CAPÍTULO 23



 


Na semana que se seguiu, Harry devia fazer frente ao primeiro muro que não conseguiu vencer, o muro de gelo que Ginevra construiu em torno dela para isolar-se dele.


Na penúltima noite Harry foi ao quarto de sua esposa pensando que, se fizesse amor, a paixão a aplacaria. Mas não funcionou. Ela não opôs resistência. Simplesmente voltou o rosto para o lado e fechou os olhos. Quando ele abandonou o leito, sentiu-se como o animal que havia lhe dito que era. Na última noite, frustrado e furioso, tentou discutir com ela a respeito de Carlinhos, pensando que o calor da briga poderia alcançar o êxito que não tinha tido na cama. Mas Gina não estava disposta a discutir, perdida em um distante silêncio, entrou em seu quarto e fechou a porta com ferrolho.


Agora, sentada a seu lado, durante o jantar, olhou-a, mas não lhe ocorreu nada para dizer, nem a ela nem a ninguém. Não que precisasse falar, pois seus cavalheiros estavam tão conscientes do silêncio entre Harry e Ginevra, que trataram de encobri-lo com uma forçada jovialidade. De fato as únicas pessoas que pareciam não se dar conta do ambiente lhe reinava na mesa eram tia Elinor e Hagrid.


- Vejo que gostou de meu cozido de veado. - disse tia Elinor muito contente às bandejas e pratos vazios, aparentemente indiferente ao fato de que tanto Gina como Harry mal tivessem provado um bocado. Seu sorriso, entretanto, desapareceu ao olhar Hagrid, que acabava de devorar outro pato. - Exceto você meu querido rapaz. - acrescentou com um suspiro. - É a última pessoa que deveria comer pato! Isso não fará mais que complicar seu problema, já sabe que é exatamente o que já lhe disse. Preparei esse bom cozido de veado para você, e nem sequer o tocou.


- Não dê importância, milady. - disse Sir Godfrey, que afastou para o lado sua bandeja e deu uns tapinhas no ventre. - Nós sim comemos, e estava delicioso.


- Delicioso. - proclamou Sir Eustace com entusiasmo.


- Maravilhoso. - trovejou Sir Lionel.


- Estupendo. - afirmou Ronald Potter de coração, dirigindo um olhar de preocupação a seu irmão.


Só Hagrid guardou silêncio, como sempre.


Assim que Lady Elinor abandonou a mesa, entretanto, Godfrey se voltou para Hagrid zangado.


- Ao menos poderia prová-lo. Preparou-o especialmente para você.


Muito lentamente, Hagrid deixou no prato a coxa de pato que estava comendo e voltou a enorme cabeça para Godfrey; seus olhos azuis eram tão frios que Gina, sem se dar conta o que fazia, conteve a respiração à espera de algum tipo de confronto físico.


- Não preste atenção, Lady Ginevra. - disse Godfrey ao observar sua expressão de angústia.


Depois do jantar, Harry abandonou o salão e passou uma hora, sem necessidade alguma, falando com o sargento da guarda. Ao retornar, encontrou Gina sentada perto do fogo, entre seus cavalheiros, com o perfil voltado para ele. O tema da conversa que mantinham era, evidentemente, a obsessão do Gawin por Lady Anne, e Harry emitiu um suspiro de alívio ao sentir que Ginevra esboçava um sorriso. Era a primeira vez que a via sorrir em sete dias. Em vez de unir-se ao grupo e arriscar-se a estragar o estado de ânimo de sua esposa, Harry apoiou o ombro contra um arco de pedra, fora de sua vista, e fez gestos a um servo de que lhe trouxesse uma jarra de cerveja.


- Se eu fosse um cavalheiro, - explicava Gawin com a excitação própria de sua juventude, inclinado para Gina - desafiaria Roderick a se enfrentar comigo nos torneios.


- Excelente. - disse Sir Godfrey em tom de brincadeira. - Dessa forma, Lady Anne poderia chorar sobre seu cadáver, uma vez que Roderick tivesse acabado com você.


- A que torneio se referem? - perguntou Ginevra, que tentou distrair o jovem do ódio que sentia pelo Roderick.


- Trata-se de uma feira anual que se celebra aqui, no vale, uma vez recolhidas as colheitas. Chegam cavalheiros de todas as partes, inclusive levam de quatro a cinco dias de viagem, para participar dela.


- OH, compreendo. - disse Gina, embora já tivesse ouvido os servos falarem sobre as justas. - E todos participarão delas?


