À Mercê



Estava tudo muito escuro e silencioso. Apenas uma luz fraca vinha de algum lugar
um pouco mais distante. Estava frio, o ar quase álgido lhe doía os pulmões. Não,
não era o ar gelado que lhe doía o peito... seu corpo estava todo dolorido.
Sentiu que estava deitada em algo duro e frio. Com dificuldade, ergueu-se
tentando colocar-se sentada.



Respirando fundo e lentamente, Hermione tentava manter a calma para analisar com
frieza o que estava acontecendo. Seu braço e ombro esquerdo estavam dormentes,
certamente por ter estado na mesma posição por muito tempo; o pescoço também
doía, uma dor que irradiava para os ombros e descia para as costas. Seu peito
estava ardendo e doíam como se tivesse sido pisoteado... e a cabeça latejava
numa dor aguda e profunda.



Bateu-lhe um arrepio. Não saberia dizer se era medo ou frio. O ar estava gelado,
mas as noites de fim de verão não são tão frescas assim. Parecia ser o final do
outono. Então começou a lembrar-se do que aconteceu antes de estar ali caída.
Olhou em volta e viu muitos objetos espalhados pelo lugar, pareciam móveis, mas
a pouca luz não permitia distinguir com exatidão. Lembrou-se de ter sido atacada
por um sujeito encapuzado "Droga! Mas que idiota eu fui! Deveria ter levado a
sério o aviso de Snape!". Levantou-se com muita dificuldade, estava tonta e
sentia muitas dores. Se lembrou de ter entrado na loja de antiquários e logo
depois ser atacada por um feitiço estuporante. Não tinha certeza, mas
lembrava-se de um senhor idoso que havia lançado um feitiço sem varinha contra o
comensal. Lembrou-se do barulho ensurdecedor dos relógios badalando. Olhou em
volta, apoiada a um balcão ou coisa parecida. Percebeu uma parede de vidro por
onde passava uma fraca luz... não, não era parede, era uma vitrine. Respirou
aliviada ao constatar isso. A visão já se acostumara com a pouca luz e pode
perceber os objetos espalhados pelo lugar... estava dentro de uma loja,
provavelmente a mesma loja que entrara. Felizmente, não estava presa em nenhuma
cela ou coisa do tipo.



"_O que será que aconteceu? Pra onde foi aquele comensal? Por que eu fiquei aqui
caída? Isso não faz sentido algum!" - As indagações iam martelando em sua
cabeça, só fazendo a dor latejante aumentar. Sentiu-se extremamente cansada,
suas energias se exaurindo, estava com muito frio e dor, mas não suportava mais
estar dentro daquele lugar, respirando aquelas coisas com odores de mofo e
poeira. Precisava sair dali, encontrar ajuda.



Com muita dificuldade, caminhou até a porta. Procurou por sua varinha nos bolsos
de seu vestido, mas não encontrou. Não estava nem com ânimo e nem com energia
para procurar pelo chão. Simplesmente colocou a mão na maçaneta e torceu para
que a porta não estivesse trancada. Por sua sorte, a porta era dessas que se
trancam apenas pelo lado de fora, podendo ser aberta normalmente pelo lado de
dentro.



Quando saiu, um arrepio passou por todo o seu corpo. Estava ainda mais frio lá
fora, que chegava a formar leves nuvens de sua respiração e dos lampiões que
iluminavam a ruela. Era o mesmo beco que havia entrado. Foi caminhando
cambaleante, escorando-se nos muros, até a rua da frente, que julgava ser a rua
principal do Beco Diagonal e que, de fato era. Ao chegar com muito esforço ali,
seus ossos pareciam congelar com a rajada de vento frio que a recepcionou. Olhou
para todos os lados e não viu absolutamente ninguém, nenhuma alma viva, nem um
gato ou mesmo um rato. Um calafrio gelou-lhe a espinha. Estava com medo, mas
tinha que controlar-se para não cair pânico.



Foi andando, ainda se escorando pelos muros, a esmo pela rua principal.
Precisava encontrar alguém, qualquer pessoa, até um fantasma serviria! As dores
pareciam se intensificar com o ar gelado e suas energias estavam no fim. "Se eu
cair desmaiada aqui, será meu fim! Preciso encontrar alguém! Por que está tudo
tão deserto! Isso não é normal! Sempre há movimento no Beco durante toda a
noite!". Tentou olhar em vão a hora no seu relógio de pulso, não havia claridade
suficiente para enxergar os números... sentiu que sua vista estava falhando, que
estava começando perder a consciência. Não podia deixar ser vencida pela
exaustão. Tentou caminhar mais rápido, até conseguir virar uma esquina.



