CAPÍTULO 17



CAPÍTULO 17


 


A tormenta que tinha ameaçado desabar durante os últimos dois dias, desabou agora com espírito vingativo, e fez com que o céu permanecesse escuro até horas depois de ter amanhecido. A chuva caía com força, açoitando seus rostos e inclinando as árvores menores. Apesar de tudo, o grupo continuou seu lento avanço e se manteve, sempre que foi possível, no amparo do bosque.


Com os ombros inclinados para frente, Harry deixou que a chuva batesse nas suas costas, incomodado em ter que manter a postura a fim de proteger com seu corpo à esgotada mulher responsável por tudo o que lhe aconteceu e que agora dormia inquieta, contra seu peito.


O sol permanecia oculto por nuvens negras, e se não fosse pela chuva já teriam chegado ao lugar que ele procurava. Com expressão ausente, Harry deu uma palmada no reluzente pescoço de Zeus, o magnífico filho de Thor, que levava seu dobro de sua carga com a facilidade própria de sua estirpe. O ligeiro movimento de sua mão pareceu despertar Ginevra, mas ela só se moveu para apertar-se ainda mais contra o calor do corpo de Harry. Em outro tempo não muito longínquo esse mesmo movimento teria feito desejar abraçá-la, mas não agora. Quando tivesse necessidade de seu corpo, utilizaria-o, mas não voltaria a fazer com ternura e gentileza. Faria essa rameira traiçoeira objeto de sua luxúria, e nada mais do que isso. Deixou-se enganar por sua juventude, seus grandes olhos azuis, suas comovedoras mentiras, mas não voltaria mais a acontecer.


Como se desse conta de repente de onde estava e do que fazia, Gina se agitou de novo entre os braços do Lobo, abriu os olhos e olhou ao redor.


- Onde estamos? - perguntou com voz deliciosamente rouca por causa do sono, o que fez com que Harry lembrasse as palavras que sussurrou quando despertou para fazer amor de novo, durante a interminável noite de paixão que tinham passado juntos no castelo de Hardin.


Sua mandíbula se endureceu ao recusar friamente aquela lembrança e desceu o olhar para o rosto, voltado para ele, para observar o desconcerto que agora substituía a sua altivez habitual.


Ao comprovar que ele permanecia em silêncio, Gina insistiu com um fraco suspiro.


- Aonde vamos?


- Nos dirigimos para o este, pelo sudoeste. - respondeu laconicamente.


- Seria uma impertinência de minha parte perguntar por nosso destino?


- Sim, seria. - respondeu ele a contra gosto.


Gina sentiu que os últimos restos de sono se desvaneciam de sua mente, e se endireitou ao sentir o quanto devia ser incômodo para Harry manter o corpo inclinado sobre o seu. A chuva lhe golpeou no rosto ao afastar o casaco que a protegia, e distinguiu as figuras que, envoltas nas capas e inclinadas sobre suas montarias, avançavam entre as árvores do bosque. Ronald Potter cavalgava a sua esquerda, e Hagrid a sua direita.


Tia Elinor estava acordada e se mantinha erguida sobre a sela. Olhou para Gina com um sorriso tranqüilizador, o que indicava que lhe agradava estar em qualquer parte que não fosse na casa em que a tinham mantido presa. Na noite anterior, na balsa, havia dito a sua sobrinha que tinha conseguido enganar o duque e convencê-lo para que a levasse consigo, e isso era tudo o que Gina sabia. Por outro lado, não lhe tiraram a mordaça até que o sono a venceu.


- Onde esta Luna? - Perguntou alarmada pela sorte de sua meia-irmã. – A libertaram?


- Em nenhum momento esteve presa. - disse Harry em tom sarcástico.


- Bastardo! - falou Gina, com fúria.


Harry a rodeou com o braço e a apertou contra seu peito até lhe cortar a respiração.