- Sim. - respondeu Ronald Potter e logo, antecipando-se à pergunta que não tinha feito, acrescentou tranqüilamente: - Harry não participará. Está convencido de que os torneios não têm nenhum sentido.


Gina sentiu que lhe acelerava o pulso diante da simples menção daquele nome. Inclusive agora, depois do que tinha feito à visão do bronzeado rosto de Harry fazia com que seu coração chorasse de desejo por ele. Na noite anterior tinha permanecido acordada até o amanhecer, lutando contra a estúpida urgência de ir vê-lo e lhe pedir que aliviasse de algum modo a dor que experimentava. Que estúpido de sua parte lhe pedir que aliviasse sua dor à mesma pessoa que o tinha causado, inclusive quando pouco antes, durante o jantar, a manga de Harry tinha roçado seu braço, sentiu desejo de refugiar-se entre seus braços e tornar a chorar.


- Provavelmente Lady Ginevra ou Lady Elinor pudessem lhe sugerir um modo menos perigoso de ganhar o coração de Lady Anne. - disse Eustace, que com seu comentário tirou Gina de seus angustiados pensamentos. - Um pouco menos perigoso que uma justa com Roderick. - acrescentou, arqueando as sobrancelhas e voltando-se para Ginevra.


- Bom, me deixem pensar antes por um momento. - pediu ela, aliviada de ter algo em que concentrar seus pensamentos, além da morte de seu irmão e da maligna traição de seu marido. - Tia Elinor lhe ocorre alguma idéia?


Tia Elinor deixou para o lado o bordado em que trabalhava, inclinou a cabeça e disse com o desejo de ser útil:


- Já sei! Em meus tempos existia um costume cavalheiresco que sempre me impressionou muito.


- Sério? - perguntou Gawin. - O que deveria fazer?


- Bom. - respondeu ela com um sorriso melancólico. - Cavalgaria até a porta do castelo de Lady Anne e gritaria a todos que ali estivesse que ela é a donzela mais linda do país.


- E de que serviria isso? - perguntou Gawin, perplexo.


- Então, - explicou tia Elinor - desafiaria a todo aquele cavalheiro do castelo que não estivesse de acordo com ilustras palavras e que saísse a seu encontro. Naturalmente, vários deles sairiam para aceitar o desafio, ao menos para salvar o rosto diante das suas próprias damas. E então, - concluiu encantada - aquele cavalheiro a que vencesse teria que ir diante de Lady Anne, ajoelhar-se e lhe dizer: «Me submeto a sua graça e beleza».


- OH, tia Elinor. - exclamou Gina, tornando a rir. - Faziam realmente isso em seu tempo?


- Asseguro que sim. E era o costume até a bem pouco tempo.


- Não me resta dúvida de que deveriam ser muitos os cavalheiros vencidos por seus apaixonados pretendentes, milady. - disse Rony Potter com galanteria.


- Que bonitas palavras! - exclamou tia Elinor. - Agradeço-lhe. E isso demonstra que o cavalheirismo é uma virtude imperecível. - acrescentou voltando-se para o Gawin.


- Mas isso tampouco me ajudaria. - suspirou o jovem. - Enquanto não for um renomado cavalheiro, não posso desafiar nenhum. Roderick zombaria de mim se me atrevesse a fazer, e quem poderia reprovar-lhe.


- Provavelmente outra coisa menos violenta lhe permitisse conquistar o coração de sua dama. - sugeriu Gina, compreensiva.


Harry escutou mais atentamente, com a esperança de encontrar alguma chave a respeito de como abrandar o coração de Gina.


- Como o que, milady? - perguntou Gawin.


- Com música e canções, por exemplo.


Harry se sentiu desanimado diante da idéia de ter que cantar para Gina. Certamente, sua profunda voz de barítono faria com que todos os cães que se encontrassem a vários quilômetros viessem para latir e morder seus calcanhares.


- Quando era pajem, aprendeu a tocar o alaúde ou algum outro instrumento, não é verdade? - perguntou Gina a Gawin.


- Não, milady. - confessou ele.


- Sério? - disse Gina surpreendida. - Achava que aprender a tocar um instrumento constituía parte da formação de um pajem.


- Não me enviaram para servir no castelo de um senhor casado e sua esposa, - observou Gawin - mas sim como escudeiro de Harry. E Harry diz que um alaúde é tão útil na batalha como um punho sem força.


Eustace dirigiu a Gawin um olhar de advertência para que não danificasse ainda mais a imagem de Harry diante dos olhos de Ginevra, mas o jovem estava muito concentrado no problema de Lady Anne para se dar conta disso.


