Capítulo Nove



St. Petersburg, Rússia, três semanas antes da última batalha.

Aquela seria apenas mais uma maldita noite de espera. Todos os acontecimentos estagnados, impossibilidade de mover um só músculo; tudo já estava feito. Ele só precisaria aprender exercitar a paciência, e esperar.

Diabos! Preferia, sem a menor sombra de duvidas, continuar em campo, assassinando mais alguns Comensais para a salvação do Mundo Bruxo, pensou com sarcasmo.

Olhou pela ultima vez o corpo de Severus Snape, com uma corda envolta e seu pescoço e a cara roxa e deformada e soltou um suspiro, do tipo não-aliviado, dando as costas. Sacou a varinha e dando um elegante giro, aparatou para longe daquele local, para um Gostinitsa (1) trouxa vagabundo em St. Petersburg.

Esse era o problema de ficar sem o que fazer por alguns dias, pensou. Ele sempre acabava pensando demais, e isso era péssimo. Sem ter no que se concentrar- já que Snape apenas fora para ver se estava ou não certo com relação à localização das Horcruxes restantes -, ele tinha tempo o suficiente para ficar pensando em suas ações, e aquilo era terrivelmente péssimo.

Pagando a estadia de apenas uma noite em dinheiro trouxa, ele se retirou para seu aposento temporário sob o nome de Yerik Gheorghieff. Tomou um banho quente e se encolheu rapidamente na cama amontoada de cobertores, graças ao frio que fazia. Pensou que, da forma como estava moído e com o aconchego raro que desfrutava agora em uma cama quente, dormiria logo, mas infelizmente estava lamentavelmente errado.

Assim que fechara os olhos, a primeira imagem que tivera em sua mente fora o rosto deformado de Snape. Inspirando profundamente e demonstrando puro desagrado com aquela imagem, ele abriu os olhos.

- Não é hora para ficar se lamentando, droga. – resmungou consigo mesmo.

Pela segunda vez, fechou os olhos e não viu nada. A pouca alegria que sentiu durou nem meio segundo (ou pelo menos lhe parecera), quando imagens de Comensais mortos, suas faces cadavéricas voltadas para ele, estendendo os braços como Inferi tentando alcançá-lo, povoou sua mente e ele acordou assustado. Só então que percebera que conseguira dormir... Por duas horas.

Revoltado, levantou-se da cama e sentiu o frio horrível penetrar fundo em sua pele. Maldito frio russo! Por que diabos escolhera se esconder no fim do mundo naquele momento?

Ele sabia por quê: Voldemort jamais o encontraria ali.

Pegando os grossos cobertores da cama e jogando contra seu corpo, caminhou até o uma mesinha próxima a janela e abriu a garrafa de vodka, bebendo da própria garrafa. O liquido forte, digno de toda boa vodka russa, desceu rasgando sua garganta e não demorou a que ele se sentisse um pouco mais aquecido. Mas isso não aliviou seu humor, obviamente.

Deitando-se novamente na cama, ele ficou encarando as rachaduras do teto, parecendo momentaneamente aborrecido consigo mesmo.

Esse era o maldito problema de ter tempo para pensar, ele lembrou a si mesmo mais uma vez. Isso o fazia perceber como estava combatendo monstros, mas da forma que o fazia se transformar em um deles.

Arranque o necessário, livre-se do desnecessário; em outras palavras, torture, mate, não importa o que faça, apenas chegue aos seus malditos objetivos. Diabos, era assim que eles pensavam!

Passando a mão pelo rosto, Harry suspirou cansado. Sim, era isso... Estava cansado. E, no silêncio de sua mente, ele pode se permitir dizer que estava um pouco assustado também.

Qual era a diferença entre ele um Comensal? Que eles matavam por prazer e Harry matava por honra? Soltou uma risada desdenhosa. Faça-me rir, ele pensou!

Sentou-se na cama, sacando a varinha. Convocou a garrafa de vodka e sorveu mais um longo gole. Assassino e viciado, ele pensou com desgosto de si mesmo. Que belo exemplo de homem! Imaginou o quanto Ginny o olharia com orgulho.

