CAPÍTULO 16



CAPÍTULO 16


 


Do grande salão até a cozinha, quase todo o espaço disponível parecia ocupado por convidados que dormiam e servos esgotados, tombados sobre o que tinham ou puderam encontrar para amortecer a dureza das pedras. Um coro de roncos se elevava e descia de modo discordante por todo o castelo.


Gina, que não estava acostumada com aqueles sons tão peculiares que perturbavam a noite escura e sem lua, agitava-se de vez em quando em seu sonho, até que finalmente voltou o rosto sobre o travesseiro e abriu os olhos, sobressaltada por um ruído no dormitório.


Sobressaltada, piscou várias vezes tentando se acalmar e esquadrinhar através da escuridão da estadia. No colchão de palha colocado ao lado da cama de Gina, sua tia se moveu. «Tia Elinor», pensou Gina com alívio; sem dúvida os movimentos da senhora tinha sido o motivo para que despertasse. A pobre mulher sofria com freqüência de rigidez nas articulações, o que fazia que para ela fosse preferível dormir sobre um duro colchão antes e não em um leito macio, apesar do qual não deixava de se mover em busca de comodidade. Gina, já mais serena, voltou a recostar-se, mas imediatamente estremeceu com uma repentina rajada de ar frio... Um grito surgiu em seu peito, mas foi abafado por uma grande mão que se fechou sobre sua boca. Enquanto Gina, paralisada pelo terror, olhava o escuro rosto inclinado a poucos centímetros do dela, Harry Potter sussurrou:


- Se gritar a deixarei sem sentidos. - Guardou um momento de silêncio, à espera que Ginevra se recuperasse do sobressalto e acrescentou: - Me compreendeu?


Gina vacilou e assentiu com um forte movimento de cabeça.


- Em tal caso... - disse ele, afrouxando ligeiramente a pressão em sua boca.


Assim que o fez, Gina afundou os dentes na palma de sua mão e se lançou para a esquerda, para tentar chegar até a janela e gritar aos guardas que se encontravam no pátio. Mas Harry a segurou antes que conseguisse saltar da cama, jogou-a de novo sobre o colchão, de costas, e a mão ferida se fechou sobre seu nariz e sua boca com tanta força que ela apenas pôde respirar.


- É a segunda vez que derrama meu sangue. - resmungou com uma expressão de fúria nos olhos. - E será a última.


«Vai me matar!», pensou Gina precipitadamente. Sacudiu a cabeça freneticamente, ávida por ar.


- Assim está melhor. - disse ele em tom zombador. - É bom que aprenda a me temer. E agora, me escute com atenção, condessa. - continuou fazendo pouco caso de sua resistência. - De uma forma ou outra, vai descer por essa janela. Se me causar um só problema a mais, descerá por ela inconsciente, o que reduzirá suas possibilidades de chegar viva ao chão, visto que não poderão lhe socorrer.


Afrouxou de novo a pressão da mão, apenas o suficiente para que ela levasse ar aos pulmões. Mas apesar de respirar pesadamente em várias ocasiões, não pôde deixar de tremer.


- A janela! - murmurou Gina. - Ficou louco? Está situada a mais de vinte e cinco metros sobre o fosso.


Harry não fez caso da observação e lançou mão da arma eficaz para vencer sua resistência.


- Hagrid tem sua irmã prisioneira, e não a libertará até que eu dê o sinal. Se fizer algo que me impeça, não quero imaginar o que poderia lhe fazer.


Gina sentiu que o espírito de luta que ainda pudesse ter a abandonou completamente. Estava revivendo um pesadelo, e não servia de nada tentar escapar. Na manhã seguinte estaria casada com esse diabo, de forma que uma noite mais ou menos representava muito pouco diante da perspectiva dos anos de desespero e confusão que lhe esperavam.


- Afaste a mão. - disse fracamente. - Não gritarei. Pode confiar...


Aquela última frase foi um engano; no instante mesmo em que as palavras brotavam de seus lábios, viu que o rosto do Lobo se contraía em uma expressão de desprezo.