- Não volte a utilizar nem essa palavra nem esse tom comigo! - exclamou. Ia acrescentar algo mais quando viu um edifício de pedra na ladeira da montanha que se levantava diante deles. Voltou-se para o Rony e levantando a voz por cima do barulho da chuva, disse: - Acredito que chegamos.


Assim que falou, fincou as esporas nos flancos do cavalo, que se lançou a galope. O grupo de cinqüenta homens o seguiu e momentos mais tarde galopavam pelo acidentado caminho, com os protestos de tia Elinor por causa do terreno irregular.


Ao chegar ao que parecia um priorado, Harry reprimiu seu cavalo e apeou sem oferecer sua mão a Gina para que o imitasse. Ela permaneceu onde estava ansiosa por conhecer seu destino, e tratando de escutar, enquanto dizia ao Rony:


- Hagrid ficará aqui conosco. Deixem os cavalos prontos.


- O que fazemos com tia Elinor? E se não puder resistir à viagem?


- Se não puder, terão que encontrar uma casa de campo e deixá-la lá.


- Harry. - disse Rony com expressão preocupada - Não cometa mais estupidez do que já cometeu. Os soldados de Weasley poderiam estar pisando em nossos calcanhares.


- Dedicará a maior parte do dia em convencer o Hastings e Dugal de que não sabia nada da conspiração. Depois, cada vez que perder nossa pista terá que verificar a direção que seguimos. Isso levará muito tempo. Caso contrário, nossos homens sabem muito bem o que têm que fazer. Se dirija para Claymore e, uma vez ali, se assegure de que tudo esteja preparado para resistir um possível ataque.


Com um resistente gesto de assentimento, Rony fez seu cavalo dar meia-volta e se afastou.


- Conspiração? - Perguntou Gina, dirigindo um olhar de ódio ao seu pouco comunicativo seqüestrador. - A que conspiração se refere?


- Que ardilosa e embusteira você é. - disse Harry ao mesmo tempo em que a tomava pela cintura e a fazia descer do cavalo. - Sabe muito bem a que conspiração me refiro, visto que você mesma tomava parte dela. - Segurou-a pelo braço e começou a arrastá-la sem consideração alguma para a porta do priorado. Enquanto avançava a grandes passadas, acrescentou em tom mordaz: - Embora seja difícil imaginar que uma mulher de natureza tão ardente como a sua se comprometa a passar toda sua vida em um convento, a não ter que se casar com um homem… com qualquer homem, incluído eu mesmo.


- Não sei do que está falando! - exclamou Gina. Perguntou-se que nova forma de terror poderia abrigar esse priorado aparentemente pacífico e desabitado.


- Falo da abadessa de Lunduggan, que chegou ao castelo durante a comemoração de ontem à noite, escoltada por um pequeno “exército” próprio, algo que vocês conhecem muito bem. - Levantou o punho e golpeou imperiosamente a pesada porta de carvalho. - A chuva a atrasou e esse foi o motivo pelo qual seu piedoso frei Benedict se viu obrigado a fingir uma enfermidade a fim de atrasar a cerimônia.


Gina, furiosa, voltou-se para ele e replicou em tom de indignação:


- Em primeiro lugar, nunca ouvi falar de Lunduggan, nem de que houvesse uma abadia. Em segundo lugar, que diferença poderia fazer a chegada de uma abadessa? E agora, - acrescentou - me diga, devo entender que me tirou da cama, me obrigado a descer pelo muro de um castelo, arrastada por meia Escócia em meio de uma tormenta, e parado aqui só porque não desejava esperar um dia a mais para se casar comigo?


Harry olhou com insolência o decote molhado e nu de Gina, que não pôde evitar um estremecimento.


- Da valor demais a você mesma. - replicou ele com mordacidade. - Foi necessário que me ameaçassem de morte e tirar todos os meus bens para que eu finalmente me mostrasse de acordo em casar com você.