Ginny... Deus há quanto tempo não à via? Há quanto tempo sequer não chegava perto dela, para saber como estava? Com o fim daquela batalha agora tão próximo, ele sequer tinha tempo para respirar. Salvo os bruxos que o treinaram e com quem ele conversara algumas vezes pelos últimos anos, ele perdera o contato com todos.

A única coisa que o deixava ciente de que todos estavam bem eram as noticias no Profeta Diário, que ele quase não observava. Viu uma matéria sobre o goleiro do Chudley Cannons, Ronald Weasley, havia garantido a vitoria do campeonato para o seu time e que na comemoração havia pedido Hermione Granger, do DICAT em casamento, isso há seis meses. Harry se lembrava de ter rido com aquela noticia, e sua risada pareceu algo estranho para si, como se estivesse desacostumado a rir como antes. Mas foi inegável a alegria que sentiu ao saber que seus melhores amigos estavam juntos.

A outra noticia que tivera e que fora de grande importância fora de Ginny, dois anos atrás, pelo Profeta também. Ginny fora uma das que ajudou com o crescimento do DICAT, o Departamento de Investigação Contra as Artes das Trevas.

O Departamento funcionava como um grupo de elite, onde apenas os melhores Aurores conseguiam entrar. Existiriam testes uma vez por ano, onde aspirantes aos tão sonhados cargos dentro do Departamento se submetiam a provas arriscadas e extremamente complicadas. O tradicional Departamento de Aurores do Ministério da Magia, Harry soube dias depois, estava tendo desavenças incríveis com o grupo, dizendo que os mesmos eram “arrogantes” e “prepotentes”. Harry sabia por quê: o grupo antigo começava a ser designado para missões menores, como controlar revoltas ou supervisionar pequenas coisas.

De qualquer modo, pelo menos ele sabia que Ginny estava de volta à Londres, e segura graças aos encantamentos que ele lançara sobre a família Weasley. Nenhum Comensal poderia chegar perto deles enquanto Harry estivesse vivo.

Sobressaltou-se quando o telefone velho sobre o criado-mudo tocou. Com o cenho franzido, atendeu e passou a mão pelo pescoço, como se o massageasse.

- Senhor, Yerik Gheorghieff, o senhor Arman Molotov está aqui. Diz ser urgente.

Harry ficou ainda mais aborrecido com a menção daquele nome. Como diabos o serviço secreto russo já o havia descoberto.

- Mande-o subir. – respondeu rispidamente.

Deixando o grosso cobertor sobre a cama e amontoando-se em suas roupas, ele deu mais um longo gole na garrafa de vodka e foi receber o visitante.

Draco Malfoy parecia tão desgostoso quanto ele. Harry deu espaço para que o homem entrasse em silêncio.

- Como me descobriram tão rápido?

- Nikolaievich está monitorando tudo, até mesmo hotéis trouxas. – Malfoy respondeu com descaso. – Não quer mais problemas, agora que tem que liderar um ministério e o DICAT. E é a terceira vez que usa o nome “Yerik”. Ele apenas supôs que mais uma vez fosse você.

- A última vez que usei esse nome foi há um ano. – Harry franziu o cenho. – Estou admirado.

Malfoy deu de ombros.

- Que seja. Nikolaievich tem informações que julga serem de extrema importância para você.

Harry não foi nem um pouco hospitaleiro com Malfoy; encostou-se à parede e ergueu uma sobrancelha.

- Sobre?

- Voldemort. Ele acredita que isso pode ser decisivo.




Bom, não tinha como ficar pior.

Draco esticou as pernas na enorme cama de casal, no quarto de hóspedes de Sarah e soltou um suspiro, abrindo a camisa branca e passando a mão pelos cabelos, bagunçando-os.

Proteger Potter e Weasley. Isso era realmente um tipo de coisa que o faria gargalhar nos tempos de colégio, se alguém dissesse. Ou talvez o tipo de coisa que faria seu pai morrer de vergonha pelo resto da vida.