- O que outra coisa poderia fazer para conquistar seu coração? - perguntou.


- Já sei. - respondeu Ginevra. - A poesia! Faria-lhe uma visita e lhe recitaria um poema… um que você gostasse particularmente.


Harry franziu o cenho. Tentou lembrar algum poema, mas o único que veio a sua mente era:


 


Mai era uma empregada jovem e linda,


Boa para uma queda na folha seca…


 


Gawin sacudiu a cabeça, com expressão de desânimo.


- Acredito que não sei nenhum poema. - disse. - Ah, sim! Harry me ensinou um em certa ocasião. Dizia: «Mai era uma empregada jovem e linda…».


- Gawin! - respondeu-lhe Harry sem poder conter-se, e a expressão de Gina se petrificou ao escutar o som da voz e suavizando o tom, Harry acrescentou: - Esse não é o tipo de… rimas em que pensava Lady Ginevra.


- Então, o que poderia me servir? - perguntou o jovem. Com a esperança de que ocorresse a seu ídolo uma forma mais masculina de impressionar a dama de seus sonhos, perguntou a Harry: - O que fez na primeira vez que quis impressionar a uma dama? Ou já era um cavalheiro e pude lhe demonstrar sua têmpera no campo de honra?


Sem a menor esperança de continuar observando a Ginevra às escondidas, Harry se aproximou do grupo e apoiou o ombro contra o suporte da lareira.


- Ainda não era um cavalheiro. - respondeu ironicamente ao mesmo tempo em que aceitava a jarra de cerveja que um servo lhe oferecia.


Gina captou o olhar divertido que trocavam Rony e Harry, foi o próprio Gawin quem lhe economizou perguntar pelos detalhes, ao inquirir:


- Que idade tinha então?


- Por volta de oito anos.


- O que fez para impressioná-la?


- Organizei um concurso com o Rony e Godfrey, a fim de conquistar o coração da donzela com uma habilidade da qual me sentia muito orgulhoso naquela época.


- Que tipo de concurso? - perguntou Lady Elinor, muito interessada.


- Um concurso de cuspe. - respondeu Harry sucintamente. Observou o perfil de Gina, e se perguntou se sorriu diante da suas tolices de menino.


- E ganhou? - perguntou Eustace, tornando a rir.


- Certamente. - Respondeu Harry. - Naquela época eu era capaz de cuspir mais longe que nenhum outro menino da Inglaterra. Além disso, - acrescentou - já tinha tomado antes a precaução de subornar o Rony e o Godfrey.


- Acredito que já é hora de que me retirar. - disse Gina com amabilidade, levantando-se.


De repente, Harry decidiu dar a todos a notícia que tinha tido a intenção de não comunicar a Ginevra.


- Gina. - disse com o mesmo tom cortês que ela tinha empregado - As justas anuais que têm lugar aqui se transformaram este ano em um torneio com regras. Seguindo o espírito da nova trégua entre nossos dois países, Henrique e Jacob decidiram que os escoceses serão convidados a participar.


A diferença de uma justa, que era um concurso de habilidade entre dois cavalheiros, um torneio era uma batalha fictícia em que as duas partes se lançavam à carga uma contra a outra, dos lados extremos opostos do campo, brandindo suas armas, embora de tipos e tamanhos limitados. Embora não existisse nenhum ódio violento entre os combatentes, os torneios eram tão perigosos quanto às batalhas e tinham sido proibidos ao longo de quase dois séculos.


- Hoje mesmo chegou um mensageiro do Henrique confirmando as mudanças. - acrescentou Harry. Ao ver que ela continuava olhando-o com uma amável falta de interesse, Harry acrescentou intencionadamente: - Nossos reis tomaram a decisão ao mesmo tempo em que assinavam a trégua. - Mas ela não pareceu compreender a importância do que Harry dizia até que este acrescentou: - Eu também participarei.


Ao compreender, Gina o olhou com desprezo, depois lhe deu as costas e abandonou o salão. Harry a viu se afastar e, completamente frustrado, ergueu-se, seguiu-lhe e a alcançou justo quando abria a porta de seu dormitório.


Harry manteve a porta aberta, entrou atrás dela, e fechou a porta atrás de si. Diante de seus cavalheiros, ela tinha guardado silêncio, mas agora, em particular, voltou-se para ele com uma amargura que quase ultrapassa a que tinha experimentado na noite da morte do Carlinhos.


- Imagino que os cavalheiros do sul da Escócia também assistirão a essa pequena festa, não é verdade?


- Sim. - respondeu ele laconicamente.


- E a razão pela qual participasse é que já não é uma justa e sim um torneio, não é verdade?