Teve a impressão de ter visto dois vultos ao longe. Sentiu uma irracional
felicidade de finalmente encontrar alguém. Mas, o último esforço que fez para
chegar até ali, sugou todo o pouco de energia que continha e sentiu seu corpo
desabando, embora tentasse inutilmente se manter firme apoiada no muro, mas logo
estava caída, sentada no chão frio, sentiu como se estivesse sendo engolida
pelas trevas, a visão e a audição sumindo. Mas, ainda precisava lutar para
manter-se consciente e assim o fez, por um breve tempo, pelo menos.



Os dois homens em longas vestes negras e capuzes chegaram rapidamente até aquele
amontoado que não era possível identificar ao longe pela pouca luz do ambiente.
Um deles parecia se divertir, pois não parava de falar alto e rir. O outro
permanecia quieto, como se apenas se prestasse a ouvi-lo, mas sem dar-lhe
atenção.



Quando estavam bem próximos daquele amontoado de pano, puderam perceber que
tratava-se de uma pessoa, que estava sentada e encolhida naquela calçada. O
homem alegre aproximou-se, com varinha em punho, falando em tom de zombaria.

_Ora, ora, o que é que temos aqui?

A voz que Hermione ouvia parecia muito distante e parecia-lhe estranhamente
familiar. Sentiu que algo levantavam-lhe os cachos que caiam sobre o rosto. Já
não conseguia enxergar nada além do escuro e não conseguia ouvir nada mais além
de um zumbido fraco. Teve um pressentimento ruim, que aumentou-lhe ainda mais o
medo.







_Hoje é nosso dia de sorte, Severus! Encontrar uma beldade como essa caidinha e
tão indefesa assim... oh, que trouxa mais sem sorte!



_Lumus! - O outro homem conjurou o feitiço que fez a ponta de sua varinha
acender uma pequena luz, mas que era suficiente para iluminar ao seu redor.
Abaixou-se em direção a moça e ao cara alegre.



_Você é um idiota, Lucius! Estamos no Beco Diagonal, não há como ter trouxas
aqui. Com certeza é uma bruxa!



_E que diferença isso faz? É sangue-ruim do mesmo jeito!



_Ela está muito mal... - Severus afastava os cabelos da moça para enxergar seu
rosto. Felizmente, seu capuz cobria-lhe metade do rosto, ocultando-se, assim,
sua expressão preocupada. _Ela deve ter sido atacada por um dos nossos... -
apesar do temor, sua voz era fria, como sempre.



_Então vamos acabar o serviço! O Lord não irá gostar nada de descobrir que houve
um sobrevivente dos ataques de seus fiéis seguidores! Com certeza, foi um
daqueles idiotas que deixaram o serviço inacabado.



Lucius apontava a varinha para a moça e já conjurava uma maldição, quando
Severus o interrompeu bruscamente.



_Não! Não ainda!



_O que foi, Severus! Amoleceu diante da beleza da sangue-ruim?!



_Fácil pra você falar isso quando tem uma mulher como a Narcisa ao seu lado... -
o rapaz dirigia um sorriso malicioso.



_Ah, tá, entendi! Então, bom divertimento! O acompanharia nessa se eu não
tivesse tantos pudores! - Lucius mantinha um largo sorriso numa voz falsete e
sarcástica.



_Pudores? Você?!



_Qual é, duvida de minha dignidade?! Recém-casado e com a mulher grávida... bem,
esse tipo de divertimento parece inadequado, agora. E depois, a garota tá mais
morta do que viva! Vou deixá-la de presente para você, Severus. Até qualquer
outro dia!



Lucius desaparatou, para alívio de Severus.







Ele retirou a luva da mão direita e espalmou sobre a face da garota,
experimentando sua temperatura. Estava ardendo em febre. Estranhou as
vestimentas da moça, pareciam vestimentas trouxas e eram leves demais praquele
tempo frio. Retirou o casaco que usava por baixo da veste de comensal e envolveu
a garota com ele. Em seguida, envolveu-a em seus braços e a ergueu para o colo,
como se fosse uma carga extremamente preciosa. Hermione estava no fim de sua
consciência, então ainda pode perceber todo aquele gesto. Sentiu-se aconchegada
com o calor que estava recebendo e seus temores cessaram quase que
completamente, deixando sua consciência cessar de vez... uma frase ecoava em sua
mente até adormecer: "Eu irei protegê-la, Hermione. Estarei ao seu lado todo o
tempo"...



O homem desaparatou do local, levando consigo uma Hermione totalmente entregue a
mercê do destino.

 



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Fim do Capítulo III - continua...

By Snake Eye's - 2004

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