acompanhou.

“Certo, continue”.

“Mas depois daquela noite eu... Nunca mais te enxerguei como antes. Mais do que nunca você se tornou um amigo. O sentimento que tinha antes sumiu por causa dele”.

“Um concorrente”, Harry brincou, surpreso consigo mesmo por ter feito o comentário, mas logo se arrependeu.

“Estou falando sério, Harry. E eu sei que eu o marquei também, mesmo sem ter acontecido nada de mais, só que... Eu não conseguia tirá-lo da cabeça depois daquele maldito dia e nem ao menos sabia seu nome. Eu fui tão idiota! Nem ao menos os traços do rosto eu sabia com certeza. Às vezes me pergunto se foi algum tipo de fuga, para esquecer você de vez, sabe?”, ele balançou a cabeça afirmando.

“Certo, continua”.

“Estávamos juntos quando a confusão começou e o Percy-”, Harry viu os olhos de Ginny ficarem marejados, mas a ruiva logo respirou fundo e continuou a falar encarando seus olhos, o que o deixou um pouco desconcertado. “Naquela hora o Fred me segurou pelo braço e saiu correndo junto comigo. Me levou para perto do Ron e depois saiu para ajudar, naquela confusão. Você tinha sumido”.

“O Lupin se encarregou pessoalmente de mim. Não pude mexer um músculo enquanto estava perto dele. O máximo que pude fazer foi lançar feitiços de onde eu estava”.

“Eles queriam garantir que nenhum de nós saísse sem vida dali, ficaram preocupados. Você é um alvo potencial, sabe disso. Você poderia estar morto agora”, a voz dela era triste, e não mostrava censura.

“Eu sei, mas... Continue, sim?”

“Com o Fred me arrastando por toda aquela gente gritando eu... No começo ele até tentou nos seguir, mas a confusão era muito grande e acabamos nos perdendo. Quando Fred me deixou em um lugar mais seguro eu já não o vi em lugar nenhum. Mas não conseguia tirar aquela voz da minha cabeça, nem aqueles olhos que tinham uma cor tão diferente. Só conseguia pensar nele, se estava bem, se não tinha sido pego... Depois desse dia, pensei tanto nele, ou no que poderia ter acontecido, que acabei me preocupando demais com uma pessoa que talvez não merecesse tanta importância, mas no fim...”

“Ele foi pego?”

“Não, ele ficou bem. Mas eu fiquei muito mal, não só por causa de toda a tragédia na nossa família, não apenas por ver a mamãe daquele jeito, mas também por não saber de imediato se ele tinha sobrevivido! E não conseguia parar de pensar que aquela seria a primeira e última vez que eu o veria e, como eu já disse, acredito que ficar pensando nisso contribuiu para que eu me apaixonasse. Harry, eu não sei se você já se sentiu assim, mas eu 

simplesmente não conseguia pensar em outra coisa a não ser nele, porque me senti culpada por não ter levado ele junto. E se ele tivesse morrido? Também não dava para esquecer aquele beijo, por Deus...”

“Ginny!”, Harry fez uma cara de espanto que fez a garota sentir uma imensa vontade de rir. Mas ao contrário disso, ela ficou séria e fingiu indignação.

“Olha pra mim, Harry Potter! Já tenho dezesseis anos. Pensei que você tinha mudado seus pensamentos com relação a mim. Parece até o Ron”.

“Não é isso Ginny, sabe que faz tempo que não penso isso de você, mas nunca imaginei ouvir você falando dessa forma, tão... Natural sobre isso”.

“Você fala como se nunca tivesse beijado garota alguma, Harry!”

“Não foram muitas”, ela sorriu gentilmente ao ver que Harry parecia encabulado.

“Não precisa se preocupar, porque seu segredo está guardado. Mas só em ter beijado a Cho Chang você já é considerado um herói”, ele arregalou os olhos. Como ela sabia? “Se bem que você já é um herói mesmo, pelo pequeno detalhe de ter sobrevivido a pelo menos quatro tentativas de assassinato, e também pelo mínimo fato de ter derrotado Você-sabe-quem, quando tinha apenas um ano”.

“Está bem, mas o fato é que você beijou esse cara! E nem o conhecia!”

“Ah, Harry. Era uma festa de confraternização. Precisava confraternizar!”

“Sinto-me velho e antiquado tendo essa conversa com você”, falou extremamente corado.

“Não seja bobo, Harry. O que estou tentando dizer com isso tudo é que não se escolhe por quem se apaixona. Acha mesmo que eu escolhi me apaixonar por você? Creio que você também não se apaixonou pela Cho por vontade própria”.