- Vou fazer por que me ordenaram que fizesse.


A cólera desapareceu do rosto de Gina, que empalideceu totalmente desesperançada.


- Tenho outro irmão. - disse encolhendo os ombros. - Não o amo tanto como amei Carlinhos, mas ele te dará ao menos um pouco mais de trabalho antes que o mate. Aproxima-se mais de seu corpo e peso. - O queixo tremia e seus olhos brilhavam de lágrimas contidas. - E depois há meu pai… É mais velho que você, mas é bastante habilidoso como cavalheiro. Também acha a morte divertida. Só espero - acrescentou com voz alquebrada - que encontre em seu coração… se é possível que tenha um... - corrigiu, deixando bem claro que não acreditava que tivesse coração - Não assassinar também a minha irmã. Ela é tudo o que me resta.


Mesmo que soubesse que Gina não queria que a tocasse, para Harry ficou impossível não tomá-la entre seus braços. Ao sentir que seu corpo ficava rígido, tomou a cabeça entre as mãos e a manteve apertada contra seu peito.


- Gina, por favor. -disse com voz rouca - Não faça isto. Não sofra assim. Chore pelo amor de Deus. Grite de novo, mas não me olhe como se eu fosse um assassino.


E então Harry compreendeu que a amava e desde quando. Sua mente retrocedeu instantaneamente ao momento em que se encontrava no bosque, quando um anjo vestido de pajem o olhou com seus brilhantes olhos azuis e sussurrou: «Todas as coisas que dizem que têm feito… não são certas. Não acredito».


Agora por outro lado, acreditava em tudo o que se dizia a respeito dele, e por muito boas razões. Sabia que isso lhe doía mil vezes mais que qualquer ferida que tivesse recebido.


- Se chorar se sentira melhor. - disse lhe acariciando o brilhante cabelo, que parecia cetim entre seus dedos.


Mas sabia instintivamente que o que sugeria era impossível. Tinha passado por tantas coisas e contido as lágrimas durante tanto tempo, que Harry duvidava que nada nem ninguém pudessem obrigá-la a derramá-las. Não chorou ao falar de sua amiga morta, Becky, e tampouco chorou pela morte do Carlinhos. Uma jovem de quatorze anos, com coragem e ânimo suficientes para confrontar o irmão armado no campo de honra, não choraria por um marido que odiava, e muito menos quando não tinha chorado por sua amiga morta, nem por seu irmão.


- Sei que não acredita, - sussurrou dolorosamente - mas manterei minha palavra. Durante o torneio não ferirei nenhum membro de sua família nem de seu clã. Juro.


- Peço que me solte. - disse ela com voz sufocada.


Harry não pôde evitar. Estreitou-a ainda mais entre seus braços


- Gina… - sussurrou.


E ela desejou morrer, porque não podia evitar adorar o som de seu nome quando ele o pronunciava.


- Não volte a me chamar assim. - disse com voz rouca.


Harry deixou escapar um prolongado e doloroso suspiro.


- Ajudaria em algo se dissesse que te amo?


Ela se libertou de seus braços, mas não havia em seu rosto nenhuma expressão de cólera.


- Porque iria ajudar?


Harry deixou cair os braços ao lado do corpo e disse:


- Tem razão. - assentiu.


 


Dois dias mais tarde, Gina saía da capela depois de falar com frei Gregory, que concordou em permanecer em Claymore até que encontrassem um sacerdote permanente. Como toda manhã, os cavalheiros de Harry se exercitavam com as armas e montavam a cavalo, para não perder a prática. O resto do tempo que passavam ao ar livre se dedicavam a investir a lança em riste contra um boneco giratório segurando uma cruz que de um lado estava pendurado uma armadura com um escudo e do outro lado um pesado saco de areia. Um após o outro, cada cavalheiro retornava seu cavalo até o outro lado do pátio, e avançava sempre de ângulos diferentes, contra o «cavalheiro» da cruz. Se a lança não o golpeava exatamente no peito, a cruz girava e o cavaleiro recebia um forte golpe do saco de areia, que nunca errava.


Todos os cavalheiros falhavam uma vez ou outra, dependendo do ângulo e dos obstáculos colocados em seu caminho. Todos os cavalheiros, exceto seu marido, conforme pôde observar Gina. Diferente dos outros, Harry passava menos tempo diante do artefato giratório, e se dedicava mais a adestrar Zeus, como fazia nesse momento. Pela extremidade do olho, Gina observou Harry no lado mais afastado do pátio de treinamentos, com seus musculosos ombros nus brilhantes sob o sol, enquanto fazia com que o corcel desse saltos cada vez mais altos, para depois galopar efetuando giros cada vez mais fechados.