Harry bateu de novo na porta, com impaciência, e ao término de um instante esta se abria para revelar o rosto alarmado de um frade. Harry se voltou para sua futura esposa e disse:


- Estamos aqui porque dois reis decidiram que nos casássemos com toda a pressa, e isso é precisamente o que vamos fazer. Não merece que se comece uma guerra por você. Também estamos aqui porque a perspectiva de que cortem o meu pescoço ofende a minha sensibilidade. Mas, sobre tudo, estamos aqui porque me atrai irresistivelmente desfazer os planos que seu pai tinha para mim.


- Está louco! - Exclamou ela, indignada. - É um verdadeiro demônio!


- E você, minha querida, é uma bruxa. - replicou Harry imperturbável. E depois de dizer isto se voltou para o horrorizado frade e anunciou sem o menor vacilo: - A dama e eu desejamos nos casar.


O piedoso homem, que vestia a túnica branca e o capuz negro dos dominicanos, olhou o Lobo com expressão de perplexidade, retrocedeu e lhe permitiu entrar no priorado.


- Acredito que… lhe entendi erradamente, milorde. - disse o frade.


- Não, não me entendeu muito bem. - replicou Harry, ao mesmo tempo em que tomava Ginevra pelo cotovelo e a obrigava a segui-lo. Deteve-se e inspecionou meticulosamente as lindas vidraças, no alto. Depois, desceu o olhar para o sobressaltado frade e em tom de impaciência acrescentou: - E então?


Recuperado de sua comoção, o frade, que parecia ter uns vinte e cinco anos, voltou-se para Ginevra e disse com serenidade:


- Sou frei Gregory, minha filha. Se importaria de me dizer o porquê de tudo isto?


Gina, que reagiu imediatamente diante da santidade do lugar onde se encontrava, sussurrou respeitosamente:


- Frei Gregory, têm que me ajudar. Este homem me seqüestrou. Sou Lady Ginevra Weasley e meu pai é….


- Um bastardo traiçoeiro e intrigante. - falou Harry, cujos dedos se afundaram dolorosamente no braço de Ginevra, como advertência de que guardasse silêncio se não quisesse se arriscar de que quebrasse o osso.


- Já… compreendo. - disse frei Gregory com uma admirável compostura. Arqueou as sobrancelhas e olhou para Harry - Agora que descobri a identidade da dama e as circunstâncias supostamente pecaminosas que rodeiam o nascimento de seu senhor pai, seria muito presunçoso de minha parte perguntar sua identidade, milorde? Em todo caso, acredito que poderia me arriscar a supor…


Por uma fração de segundo, Harry se sentiu admirado por aquele frade jovem e impassível que não parecia lhe temer apesar de ser fisicamente inferior a ele.


- Sou… - começou, mas se viu interrompido por Gina, que, zangada, exclamou:


- É o Lobo Negro! O Grande Guerreiro da Escócia! É um besta e um louco!


Os olhos de frei Gregory se mostraram surpreendidos diante da reação da moça, mas sem perder a serenidade, assentiu com um gesto e disse:


- O duque de Claymore.


- Bem, visto que todos nos apresentamos devidamente, - disse Harry em tom áspero - pronuncie as palavras e terminemos com isto de uma vez.


- Normalmente, haveria formalidades a cumprir. - disse frei Gregory com grande dignidade. - Além disso, e a julgar pelo que se ouviu contar neste priorado e em outras partes, este matrimônio é algo que já foi sancionado pela igreja e pelo rei Jacob, em conseqüência, não existe obstáculo algum por este lado.


Gina se desanimou, mas suas esperanças renasceram quando o frade se voltou para ela e acrescentou:


- Além disso, parece-me, minha filha, que você não deseja se casar com este homem. Estou certo?


- Sim! - exclamou Gina.


Depois de um instante de vacilação, e se fazendo de corajoso, o jovem frade se voltou lentamente para o homem poderoso e implacável que permanecia junto à moça.


- Milorde Potter, sua graça, - disse - não posso celebrar um matrimônio sem o consentimento de… - Deteve-se metade da frase, confuso, enquanto o duque de Claymore continuava olhando-o em silêncio, como se esperasse tranqüilamente que frei Gregory lembrasse de algo. Algo que não lhe deixaria nenhuma outra alternativa que fazer o que lhe pedia.


