Prólogo



Mais uma vez a brisa perpassou pelo seu corpo, desarrumando seus longos cabelos negros. Ele nem ao menos percebeu, apesar do frio estar importunando-lhe um pouco. Lia, introvertido, um dos vários panfletos que haviam espalhados por toda a rua. De acordo com o papel que segurava em suas mãos, os trouxas estavam elegendo um novo representante, como denominavam-no: o primeiro-ministro.

Seus passos eram lentos. Dobrava minuciosamente o panfleto e guardava-o em um dos bolsos do casaco, admirava a sagacidade dos trouxas em relação a específicos assuntos, mas eles possuíam falhas. Era uma tarde deserta naquela cidade, e a paz por ali reinava, ou pelo menos aparentava reinar, e seja de um jeito ou de outro, o garoto se sentia bem com o silêncio. Sem pressa de voltar para casa, decidiu passar pela praça, que estava há apenas uma quadra de distância da rua pela qual caminhava. Ao chegar, sentou-se em um dos bancos.

Próximo, um garotinho dava voltas em torno de uma árvore, enquanto uma menina, sentada sobre um banco, desenhava. Ele parou de dar as inúmeras voltas e cambaleou em direção a menina, mas antes que pudesse alcançá-la caiu. A menina mirou-o com displicência.

- Deve ser assim que o papai se sente após beber e fumar, não acha? – analisou o garoto, deitado sobre a grama, observando o céu.

A garota bufou, antes de dizer:

- Porque não experimenta fumar e beber, pra averiguar melhor?

O garoto não respondeu, provavelmente idéias mirabolantes percorriam-lhe a mente. A garota passou a rabiscar com mais força a folha na qual desenhava, e o giz de cera acabou partindo ao meio, ela se levantou e recolheu a outra metade que caíra no chão. Na mente dela, as idéias pareciam igualmente insanas.

- Essa praça é tão sem graça, não é? – comentou a garota – Não tem cor, é um pouquinho de árvore aqui e ali, então cimento e cimento, cinza e verde não ficam bem...

- Não, de fato. – concordou o garoto. – O que pretende?

- Pintar.

A garota desatou a percorrer o giz no cimento, fazendo manchas coloridas em todo o canto. O garoto resolveu ajudá-la. E ambos pintaram, colorindo, até o giz de cera acabar. Então resolveram correr em torno de todas as árvores do parque, e caíram no chão, e repetiram isso diversas e diversas vezes. Já cansava observar a mesma cena, mas eles pareciam não se alterar. Levantou-se do banco, e saiu para a rua. As crianças nem o notaram.

Chegou a onde não desejava. Ergueu seus olhos, também negros, para a entrada de uma simples casa, qual era igual a todas as outras naquela rua; as únicas diferenças eram os números, obviamente, – o dessa era 12 – e de que essa casa em especial aparentava um pouco mais desgastada e velha do que as outras, porém apenas por fora, quem entrasse nela se surpreenderia.

O garoto permaneceu por mais alguns minutos analisando a porta um tanto iludido. Ele suspirou, antes de dar um passo e abri-la, revelando um pequeno corredor com diversos móveis e belos quadros lustrados, um longo tapete escarlate encobria parte do chão e pendia no teto um lustre com diversos cristais; o corredor dava acesso a várias portas e também a uma escada, que levava ao segundo patamar.

O garoto logo subiu. Foi ao seu quarto e por ali permaneceu por alguns instantes, analisando o panfleto e observando, de sua janela, a rua calma. Seu corpo estava frio, e a cada instante a esperança que o aquecia, se esvaía. Não havia como mudar as coisas, as coisas eram como eram e fim de diálogo. Não, não... Algo dentro dele dizia que não era bem assim, há, de fato, certas coisas que não valem a pena fazer mudar, mas há como fazer para que isso não impeça você de viver em tranqüilidade. Iludir-se com baboseiras era besteira, encher a cabeça de coisas surreais, insanas... Besteira, muita besteira. Era assim que passaria a pensar de agora em diante. As crianças no parque eram bobas, inocentes, tentando aliviar o sofrimento de não ter um pai descente se iludindo com gizes de cera, e rodopios em torno de árvores, bobas!

- Não há modo algum de mudar minha família, e não há modo algum de fazer com que eles me deixem em paz. Régulos estará sempre por ai... – disse o garoto em voz baixa. – Que droga! – irritou-se, e bateu com força no criado mudo que tinha ao seu lado. – Ah! Mas é uma novidade melhor que a outra... Maldito móvel! – disse colocando o dedo cortado na boca, e chutando com ainda mais força o criado mudo.

Desceu as escadas em busca de algo para amenizar o sangramento do corte, que se mostrava profundo, apesar de ter sido pequeno. Foi cauteloso para não topar com nenhum dos membros de sua família, mas infelizmente, isso não ocorreu.

- Sirius! – gritou uma voz indesejada que saia da sala de estar – Por onde andou? – perguntou severamente.