Ele ficou um tempo observando a neve cair e se acumular no parapeito da janela de seu quarto, sem realmente prestar atenção nesse fato. Começou a se lembrar de vários momentos de sua vida, inclusive os que estivera obrigatoriamente como um Comensal da Morte.

Fechou os olhos e soltou um suspiro pesado pela boca, cruzando os braços. Os pesadelos eram constantes em sua noite, e ele ainda era capaz de escutar os gritos das vitimas... Tanto como era capaz de se lembrar da sensação de incompetência ao ver a vida de seu pai fugindo de suas mãos. Havia um misto de culpa e rancor naquelas lembranças.

Quando já estava atuando no serviço secreto russo como Auror, poucas semanas antes de vir para Inglaterra e ocorrer a Batalha Final, tivera uma conversa rápida com Potter sobre isso.

Não poderia dizer que eram íntimos para conversas que tanto o incomodavam, uma vez que não chegavam nem perto de ter algo que pudesse ser chamado de “amizade”. Porém, Potter sabia da situação dele uma vez que fora quem o ajudara a montar um plano de fuga para ele e sua mãe; e Malfoy sabia quando deveria ser grato e respeitar uma pessoa, por mais idiota e purgante que ela poderia ser.

“Não vai ser o tipo de coisa que você vai esquecer com o tempo, ou que você vai deixar de ter pesadelos com.”, Potter dissera na primeira noite que aparecera na Rússia, e Iwan Nikolaievich, diretor do DICAT russo havia designado Malfoy para lhe entregar informações importantes a respeito.

Era óbvio que Potter sabia do que estava falando. Vira tantas pessoas morrerem quanto o próprio Malfoy, e ele sabia disso. Não apenas isso, mas Malfoy sabia de alguns poucos horrores que Potter fora obrigado a presenciar nesses seis anos de solidão.

Sua imaginação voou para o dia da morte de seu pai. Voldemort encarava seu servo derramar sangue sem demonstrar a menor piedade possível. “É necessário, meu caro Lucius”, ele dissera, “Para que os outros não cometam a mesma falha que você.”

E ele sequer sujara as mãos para cometer o assassinato. A única coisa que era capaz de se lembrar do executor, antes de cair no chão às lágrimas, segurando seu pai, fora dos olhos negros como a noite e tão impiedosos quanto os de Voldemort. Um Comensal desconhecido.

- Malfoy?

A porta do dormitório se abriu, revelando a imagem de Sarah Madison. Draco parecia tão perdido em seus pensamentos sombrios que não perdera seu tempo a irritando. Ainda deitado na cama, apenas a encarou.

Sarah por sua vez, pareceu abalada com a imagem dele. Os cabelos platinados que estavam sempre impecavelmente arrumados estavam bagunçados e a camisa, amarrotada. Até mesmo suas íris, de um acinzentado tão claro, estavam escurecidas.

Ah, droga, ela pensou. Ela sempre se atraia com aqueles ares desleixados. Volte para sua pose almofadinha, seu idiota.

- Precisamos conversar.

- Sobre? – ele perguntou até mesmo com um ar frio. Ela ergueu uma sobrancelha e sentou-se ao lado dele na cama de casal.

- Rostova. – Sarah respondeu com simplicidade.

Malfoy pareceu brevemente aturdido. Com toda aquela historia de proteção a Potter, havia até mesmo se esquecido de sua real missão ali.

- Ele fez alguma aparição? – perguntou, sentando-se na cama e ficando mais próximo de Sarah.

- Não, continua tão anônimo quanto um fantasma. Na verdade, eu tinha uma dúvida.

Ele estalou os dedos da mão direita e ela se acomodou mais na cama.

- O sobrenome dele tem me deixado intrigada.

Draco ergueu uma sobrancelha.

- É um sobrenome comum para você?

- Bem, não. Mas... Rostova. Rostova. – ela fez uma careta. – É um sobrenome feminino. (2)

- Sei o que está pensando. – Draco deu de ombros, parecendo desinteressado com esse fato. – Nicholas Rostova.

- Nicholas nem é um nome russo, o certo seria -.