Com um sobressalto de consternação o frade se deu conta do que deveria ter considerado desde o começo, e se voltou de novo para Ginevra.


- Lady Ginevra, - disse com suavidade - não queria se angustiar com o que deve ser uma circunstância humilhante. Entretanto, é do conhecimento de todos que esteve… com… este homem durante várias semanas, e que ele… e você…


- Não foi por minha própria vontade. – sussurrou Gina, consumida de novo por um sentimento de culpa e vergonha.


- Sei. - tranqüilizou-a frei Gregory. - Mas antes de me negar a celebrar a cerimônia, devo lhe perguntar se esta segura de não ter concebido como resultado de… bem, do tempo que passou como refém. Se não se sentir segura, deve me permitir que celebre este matrimônio pelo bem do menino que deve nascer. Em tal caso, seria uma necessidade.


Ginevra ruborizou, pois aquela situação era totalmente humilhante para ela, e a aversão que sentia pelo Harry Potter aumentou até limites insuspeitados.


- Não, - disse com voz rouca - não existe a menor possibilidade.


- Em tal caso, - disse frei Gregory dirigindo-se ao duque - deve compreender que não posso…


- Compreendo perfeitamente. - disse Harry em tom amável e inclusive cortês, aumentando a pressão em torno do braço dolorido de Gina. - Se nos desculpar, retornaremos em um momento, e então poderão celebrar a cerimônia.


Gina o olhou fixamente, paralisada por causa do pânico.


- Aonde vai me levar?


- À cabana que vi atrás deste lugar. - respondeu ele com uma calma implacável.


- Por quê? - perguntou ela ao mesmo tempo em que tentava liberar-se dele.


- Para fazer com que nossas bodas sejam uma necessidade.


Gina não teve a menor duvida de que Harry Potter a arrastaria até a cabana e ali a forçaria para que dessa forma o frade não tivesse mais alternativa que casá-los. A esperança de uma pausa desapareceu, junto com sua resistência, e abaixou a cabeça, derrotada e envergonhada.


- Odeio você. - disse entre dentes.


- Isso é uma base perfeita para um matrimônio perfeito. - replicou Harry com sarcasmo. Voltou-se para o frade e lhe ordenou: - Case. Já perdemos muito tempo aqui.


Poucos minutos mais tarde, unidos para toda a eternidade por um matrimônio que não se baseava no amor e sim no ódio, Harry tirou Gina do priorado e a obrigou a montar em seu cavalo. Depois se voltou e falou rapidamente com Hagrid, que assentiu com um gesto. Gina não conseguiu escutar as ordens que seu marido dava ao gigante, que se voltou e entrou com passo decidido no priorado.


- Porque ele vai entrar lá? - perguntou Gina ao lembrar que frei Gregory segundo ele mesmo havia lhe dito, estava sozinho no priorado. - Esse frade não é nenhuma ameaça para você. Ele mesmo disse que estava no priorado de passagem.


- Se cale. - respondeu-lhe Harry, e montou atrás dela.


Durante a hora seguinte tudo foi confuso para Gina, enquanto cavalgavam pelo caminho transformado em um lodaçal. Ao se aproximarem de uma bifurcação, Harry jogou de improviso das rédeas, obrigou ao cavalo a se introduzir entre as árvores e se deteve, como se esperasse algo. O tempo transcorria enquanto Gina olhava para o caminho e se perguntava o que estaria esperando. E então viu. Hagrid se aproximava rapidamente, sustentando as rédeas do cavalo reserva que galopava ao seu lado. E ricocheteando sobre o lombo do animal, como se jamais tivesse montado um cavalo, estava frei Gregory.


Gina contemplou boquiaberta aquele espetáculo tão cômico, incapaz de acreditar o que viam seus olhos, até que frei Gregory estivesse tão perto que conseguiu distinguir a expressão aterrorizada de seu rosto. Voltou-se para o que já era seu marido, e exclamou indignada:


- Está… louco…! Seqüestrou um sacerdote!