O garoto andou até o cômodo e encontrou sua mãe, lá estava a nobre madame, encontrava-se de pé observando um retrato de seus antepassados com afago. Era uma mulher de cabelos castanhos-escuros, sempre presos a um coque alto, tinha olhos de um azul portentoso, que á muitas pessoas era atrativo, mas que á Sirius, não demonstravam ardor algum, possivelmente por ela não sentir afeto algum pelo garoto, e por não ter motivo algum de encantá-lo, como ela fazia com visitas profícuas. Ele respirou fundo antes de responder a pergunta, tomando o cuidado para usar as palavras certas, e não deixá-la enfezada.

- Estive dando umas voltas pelo quarteirão... – disse simplesmente, contendo a raiva.

A mulher virou de costas para ele. E naquele momento teve uma vontade quase incontrolável de desembestar-se sobre seu pescoço. Ela começou a bater os pés, e isso apenas estimulava-o a fazer aquela diligência, Sirius fechou a mão, forçando suas unhas contra a palma, e o corte que tinha no indicador ardeu. Sua raiva se expandia absurdamente.

- Ah, mas que maravilha! – disse ela por fim, ironicamente – É sempre bom saber que você anda se misturando com esses imundos!

Ele segurou a respiração e fechou os olhos, se concentrou em qualquer outra coisa, e a primeira imagem que lhe veio em mente foi a das crianças no parque, pacíficas, mas de qualquer forma insanas, incríveis, realmente incríveis, tão... Mas tão... Tolas!

- Vai tardar muito para sair? – disse sua mãe petulantemente – Saia daqui! Vamos! Deixe-me só... Eu realmente não sei o que fazer com você, eu realmente...

Sirius saiu, era o melhor a fazer. Os Black estavam exasperados com toda a agitação dos trouxas a respeito das eleições. Viver entre eles não lhes fazia bem, na realidade, saber da existência deles, já não era benfazejo a eles. Régulos, o mais jovem, passava horas, trancado em seu quarto, completamente desnorteado, a Senhora Black, estava ainda mais rude com Monstro, o elfo-doméstico, que acabava, por sua vez, demonstrando ainda menos afeto por Sirius, que não se incomodava que o tratassem mal, talvez porque se acostumara. O tratavam dessa maneira, pois ele era o único que não se importava muito com essa questão de “trouxas” e “sangue puro”, que para sua família eram questões de extrema importância, pois determinavam sua honra.

A cozinha era um ambiente no qual seus familiares não costumavam visitar. Sirius sentou-se em uma das cadeiras que por ali havia, pensava, imaginava, se iludia... Quanta tolice conseguia acumular. Logo sua mãe entrou no cômodo, Sirius não pôde ver, nem se interessava em ver o que ela fazia, pois ele estava de costas pra ela, mas sabia que era ela. Prosseguiu nas suas ilusões, e deixou a realidade de lado, mas foi logo interrompido.

Régulos (um garoto mais baixo do que Sirius porém com os mesmos traços, olhos e cabelos) entrava no aposento com um sorriso largo estampado em sua face, o que abalou ainda mais com o humor de seu irmão mais velho. Com certeza o ‘menino-mais-novo’ encontrara uma maneira de se distrair. Algo de pouco agrado estava por vir... Sirius se virou de frente para a mãe e para o irmão, a pronto de ver o espetáculo, este último por sua vez começou a falar, em um tom manhoso.

- Mamãe, eu passei em frente ao quarto dele e vi um daqueles panfletos nojentos que os trouxas distribuem por toda parte.

O ‘menino-mais-velho’ bufou, estava desperdiçando a paciência com sua família. Notara que o uso da palavra “nojento” havia sido compelido.

- Que ênfase nessa palavra... – ela também notara, Régulos sorriu satisfeito – Ela define bem tanto essas pestes, quanto a sua atitude, Sirius, querido, não acha? – o tom de ironia dela o, estranhamente, acalmou um pouco.

- Mais um deslize de minha parte, então... – disse, em resposta – Mãe, eu só queria... – adiantaria se justificar, quem sabe.

- Já chega! Chega! Não esgote meu tempo com suas baboseiras!

- Não, mas eu...

- Cale essa sua boca, suba imediatamente para o seu quarto! Era só o que me faltava! Além de não receber a carta de Hogwarts não tem capacidade alguma de respeitar a família, isso é falta de respeito Sirius, respeito! Os seus pais não te ensinaram a tê-lo? – ela suspirou – Pelo visto não! – concluiu.

O lançar de desprezo a Régulos não surtiu efeito algum, pois este continuou com o sorriso cínico e satisfeito. Algo na situação inteira havia o aborrecido muito, ela citara Hogwarts. Cogitar a hipótese de que talvez não receberia a carta era devastador para qualquer garoto nascido com pais bruxos. Já tardava a chegar.

Era uma saída. Lá estava, a única oportunidade de evitar sua família durante aproximadamente sete anos. E depois disso, viver por conta própria, longe deles.

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