- Nikolai. – Ele respondeu por ela. – De fato, é assim que o chamamos lá.

Ela balançou a cabeça.

- Mas -.

- Temos uma teoria por lá. – Draco respondeu calmamente. – Um imigrante que tentou se adaptar ao lugar, sem realmente conhecer nada do mesmo. Teve um filho, e colocou um sobrenome supostamente russo, porque achou bonito. Isso pode acontecer.

- Mas não seria difícil então obter informações sobre ele, da forma que quase não conseguimos obter. – ela objetou. – Você sabe, o cara é pior do que uma névoa.

Malfoy suspirou.

- Sabemos o suficiente: ele é demente e precisa ser preso e julgado. Não há dificuldade nisso, até a Grã-Bretanha está com medo que ele esteja realmente aqui. Foi o que Weasley me disse.

- Como vamos achar uma pessoa que nunca vimos e sequer temos informação? – ela pareceu zangada agora. – Um nome e um padrão. Isso não ajuda em nada.

- Bom, suponho que você concordaria comigo que se tivéssemos sua identidade isso não seria trabalho para nós e sim para a Seção de Aurores. – Draco acomodou-se na cama mais uma vez e fechou os olhos.

- Sim, eu sei. – ela passou a mão pelos cabelos e suspirou. – Mas é que...

Ele abriu os olhos, perfurando os dela.

- O quê?

Ela não respondeu, mas sabia o que estava a incomodando. Alguma coisa não encaixava ali. Mike havia lhe avisado que os russos podiam estar usando aquela historia como um falso pretexto para recolher informações sobre o Reino Unido e o DICAT, mas alguma coisa dizia não ser isso. Não, conversara com Nikolaievich. O homem era honrado além da conta. Eles não cometeriam assassinatos brutais apenas para ter um pretexto.

Mas então, o que era?

- Escute, Madison – Malfoy começou com um tom cansado. – É um assassino em série. Não se tem como prever uma mente dessas. Eles são dementes.

- E aí que você se engana. – Sarah se levantou e alongou-se. – Assassinos em série tem uma mente brilhante.

Ele pareceu desgostoso com aquela resposta.

- É assim que você chama esses assassinatos? Brilhante?

Ela abriu a porta e soltou um suspiro.

- Não. Estou dizendo que ele é um assassino em série organizado.

- Não há relação entre as vítimas. Homens, mulheres e duas crianças, onde nenhuma conhecia a outra. – Malfoy levantou-se também.

- Mas há um mesmo método. E isso que o torna mais perigoso. Qualquer um pode ser a próxima vitima.

Ela foi para a sala, e Malfoy a seguiu.

- Você não parecia preocupada antes com Rostova. – ele a encarou de cenho franzido.

- Nós apenas havíamos conversado sobe ele no Caldeirão Furado por três minutos, no dia da sua chegada. Você me entregou uma pasta de informações e em seguida tivemos que conter uma pequena rebelião de simpatizantes das trevas. Só fui ler o conteúdo agora quando chegamos. – ela explicou. – E Nikolaievich me mandou uma coruja.

Seu próprio diretor não havia mandado uma coruja, mas mandado para uma estrangeira que ele sequer conhecia? Ele franziu o cenho.

- Diz ter encontrado mais dois corpos com o mesmo padrão de Rostova, mas a perícia avisou que são mortes antigas, quase três semanas. Ele disse que seria bom usar o DICAT britânico porque está certo de que ele pode ter se movido para cá. De qualquer modo, mandou uma coruja para a Itália, os locais com maiores probabilidades. Diz ter mandado uma coruja para Mike também.

Malfoy continuou de cenho franzido. Por fim, soltou um suspiro pesado.

- Pois bem. Estou com fome.

Ela fez uma careta. Que diabos aquilo tinha a ver com a investigação.

- Ajudo você a cozinhar ou vamos jantar fora? Vamos jantar fora. – ele decidiu antes que ela pudesse abrir a boca. – Você não tem cara de quem cozinha alguma coisa sem queimá-la.

Sarah arregalou os olhos, obviamente ofendida. Malfoy apenas sorriu.