Harry se voltou para ela e a olhou fixamente com expressão serena, em silêncio. Esta atitude de aparente indiferença não fez mais que aumentar a ira de Gina, que exclamou:


- Eles o enforcarão por isso! O papa se assegurará disso! Eles o decapitarão, eles esquartejarão e cravarão sua cabeça em uma lança, e atirarão as vísceras para…


- Por favor, - grunhiu Harry com uma exagerada expressão de horror - conseguirá com que eu tenha pesadelos.


Sua capacidade para brincar com o destino e ignorar o delito que acabava de cometer foi mais do que Gina pôde suportar. Olhou por cima do ombro para aquele ser desumano cujo comportamento escapava a toda lógica, e sussurrou:


- Será que não existe limite algum para sua ousadia?


- Não. - respondeu ele - Nenhum limite. - Voltou para caminho e se dirigiu para Hagrid e frei Gregory, que acabavam de passar a galope.


Gina afastou o olhar do rosto de Harry e se agarrou na crina de Zeus. Olhou com compaixão para o pobre frade, que voltou a cabeça para ela e com expressão de terror lhe pediu em silêncio que o ajudasse.


Cavalgaram até o anoitecer, e só se detiveram tempo suficiente para que os cavalos descansassem e bebessem. Quando Harry fez finalmente sinal ao Hagrid de que se detivesse e encontrasse um lugar adequado onde acampar, Gina se sentia totalmente exausta.


A manhã já estava bem avançada e tinha deixado de chover, e o sol se fez presente, primeiro timidamente e depois com espírito de vingança, arrancando dos vales vapores, o que fez com que Gina, cujo vestido de veludo já estivesse molhado, se sentisse ainda mais incomodada.


Exausta, caminhou até o bosque para atender suas necessidades pessoais longe dos olhares dos homens. Quando terminou, aproximou-se do fogo e dirigiu a Harry um olhar assassino. Ele se dedicava a alimentar a fogueira, aparentemente descansado e sem abandonar sua atitude de alerta.


- Devo lhe dizer que se esta for à vida que levou nos últimos anos, deixa muito a desejar. - respondeu-lhe Gina.


Harry não respondeu, e ela começou a compreender o quanto tia Elinor tinha sentido falta da companhia de outras pessoas durante os vinte anos que tinha permanecido confinada, pois agora conversava animadamente com todo aquele que pudesse escutá-la, tanto faz se estivesse disposto a isso ou não. O silêncio de Harry, que contrastava com a verbosidade da senhora, fazia com que Gina se sentisse desesperada em dar rédea solta à ira que sentia contra ele.


Muito exausta para permanecer de pé, Gina se deixou cair sobre um monte de folhagem, a poucos passos de distância do fogo, e desfrutou da possibilidade de sentar-se perto do calmo lago, alguma coisa que não se movesse e ricocheteasse e lhe fizesse bater os dentes, embora estivesse frio.


- Por outro lado, - acrescentou para continuar com a conversa unilateral que mantinha com Harry - provavelmente encontre prazer supremo em cavalgar pelo bosque, se agachar para evitar os ramos e fugir para salvar sua vida. E quando se aborrecer disso, sempre pode sitiar um castelo, participar de uma sangrenta batalha ou seqüestrar pessoas indefesas e inocentes. Sem dúvida se trata de uma existência perfeita para um homem como você.


Harry voltou à cabeça e ao observar aquela frágil moça de rosto delicado que o olhava com expressão de desafio, quase não pôde acreditar em sua ousadia. Depois de tudo o que tinha lhe feito passar nas últimas vinte e quatro horas, Ginevra Weasley… melhor dizendo, Ginevra Potter, ainda era capaz de sentar-se tranqüilamente sobre um monte de folhagem e ironizar dele.