“Não, eu te entendo, mas o que isso tem de tão grave para eu ter que perdoar alguma coisa? Você se apaixonou por outra pessoa, não há problema algum nisso, há?”, o momento havia chegado.

Que palavras ela usaria? Como poderia diminuir o impacto dessa revelação? Resolveu que seria rápida. Apenas uma palavra saiu de seus lábios após a pergunta de Harry.

“Malfoy”.

“Malfoy? O que ele tem a ver... com... Não!”, finalmente entendeu.

E sua expressão logo mudou. Não parecia zangado, mas estava no mínimo surpreso. Não poderia ser verdade. Ginny não conseguia ler exatamente o que aquela palidez representava.

“Pelo menos você compreendeu rápido”.

“Ginny, isso é sério? Não me mate com isso, quem era a pessoa?”

“Já falei. Malfoy”.

“Não. Logo ele?”, Harry tentou controlar o desagrado, mas não obteve tanto sucesso. Quando se deu conta já estava em pé, de punhos cerrados. “É insano. O que você pensou que estava fazendo?”

“Você escutou o que eu falei? Prestou atenção em alguma frase? Eu não sabia que era ele!”, repetiu, gritando em protesto. A voz de Harry não mostrava se ele sentia raiva, parecia apenas confuso, mas a forma como ele avançou para cima dela, ajoelhando-se no chão, deixou-a assustada.

“Você não está saindo com ele ainda, está? Por favor, me diz que não é com ele que você ia se encontrar ontem à noite. Por favor... Diz que não foi com ele que você se encontrou antes 

de ontem”, o garoto a segurava com força pelos ombros, fazendo com que ela se levantasse da cadeira.

“Por acaso seria com ele sim, Harry! Por favor se controla”, falou com toda firmeza que possuía na voz. Ele a soltou e voltou a se sentar.

“Não dá para acreditar”, balbuciou.

“Se isso te consola, eu também não acreditei quando descobri que era ele”.

“E quando você descobriu?”

“As corujas. Lembra?”

“Woir-noy?”, espantou-se Harry. Lembrava-se das cartas. “Praticamente todo mundo recebeu essa carta”.

“Todo mundo que esteve na festa”.

“Mas o que é Woir-noy? Não estou entendendo!”, ela podia ver nos olhos dele a total confusão.

Ela sabia que qualquer um que não soubesse o que aquela palavra significava acreditaria que todas aquelas corujas tinham sido apenas uma brincadeira de mau gosto, mas para ela não... Para Ginny Weasley era a resposta que ela esperava: ele estava vivo, bem e se lembrava dela.

“Quando tentei falar meu nome, a única coisa que saía naquela festa era Woir-noy”.

Harry ficou calado. Apenas olhava para Gina. Estava compreendendo tudo. Impossível. Totalmente impossível. Insano. Descabido. Tão inacreditável quanto se alguém dissesse que ele, e o Lord das Trevas tinham feito as pazes e trocavam elogios em um chá das cinco, enquanto comiam bolinhos.

“Ele mandou corujas para todos os que estavam na festa?”, perguntou ainda não conseguindo acreditar.

“Todos os que sobreviveram, pelo menos”, respondeu com simplicidade.

“Isso é no mínimo...”

“Impossível? Insano? Descabido? Não faz essa cara Harry, já pensei em todas essas palavras antes de você, eu garanto, mas, de qualquer forma, você lembra o que a carta dizia?”

“Só tinha uma linha. ‘Lembra de mim, Woir-noy?’. Todos acharam que era algum trote e com tempos como aqueles que estávamos vivendo não podíamos confiar em nada. Todos destruíram as cartas, Dumbledore se encarregou pessoalmente de informar a todos que poderia ser mais uma armadilha”.

“E não foi? Eu caí nessa armadilha desde o dia da festa Harry”, ela parecia triste ao pronunciar aquelas palavras.

“Que armadilha, Ginny? Ele te fez alguma coisa?”

“Harry, você ainda não entendeu. Vai ser bizarro o que eu vou te dizer, pode parecer um show de horrores, mas a armadilha que eu caí se chama paixão! E eu sei que ele também gosta de mim”.

“Vai sonhando. O Malfoy não ama ninguém”.

“Ser um Malfoy não é sinônimo de não ter sentimentos, Harry. Se ele não estivesse no mínimo curioso não teria enviado todas aquelas cartas e nem passaria tanto tempo me esperando”.



“Do que você está falando?”

“Vou continuar da onde parei”.

“Ok”.