- Vamos doçura, arrume-se muito bem pois vai jantar no melhor restaurante em toda Londres.

Ela ainda o encarava daquela forma incrédula. Balançou a cabeça, e disse aborrecida algo sobre como cozinhar bem, mas não reclamou sobre ir jantar fora. A porta fechou-se atrás de si e Malfoy esperou alguns segundos apenas para até sua mala de viagem e pegar o espelho de duas faces.

- Nikolaievich. – Malfoy o chamou aborrecido e demorou um pouco até que o russo aparecesse na imagem do espelho.

- Algum problema?

- Sim, há. – ele franziu o cenho na direção do chefe. – Que historia é essa de me deixar no escuro com relação a informações?

Ele não pareceu arrependido.

- Não o deixei no escuro. Mandei uma carta para Sarah Madison, e deixei claro que esta informação deveria ser passada para você.

- Da (3), mas você preferiu entregar essa mensagem para uma estrangeira do que para alguém do seu próprio departamento? Já é bastante ruim essa mulher ter tido acesso ao meu dossiê e eu nem ter capacidade de saber se é uma pessoa confiável.

- Madison é ótima, não há razão para se preocupar com ela.

Malfoy o encarou como se fosse capaz de socá-lo mesmo a distância.

- Você sabe alguma coisa sobre ela?

- O suficiente. – Nikolaievich encolheu os ombros. – Mãe britânica, pai americano. Nasceu em Londres, mas morou quase toda a vida nos Estados Unidos, em Boston. Formou-se como Auror no Canadá e fez algumas atuações importantes antes de entrar no DICAT.

- Em suma, você leu seu dossiê.

- Da.– mesmo que o seu chefe não sorrisse, ele foi capaz de sentir a animação em sua voz. – Em uma boa previsão, espero integrá-la no serviço secreto.

Ele franziu o cenho mais uma vez. Já era ridiculamente difícil entrar no DICAT russo, quanto mais o serviço secreto. Ele demorara quatro anos para conseguir esse feito, isso porque Nikolaievich já o considerava excepcionalmente bom. E agora Madison...

- Quero ler seu dossiê. – Malfoy retrucou seriamente. Seu chefe ergueu uma sobrancelha.

- Não confia em seu chefe?

- Eu não confio é nela.

Ele bufou.

- Pois bem. Envio uma coruja hoje mesmo. Mas, Malfoy.

- O que é?

- Duvide de qualquer um aí, menos dessa mulher. Isso arruinaria meus planos de tê-la para a Rússia.

- Sim, senhor.

Até parece, Draco pensou encarando sua própria imagem agora no espelho.




- Eu quero todos os detalhes. – a Sra. Weasley anunciou para ela assim que chamara Hermione, Fleur e ela para a cozinha, para ajudá-la a servir o jantar no quintal.

Ginny a encarou assustada, antes de parecer incerta.

- Detalhes...

- Ora, os detalhes sobre você e Harry! – ela trovejou e Ginny quase derrubou a travessa de batatas.

- Eu e Harry? – ela perguntou com a voz sufocada. Lançou um olhar para Hermione do tipo “eu-vou-acabar-com-a-sua-vida”, e a cunhada veio imediatamente em seu auxilio.

- Bem, Sra. Weasley, a senhora sabe, saiu em todos os jornais, incluindo o Semanário das Bruxas -.

- Não quero saber. – A Sra. Weasley abanou uma das mãos, como se estivesse afastando um mosquito incômodo. – Quero ouvir essa história da minha filha, depois de passar duas semanas escutando o quanto ela não queria saber de um relacionamento por um bom tempo.

Fleur soltou uma risadinha titilante.

- Bem, quem resistiria ao charrme de Arry? Ele é encantadorr. Virram quando ele e Ginn chegarram?

Ah, claro, a farsa tinha começado. Harry envolvera sua cintura de modo gentil e sussurrado coisas em seu ouvido. Sem contar quando estavam na sala, e ele conversando com o Sr. Weasley, Bill e Charlie e olhava para Ginny e sorria como se fosse o homem mais apaixonado de todos. É óbvio que Fleur, Molly e Hermione iriam reparar nisso.