Gina falaria mais, mas nesse momento o pobre frei Gregory surgiu de entre as árvores, e, ao vê-la, aproximou-se dela com passo vacilante e se deixou cair ao seu lado sobre a macia folhagem. Uma vez sentado, deslocou alternativamente o peso do corpo sobre um e quadril outro, sem deixar de fazer careta.


- Devo admitir… - começou a dizer, antes de fazer uma nova careta - Que não estou acostumado a montar a cavalo.


Gina olhou com benevolência o pobre frade e sentiu que devia sentir muita dor. A seguir lhe ocorreu que o pobre homem não era mais que um prisioneiro de um ser com fama de ser cruel e desalmado, e tratou de apaziguar seus inevitáveis temores o melhor que pôde, dada sua própria animosidade para o seqüestrador de ambos.


- Não acredito que se atreva a lhe matar ou lhe torturar. - disse ao frade, e este a olhou com receio.


- Esse cavalo já se encarregou de me torturar. - afirmou, e, depois de uma pausa, acrescentou com expressão seria: - Entretanto, não pensava que fosse capaz de me matar. Isso seria uma estupidez e não acredito que seu marido seja um estúpido. Temerário provavelmente sim, mas estúpido não.


- Quer dizer que não teme por sua vida? - perguntou Gina, que olhou o frade com respeito ao lembrar o terror que ela tinha experimentado a primeira vez que viu o Lobo Negro.


Frei Gregory negou com a cabeça.


- A julgar pelas três palavras que esse gigante loiro me dirigiu, imagino que me levam com vocês para ser testemunha da inevitável investigação que farão para verificar se estão verdadeiramente casados. Como já lhe expliquei no priorado, - admitiu a contra gosto - só me encontrava ali de visita. O prior e os irmãos tinham partido de manhã para um povoado próximo para atender os pobres necessitados. Se eu tivesse ido pela manhã, como era minha intenção, não teria ficado ninguém para testemunhar os votos que pronunciaram.


Gina sentiu um breve golpe de cólera.


- Se ele tivesse desejado testemunhas para o matrimônio, só teria que ter me deixado em paz e esperar até esta manhã, que frei Benedict teria nos casado. - disse ela assinalando com gesto furioso seu marido, que se achava ocupado em jogar mais lenha ao fogo.


- Sim, sei, e parece estranho que não fizesse. Tanto na Inglaterra como na Escócia, todos sabem que não queria se casar, e inclusive que se opôs violentamente à idéia de se casar com você.


A vergonha fez com que Gina afastasse o olhar e fingisse sentir um repentino interesse pelas folhas úmidas que havia a seu lado, cuja superfície venosa percorreu com um dedo.


- Devo lhe falar com franqueza, - disse frei Gregory com suavidade - porque quando a vi no priorado soube que não é uma pessoa fraca e prefere saber a verdade.


Gina assentiu, envergonhada ao compreender que todas as pessoas de certa importância dos dois países estavam sabendo de que era uma noiva não desejada. E, além disso, que não tinha chegado virgem ao matrimônio. Sentiu-se suja e humilhada, ao pensar nas fofocas de que era alvo do povo.


- Não acredito que suas ações dos últimos dois dias fiquem sem o devido castigo. - comentou zangada. - Tirou-me a força da cama, obrigou-me a descer pelo muro do castelo até o fosso, pendurada em uma corda. Agora seqüestrou você. Acredito que MacPherson e os membros de todos outros clãs terminarão por romper a trégua e o atacarão. - afirmou com mórbida satisfação.


- OH, duvido muito que haja algum tipo de resposta oficial. Dizem que foi o próprio rei Henrique quem lhe ordenou que se casasse com você com toda pressa... Lorde Potter… quero dizer sua graça, não tem feito mais que cumprir essa ordem, e embora seja inevitável que haja um grande alvoroço entre Jacob e Henrique pela forma como foi feito, o duque se limitou a obedecer ao Henrique ao pé da letra, ao menos em teoria, de forma que é possível que este se sinta satisfeito, depois de tudo.