- Se levante! - falou ele ao mesmo tempo em que a arrastava para fora da cama. Olhou na escuridão, agarrou o vestido de veludo do casamento, que estava colocado sobre um arca, aos pés do leito, e o jogou nos braços de Gina, que cobriu com ele os seios e sussurrou com voz tremula:


- Fique de costas.


- Quer que eu lhe proporcione também uma adaga? - disse ele em tom gélido, e antes que ela pudesse replicar, ordenou: - Se vista!


Uma vez que colocado o vestido, as sapatilhas e uma capa de cor azul, ele a atraiu para si e antes que ela se dessa conta do que pretendia fazer, amarrou um pano negro ao redor da boca amordaçando-a. Uma vez feito isto, obrigou-a se voltar e a empurrou em direção à janela.


Gina olhou aterrorizada para baixo, onde a lisa parede do muro se fundia no profundo e escuro fosso. Era como contemplar sua própria morte. Sacudiu a cabeça com veemência, mas Harry a empurrou de novo para frente, tomou a grossa corda que tinha deixado pendurada no batente da janela e a amarrou com força ao redor do peito.


- Segure a corda - ordenou-lhe em tom implacável, ao mesmo tempo em que envolvia o braço com o outro lado da corda - e utilize os pés para afastar seu corpo da parede. - Depois, sem a menor vacilação, levantou-a e a içou sobre o batente. Ao ver o terror refletido em seus enormes olhos, enquanto ela se apertava ao lado da janela Harry acrescentou em tom áspero: - Não olhe para baixo. A corda é forte e a utilizei para descer objetos mais pesados que você.


Um gemido brotou da garganta de Gina quando as mãos de Harry a seguraram pela cintura e a obrigaram implacavelmente a sair para fora.


- Segure a corda. - repetiu ele.


Gina obedeceu ao mesmo tempo em que ele a sustentava fora da janela e a mantivesse ali durante alguns segundos que pareceram eternos, por cima da água escura que se via lá embaixo.


- Se afaste da parede com os pés. - ordenou-lhe.


Gina, que estava pendurava fora da janela, girando como uma folha açoitada pelo vento, procurou freneticamente a parede com os pés e finalmente conseguiu que deixasse de girar. Afirmou os pés sobre as pedras do muro, de forma que só a cabeça e o pescoço, ficaram por cima da abertura da janela e o olhou aterrorizada.


E nesse momento, pendurada a vinte e cinco metros de altura sobre o profundo fosso, Gina sentiu que uma expressão de desgosto e surpresa aparecia no rosto do Lobo quando tia Elinor se levantou e aproximando-se dele como se tratasse de uma aparição fantasmagórica, perguntou em tom imperioso:


- O que acha que está fazendo?


Harry voltou à cabeça para a senhora e compreendeu em seguida que se encontrava em uma situação tremendamente difícil, pois não podia fazer uso de sua adaga para ameaçá-la ou silenciá-la.


Em qualquer outro momento, Gina teria desfrutado ao vê-lo completamente perdido, mas não agora, quando sua própria vida se achava literalmente nas mãos de Harry. A última coisa que viu dele foi seu perfil. Depois, a corda começou a descer aos puxões ao longo da interminável parede, com ela pendurada de um lado, sem poder fazer outra coisa a não ser rezar e se perguntar o que estaria acontecendo em seu dormitório e por que tia Elinor tinha aparecido daquele modo e precisamente naquele momento.


O Lobo se perguntava o mesmo enquanto olhava à senhora que, por alguma razão incompreensível que só ela conhecia, tinha esperado deliberadamente até esse preciso momento para se apresentar. Harry olhou a corda que lhe roçava os braços, comprovou automaticamente a tensão e finalmente respondeu a pergunta que tinha lhe feito.


- Seqüestrando a sua sobrinha.


- Era o que imaginava.


Harry olhou atentamente à senhora sem saber muito bem se era estúpida ou matreira e perguntou:


- O que têm intenção de fazer a respeito?


- Poderia abrir a porta e chamar o guarda, - respondeu ela - mas visto que têm a Luna prisioneira, provavelmente não deva fazer.


- Não, - disse Harry em tom de vacilação - provavelmente não.