Ah, Deus, em que balaio de gatos eu me enfiei?

- Ginny... – a matriarca cruzou os braços e a encarou de modo severo. Ginny esforçou-se para abrir um sorriso encantador.

- Ah, mamãe, ficou tudo mais difícil de cumprir quando revi Harry. – ela encolheu os ombros. – É como se eu percebesse os erros que eu fiz por todo esse tempo, como se eu tivesse que na verdade apenas tê-lo esperado.

- Isso me surpreende. – A Sra. Weasley respondeu com as sobrancelhas erguidas. – Você sempre foi muito certa de suas decisões e atitudes, e quando disse que não queria se envolver, isso me pareceu uma dessas suas decisões.

Por que sua mãe tinha que conhecê-la tão bem? Droga.

- Sim, é verdade. – ela balançou a cabeça. – Mas depois de escutar tudo o que Harry havia dito para mim... Bem, foi como um sonho, mamãe. Eu não sei, apenas quero estar com ele. Eu tenho o direito de ser feliz, não tenho?

Pronto. Tocara em um ponto fraco. Molly Weasley pareceu horrorizada.

- É claro que você tem esse direito, Ginny, pelo amor de Deus! E Harry... Bem, você sabe o quanto gosto de Harry, eu fico feliz que vocês estejam juntos. Apenas... Apenas não magoe o rapaz e se magoe.

- Não tem como nos magoarmos. – Ginny sorriu para a mãe, levando as batatas para o quintal. Hermione se apressou para ficar ao seu lado.

- Eu juro que quase cai de tanto que tremia. Pensei que Molly fosse descobrir. – ela sussurrou para Ginny, que franziu o cenho.

- Estou mentindo para minha família, Hermione. Espero que você se lembre disso.

O resto dos Weasley acenou aprovadoramente para elas quando apareceram com os pratos e os colocou sobre a mesa. O estômago de Ron roncou ruidosamente e Emilie riu com a cena, dizendo uma frase em francês que fez tanto Bill quanto Fleur rirem.

- Ela perguntou se você está passando fome, Ron. – Bill disse aos risos, fazendo Ron franzir o cenho.

- Ora, vá a -.

- Olhe o respeito à mesa. – A Sra. Weasley ralhou. – E mostre algum tipo de educação para seus sobrinhos.

Ron olhou com cara feia para Emilie e Adam, filho de Fred, que também gargalhava.

Os lugares logo foram acomodados pelas mulheres e Ginny percebeu que o único lugar vago para ela era ao lado de Harry. Segurando um suspiro, sentou-se ao lado dele e para dar veracidade ao fato, beijou-o rapidamente na bochecha e perguntou se gostaria que ela o servisse.

- Posso fazer isso, obrigada. – Ele sorriu e deu um breve beijo estalado nos lábios de Ginny. Ela não esperava por isso e ficou momentaneamente sem reação, enquanto ele se servia das batatas como se aquilo não tivesse sido nada.

- E então Ron, Hermione. – o Sr. Weasley começou enquanto bebia suco de abóbora. – Como estão os preparativos para o casamento?

- Está indo tudo bem. – Hermione respondeu com um sorriso. – Depois de amanhã iremos ensaiar a entrada na igreja e determinar as lembranças para os convidados. A maior parte dos preparativos já está pronta.

A Sra. Weasley sorriu com lágrimas nos olhos.

- Ah, é tão bonito ver como meus meninos estão grandes! Ainda consigo me lembrar de Ron fugindo de aranhas de brinquedo que Fred e George jogavam em cima dele.

A mesa explodiu em risadas, fazendo Ron ficar com as orelhas vermelhas. Hermione riu e olhou para o noivo carinhosamente.

- E a alegria não poderia ser maior agora que tudo está bem. A Batalha foi vencida e Harry está bem.

Harry terminou de beber o suco e sorriu para o Sr. e a Sra. Weasley.

- E então, Harry, já pretendeu o que vai fazer de agora em diante?