No passado ela não fazia caso dessas práticas diárias, mas à medida que se aproximava o torneio, o que até então não lhe tinha parecido mais que simples exercícios, transformavam-se agora em uma habilidade mortal que os homens de Harry aperfeiçoavam para usá-la contra seus oponentes. Achava-se tão absorvida em observar seu marido, que não se deu conta de que Godfrey se aproximava dela.


- Zeus ainda não pode se comparar a seu pai. - comentou seguindo a direção do olhar de Gina. - Ainda lhe falta um ano de adestramento.


Gina se sobressaltou ao escutar aquela voz a seu lado. Depois de repor-se, comentou:


- Me parece magnífico.


- Com certeza, é. - disse Godfrey. - Mas observe o joelho de Harry… Aí, se dará conta de como tem que movê-lo para frente para que Zeus saiba que tem que girar. Thor teria efetuado o giro com uma pressão apenas maior que esta… - Godfrey estendeu a mão e tocou muito ligeiramente o braço de Gina com o polegar.


Gina se sentiu culpada ao pensar no esplêndido cavalo de cuja morte era responsável. As palavras seguintes do Godfrey não contribuíram em nada para aliviar esse sentimento.


- Em combate, ter que guiar um cavalo com a firmeza com que Harry terá que fazer no torneio, custaria uma vida.


Eustace e Gawin, que acabavam de desmontar, aproximaram-se deles, e o jovem escudeiro, que tinha escutado o comentário de Godfrey, interveio em sua defesa.


- Não há nada com que se preocupar, milady. Harry é o melhor guerreiro vivo que existe… comprovara no torneio.


Ao sentir que seus homens o observavam, Harry fez com que Zeus efetuasse outro giro e depois avançou a trote para eles. Gina estava oculta por Godfrey e Gawin, de forma que ele não a viu até que se deteve diante do grupo.


- Deixe que Lady Ginevra o veja lutar contra o boneco! - exclamou Gawin.


- Estou seguro de que Lady Gina já nos viu praticando mais de uma vez. - disse Harry que declinou o convite e olhou a expressão de sua esposa, amável, mas desinteressada.


- Mas apostaria que nunca o viu falhar. - disse Godfrey, com um sorriso zombador, reafirmando o pedido de Gawin. - Vá, nos demonstre como se faz.


Harry, resistente, assentiu e voltou a montar Zeus, efetuou um giro fechado e depois lançou o cavalo para frente.


- Vai falhar de propósito? - perguntou Gina, que estremeceu ao pensar no forte golpe que os cavalheiros recebiam cada vez que falhavam.


- Observe. - disse Gawin com orgulho. - Não há nenhum outro cavalheiro que seja capaz de fazer isto…


Nesse instante, a lança de Harry acertou um forte golpe no ombro do «cavalheiro», e o saco de areia girou como um relâmpago… e falhou quando Harry se inclinou para o lado com a mesma rapidez. Ginevra apenas pôde conter o impulso de aplaudir aquela ação.


Atônita, olhou primeiro para Eustace e depois para Godfrey, para que lhe desse uma explicação.


- Tem reflexos extraordinários. - declarou Gawin com orgulho. - Apesar de ser todo músculo, Harry é capaz de mover-se com a rapidez de um raio.


A voz de Harry veio a sua mente ao lembrar a que tinha sido uma das noites mais felizes de sua vida: «Observe qualquer guerreiro que tenta evitar flechas e lanças e compreenderá os passos da dança e os movimentos dos pés que tanto lhe surpreende».


- É igualmente rápido com a adaga, a espada ou com o escudo. - acrescentou Gawin, que fez estalar os dedos para dar maior ênfase a suas palavras.


Desta vez, Gina se lembrou com dor, a adaga cujo punho se sobressaía do peito de Carlinhos.


- Foi um bonito truque, - disse em tom gelado - mas isso não lhe servirá de nada na batalha, pois a armadura lhe impedirá de inclinar-se de lado sobre o cavalo.


- OH, claro que pode! - exclamou Gawin, encantado. Depois observou surpreso que Ginevra se afastava amavelmente.


- Gawin, - disse Godfrey furioso - sua falta de percepção me aterroriza. Vá polir a armadura de Harry e mantenha a boca fechada! - Zangado, voltou-se para Eustace e acrescentou: - Como pode Gawin ter as idéias tão boas na batalha e ser um completo imbecil quando se trata de todo o resto?


 


 


 

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