- Satisfeito? - perguntou Gina atônita.


- Provavelmente. - respondeu frei Gregory, assentindo. - Sobretudo porque, igual ao Lobo, Henrique cumpriu tecnicamente ao pé da letra o acordo estabelecido com o Jacob. Seu vassalo, o duque, casou-se com você, e o fez com a maior clareza possível. É evidente que nesse processo fugiu às escondidas de seu castelo, o qual, sem dúvida, devia estar duplamente protegido, e lhe seqüestrou diante das barbas de seu próprio pai. Sim, - continuou, como se falasse consigo mesmo considerando imparcialmente uma teoria dogmática - parece-me que os ingleses acharão tudo isto extremamente divertido.


Ao lembrar o ocorrido à noite anterior no salão do castelo, Gina sentiu que a bílis subia em sua garganta. Não restou mais remédio que admitir que o frade tivesse razão. Os odiados ingleses haviam fanfarronado afirmando que o duque não demoraria em dominá-la, enquanto que os homens de seu clã não podiam fazer outra coisa que olhá-la, sofrendo sua humilhação e sua vergonha como se fossem deles próprios. Mas todos abrigavam esperanças de que, se dela dependesse, não cederia em nenhum momento, o que não só a redimiria como também a todos outros.


- Embora não consiga adivinhar por que razão teve que correr tantos riscos e problemas. - acrescentou frei Gregory.


- Diz que havia uma conspiração. - disse Gina. - Por certo, como é que sabe tanto a nosso respeito e de tudo o que acontece?


- As notícias que se referem a personagens famosos voam de castelo em castelo, freqüentemente com uma rapidez surpreendente. Como frade dominicano, tenho o dever e o privilégio de poder me deslocar a pé entre as pessoas de nosso Senhor. Embora passado a maior parte do tempo entre os pobres, que vivem nos povoados. E onde há povoados, há castelos, as notícias se filtram das mansões dos senhores até as cabanas dos vilarejos, sobre tudo quando essas notícias têm a ver com uma lenda viva, como é o caso do Lobo.


- De forma que todos estão sabendo do motivo de minha vergonha. - disse Gina com voz abafada.


- Não é nenhum segredo. - admitiu o frade. - Mas segundo meu parecer, não há motivo para que esteja envergonhada nem se sinta culpada por... - frei Gregory se arrependeu de suas palavras ao observar a expressão de desconsolo de Gina. - Minha querida menina, peço-lhe que me desculpe. Em vez de lhe falar de perdão e de paz, vos amargo falando de vergonha.


- Não têm necessidade de se desculpar. - assegurou-lhe Gina com voz tremula. - Enfim, você também foi seqüestrado por... Esse monstro, que lhe forçou a abandonar seu priorado do mesmo modo que me obrigou a abandonar minha cama, e…


- Vamos, vamos. - tratou de tranqüilizá-la frei Gregory ao se dar conta de que a moça estava exausta e a ponto de ficar histérica. - Em minha opinião não fui seqüestrado nem tirado a força do priorado. Fui convidado a acompanhar esse homem, o mais corpulento que vi em minha vida. Esse homem também usa um machado de guerra em seu cinturão, com um braço que tem quase o tamanho do tronco de uma árvore. De forma que quando com sua voz de trovão me disse: “Venha. Não sofrera dano.”, aceitei seu convite sem vacilar.


- Também o odeio. - sussurrou Gina apontando Hagrid que nesse momento saía do bosque com dois roliços coelhos que acabava de decapitar com um golpe de seu machado.


- Sério? - Frei Gregory parecia perplexo e fascinado ao mesmo tempo. - É difícil odiar um homem que não fala. É sempre tão calado?


- Sim! - Exclamou Gina. - Basta olhar alguém para que esse alguém saiba imediatamente o que pretende que faça e faz isso sem demora. É um monstro!


Frei Gregory a puxou em um braço pelos ombros e Gina, mas acostumada à adversidade que à compreensão, sobre tudo nos últimos tempos, afundou o rosto no peito do frade e exclamou com voz entrecortada:


- Odeio-o! Odeio-o!