Ginny atarefou-se de encher sua boca de comida para não ajudá-lo a responder. Harry assentiu.

- Recebi uma proposta de Michael Stuart para trabalhar no Departamento.

- Mais um Auror na família. – Fred brincou.

- Preciso passar por um treinamento primeiro. – Harry sorriu ao responder. – Não vou ser imediatamente um Auror.

- Treinamento? – indignou-se Fleur. – Depôs de tudo o que você passou?

- Há varias coisa que o treinamento vai me ensinar. – Harry contrapôs. – Coisas que não tive tempo de aprender em todo esse tempo.

Mais uma vez Ginny sentiu que havia algo de errado ali. Imediatamente não se sentiu enganada pelo seu instinto, uma vez que se lembrou da historia de ser ruim em poções. Ela o encarou e ele apenas piscou maroto para ela.

O que você esconde, Harry? ela se perguntou.
Em seguida, começaram as perguntas sobre o mais novo casal. Onde Harry iria ficar? Na casa de Ginny. Como foi o reencontro? Harry contou essa parte, fazendo os olhos de Fleur brilharem mais uma vez. Qual foi a sensação, Ginny? Como se minha vida tivesse enfim tido um sentido, ela respondeu.

- Eu pensei que Hammet estava se recusando a assinar os papéis do divórcio. – George comentou de boca cheia.

A mesa inteira dirigiu seus olhares para Ginny, e ela sentiu Harry ficando tenso. Droga, essa não era a melhor maneira para que ele soubesse; ele ainda não havia lido o jornal e ela ainda não havia contado para ele. Contudo, ele apenas se manteve em silêncio e olhou para ela. Ginny teria engolido em seco com aquele olhar se todos não estivessem atentos à sua reação.

- Bem – ela pigarreou. – Ele me ligou e nós conversamos. Não sei como, mas consegui convencê-lo de que aquela seria a melhor maneira para acabar o que nunca deveria ter começado.

Todos pareceram aceitar bem a mentira e voltaram a conversar alegremente sobre outros assuntos, mas Ginny sabia que seu jantar havia estragado ali. Ela estava tensa ao lado de Harry. Harry, por mais que sorrisse e desempenhasse bem seu papel, também estava tenso. E Ginny poderia jurar que Hermione também estava tensa.

Ah, droga.




Sarah Madison era uma caixinha de surpresas.

Ele tinha que se convencer que o primeiro pensamento que cortou sua mente ao dizer que a levaria para o restaurante mais caro de Londres era apenas para se divertir: afinal, Madison era realmente uma linda mulher, mas isso não escondia o fato de que ela era uma Auror. O tipo de pessoa que coloca a profissão na frente da vida social. O modo de andar, o ar arrogante de todos os Aurores de elite. Ele pensou que seria engraçado vê-la se desesperar por não ter uma roupa decente ou seja lá o que fosse.

Estava redondamente enganado, entretanto.

Estava relaxado no sofá do apartamento de Madison, com as pernas esticadas e a cabeça encostada no sofá, de olhos fechados, quando ela anunciara estar pronta. Ao abrir os olhos e seu olhar cruzar com a figura feminina parada no inicio do corredor ele teve certeza de que havia tido o péssimo habito que desenvolvera desde a infância: julgar precipitadamente.

Os cabelos longos e negros estavam presos e alguns fios desprendiam-se propositalmente, emoldurando-lhe a face. Havia dado um destaque especial aos olhos, fazendo com que ele se sentisse bobo ao perder o ar ao deslumbrar o brilho azul dos mesmos. Os lábios cereja haviam recebido um cuidado também, mas nada que ficasse vulgar demais.

Ai meu Merlin, ele pensou quando seus olhos desceram para o vestido preto de tecido leve que parecia deslizar como uma luva por seu corpo. Ignorando o vestido, ele sentiu a boca ficar estranhamente seca quando vislumbrou as pernas longas e bem torneadas dela.

- Bom, estou pronta. – ela disse casualmente, parecendo ignorar o olhar embabascado dele e jogando a capa com alguns detalhes em branco sobre os ombros.