Por um instante que pareceu interminável, os dois se olharam fixamente, se estudando um ao outro.


- Claro que poderia estar mentindo, embora não tenha como saber. - disse a senhora.


- Poderia ser. - assentiu Harry receoso.


- Mas também é possível o contrário. Como conseguiu escalar a parede?


- Como acha vocês que pude fazer? - replicou Harry, que desviou o olhar para a corda, tentando ganhar tempo. Com os ombros tensos e a parte inferior do corpo apoiada contra o muro, continuou soltando corda, pouco a pouco.


- Provavelmente um de seus homens subiu aqui durante o jantar, fingindo um subterfugio. Entrou às escondidas no quarto, amarrou firmemente a corda a essa cômoda situada sob a janela e jogou para fora a outra ponta.


Harry confirmou aquela conclusão, totalmente exata, inclinando levemente a cabeça com um gesto zombador. As palavras seguintes da senhora lhe produziram outro sobressalto, desta vez de alarme.


- Pensando melhor, não acredito que esteja seqüestrando Luna.


O Lobo, que tinha enganado deliberadamente Gina, induzindo-a a acreditar, teve agora a urgente necessidade de que a mulher guardasse silêncio.


- O que a faz pensar assim? - perguntou, esforçando-se por ganhar um tempo precioso, enquanto continuava soltando corda.


- Para começar, meu sobrinho postou guardas ao pé da escada quando eu me retirei esta noite, sem dúvida para impedir que acontecesse algo assim. De forma que, para levarem Luna, teriam tido que escalar o muro esta noite, o que constituiria um problema desnecessário, visto que só necessita da Luna para assegurar que Ginevra consinta em partir com você.


O resumo foi tão conciso e tão correto, que Harry começou a mudar de opinião em relação à senhora.


- Por outro lado, - disse ele com calma, sem deixar de olhá-la atentamente ao mesmo tempo em que calculava a que distância se encontraria Gina do fosso - não pode estar certa de que eu não seja um homem muito precavido.


- Isso é bastante certo. - admitiu tia Elinor.


Harry deixou escapar um imperceptível suspiro de alívio, mas imediatamente se sentiu novamente alarmado quando ela acrescentou:


- Mas não acredito que tenham Luna em seu poder. Em conseqüência disso, farei um acordo.


- Que tipo de acordo? - perguntou ele com o cenho franzido.


- Em troca de não chamar agora mesmo os guardas, também me descerá por essa janela e me levará com você.


Se a senhora o tivesse convidado para deitar-se com ela, o Lobo não se sentiria tão surpreso. Depois de recuperar a compostura olhou o corpo miúdo e frágil, e o perigo que seria carregá-la com ele ao descer.


- Não. - falou.


- Nesse caso, - disse ela ao mesmo tempo em que se voltava e estendia a mão para a porta - não me deixa outra alternativa, jovem...


Harry, que abafou um xingamento de impotência e continuou soltando corda.


- Por que quer vir conosco?


- Porque meu sobrinho tem intenção de devolver a reclusão novamente. - respondeu à senhora abatida - E não posso suportar essa idéia. Além disso, também seria de grande interesse para você se me levar.


- Por quê?


- Porque, como bem sabe, minha sobrinha pode lhe causar muitos problemas. - respondeu tia Elinor - Estando eu presente, entretanto, fará o que eu lhe diga.


Um fraco brilho de interesse apareceu nos olhos de Harry ao considerar a longa viajem que lhe esperava e a necessidade de fazer a toda velocidade. Contar com a cooperação de Ginevra faria a diferença entre o êxito e o fracasso de seu plano. Além disso, ao considerar a rebeldia, a obstinação e a astúcia de Gina, era difícil acreditar que aquela diabinha de cabelo avermelhado aceitaria submissamente os desejos de sua tia. Inclusive notava agora a marca dos dentes de Gina na ensangüentada palma da mão.


- Francamente, isso é algo difícil de acreditar.


A mulher ergueu a cabeça e o olhou com um gesto altivo.


- É nossa forma de fazer as coisas, inglês. É a razão pela qual seu pai mandou me buscar a fim de que eu partisse com ela amanhã.