Com esforço para se controlar, separou-se dele. Ao fazer, sentiu a presença de um par de botas negras firmemente plantadas diante dela; levantou lentamente o olhar e enquanto fazia viu as pernas e as musculosas coxas de Harry, sua estreita cintura e seu largo peito, até que finalmente se encontrou com seu olhar de falcão.


- Eu te odeio. - disse para ele.


Harry a observou impassível, em silêncio, e depois voltou os olhos para o frade.


- Cuidando de seu rebanho, frei Gregory? - Perguntou com sarcasmo. - Pregando amor e perdão?


Para estranheza de Gina, o religioso não se mostrou ofendido diante da mordaz crítica, e sim muito envergonhado.


- Temo não ser melhor nisso que em montar a cavalo. - admitiu a contra gosto, ao mesmo tempo em que ficava lentamente de pé. - Lady Ginevra é uma de minhas primeiras “ovelhas”, visto que estou há pouco tempo a serviço do Senhor.


- Pois não parece que seja muito bom nisso. - declarou Harry sem rodeios. - Por acaso não é seu propósito consolar, antes que incitar? Ou persegue, provavelmente, para engrossar sua bolsa e engordar através dos favores de seus senhores? Porque neste último caso faria bem em aconselhar a minha esposa que procure me agradar, em vez de animá-la a me demonstrar seu ódio.


Nesse momento, Gina teria dado sua vida para que frei Benedict estivesse ali, em vez de frei Gregory, pois teria desfrutado muito mais do sermão que sem dúvida ele faria ao duque.


Nesse sentido, entretanto, voltou a julgar mal o jovem frade. Não que ficasse à altura do ataque verbal do Lobo Negro, mas tampouco se intimidou.


- Imagino que não tenha em alta consideração quem usa estas roupas, não é verdade?


- Absolutamente nenhuma. - respondeu Harry.


Gina imaginou frei Benedict avançar com expressão de fúria para Harry Potter como o anjo da morte. Mas, infelizmente, frei Gregory se limitou a parecer interessado e um tanto estranho.


- Compreendo. - disse com amabilidade. - Permita-me lhe perguntar por quê?


Harry Potter o olhou fixamente com gesto de desdém.


- Desprezo hipocrisia, sobre tudo quando aparece revestida de santidade.


- Posso lhe pedir que me dê um exemplo concreto?


- Sacerdotes rechonchudos, - respondeu Harry - com bolsas ainda maiores, que exploram os famintos camponeses a respeito dos perigos da gulodice e os méritos da pobreza. – Girou-se e retornou para junto do fogo, onde Hagrid já se dedicava a assar os coelhos no improvisado espeto.


- OH, santo Deus! - sussurrou Gina um minuto mais tarde, sem se dar conta de que começava a temer pela alma imortal do mesmo homem que momentos antes tinha desejado a perdição. - Tem que ser um herege!


- Se for, comporta-se de um modo muito honrado. - disse frei Gregory em tom pensativo. Voltou-se para o Lobo Negro, abaixado perto do fogo, junto do gigante que o protegia, e acrescentou com suavidade: - Sim acredito que é um homem muito honrado.


 


 


Agradecimentos especiais:


 


Nanny Black: a Tia da Mione é bem esperta mesmo, dobrou o Harry sem ele ter outra alternativa... Realmente a relação do dois ainda vai ter altos e baixos antes de finalmente as coisas se resolverem. Beijos e até o proximo.


 


Ana Eulina: Domar a Gina? O Harry vai precisar de muito tempo para conseguir esse feito e mesmo assim vai sofrer um bocado de humilhação nas maos da ruiva. Quanto ao fato de não ter postado segunda passada e apenas na terca, é que meu HD queimou durante a tarde e eu não pude postar, por isso precisei esperar até terça quando eu postei de um computador da faculdade. Beijos e até a proxima.


 


 

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