Malfoy pigarreou, parecendo aborrecido com sua súbita atitude e levantou-se, dirigindo-se até ela, segurando a própria capa em um dos ombros.

- Vamos conversar sobre a missão? – ela perguntou calmamente.

- Não. Apenas vamos aproveitar uma noite jantando em um bom lugar.

Se ele achava que não poderia ficar mais impressionado, fora um tremendo idiota. A forma de caminhar, a educação que ela tivera ao chegar ao lugar o deixara se perguntando se ela era de fato a mesma mulher que vivia lhe dando respostas grosseiras.

Como se sair com ela fosse algo realmente agradável.

Eles fizeram seus pedidos e, enquanto esperavam bebiam calmamente vinho.

- Pela que pude ver, você e Ginny se conhecem há algum tempo.

- Não posso dizer que nos conhecemos. – ele deu de ombros. – Existe uma encrenca antiga entre Malfoys e Weasleys. Era comum nos esbarrarmos em Hogwarts apenas para brigarmos.

Ela abriu um pequeno sorriso.

- Aposto como eram selvagens quando crianças.

Draco Malfoy riu.

- Apenas os Weasleys, sabe como eles são.

Sarah girou os olhos e balançou a cabeça.

- E você? Eu não me lembro de você em Hogwarts.

Ele sabia que ela não havia estudado em Hogwarts, graças à conversa que tivera com Nikolaievich, mas não poderia simplesmente dizer algo como “E então, onde você estudou?”, uma vez que ele supostamente não sabia nada sobre ela.

- A menos que você tenha feito um intercâmbio para a América do Norte, creio que nunca nos vimos antes. – ela deu um gole em sua taça e o encarou. – Estudei no Instituto das Bruxas de Salem. Meus pais haviam decidido que ali seria o melhor lugar para os meus estudos, então morei quase que minha vida inteira nos Estados Unidos.

Draco Malfoy ergueu uma sobrancelha.

- Diz que é uma escola muito rigorosa. Apenas bruxos e bruxas incrivelmente talentosos conseguem uma vaga ali.

Sarah apenas abriu um largo sorriso e encolheu os ombros.

- Sou uma garota de sorte, por assim dizer.

Não demorou muito para que seus pedidos chegassem, e ambos agradeceram ao garçom, que abriu um sorriso excepcionalmente maior para Sarah. Malfoy fez uma careta e olhou para a mesma, que apenas sentiu o aroma do alimento e soltou um suspiro em verdadeira apreciação.

- Seus pais continuam morando nos Estados Unidos?

- Atualmente eles estão viajando o mundo. – ela abriu um sorriso divertido com aquilo. – Papai se aposentou há algum tempo e vendeu a casa. Antes que eu fosse chamada para trabalhar para o DICAT papai havia me dito que era seu sonho de minha mãe conhecer o mundo e que iria concretizá-lo nem que fosse a ultima coisa que fizesse da vida.

Eles se encararam por um momento. Ela é agradável, Malfoy teve esse estranho pensamento. Quem diria que aquela mulher estressante fosse assim?

E linda. Ah, diabos, ele já havia reparado nisso desde que voltara para a Grã-Bretanha, mas agora podia observá-la de perto.

Sarah também havia erguido os olhos e o encarava.

Houve um pequeno momento de silêncio, em que ambos os olhares se estudavam, antes que a explosão no início do restaurante os despertasse de seus pensamentos.

Continua...



VOCABULÁRIO
(
1)Gostinitsa:Hotel, em russo. Isso seria como a palavra seria pronunciada, uma vez que o alfabeto russo é diferente do nosso alfabeto (eles usam o alfabeto cirílico)
(2)Rostova: Na língua russa, geralmente sobrenomes acabados em “a” ou “vna” são femininos. Exemplo: Iwan Nikolaievich, Semyonov (João filho de Nicolau da família de Simeão), Olga Nicholaievna, Semyonova (Olga filha de Nicolau da família de Simeão).

(3)Da: Sim, como seria a palavra pronunciada, em russo.








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