Harry voltou a pesar os possíveis benefícios de levar a senhora consigo, contrapondo-os às dificuldades que criaria ao tornar mais lentos seus movimentos. Acabava de tomar a decisão de não levá-la, quando as palavras seguintes da senhora fizeram que mudança de idéia.


- Se me deixar para trás, - disse ela lastimosamente - meu sobrinho me matará por não ter impedido que levassem sua filha. O ódio que tem de você supera em muito o amor que sente por mim, e inclusive pela pobre Ginevra. Nunca acreditará que foi capaz de silenciar as duas. Pensará que fui eu quem colocou essa corda aqui.


O Lobo amaldiçoou mentalmente todas as mulheres escocesas, vacilou e finalmente assentiu a contra gosto.


- Está bem, se vista. - disse entre dentes.


 


As costelas de Gina doíam pela pressão da corda e os braços e as pernas por causa dos arranhões produzidos ao roçá-los contra a parede de pedra. Engoliu saliva com dificuldade e olhou para baixo. Na tenebrosa escuridão do fosso distinguiu as figuras de dois homens, que pareciam achar-se de pé sobre a superfície da água. Afastou firmemente aquela idéia absurda de sua mente, cerrou os olhos e distinguiu a silhueta de uma balsa planando. Apenas alguns momentos mais tarde, mãos enormes e apanharam no ar, seguraram-na pela cintura, e roçaram com indiferença os seios. Era Hagrid, que depois de liberá-la da corda a depositou sobre a improvisada balsa, que se balançava na água.


Gina levou as mãos à nuca e começou a desatar a mordaça, mas o gigante se apressou em amarar suas mãos as costas. Continuando, empurrou-a sem olhar para o outro homem que estava de pé sobre a balsa, que a segurou com força. Gina, tremula, encontrou-se olhando fixamente para o rosto inexpressivo de Ronald Potter, que afastou o olhar friamente e levantou a cabeça para a escuridão da janela, por cima deles.


Com movimentos lentos, Gina se sentou na frágil embarcação, e pensou que a vida decididamente tinha deixado de ter sentido para ela.


Poucos minutos mais tarde, exclamou em voz baixa, olhando para cima, em direção ao muro pelo que Gina acabava de descer:


- Que demônios...!


Gina levantou a cabeça com a esperança de ver Harry Potter cair impotente na água, mas o que viu foi à figura inconfundível de um homem que carregava sobre o ombro um corpo miúdo, como se fosse um saco de trigo.


Gina, sobressaltada, estava a ponto de ficar de pé ao ver que o corpo que Harry trazia era o da pobre tia Elinor. Mas a balsa balançou perigosamente e Hagrid se voltou imediatamente para ela. O intenso olhar que lhe dirigiu foi suficiente para que ficasse quieta. Gina esperou, contendo a respiração, e observou o estranho perfil das figuras que desciam lentamente pela corda. Gina não voltou a recuperar o fôlego até que Hagrid e Ronald Potter levantaram as mãos, seguraram seu cúmplice e o ajudaram a descer sobre a balsa.


Harry depositou seu «carregamento» e a balsa começou a deslizar em direção a distante margem. Gina observou simultaneamente duas coisas: que havia diferença no tratamento que Harry dava a ela a tia Elinor, tia Elinor não estava amordaçada para impedir que gritasse e que na margem vários homens atiravam uma corda amarrada à balsa.


Dois brilhantes relâmpagos iluminaram o céu, e Gina olhou por cima do ombro, rezando para que os guardas do castelo descobrissem o que estava acontecendo. Entretanto, depois de refletir, decidiu que não havia razão para rezar que os descobrissem como tampouco havia para que a mantivesse amordaçada. De uma forma ou outra, teria que abandonar o castelo de Weasley na companhia de Harry Potter. E, à medida que começou a diminuir o medo que sentia, decidiu que era melhor sair dali dessa forma que transformada em esposa do Lobo.


 


 


 


Ana Eulina: O Harry realmente vai sofrer mais ainda por causa da Gina. Os capitulos aumentam de tamanho a partir de agora. Abraços.


 


 

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.