“Quando recebi a carta logo soube do que se tratava. Sabia que era ele e estava tão feliz que nem sequer me perguntei se deveria ou não responder, mas o fato é que eu respondi. Coragem não me faltou e eu queria ver onde tudo ia dar, por isso enviei pela mesma coruja e no mesmo dia obtive resposta. Quando vi a assinatura congelei. Eu só conseguia me perguntar por que eu sempre me apaixonava pela pessoa errada. Não era justo... Não é justo!

“Finalmente um sinal de lucidez! Definitivamente ele é a pessoa errada”.

“Não é mais”.

Ele a olhou com espanto. Ela parecia realmente decidida. Nada do que ele falasse iria adiantar muita coisa então resolveu apenas escutar.

“Coragem e teimosia tem limites, Ginny”.

“Eu não seria uma gryffindor se eu tivesse limites para isso, nem você”.

“E você respondeu de novo a carta, mesmo sabendo que era o Malfoy... Corajosa, teimosa e maluca”, falou mais para si mesmo do que para a garota.

“Eu respondi mais uma vez, lutando contra todos os meus princípios morais. Mesmo sabendo que era ele, eu mandei outra carta. Mas não assinei meu nome. Acho que não tive coragem de fazer isso... Harry, isso não é digno de uma gryffindor, é?

“É sensato, pelo menos. De qualquer forma, ele não sabe que é você, não é mesmo?”, ele pensou alto.

“Nem desconfia”.

“Então como-”.

“Nosso primeiro encontro foi no dia da nossa chegada. Mas eu não fui como eu... Se é que você me entende”.

“Não entendo”.

“Poção Polissuco”.

“Você fez?!”, definitivamente era um sonho.

“Não, claro que não”.

“Então”.

“Peguei emprestado”, ela falou olhando para cima, fingindo inocência.

“Emprestado? É uma piada?... De quem?”

“Descobri que papai estava trabalhando em uma investigação para a Ordem, então... Foi só um pouquinho, Harry, não me olha assim”, ela completou ao ver a expressão desapontada no rosto do garoto.

“Um pouquinho que fez estragos, não é mesmo?”

“Eu sei. Usei para ir vê-lo, por isso o Malfoy acredita que eu sou uma aluna da Ravenclaw, porque eu disse que era de lá, mas por mais que ele procure, nunca vai encontrar aquela garota”.



“Em quem você se transformou?”

“Minha prima. Ajudei a cortar os cabelos dela, um dia antes do funeral do Percy. Eu não pensava em usá-los para esse objetivo, porque eu nem sabia que era o Malfoy ainda, mas os guardei para ajudá-la a fazer uma poção do amor fraquinha, que lemos em um livro”.

“Poção do amor? Ginny, você pirou? Até quando você pretende continuar com isso?”

“Não sei, Harry. E eu já falei, a poção do amor ela para ela, não usei nada no Malfoy. E quanto à poção polissuco que eu peguei emprestada, mesmo a tomando eu não tive intenção de mostrar meu rosto a ele. Nos encontramos a primeira vez em um local escuro, a meu pedido. Ele viu apenas um vulto”.

“Local escuro? Ginny, você é não tem juízo?! O que ele poderia ter feito com...”

“Harry, você não pode me passar um sermão sobre ter ou não juízo. Você também não é uma pessoa sensata em momentos de pressão, mas fique feliz em saber que passamos a noite inteira apenas conversando”, ela sorriu sonhadora. “Ele não tentou encostar um único dedo em mim”.

“Não?”, Harry definitivamente não conseguia acreditar.

“Não. Eu o avisei por carta que antes de tudo tínhamos muita coisa para conversar. Preciso ir preparando ele. Eu sei que preciso contar, mas tenho medo que ele me rejeite”.

“Agradeceria se ele tivesse juízo por você”.

“Só nos seus sonhos o Malfoy é alguém sensato”, falou encarando-o com raiva.

“Justamente, dois loucos. Até você admite. Estou apenas sendo sincero. Não adianta Ginny, você é uma Weasley e ele é um Malfoy. No mínimo isso é um plágio muito forçado de Romeu e Julieta. Até em um baile vocês se conheceram, é mórbido. Você não entende? Essa história está seguindo a risca o roteiro de Shakespeare, mas eu não quero que ela tenha o mesmo final”

“Tudo bem, Harry, não precisa se preocupar, Ok? Tudo tem dado certo até agora. E quem é esse tal de Romeu? E a Julieta? Eles foram de que casas”.

Harry não respondeu, apenas mudou de assunto.

“Vamos voltar. Até voltarmos por todo o caminho já vai ter passado da hora do almoço”.


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Comunidade: Kollynew


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